Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1856/17.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:12/10/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PARECER DA JUNTA MÉDICA;
COMPOSIÇÃO DA JUNTA MÉDICA DE RECURSO DA CGA.
Sumário:I. Comprovando-se que a junta médica de recurso da Caixa Geral de Aposentações integra o presidente e dois médicos, dos quais, um designado pelo doente, não se mostra violado o artigo 95.º, n.º 2 do Estatuto da Aposentação.

II. Não procede o erro contra o parecer da junta médica de recurso se da sua fundamentação consta a pronúncia sobre cada doença e o seu contributo para o juízo sobre a incapacidade permanente absoluta do doente e o Recorrente não dirige qualquer erro concreto, não invocando nenhuma razão que abale o teor do parecer emitido sobre qualquer das doenças descritas.

III. Sem qualquer substrato factual demonstrativo da desvalorização de quaisquer elementos ou dados clínicos do associado do Autor por parte da junta médica de recurso, não pode proceder a violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, devidamente identificado nos autos, em representação do seu associado J..............., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 18/09/2019, que no âmbito da ação administrativa instaurada contra a Caixa Geral de Aposentações, julgou a ação improcedente, no tocante aos pedidos de anulação do despacho proferido em 04/05/2017, de indeferimento do pedido de aposentação por incapacidade absoluta para o trabalho apresentado pelo associado do Autor, tomado com base no parecer da Junta Médica de Recurso de 28/04/2017, e de condenação da Entidade Demandada a rever todo o procedimento adotado.


*

Formula a aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“1. Ainda que se encontre alegado e justificado pela R., a Junta Médica de Recurso a que o associado do A. foi submetido não integrou três médicos, pelo que não respeitou as formalidades legais quanto à sua constituição, o que acarreta para o despacho final por si proferido Vício de Forma por preterição de formalidades essenciais, conforme o disposto no referido n.º 2 do art.º 95° do Estatuto da Aposentação;

2. A sentença a quo tomou em consideração apenas a decisão tomada pela Junta Médica da CGA (que sustentou a sua decisão em Relatórios Médicos de 2012), e que por sua vez desconsiderou a atual situação clinica do associado do A., com clara violação dos princípios (i) da juridicidade e legalidade administrativa (art.º 3° do Código do Procedimento Administrativo), (ii) da Prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos (art.º 4° do C.P.A.), (iii) do Princípio da Justiça e da razoabilidade (art.º 8° C.P.A.), (iv) do Princípio da Boa-fé (art.º 10° do C.P.A.), e (v) da tutela jurisdicional efetiva no âmbito do direito fundamental a um processo equitativo, vícios que se assacam para todos e os devidos efeitos legais;

3. A douta sentença a quo desconsiderou a disparidade gritante de critérios e juízos valorativos técnicos existentes nos autos, sobre a situação clínica do associado do Recorrente, com prevalência para a valoração e juízo prolatado pela Junta Médica, com clara violação do Princípio da Proporcionalidade e da Igualdade que deveria impor-se na avaliação e juízo dos vários pareceres médicos;

4. A douta sentença a quo padece de erro de julgamento, na medida em concluiu, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito pela R. CGA é o correto, com desconsideração pela prova e factos apresentados pelo Recorrente;

5. Assaca-se, ainda, à douta sentença a quo omissão de pronúncia, por omissão dos deveres de cognição do tribunal, na medida que não ficaram esclarecidas nem resolvidas todas as questões suscitadas pelo Recorrente, quanto à identificação dos médicos que compuseram todas as juntas médicas a que o seu associado se submeteu ao longo destes anos, nem foi apresentada a respetiva e solicitada fundamentação,

6. A sentença a quo padece de erro de julgamento de facto por equívoco de interpretação, valoração e consideração da prova produzida nos autos, segundo as regras da experiência e da razoabilidade, nos termos dos Art°.s 655°. Nº. 1 e 659°. Nº. 2 do C.P.C. e os quais se invocam, para os devidos efeitos legais.”.

Pede que o recurso seja julgado procedente e revogada a sentença recorrida.


*

O ora Recorrido, notificado da admissão do recurso, apresentou contra-alegações, em que concluiu do seguinte modo:

“A - Andou bem o tribunal “a quo” ao julgar totalmente improcedente a ação administrativa e, em consequência, absolver a ré Caixa Geral de Aposentações da instância.

B - É a Junta Médica da CGA a única entidade, nos termos da lei, com competência para declarar a existência ou não de incapacidade para o exercício de funções públicas – cfr. art.º 89.º n.º 1, do Estatuto da Aposentação (EA).

C - Pelo que, por muito doutos que possam ser os pareceres de outros médicos, é o parecer daqueles que compõem a Junta Médica da CGA que, devidamente fundamentado, é relevante para a decisão de incapacidade dos subscritores da Caixa.

D – Resulta da leitura dos autos de todas as juntas médicas a que o representado do Autor foi sujeito, que as patologias de que padece não justificam uma incapacidade absoluta e permanente para o exercício das suas funções.

E - Foi esse o parecer unívoco e consistente dos diversos médicos que examinaram o representado do A. e o seu processo clínico após a entrada dos seus requerimentos para passagem à situação de aposentação.

F - Todos os pareceres das sucessivas juntas médicas estão fundamentados, como o exigem os artigos 91.º, n.º 3, e 95.º, n.º 4, do Estatuto da Aposentação (EA), já que os mesmos, concordando com os pareceres dos médicos relatores – todos muito circunstanciados – se apropriam dessa mesma fundamentação.

G – O ato impugnado pelo A. não violou qualquer norma ou princípio legal, devendo manter-se por não padecer de qualquer dos vícios de que vem assacado, nomeadamente do vício de forma e de violação de Lei.”.

Pede que seja negado provimento ao recurso.


*

Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não foi emitido parecer.

*

O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas pelo Recorrente, resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito por errada subsunção do direito aos factos.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) No seguimento do pedido de aposentação apresentado pelo associado do Autor, com base na incapacidade para o exercício de funções, a 8/11/2011 foi emitido parecer da Junta Médica, constituída pelo seu presidente e dois vogais médicos, no qual se concluiu que o associado do Autor não está “absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções”, assim como, não “sofre de incapacidade permanente e absoluta para toda e qualquer profissão ou trabalho” – cfr. documento de fls. 80 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

B) Em Fevereiro de 2012, o Autor requereu a realização da Junta Médica de Recurso, a qual se realizou a 21/09/2012 e conclui no mesmo sentido da Junta Médica indicada em A), com o seguinte fundamento:

“Referência a cefaleias, tratadas com paracetamol, como motivos de incapacidade, o que, obviamente, não o são.

É portador de angio-TC cerebral actualizado (de 28.3.2012) que já não releva qq. aneurisma cerebral.

Quanto à hipertensão arterial e à diabetes mellitus, não há referência/incidência de compromisso incapacitante de órgãos-alvo e são doenças metabólicas susceptíveis de optimização/controlo terapêutico.” – cfr. documento de fls. 127 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

C) Em 2016, o associado do Autor requereu a sua submissão a Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações com o propósito de apurar o seu grau de incapacidade permanente para o trabalho – facto admitido por acordo;

D) Mediante ofício de 3/02/2016, o associado do Autor foi convocado para comparecer no dia 13/06/2016 no Serviço de Verificação de Incapacidade do Centro de Reabilitação do Norte, a fim de ser submetido a exame médico – cfr. documento de fls. 187 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

E) A Junta Médica, constituída pelo presidente e dois vogais médicos, reuniu- se no dia 22/11/2016 e conclui que o associado do Autor não está “absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções”, assim como, não “sofre de incapacidade permanente e absoluta para toda e qualquer profissão ou trabalho”, com o seguinte fundamento: “Síndrome depressivo, doença metabólica que não determina a atribuição de incapacidade permanente.” – cfr. documento de fls. 188 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

F) Mediante ofício de 29/11/2016, a Entidade Demandada comunicou ao associado do Autor que por despacho de daquela mesma data, proferido pela Direcção da CGA, o qual indeferiu o pedido de aposentação por incapacidade apresentado por aquele – cfr. documento de fls. 189 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

G) A 19/12/2016, o Autor requereu a realização de Junta Médica de Recurso, tendo procedido à junção do relatório médico constante de fls. 196 do PA – cfr. documento de fls. 194,195 e 196 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

H) Por ofício de 2/02/2017, a Entidade Demandada convocou o associado do Autor para comparecer no dia 28/11/2017 no Posto Médico da CGD, fazendo-se acompanhar de exames médicos complementares, a fim de ser submetido a Junta Médica de Recurso – cfr. documento de fls. 198 do PA, cujo teor aqui se dá por integramente reproduzido;

I) A Junta Médica de Recurso, constituída pelo presidente e dois vogais médicos, reuniu-se no dia 28/04/2017 e conclui que o associado do Autor não está “absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções”, assim como, não “sofre de incapacidade permanente e absoluta para toda e qualquer profissão ou trabalho”, com o seguinte fundamento: “Referência a dificuldade de concentração como motivo de incapacidade, o que, não o é.

Há diabetes mellitus e hipertensão medicadas, mas que não se encontram em estádio incapacitante, por não haver referência a compromisso órgãos-alvo.

Havia queixas de cefaleias, tendo sido aventada a hipótese de aneurisma da artéria cerebral média direita, que não se confirmou, tendo o subscritor, por isso, tido alta de consulta de neurologia, em 2006 e não estando, por esse motivo, incapacitado.”

- cfr. documento de fls. 199 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

J) Mediante ofício de 04/05/2017, a Entidade Demandada comunicou ao associado do Autor que por despacho de daquela mesma data, proferido pela Direcção da CGA, foi indeferido o pedido de aposentação por incapacidade apresentado por aquele – cfr. documento de fls. 204 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

K) A 23.10.2017, O associado do Autor apresentou novo pedido de aposentação, ao qual se seguiu nova junta médica e que se realizou no dia 16/03/2018 – cfr. documento de fls. 228 a 231 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

L) A Junta Médica, constituída pelo seu presidente e por dois vogais médicos, reuniu-se no dia 16/03/2018 e concluiu que o associado do Autor não está “absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções”, assim como, não “sofre de incapacidade permanente e absoluta para toda e qualquer profissão ou trabalho” – cfr. documento de fls. 268 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

M) Mediante ofício de 27/03/2018, a Entidade Demandada comunicou ao associado do Autor que por despacho de daquela mesma data, proferido pela Direcção da CGA, foi indeferido o pedido de aposentação por incapacidade apresentado por aquele – cfr. documento de fls. 270 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

N) Por discordar daquela decisão, o associado do Autor requereu a realização de Junta Médica de Recurso – cfr. documento de fls. 272 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

O) O Médico especialista em psiquiatria M............... declarou o seguinte:

“O doente J............... mantém-se em tratamento por quadros muito graves e limitativos de Depressão Endógena (…) e de Transtorno Cognitivo com Organicidade (…).

Na anamnese do doente o quadro clínico de depressão endógena apresenta uma longa evolução, com frequentes episódios depressivos recorrentes.

O doente mantém-se em tratamento por Neurologia (aneurisma cerebral), HTA, Diabetes (Insulina), Apneia do Sono e Ortopedia.

O doente apresenta nos períodos recorrentes sintomatologia depressiva persistente, apesar de manter a medicação prescrita de forma continuada.

O doente apresenta agravamento das perdas a nível das funções cognitivas da atenção, concentração e memória e no adquirir de novos dados. A avaliação determina existência de marcada dificuldade de processamento de nova informação como de evocação de dados anteriormente adquiridos, com perturbação muito significativa da memória visuo-construtiva e que associa a existência de uma constrição geral do campo visual, que indica organicidade e determina deterioração mental positiva. (…)

Em meu entender, a endogenidade, cronicidade e gravidade dos quadros clínicos e as consequentes limitações, a necessidade de manter a medicação prescrita e o processo psicoterapêutico, determinam que o doente apresenta resultante dos quadros clínico citados, uma incapacidade absoluta e permanente (…)” – cfr. documento 2 junto com a petição inicial e fls. 210 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

P) O Médico especialista em MGFamiliar A............... declarou o seguinte:

“(…) J............... (…) se encontra incapacitado para o trabalho (…), por motivo de:

1. Aneurisma Cerebral fusiforme, na bifurcação da Artéria Cerebral Média dta, de grava risco cirúrgico.

2. Cefaleias de esforço, permanentes.

3. HTA desde 2003, com perturbações no ECG, de condução do Ramo Dto. e FC de 90/mm.

4. Sofrimento amigdalino desde os 05 anos, com evolução crónica e TASC elevado e com cirurgia em avaliação.

5. DMellitus insulinotratada.

6. EUDArtrose, com parestesias dos Membros Superiores e Inferiores, com osteofitose de C5/C6/C7 e protusões discais de L4/L5/S1 e Neuropatia Diabética do Mediano dto, agravada pelo Síndrome do Canal Cárpico dto. Atrofia neurogénica do Tibial anterior dto.

7. Obesidade;

8. Dislipidemia mista.

9. Esofagite de Refluxo. Gastrite Crónica, Colon Irritável

10. Neurose ansiosa. Depressão Reativa

11. Apneia do sono com uso de CPAP

12. Fratura das diáfises do Rádio e Cúbitos dtos em 1985

13. Quisto renal dto simples com 22mm (…)”

- cfr. documento 3 junto com a petição inicial e fls. 213 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

Q) A Médica especialista em Neurologia Geral S........., em contexto de consulta externa, declarou a seguinte informação clínica:

“O doente acima identificado foi observado na consulta de neurologia a 02/12/2005.

À data com 40 anos referia ter, desde há meses, cefaleia persistente e frequente geralmente ao fim do dia.

Sem referência a perda de conhecimento ou outros sintomas do foro neurológico. Referia ser hipertenso e diabético encontrando-se a fazer terapêutica.

Não apresentava alterações no exame neurológico. Por cefaleia com características de cefaleia de tipo tensão foi-lhe prescrito amitriptilina e solicitada a realiação de TC cerebral para exclusão de lesão estrutural.

A TC cerebral revelou imagens sugestivas de: lesão vascular/dilatação aneurismática na dependência aparente da bifurcação da artéria cerebral média direita sem sinais de rotura recente …

Perante este resultado foi referenciado à consulta de neurologia.”

- cfr. documento 4 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

R) O Médico especialista em Neurologia A............ declarou, em contexto de consulta externa, a seguinte informação clínica:

“(…) J............... foi seguido na consulta de Neurologia entre 2005 e 2009 por aneurisma incidental da Artéria Cerebral Médica Dta, diagnosticado em TCA efectuado por cefaleias.

Foi efectuado angio TC, que revelou sinais sugestivos de aumento do calibre segmentar e alongamentos de porcao distal dos segmentos M1 e M2 da artéria cerebral media direita, onde são evidentes calcificações na parede, a traduzir provável lesão aneurismica fusiforme. Sendo aconselhável a caracterização adequada da lesão, foi pedida angiografia cerebral, que o doente não chegou a efectuar por avaria do aparelho de angiografia do HS João.2”

- cfr. documento 5 junto com a petição inicial e fls. 215 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

S) A Médica Neurofisiologista H.............. concluiu, em relatório de Neurografia, o seguinte:

“Conclusão:

- Síndroma do túnel cárpico – discreto – à direita-

- Alterações de tipo neurogéneo crónico a nível dos músculos dependentes do miótomo de C6/C7 bilateral – a valorizar como sofrimento radicular cervical.

- Restantes estudos dentro dos limites da normalidade.”

- cfr. documento 9 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

T) O Médico especialista em Neurologia M........ declarou o seguinte:

“(…) J.............. de 52 anos queixa-se de cefaleias desde há longa data e apresenta um aneurisma ectásico da ACM direita.

Além disto apresenta um síndrome depressivo reactivo pós acidente de viação grave em que um amigo faleceu, encontra-se medicado com vários antidepressivos.

Sob o ponto de vista neurológico tem desde essa altura um síndrome radicular C5-C6 bilateral.

Devido à sua situação em relação ao aneurisma não deverá ser exposto a situações que lhe causem aumento de ansiedade e por conseguinte da sua HTA. Encontra-se também com a diabetes descompensada.”

- cfr. documento 11 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;


*

Não se provaram outros factos relevantes para a boa decisão da causa.

*

IV.II. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.

Na determinação do elenco dos factos provados, foi considerado e analisado pelo tribunal o conjunto de documentos que se encontram juntos aos autos e ao procedimento administrativo apenso, o qual não foi objecto de impugnação ou reparo por qualquer das partes, razão pela qual foi digno de crédito para efeitos probatórios.

Para melhor elucidação ficou identificado, a propósito de cada facto, o documento que em concreto alicerçou a conclusão do tribunal.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise do fundamento do recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de direito por errada subsunção do direito aos factos

Vem o Autor interpor recurso contra a sentença recorrida invocando o erro de julgamento de direito, por errada subsunção do direito aos factos.

Discorda da decisão da Junta Médica de Recurso proferida em 28/04/2017, que indeferiu o pedido de aposentação apresentado pelo associado do Autor, assim como a sua constituição, uma vez que que em vez dos três médicos que legalmente a deveriam ter constituído, apenas compareceram dois médicos.

Além de o interessado ao longo dos anos desconhecer a composição das Juntas Médicas, sendo que, como resulta dos factos dados por provados, a patologia principal é da área da neurologia e da neurocirurgia e em nenhuma das Juntas Médicas a que se submeteu esteve um médico dessa especialidade, estando presentes médicos que não serão das áreas mais indicadas.

Discorda da sentença recorrida na parte em que entendeu que se está perante uma decisão tomada no âmbito da discricionariedade técnica, que só pode ser sindicada em situações de erro manifesto ou grosseiro, pois o associado do Autor desde 2005 que se debate com sérias e graves patologias médicas que o incapacitam para o exercício das funções mais básicas.

Entende verificar-se um erro grosseiro ou palmar, que tem de ser corrigido.

Por isso, não tendo a Junta Médica integrado três médicos, mas apenas dois, entende ocorrer um vício de forma, em ofensa do artigo 95.º, n.º 2 do Estatuto da Aposentação e tendo a Junta Médica desconsiderado a situação clínica do associado do Autor, incorre na violação dos princípios da juridicidade e da legalidade administrativa, da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, do princípio da justiça e da razoabilidade, da boa-fé e da tutela jurisdicional efetiva, no âmbito do processo equitativo.

Além de entender que a desconsideração de outros pareceres médicos, com prevalência do juízo emitido pela Junta Médica, faz incorre em violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

Sustenta que foi desconsiderada a prova produzida e os factos apresentados pelo Recorrente, assim como enferma a sentença de omissão de pronuncia, por não ficar esclarecidas, nem resolvidas todas as questões suscitadas pelo Recorrente, quanto à identificação dos médicos que compuseram todas as juntas médicas, nem foi apresentada a sua fundamentação.

Vejamos.

Perante a alegação apresentada pelo Recorrente, constante do teor das suas alegações e as conclusões formuladas, ora sumariadas, decorre que o Recorrente não logra proceder à impugnação do julgamento da matéria de facto, não impugnando qualquer concreto ponto da matéria de facto que considera ter sido erradamente julgado, seja por excesso, seja por insuficiência.

Pelo que a decisão a proferir no presente recurso é a que resultar da aplicação dos normativos de direito aos factos apurados e vertidos no elenco dos factos assentes na sentença sob recurso.

O que significa que o Recorrente, sem imputar qualquer erro de facto, entender existir uma errada apreciação e valoração dos factos e das provas e a sua subsunção ao direito aplicável.

Acresce que embora o Recorrente invoque a omissão de pronúncia à sentença recorrida, não logra invocar a sua nulidade decisória, nem subsumir o alegado ao disposto no artigo 615.º, n.º 1 do CPC, o qual nem sequer é mencionado, nem qualquer das suas alíneas.

O Recorrente não dirige a nulidade decisória contra a sentença recorrida, enquanto vício associado à falta de conhecimento de qualquer questão sobre a qual recaia o dever de conhecer e decidir do Tribunal, por antes entender que a sentença não tomou posição sobre algum dos argumentos ou razões invocadas pelo Autor.

Daí que o suscitado se reconduza ao erro de julgamento de direito, tal como bem se mostra enunciado pelo Recorrente ao longo da sua alegação recursiva.

Assim delimitado o âmbito ou objeto do presente recurso, dirigido apenas a questões de direito, vejamos então do suscitado perante os factos concretamente julgados demonstrados na sentença recorrida.

Conforme se extrai do julgamento da matéria de facto, desde 2011 o associado do Autor tem sido submetido a diversas juntas médicas de recurso, as quais têm sempre atestado que não está absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções.

O Autor veio a juízo impugnar a decisão tomada pela Direção da Caixa Geral de Aposentações, datada de 04/05/2017, de indeferimento do pedido de aposentação por incapacidade, baseada no parecer da Junta Médica de recurso, de 28/04/2017, nos termos que constam das alíneas i) e j) do julgamento da matéria de facto assente.

Porém, o julgamento da matéria de facto também demonstra que, já depois disso, o Autor apresentou novo pedido de aposentação, que voltou a ser indeferido, factualidade que não é apta a retirar utilidade à presente ação e ao presente recurso.

Mais se extrai da citada alínea i) do probatório assente que a Junta Médica de recurso de 28/04/2017, com base na qual foi proferido o ato impugnado, foi constituída pelo presidente e por dois vogais médicos, constituída, por isso, por três médicos.

Nos termos do disposto no artigo 95.º, n.º 2 do Estatuto da Aposentação:

A junta de recurso é composta por dois médicos designados pela Caixa, que não tenham tido anteriormente intervenção no processo, e por um médico designado pelo requerente, o qual, não sendo designado no prazo que para o efeito for fixado pelo conselho directivo da Caixa, é substituído por um médico designado pela administração regional de saúde territorialmente competente.

Admite o Autor no artigo 10.º da petição inicial que o seu associado designou o Dr. M............... que o acompanhou e esteve presente na Junta médica de recurso.

O que acarreta que não possa proceder o alegado vício de forma.

O Recorrente não impugna o julgamento da matéria de facto, nos termos em que consta da citada alínea i) do probatório, segundo o qual se dá como provado que a junta médica de recurso foi constituída pelo presidente e por dois vogais médicos, além que resulta não ter requerido a produção de qualquer meio de prova com vista à demonstração dos factos alegados.

Deste modo, não se mostra violado o disposto no artigo 95.º, n.º 2 do Estatuto da Aposentação, por não se encontrar demonstrado que a Junta Médica de recurso não tenha sido constituída por dois médicos designados pela Caixa Geral de Aposentações.

No que respeita a não terem sido considerados os relatórios médicos mais recentes do associado do Autor, sendo desconsiderada a atual situação clínica do doente, também não assiste razão ao Recorrente.

Segundo a fundamentação do parecer da junta médica de recurso que consta da alínea i) do probatório, extrai-se a análise das diversas patologias do associado do Autor, nos termos em que foi aí descrito, não logrando invocar o Autor que o seu associado padeça de outra qualquer doença que não tenha sido considerada pela junta médica ou sequer que o juízo médico emitido individualmente a respeito de cada doença se encontre errado.

Pretendendo o Autor pôr em crise o parecer médico que resultou da junta médica de recurso impunha-se que atacasse os seus fundamentos, invocando as razões porque o parecer emitido se encontra enfermado de erro, o que não logra acontecer na presente ação.

Não se mostra dirigida qualquer crítica, muito menos, qualquer erro concreto em relação ao parecer emitido pela junta médica de recurso acerca de cada doença detida pelo associado pelo Autor e sobre a sua contribuição para a pretendida incapacidade permanente absoluta.

Daí que seja manifestamente insuficiente para efeitos de impugnação do laudo médico pericial invocar que a junta médica de recurso incorra em erro grosseiro ou palmar na sua avaliação, sem invocar uma única razão concreta nesse sentido, nem lograr proceder à sua demonstração.

Nem se mostra suficiente alegar que não foi considerado o atual estado de doença do associado do Autor, porquanto o doente fez-se representar pelo seu médico assistente, que integrou a composição da junta médica, tendo podido pronunciar-se sobre todas e cada uma das doenças, assim como apresentar ou exibir todos e quaisquer exames médicos mais atuais e recentes.

A factualidade que se encontra demonstrada em juízo, reitera-se, que não foi impugnada no presente recurso, não suporta, por isso, a alegação recursiva do Recorrente, quanto a ter a junta médica de recurso incorrido num erro palmar ou grosseiro de avaliação.

Por pertinente, acolhe-se o decidido no Acórdão deste TCAS, em 26/09/2019, Processo n.º 3291/15.9BESNT:

I. A matéria que serve de fundamento ao sentido e conteúdo do ato impugnado, respeita à emissão de juízos técnicos ou juízos periciais, formulados por quem é detentor de um conhecimento especializado numa determinada área da ciência ou do conhecimento, in casu, do foro da medicina.

II. Estão em causa juízos técnicos, porque apelam ao conhecimento e aplicação de uma concreta área da ciência ou do conhecimento, obedecendo ao conjunto de normas técnicas ou da lege artis aplicáveis.

III. Não deixam, por isso, tais juízos técnicos ou periciais de obedecer a um conjunto de normas padrão, que lhe servem de limite.

IV. Embora juízos de natureza técnica também se encontram submetidos a uma normatividade que limita e condiciona os parâmetros pelos quais podem ser emitidos e em cujas regras técnicas se devem suportar, não sendo, matéria livre de normatividade ou a que se apliquem critérios de oportunidade, ou seja, não são os juízos técnicos ou periciais confundíveis com a discricionariedade administrativa.

V. Para efeitos de sindicabilidade jurisdicional do agir da Administração Pública cumpre distinguir a margem de livre decisão administrativa no uso de poderes discricionários, da chamada discricionariedade técnica.

VI. No domínio do controlo judicial dos juízos periciais é incontroverso que o seu controlo jurisdicional é limitado, precisamente por estarem em causa conhecimentos técnicos especializados, só podendo ser sindicados jurisdicionalmente nos casos em que se afigure, a quem não é detentor desses conhecimentos, que esse juízo incorre num flagrante erro, ou seja, num erro que é tão manifesto, grosseiro ou patente, que não deixe margem para dúvidas que não se pode manter.”.

Assim, por o Recorrente não concretizar qualquer erro concreto, nem tão pouco proceder à demonstração de qualquer erro, não pode proceder o alegado.

Do mesmo modo, não existe qualquer substrato factual para sustentar a violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade, pois nada se extrai do elenco dos factos apurados acerca da desvalorização de quaisquer elementos ou dados clínicos do associado do Autor por parte da junta médica de recurso.

É a essa junta médica de recurso que cabe avaliar toda a situação clínica do doente, com base em todos os elementos de que disponha e que o doente pessoalmente ou através do seu médico assistente, que integra a composição da junta médica, lhe faça chegar.

Por isso, por a junta médica da Caixa Geral de Aposentações ser legalmente a entidade que cabe a competência para declarar a existência ou não de incapacidade para o exercício de funções, segundo o disposto no artigo 89.º, n.º 1 do Estatuto da Aposentação, se confere o direito de participação do interessado, mediante a indicação de um médico, assim como pela sua presença, o qual dispõe da faculdade de poder apresentar todos e quaisquer exames médicos ou laboratoriais de diagnóstico.

Não tem, por isso, sustento invocar que a prevalência do juízo médico emitido pela junta médica de recurso da Caixa Geral de Aposentações constitui uma violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade, porque legalmente é assim que está definido, sem que se encontre demonstrada qualquer atuação em desvio das prescrições legais.

Razões porque também é totalmente insubsistente a alegação no presente recurso da violação dos princípios gerais da atividade administrativa, dos princípios da juridicidade e da legalidade administrativa, da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, do princípio da justiça e da razoabilidade, da boa-fé e da tutela jurisdicional efetiva, no âmbito do processo equitativo.

A atuação da Junta médica de recurso ou sequer da Caixa Geral de Aposentações, nos termos em que resulta demonstrada no julgamento da matéria de facto, não se traduz na violação de qualquer aspeto de vinculação legal, seja por via da lei, seja por aplicação dos princípios gerais de direito administrativo, nos termos invocados pelo Recorrente.

De resto, o Recorrente limita-se a alegar genericamente e em bloco a violação dos citados princípios jurídicos, sem qualquer base mínima de concretização que permita aferir as razões porque considera terem os mesmos sido infringidos.

Razão porque não pode proceder a censura dirigida contra a sentença recorrida, a mesma tendo procedido a uma correta subsunção dos factos apurados aos normativos de direito aplicáveis.

Acresce ainda não ter o Recorrente razão quanto a alegar a omissão de pronúncia da sentença recorrida, por não terem ficado esclarecidas todas as questões suscitadas pelo Autor quanto à identificação dos médicos que compuseram todas as juntas médicas a que o associado do Autor se submeteu, assim como quanto à sua fundamentação, pois tais são questões que não podem ser enfrentadas no plano do direito sem previamente terem sido esclarecidas do ponto de vista de facto, sendo que o julgamento da matéria de facto nada revela sobre a matéria.

Cabe ao Autor o ónus de alegação e de prova dos factos pertinentes da causa e tendo o Autor alegado desconhecer quais os médicos que integraram as diversas juntas médicas que o seu associado se submeteu ao longo dos anos, cabia-lhe carrear a prova respetiva ou requerer a sua produção, o que não logrou ocorrer, por nenhuma prova o Autor ter requerido na presente ação, não tendo solicitado qualquer diligência de prova.

Por isso, não pode ser assacada qualquer omissão de pronúncia à sentença recorrida, por se tratar de matéria que recaía sobre o Autor o ónus de carrear para o processo, seja ao nível da alegação de facto, seja ao nível da prova.

Assim, em face de todo o exposto, improcede, por não provado, o presente recurso, tendo a sentença recorrida procedido a um correto julgamento de direito, com base nos factos julgados provados.


*

Termos em que, em face de todo o exposto, será de julgar improcedente o recurso interposto, por não provado o seu respetivo fundamento.

*

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Comprovando-se que a junta médica de recurso da Caixa Geral de Aposentações integra o presidente e dois médicos, dos quais, um designado pelo doente, não se mostra violado o artigo 95.º, n.º 2 do Estatuto da Aposentação.

II. Não procede o erro contra o parecer da junta médica de recurso se da sua fundamentação consta a pronúncia sobre cada doença e o seu contributo para o juízo sobre a incapacidade permanente absoluta do doente e o Recorrente não dirige qualquer erro concreto, não invocando nenhuma razão que abale o teor do parecer emitido sobre qualquer das doenças descritas.

III. Sem qualquer substrato factual demonstrativo da desvalorização de quaisquer elementos ou dados clínicos do associado do Autor por parte da junta médica de recurso, não pode proceder a violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso interporto e em manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.

Registe e Notifique.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, tem voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores, Alda Nunes e Pedro Marchão Marques.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)