Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 07040/13 |
Secção: | CT - 2.º JUÍZO |
Data do Acordão: | 01/16/2014 |
Relator: | BENJAMIM BARBOSA |
Descritores: | RECLAMAÇÃO - NULIDADE – INDEMNIZAÇÃO COMPENSATÓRIA |
Sumário: | - A indemnização compensatória incorpora uma verdadeira função punitiva ou sancionatória da responsabilidade civil, aparentada com a figura dos punitive damages do direito anglo-saxónico. Ou seja, visa atribuir ao lesado uma compensação por danos que foram provocados na sua esfera jurídica por um acto ilícito. - Não é, por isso, enquadrável na categoria da “nulidade do negócio jurídico”. |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | 1. Relatório
... , inconformado com a sentença proferida pelo Mm.º Juiz do TAF de Loulé, que julgou improcedente a Reclamação da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Olhão que ordenou a penhora do prédio urbano registado sob o artigo 2.440, sito em Cari – Castelo Branco, veio interpor recurso jurisdicional em cujas alegações concluiu deste modo: Não houve contra-alegações. Neste TCAS o EMMP emitiu parecer no sentido do recurso merecer provimento. * Colhidos os vistos legais vem o processo à conferência. * 2. Fundamentação a) De facto * Aditam-se os seguintes factos: (11). O recorrente e a mulher, ... , instauraram em 14-01-2008, no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, a acção cível n.º 133/08.5TBFAR, a correr termos no 1.º Juízo, contra ... , ... - Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Ld.ª, ... & Filhos, Ld.ª e ... , ... – Construções, Ld.ª em que pedem que seja: “declarada a nulidade ou, subsidiariamente, ser decretada a anulação do contrato celebrado entre autores e 1° réu em 28 de Outubro 1999 e, bem assim, da procuração irrevogável outorgada pelos autores a favor do 1° réu em 06 de Agosto de 1999 e, em qualquer dos casos, ser o 1° réu condenado a restituir aos autores a quantia de € 22.875,00 que por estes lhe foi paga em cumprimento do dito contrato, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento. Declarada a nulidade ou, subsidiariamente, ser decretada a anulação do contrato celebrado entre autores e 1° réu em 25 de Julho de 2004, cuja posição contratual foi parcialmente transmitida para a 2.ª ré e, bem assim, dos demais actos e negócios jurídicos celebrados em execução deste incluindo as escrituras publicas de compra e venda e de dação em cumprimento celebradas no Cartório Notarial de Vilamoura do Lic. ... em, respectivamente, 2 de Maio de 2005 e 26 de Julho de 2006 e, em qualquer dos casos: Ser a 2.ª ré condenada a restituir aos autores, os lotes nos 4, 15, 25 e 26 - prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob os números 7833, 7844, 7854 e 7855 - todos da freguesia de São Sebastião, concelho de Loulé transmitidos pelos autores para a 2° ré por escritura outorgada em 2 de Maio de 2005 no Cartório Notarial de Vilamoura do Lic. ... ; Ser a 3.ª ré condenada a restituir aos autores, os lotes n° 1, 2, 3 e 5 - prédios urbanos descritos sob os números 7830, 7831, 7832 e 7834 todos da freguesia de São Sebastião, concelho de Loulé - transmitidos pelos autores para a 2° ré por escritura outorgada em 2 de Maio de 2005 no Cartório Notarial de Vilamoura do Lic. ... ; Ser a 4.ª ré condenada a restituir aos autores, livres de ónus ou encargos, os lotes n° 27 e 28 - prédios urbanos descritos sob os números 7856 e 7857 ambos da freguesia de São Sebastião, concelho de Loulé — transmitidos pelos autores para a 2° ré por escritura outorgada em 2 de Maio de 2005 no Cartório Notarial de Vilamoura do Lic. ... ; Ser a 2.ª ré condenada a restituir aos autores o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número 7843 da freguesia de São Sebastião, concelho de Loulé, transmitido pelos autores para a 2• ré por escritura de dação em cumprimento outorgada em 26 de Julho de 2006 no Cartório Notarial de Vilamoura do Lic. ... ; Serem os autores desonerados da confissão de dívida por eles feita à 2.ª ré no montante de E 51.802,44 exarada na já referida escritura de dação em cumprimento outorgada em 26 de Julho de 2005 no Cartório Notarial de Vilamoura do Lic. ... ; Serem os 1° e 2 réus condenados a restituir aos autores a quantia de € 25.736,19 correspondente à factura n° 1 da r Ré que os autores pagaram acrescida de juros mora desde a citação até efectivo e integral pagamento; Serem cancelados os registos prediais de aquisição a favor dos 2°, 3° e 48 réus, relativos aos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob os números 7830, 7831, 7832, 7833, 7834, 7843, 7844, 7854, 7855, 7856 e 7857 todos da freguesia de São Sebastião; Subsidiariamente, a não ser possível, a restituição de todos e qualquer um dos referidos prédios urbanos serem os réus condenados no pagamento do respectivo valor que, nos termos do art. 569° do Código Civil e nos termos e para os efeitos do art. 471°, n° 1, ai. b) do Código de Processo Civil, se calculam individualmente pela média das avaliações juntas como Docs. n° 10 e 11 e na sua globalidade em 1.531.229,25. (12). Por sentença de 17-04-2009 foi homologada a transação efectuada na acção referida anteriormente, do seguinte teor: “1.º Os AA. desistem dos pedidos da presente 2.º Os RR. desisitem dos pedidos reconvencionais; 3.º Os AA. confessam não serem credores dos RR. e estes últimos confessam não serem credores dos AA.; 4.º Os AA. declaram revogar a procuração junta de fls. 128 a 131, lavrada no 2.9 Cartório Notarial de Loulé, em 06 de Agosto de 1999, declarando o Réu ... que aceita a revogação desse instrumento de representação 5.º Os AA. e os RR. ... e ... , Investimento Imobiliário Unipessoal, Lda., declaram, de comum acordo, revogar, com efeitos a partir da presente data, os contratos entre os mesmos celebrados, que estão juntos a fls. 132, 499 e 500 dos autos, reconhecendo nada terem a restituir ou a exigir reciprocamente por esses negócios, bem como válidos os efeitos jurídicos produzidos até à data pelos mesmos; (…) (13). O recorrente foi notificado em 19-04-2012 do despacho de penhora referida supra em 7 (AR de fls. 4 e fls. 268); * b) O Direito O recorrente ataca a sentença esgrimindo vários argumentos tendentes a demonstrar as nulidades em que aquela incorreu. Comecemos, por razões que adiante se explicitarão, pelo segundo argumento, consistente em afirmar que o raciocínio da decisão recorrida está errado por partir de pressuposto errado - o de que o recorrente com as queixas crime só quer a anulação dos negócios, quando, subsidiariamente invoca indemnização compensatória, caso a anulação não seja viável – e com isso a sentença deixou “de conhecer questão que devia ter tido pronúncia”, pelo que padece de nulidade. Salvo o devido respeito, esta arguição de nulidade não tem a mínima consistência jurídica. É que o recorrente confunde duas realidades completamente distintas: o da indemnização compensatória e o da nulidade do negócio. A indemnização compensatória incorpora uma verdadeira função punitiva ou sancionatória da responsabilidade civil, aparentada com a figura dos punitive damages do direito anglo-saxónico. Ou seja, visa atribuir ao lesado uma compensação por danos que foram provocados na sua esfera jurídica por um acto ilícito. Deste modo, tendo em conta essa especificidade da indemnização compensatória, esta figura jurídica não é subsumível à categoria da “nulidade do negócio jurídico”, como se comprova pelas características que lhe são próprias: a nulidade absoluta priva o negócio de qualquer eficácia jurídica, o que pode não estar na base da indemnização compensatória. Por seu lado a nulidade relativa (anulabilidade) refere-se a negócios que se acham inquinados de vícios capaz de lhes determinar a ineficácia, mas que podem ser eliminados, restabelecendo-se a sua normalidade, sendo que neste caso a declaração judicial de ineficácia opera ex nunc, de modo que o negócio produz efeitos até ao momento de tal declaração. E muito menos a indemnização compensatória se confunde com a inexistência jurídica, caso em que o negócio jurídico não gera quaisquer efeitos no mundo jurídico, por lhe faltar a necessária aptidão para existir, por falta de requisitos essenciais à sua existência. Por conseguinte, tem inteira razão a sentença quando afirma que “as queixas-crime não levam à anulação dos negócios que foram os factos tributários que deram origem à quantia exequenda, desde logo por incompetência material do tribunal criminal para o efeito. Pelo que não podem ser equiparadas à Impugnação Judicial ou à Oposição Judicial que são os meios processuais eleitos pelo legislador para obter a suspensão do processo executivo por porem em causa a legalidade ou a exigibilidade da dívida exequenda”. Por outro lado, a acção cível terminou por acordo não sendo perceptível se a penhora efectuada na execução incide sobre algum dos prédios sobre que versou a transacção. Essa demonstração competia ao recorrente, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do CC e art.º 74.º, n.º 1, da LGT. Improcede, pois, esta conclusão. Não se antolha o que o recorrente pretende dizer quando afirma que “a douta decisão recorrida ao aplicar o direito a matéria, fls 495 e 587-624, que não está dada como assente no "probatório" conheceu questão que não devia ter conhecido — excesso de pronúncia, art.º 668.º n.º 1 al. d), actual art.º 615 n.º 1 al. d), do CPC, pelo que vai invocada expressamente a nulidade da douta sentença recorrida”. Uma vez que é o recorrente que invoca os processos-crime como fundamento da suspensão da venda executiva, não constituiu qualquer excesso de pronúncia que o tribunal a quo tenha trazido tais processos à colação para rechaçar os argumentos a favor da dita suspensão. De resto, o recorrente parece ter da estrutura da sentença uma visão muito rígida, de tal forma que qualquer facto que não constasse do probatório não podia ser convocado; mas não é assim: como reiteradamente a jurisprudência entende, a consideração de facto para além daqueles que constam do probatório pode constituir uma deficiência técnica mas não assume a gravidade de uma nulidade processual. Posto que o tribunal não ultrapasse os limites de conhecimento que a lei lhe impõe no domínio da matéria de facto – circunstância que o recorrente nem sequer alega – tendo em conta o princípio de que ao autor cabe o ónus de alegar a essencialidade da matéria de facto e ao tribunal subsumi-la ao direito, com o eventual concurso de factos instrumentais que resultem, designadamente, da instrução da causa. O que é o caso presente. Improcede, também, esta conclusão. Sustenta ainda o recorrente que “apelando ao princípio da justiça material, podia e devia o tribunal " a quo " ter suspenso o processo executivo, porquanto a dívida exequenda está garantida e, acresce, estão preenchidos os requisitos de fato - pontos 2, 3, 4, 5, 6, 8 e 10 do probatório, para que se suste a aplicação de norma legal tributária da qual resulta tributação materialmente injusta para o recorrente, tendo assim violado a decisão recorrida aquele princípio contido no art.º 266 n.º 2 do CPPT”. Esta argumentação já tinha sido antecipadamente refutada pelo Mm.º Juiz a quo dizendo que o Processo de Execução Fiscal se suspende, nos termos dos artigos 52.°, nos 1 e 2, da LGT, e 169.°, n.° 1, do CPPT, com dedução de Impugnação Judicial ou Oposição à Execução, se for constituída garantia nos termos do artigo 195.° (hipoteca ou penhor) ou se for prestada garantia nos termos do artigo 199.° (garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer outro meio susceptível de assegurar os créditos do exequente e, bem assim, penhor ou hipoteca voluntária). Doutro passo não há qualquer violação dos artigos 279 n.º 1, art.º 272 n.º 1, do CPC, 52.º n.º 1, 59.º nº 2 e 78 n.º 4 da LGT e 169.º n.º 1 do CPPT, violação que de resto o recorrente se limita a convocar em termos genéricos, sem qualquer tradução em factos concretos. De resto, não se vê em que seja posto em causa o princípio da justiça material, nem qual a relevância que os normativos citados podem ter para efectivação deste no caso concreto. Outrossim, o que se constata é que o recorrente – ao arrepio das mais elementares normas processuais – apenas proclama panfletáriamente que o prosseguimento da execução ofende "... a dignidade da pessoa humana, a efectividade dos direitos fundamentais, e os próprios princípios da igualdade e da proporcionalidade", sem que traduza essa alegada ofensa em factos concretos. Por fim, resta apreciar a primeira questão colocada pelo recorrente e que diz respeito à falta de intervenção do respectivo cônjuge no presente processo. Ainda que a argumentação tivesse algum sustentáculo – e não tem, basta pensar que quem impulsiona a causa é o próprio recorrente, confundindo pois a legitimidade para a reclamação com a legitimidade no processo executivo - como se trata de questão nova que não foi anteriormente suscitada e sobre a qual a sentença recorrida não se pronunciou nem podia ter-se pronunciado, não pode a mesma ser apreciada pelo tribunal de recurso. Com efeito, constitui entendimento pacífico na jurisprudência que a impugnação das decisões judiciais por meio de recurso visa, unicamente, modificar a decisão recorrida através do seu reexame e não criar decisões sobre matéria nova. Consequentemente, não é possível apreciar questões que as partes, nos seus articulados, não tenham submetido à pronúncia do Tribunal recorrido, o que vale quer para as questões processuais, quer para as questões substantivas que digam respeito à relação material controvertida. Claro que tal entendimento fica paralisado face às questões cujo conhecimento oficioso a lei impõe. E mesmo que se entenda que essa questão é de conhecimento oficioso – como de resto defende a jurisprudência – nem assim a mesma poderia ser conhecida nesta reclamação. Com efeito, tendo esta por objecto o despacho de indeferimento do pedido de suspensão da execução, a apreciação dessa questão envolveria uma inadmissível alteração do objecto do processo ao arrepio do elementar princípio da estabilização da instância, já que a lide impugnatória relativa à nulidade da citação não chegou sequer a iniciar-se. E este entendimento não traduz qualquer prejuízo para o recorrente. Com efeito, não obstante a falta de citação constitua uma nulidade insanável de conhecimento oficioso, por manifestamente lesar os direitos de defesa do executado no respectivo processo de execução fiscal, pode ser arguida junto do órgão de execução fiscal até à decisão final, nos termos do artigo 165.º n.os 1, alínea a), e 4 do CPPT e, em seguida, ser reclamada para o tribunal tributário no caso de indeferimento. Não se coloca, assim, qualquer obstáculo a uma tutela jurisdicional efectiva. Em face de todo o exposto, não se verificando qualquer nulidade da sentença e sendo improcedentes todas as conclusões, o recurso não merece provimento. * 3. Dispositivo: Em face de todo o exposto acordam em negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente. Notifique e d.d.n. Lisboa, 2014-01-16 (Benjamim Barbosa) (Anabela Russo) (Aníbal Ferraz) |