Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01959/07
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/02/2010
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
IRC
SOCIEDADE AFILIADA E CASA-MÃE
DIVIDENDOS
TRIBUTAÇÃO
RETENÇÃO NA FONTE
DISTINÇÃO ENTRE ENTES COM DOMICILIO FISCAL EM PORTUGAL E EM OUTRO ESTADO-MEMBRO
Sumário:1. No âmbito do CIRC e da Directiva 90/435/CEE, no ano de 2006, os dividendos da afiliada com domicilio fiscal em Portugal, relativos a rendimentos aqui produzidos, atribuídos à sua casa-mãe, com domicilio fiscal em outro Estado-membro da Comunidade, apenas se encontravam sujeitos a retenção na fonte aquando do seu pagamento se não preenchessem as condições estabelecidas nas respectivas normas, enquanto que, nas mesmas condições, se a casa-mãe também tivesse domicilio fiscal em Portugal, inexistia tal obrigação de retenção;

2. E no apuramento do lucro tributável pela globalidade dos seus rendimentos do imposto no final do exercício, se a casa-mãe tivesse domicílio fiscal em Portugal, tais dividendos encontravam-se isentos de entrar na base tributável tendo em vista evitar a dupla tributação económica;

3. Tal dispensa de retenção para os entes com domicílio fiscal em Portugal e não dispensa para os entes com domicílio fiscal fora dele, em igualdade de situação, não constitui discriminação de movimento de capitais à luz do art.° 56.° do TCE, antes deve ser interpretado à luz das excepções do art.° 58.°, n.°l, alínea a) do TCE, que permite excepções fundadas no lugar de residência do ente beneficiário, do já que, então, a norma do art.° 5.°, n.°4 da directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho, derrogava o seu n.°l, expressamente, permitindo essa retenção a Portugal;

4. A possível discriminação entre a tributação ou não dos dividendos distribuídos à casa-mãe com domicílio fiscal em outro Estado-membro depende, não da legislação fiscal portuguesa (CIRC), que não é a aplicável aos rendimentos obtidos fora de Portugal para estes entes, mas sim da legislação fiscal do País onde esse ente tiver o respectivo
domicílio fiscal, já que será neste País, no apuramento do seu lucro tributável, que os seus rendimentos serão tributados na sua globalidade, quer os aí produzidos, quer os produzidos fora.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A..., B.V., pessoa colectiva de Direito neerlandês, nipc ..., identificada nos autos, veio deduzir a presente acção administrativa especial contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública, tendo em vista obter a anulação do despacho do Exmo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de data anterior a 12.4.2007, por delegação de competência, que lhe recusou o pedido de reembolso do IRC retido na fonte durante o ano de 2006, o qual deve ser anulado e a entidade demandada condenada na sua restituição de € 30.483.636,03, na condenação em juros imdemnizatórios, na condenação no montante do patrocínio com apresente acção e nas custas de parte.


Citada a entidade demandada veio a mesma contestar e juntar o processo instrutor apenso.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, não emitiu qualquer parecer apesar de para tal ter sido notificado – cfr. fls 118 dos autos.


Pelo relator foi proferido o despacho saneador de fls 150 dos autos, onde se pronunciou pela inexistência de questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo e pela desnecessidade da produção de quaisquer provas, tendo as partes sido notificadas para alegarem por escrito, cujas conclusões na íntegra se reproduzem:


Da autora:
A) À luz do CIRC, os dividendos distribuídos por entidade com sede em território português encontram-se sujeitos a tributação quer a entidade beneficiária dos mesmos disponha ou não de sede ou direcção efectiva em Portugal;
B) Não obstante tal facto, no que concerne à possibilidade de eliminar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos, pelas entidades beneficiárias dos rendimentos em causa, constata-se que o regime aplicável às entidades residentes - previsto nos artigos 46.º e 90.º do CIRC - é claramente mais vantajoso do que aquele facultado às entidades não residentes - previsto nos artigos 14.º e 89.º do CIRC;
C) No caso da Autora, entidade não residente em Portugal, os artigos 14.º e 89.º do CIRC não lhe permitem eliminar a dupla tributação económica decorrente da retenção no montante de EUR 2.958.489,25, efectuada aquando da distribuição de dividendos que a 27 de Julho de 2006 foi levada a cabo pela GALP ENERGIA, S.G.P.S., S.A., quando a Autora detinha, há menos de 1 ano, uma participação nesta última correspondente a 13,312% do respectivo capital social;
D) Do mesmo modo, relativamente à eliminação da dupla tributação económica decorrente da retenção no montante de EUR 27.525.146,78, efectuada aquando da distribuição de dividendos levada a cabo, a 29 de Setembro de 2006, pela GALP ENERGIA, S.G.P.S., S.A., quando a Autora detinha há menos de 1 ano uma participação nesta última correspondente a 31,612% do respectivo capital social, o artigo 89.º do CIRC possibilita essa eliminação se a Autora mantiver uma participação mínima de 20% por um período ininterrupto de dois anos e só após esse momento - i. e. a partir de 18 de Setembro de 2008;
E) Acresce que, ainda assim, só a partir do termo do 3.º mês seguinte ao do pedido de reembolso efectuado ao abrigo do artigo 89.º do CIRC - i.e. a partir de 31 de Dezembro de 2008 - se começariam a vencer juros indemnizatórios pela indisponibilidade do montante retido a 29 de Setembro de 2006;
F) Uma sociedade accionista da GALP ENERGIA, S.G.P.S., S.A., residente em Portugal para efeitos de tributação em sede de IRC, colocada quanto ao mais em posição análoga à da Autora, lograria a eliminação plena da dupla tributação económica inerente às retenções efectuadas até ao fim do 3.º mês imediato ao da apresentação da declaração de rendimentos correspondente ao exercício de 2006, por força do disposto nos artigos 46.º, n.º 1, e 96.º, n.ºs 2 e 3, do CIRC;
G) Podendo essa accionista hipotética colocada em posição análoga à da Autora apresentar a declaração de rendimentos correspondente ao exercício de 2006 durante o mês de Janeiro de 2007, caso o reembolso da totalidade das quantias retidas, quer a 27 de Julho de 2006, quer a 29 de Setembro de 2006, não fosse processado até 30 de Abril de 2007, começar-se-iam a vencer juros indemnizatórios sobre o respectivo montante;
H) Perante o exposto, conclui-se que uma accionista hipotética colocada em posição análoga à da Autora mas residente em Portugal veria eliminada por completo a dupla tributação económica inerente às duas distribuições de dividendos em causa até 30 de Abril de 2007 ­mantendo para tal, até 27 de Janeiro de 2007, uma participação mínima de 10% ou com valor de aquisição superior a EUR 20.000.000,00 -, enquanto que a Autora não dispõe, face ao CIRC, de qualquer possibilidade de eliminar a dupla tributação económica decorrente da primeira distribuição de dividendos do ano de 2006 e, relativamente à segunda, terá que aguardar até final de 2008 para que tal suceda - sendo-lhe para tal exigido que mantenha até lá uma participação superior a 20%;
I) Apenas por se tratar de uma accionista da GALP ENERGIA, S.G.P.S., S.A. não residente em Portugal, a Autora vê-se impossibilitada de eliminar a dupla tributação económica inerente à retenção na fonte efectuada aquando da primeira distribuição de dividendos em causa, tendo, pelo mesmo motivo, que aguardar que se complete um período de detenção ininterrupta de dois anos de uma participação não inferior a 20% do capital social da GALP ENERGIA, S.G.P.S., S.A. para poder requerer e obter a restituição do montante retido a título de imposto aquando da segunda distribuição de dividendos em referência;
J) Para efeitos de processamento do reembolso em questão, o requerimento apresentado pela Autora a 20 de Novembro de 2006 não pode deixar de ser equiparado ao requerimento administrativo implícito de processamento do reembolso de retenções efectuadas constante das declarações de rendimentos apresentadas pelas entidades residentes sempre que esse reembolso resulta devido em função da dívida de imposto apurada, tendo o mesmo sido apresentado antes do último dia útil do 5.º mês posterior ao do facto gerador do imposto hipoteticamente devido relativamente à primeira das distribuições de dividendos e já após a ocorrência do facto gerador referente à segunda delas;
K) A referida equiparação é devida por ter a Autora identificado com suficiente precisão a natureza e montantes dos rendimentos em causa, os montantes retidos na fonte e as datas dessas retenções, ao que acresce o facto de o Ministério das Finanças e da Administração Pública ter conseguido identificar perfeitamente com base no requerimento da Autora, em sede do subsequente procedimento administrativo, os exactos contornos da factualidade em referência;
L) O artigo 56.º, n.º 1, do TCE proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-membros, vigorando esta norma, de acordo com o artigo 8.º, n.º 4, da CRP , com prevalência sobre o Direito interno;
M) O pagamento de dividendos entre sociedades de diferentes Estados-membros da União Europeia constitui uma operação intra-comunitária que como tal se encontra abrangida pelo TCE, pelo que os mecanismos de eliminação da dupla tributação económica que se apliquem a tais operações estão também eles sob o âmbito de aplicação do TCE;
N) Uma sociedade residente num Estado-membro que não Portugal e uma sociedade aqui residente, sendo ambas accionistas de uma sociedade portuguesa, estão em situações objectivamente comparáveis relativamente aos lucros que lhes sejam distribuídos pela sociedade detida, não podendo pois aquela ser discriminada pelo Estado português;
O) O tratamento fiscal concedido pelos artigos 14.º, n.º 3, e 89.º do CIRC aos dividendos distribuídos por sociedades portuguesas a sociedades residentes noutros Estados-membros, por contraposição àquele determinado pelos artigos 46.º, n.º 1, e 96.º, n.ºs 2 e 3, do CIRC aos dividendos distribuídos por sociedades portuguesas a sociedades residentes em Portugal, consubstancia uma restrição às liberdades fundamentais previstas no TCE na medida em que traduz um tratamento desigual dos nacionais de outros Estados-membros, mais desvantajoso para estes.
P) Não existe qualquer motivo legítimo que justifique, à luz do Direito Comunitário e, em concreto, à luz do artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do TCE, um tratamento discriminatório da Autora face a um accionista residente em posição análoga;
Q) O facto de o regime constante dos artigos 14.º, n.º 3, e 89.º do CIRC resultar da transposição da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho, não serve de justificação para um tratamento menos favorável dos accionistas não residentes por comparação a accionistas residentes colocados em situação análoga;
R) É precisamente para obstar a semelhante linha de raciocínio que o artigo 7.º, n.º 2, da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho ressalva a possibilidade de aplicação de disposições nacionais ou convencionais destinadas a suprimir ou atenuar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos, facto que é corroborado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, nomeadamente no Acórdão Amurta (Processo C-379/05);
S) Traduzindo os artigos 14.º, n.º 3, 89.º, 46.º, n.º 1, e 96.º, n.ºs 2 e 3, do CIRC uma restrição discriminatória à livre circulação de capitais entre sociedades de diferentes Estados-membros, a recusa do Ministério das Finanças e da Administração Pública de restituição das quantias retidas na fonte à Autora relativamente aos dividendos distribuídos pela GALP ENERGIA, S.G.P.S., S.A. durante o ano de 2006 - no montante total de EUR 30.483.636,03 - consubstancia uma violação clara do artigo 56.º do TCE e do artigo 8.º, n.º 4, da CRP;
T) A Autora tem assim direito ao reembolso integral das quantias retidas na fonte a título de IRC aquando das distribuições de dividendos levadas a cabo pela GALP ENERGIA, S.G.P.S., S.A. durante o ano de 2006, sendo que esse reembolso deveria ter sido processado pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública até 28 de Fevereiro de 2007;
U) Tal prazo-limite para o processamento do reembolso resulta da necessária aplicação ao caso concreto de um prazo semelhante ao determinado no artigo 96.º, n.º 3, do CIRC para o reembolso das entidades residentes, sob pena de manutenção da discriminação assinalada;
V) Deve pois esse Douto Tribunal anular o acto de indeferimento da pretensão da Autora, praticado pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que negou o direito daquela ao reembolso em causa, condenando-o desde logo à prática de acto administrativo que reconheça a existência de tal direito e determine a restituição do montante de EUR 30.483.636,03;
W) A obrigação de reintegração plena da ordem jurídica violada, que resultará da anulação do acto de indeferimento em referência por parte desse Douto Tribunal, implica ainda a condenação ao pagamento de juros indemnizatórios a computar sobre a quantia a restituir, desde 28 de Fevereiro de 2007 e até integral pagamento, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea a), da LGT;
X) Acresce que o pagamento dos referidos juros indemnizatórios se encontra previsto para as entidades residentes no artigo 96.º, n.º 6, do CIRC, pelo que o seu pagamento terá que se mostrar devido sob pena de nova e inadmissível discriminação à luz do Direito Comunitário;
Y) Adicionalmente, o dever de reconstituição da situação actual hipotética que impenderá sobre o Ministério das Finanças e da Administração Pública com a anulação do acto de indeferimento em referência por parte desse Douto Tribunal, compreende ainda a indemnização da Autora pelos encargos suportados com o necessário patrocínio judicial da presente Acção Administrativa Especial, impondo-se a condenação do Ministério das Finanças e da Administração Pública em conformidade;
Z) Por último e complementarmente, com a procedência da presente Acção Administrativa Especial, deverá o Ministério das Finanças e da Administração Pública ser condenado no pagamento das respectivas custas de parte, impondo-se o respeito pelo princípio, de matriz constitucional, da justiça gratuita para a parte vencedora.

Termos em que se conclui como alegado na petição inicial, pugnando-se pela integral procedência da presente Acção Administrativa Especial, tudo com as demais consequências legais.


A entidade demandada também veio a produzir as suas alegações ainda que sem conclusões, as quais se passam a sintetizar nas seguintes alíneas:


a) A ora autora veio requerer a dispensa de retenção na fonte de IRC dos dividendos que lhe fossem pagos pela GALP ENERGIA, SGPS, SA, bem como a ser reembolsada das retenções que lhe haviam sido efectuadas nos dividendos já recebidos subsumindo tal pedido no Acordo Especial entre a AE, BV e o Governo Português e a Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho;
b) Por despacho de SESEAF de 23.2.2007, foi tal requerimento indeferido por não se verificarem os pressupostos para o efeito, por inexistir violação do princípio da não discriminação e por falta dos documentos comprovativos;
c) Ter sido aplicado no caso o regime estabelecido no art.º 14.º, n.º 3 do CIRC, regime que constitui a transposição da Directiva 90/435/CEE e que permite aos Estados Membros não aplicar tal regime se a participação não se mantiver pelo menos por dois anos, pelo que a sua situação não se enquadrava em tal regime;
d) Também no caso não se verifica a violação ao art.º 56.º do TCE da livre circulação de capitais por a norma do art.º 58.º, n.º1, alínea a) do mesmo TCE permitir aos Estados membros estabelecer distinções em função do lugar de residência dos contribuintes;
e) No ano de 2006 a Directiva 90/435/CEE estabelecia a obrigação de o capital social da sociedade afiliada para dispensar da retenção na fonte na sociedade-mãe se a participação mínima daquela nesta fosse de 20%, o que não acontecia com a autora;
f) O art.º 46.º do CIRC dispor sobre realidade completamente distinta da presente, já que se refere a sociedade beneficiária dos dividendos, mas residente em Portugal, em que tem em vista evitar a dupla tributação económica de sujeito passivo nacional em relação a rendimentos auferidos de sociedade estabelecida também neste Estado, também não viola o direito comunitário;
g) A norma do art.º 90.º do CIRC ter carácter complementar deste regime de retenção porque sendo os dividendos deduzidos a 100% e tendo a retenção a natureza de imposto por conta, tal retenção seria de nenhum efeito;
h) Existir uma diferença substancial entre os dividendos pagos aos residentes que são retidos a título de pagamento por conta e os pagos a não residentes que são pagos a título definitivo, já que os residentes, a final, poderá ser efectuada a liquidação de todos os seus rendimentos o que não acontece com os não residentes, em que apenas no seu Estado de residência tal imposto poderá ser calculado na sua globalidade;
i) O requerimento dirigido ao Sr. Ministro das Finanças e onde foi proferido o despacho ora recorrido não poder ser convertido em declaração de rendimentos ao abrigo do disposto no art.º 46.º do CIRC por desde logo a mesma só poder ser apresentada no final do exercício onde se apuram os rendimentos desse ano, que não no seu decurso, como aconteceu no caso;
j) O pedido autónomo de pagamento do patrocínio judicial não ter razão de ser já que se integra nas custas de parte e em que a parte vencida suportará de acordo com os parâmetros fixados pelo legislador, não havendo lugar à dedução de pedidos autónomos, para obviar aos possíveis exageros desses honorários pelo que tal pedido deve improceder bem como os restantes pedidos formulados na acção, dos quais deve ser absolvido.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se a distinção efectuada pela lei fiscal portuguesa entre entidades com domicílio fiscal em Portugal e fora dele, quer quanto à tributação dos dividendos atribuídos pela afiliada à sua casa-mãe, quer quanto à retenção na fonte do imposto sobre esses mesmos dividendos atribuídos, violam o princípio da livre circulação de capitais previsto no art.º 56.º, n.º1 do TCE, não sendo de conhecer de quaisquer outras questões ao responder-se negativamente.


3. A matéria de facto.
Com relevo para a apreciação do mérito da acção segundo as várias soluções plausíveis do ponto de vista do direito aplicável, pelos documentos, processo administrativo juntos e articulação das partes, encontra-se provada a seguinte factualidade, a qual se passa a subordinar às seguintes alíneas:
a) Por requerimento entrado em 27.11.2006 no Sec. De Apoio Gabinete do Director Geral e dirigido ao Exmo Ministro de Estado e das Finanças a ora autora veio peticionar que os dividendos pagos pela GALP Energia, SGPS, SA, que venham a ocorrer a partir de 27.1.2007, seja reconhecido o direito à dispensa de retenção na fonte de IRC e que lhe seja reconhecido o direito a ser reembolsada das detenções na fonte já efectuadas nos dividendos recebidos em 27.7.2006, do dividendo de € 29.584.892,52 na retenção de € 2.958.489,25 e em 29.9.2006, do dividendo de € 275.251.467,75 na retenção de € 27.525.146,78, por lhe parecer que tal retenção deveria ter sido dispensada, ainda que com carácter excepcional, no Acordo Especial entre AE, BV e o Governo Português, em conjugação com as também excepcionais características de Acordo, nomeadamente a verificação prévia e objectiva da duração da participação no capital da GALP Energia, SGPS, SA, por período superior a 1 ano ou mesmo 2 anos – cfr. requerimento de três páginas do processo instrutor, as quais não se mostram numeradas;
b) No âmbito deste procedimento, a AT juntou ao mesmo os prints relativos à ora autora onde é informado que a mesma tem a morada ou sede na Holanda, que é um contribuinte não residente e que não tem representante, - cfr. mesmo processo instrutor;
c) Aquele requerimento da ora autora foi informado pelo Chefe de Divisão em substituição, da Direcção de Serviços das Relações Internacionais, onde foi proposto que o mesmo fosse indeferido na sua totalidade, quer quanto aos dividendos a atribuir em 2007, quer quanto à restituição das retenções relativas aos dividendos já atribuídos em 2006, com os seguintes fundamentos:
1 – Que as normas dos art.ºs 14.º e 46.º do CIRC tratam duas realidades distintas: assim enquanto aquela primeira se reporta a uma entidade não residente e a quem são distribuídos os dividendos por entidade residente, sendo neste caso esta entidade beneficiária apenas tributada em Portugal por esses rendimentos aqui obtidos, já no segundo caso se trata de uma dedução à matéria colectável em que a entidade que ficou dispensada da retenção na fonte é aqui residente e como tal, está sujeita à tributação em Portugal, onde todos os seus rendimentos irão ser tributados, incluindo os relativos aos dividendos, sendo que esta norma apenas visa evitar a dupla tributação económica;
2 – Que não têm de ser iguais os pressupostos da atribuição da isenção de tributação em função de uma situação de não residência da de dispensa de retenção na fonte numa situação de residência fiscal e, consequentemente, sujeição a tributação pela totalidade dose rendimentos - cfr. mesmo processo;
d) Em tal informação, pelo Exmo Director-Geral foi aposto o seu parecer de concordância nos seguintes termos: Com a minha concordância à consideração de SESEAF, ressalvando que com a entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 25 de Dez. (OE-2007), a participação nesse capital social passou para 15%, mantendo-se as restantes condições, a que o Exmo SEAF apôs o seu despacho de Concordo, em 23.2.2007 – cfr. mesmo processo;
e) O despacho supra foi notificado à ora autora pelo ofício 8020, datado de 09.04.2007 – cfr. mesmo processo;
f) A petição inicial da presente acção administrativa especial deu entrada neste TCAS em 06.07.2007 – cfr. carimbo aposto a fls 2 dos presentes autos;
g) Por declarações dos Bancos Espírito Santo, Caixa Geral de Depósitos, SA, Santander Totta, SA, Popular Português, SA, e Millennium BCP, durante o ano de 2006, a ora autora movimentou as acções que detinha, representativas do capital social da GALP Energia, SGPS, SA, nos termos descritos nos respectivos quadros nelas enumerados e que aqui se dão por reproduzidos – cfr. docs. de fls 70 a 78 dos autos;
h) A ora autora adquiriu em 7.12.2005, 23.663.875 acções representativas de 14,268% do capital social da GALP Energia, SGPS, SA, e em 28.12.2005 adquiriu a participação detida pela Portgás, correspondente a 72.905 acções, ficando assim a ser titular do total de 14,312% do capital social da mesma, percentagem que passou a partir de 29.3.2006 a ser de 13,312%, em 6.9.2006 igualmente de 13,312%, em 18.9.2006 de 31,612%, em 29.9.2006 igualmente de 31,612%, em 23.10.2006 igualmente de 31,612%, em 30.10.2006 de 33,34%, 1.11.2006 igualmente de 33,34%, em 5.12.2006 igualmente de 33,34% e em 5.1.2007 igualmente de 33,34% - cfr. doc. de fls 80 a 82 dois autos;
i) A ora autora veio a requerer em 29.9.2008, ao abrigo do disposto no art.º 89.º do CIRC, por deter ininterruptamente, durante dois anos, uma participação na GALP Energia, SGPS, SA, não inferior a 20% do respectivo capital social, o reembolso da retenção na fonte de € 27.525.146,78, relativo aos dividendos atribuídos em 29.9.2006, entre outros, o que lhe foi deferido, tendo aquele sido pago em 5.1.2009 – cfr. docs. de fls 280 a 317 dos autos.


4. O direito.
À hoje denominada acção administrativa especial correspondia o anterior recurso contencioso, que aquela veio substituir, tendo contudo o seu objecto sido ampliado, de molde a nela caber não só a declaração de invalidade ou anulação dos actos recorridos – cfr. art.ºs 6.º do anterior ETAF e 191.º do CPTA – como também, entre outros, no pedido de condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido – art.º 46.º e segs do CPTA – e tendo o prazo geral para a sua dedução sido alargado para três meses – seu art.º 58.º - sendo esta, actualmente, a forma processual para fazer valer em juízo os direitos dos administrados que até então eram efectuados através do dito recurso contencioso.

A reforma sobre a tributação do rendimento e a adopção de medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais constituiu o fundamento avançado pelo legislador para proceder a vastas e profundas alterações, quer no CIRS, quer no CIRC, na chamada reforma da tributação aprovada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
Porém, volvidos que foram pouco mais de seis meses já, de novo, o legislador sentiu necessidade de rever, quer esses mesmos códigos, quer outros diplomas legais como o Estatuto dos Benefícios Fiscais, alteração agora erigida como instrumento de facilitação do conhecimento e interpretação do quadro legal por parte dos sujeitos passivos do imposto tendo procedido à sua republicação integral pelo Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho.
Só que também aqui os propósitos do legislador nesta matéria não foram duradouros. Com efeito, volvido menos de um mês, já se encontrava de novo, a alterar, entre outros diplomas, o CIRC, em oito dos seus artigos pelo Dec-Lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto.

As normas do art.º 14.º do Código do IRC, por sua vez, também têm acompanhado ao longo do tempo, as muitas alterações legislativas verificadas em muitas outras, tendo o respectivo Código sido republicado pelo citado Dec-Lei n.º 198/2001, tendo o seu n.º4 sofrido, posteriormente, uma alteração pelo art.º 32.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro (2.º Suplemento) – Orçamento do Estado para 2002 - pelo que a sua redacção de então e a aplicável tem o seguinte teor:
1 – As isenções resultantes de acordo celebrado pelo Estado mantêm-se no IRC, nos termos da legislação ao abrigo da qual foram concedidas, com as necessárias adaptações.
2 – Estão ainda isentos de IRC os empreiteiros ou arrematantes, nacionais ou estrangeiros, relativamente aos lucros derivados de obras e trabalhos das infra-estruturas comuns NATO a realizar em território português, de harmonia com o Decreto-Lei n.º 41561, de 17 de Março de 1958.
3 – Estão isentos os lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 25%(1) e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos.
4 – Para que seja imediatamente aplicável o disposto no número anterior, deve ser feita prova perante a entidade devedora dos rendimentos, anteriormente à data da sua colocação à disposição do respectivo titular, de que se encontra nas condições de que depende a isenção aí prevista, sendo a relativa às condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho, efectuada através de declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado-membro da União Europeia de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos, sendo ainda de observar as exigências previstas no artigo 120.º do Código do IRS.
5 – Para efeitos do disposto no n.º 3, a definição de entidade residente é a que resulta da legislação fiscal do Estado membro em causa, sem prejuízo do que se achar estabelecido nas convenções destinadas a evitar a dupla tributação.

Por sua vez o art.º 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho, mandada aplicar pela norma do citado n.º3, tem a seguinte redacção:
Para efeitos de aplicação da presente directiva, a expressão «sociedade de um Estado-membro» designa qualquer sociedade:
a) que revista uma das formas enumeradas no anexo;
b) que, de acordo com a legislação fiscal de um Estado-membro, seja considerada como tendo nele o seu domicílio fiscal e que, nos termos de uma convenção em matéria de dupla tributação celebrada com um Estado terceiro, não seja considerada como tendo domicílio fora da Comunidade;
c) Que, além disso, esteja sujeita, sem possibilidade de opção e sem deles se encontrar isenta, a um dos seguintes impostos:
...
imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, em Portugal,
...
ou a qualquer outro imposto que possa vir a substituir um destes impostos.

Tal Directiva tal como consta no respectivo preâmbulo teve em vista ...criar na Comunidade, condições análogas às de um mercado interno e para garantir assim o estabelecimento e o bom funcionamento do mercado comum; que essas operações não devem ser dificultadas por restrições, desvantagens ou distorções especiais decorrentes das disposições fiscais dos Estados-membros...
Considerando que os agrupamentos em questão podem levar à criação de grupos de sociedades-mães e afiliadas;
...
Como bem se pronuncia a entidade demandada na matéria das suas alegações, a situação da ora autora não pode directamente ser subsumida na norma do art.º 14.º, n.º3 do CIRC e art.º 2.º da Directiva, quer porque então não possuía a percentagem no capital social da entidade residente em Portugal - afiliada), (GALP Energia) - definido na lei, quer porque o não possuía durante o lapso de tempo necessário – 2 anos – o que a autora de resto, nem veio a pretender, embora na matéria da alínea A) das suas conclusões do recurso venha a fazer uma afirmação que de modo nenhum se encontra demonstrada, ou seja que a tributação é igual para residentes ou não residentes relativamente a dividendos atribuídos, quando se não encontra demonstrado se e de que forma a atribuição dos dividendos pela entidade residente é considerado no apuramento do lucro tributável e logo do imposto a pagar no País onde tal ente tem o seu domicílio fiscal, ao contrário do que acontece em Portugal, em que se sabe que tais dividendos são deduzidos à base tributável nos termos do disposto no art.º 46.º do mesmo CIRC, aquando do apuramento do lucro tributável do exercício, tendo em vista evitar a dupla tributação económica, que no caso de entidades não residentes relativamente a rendimentos não obtidos no nosso País, não tem lugar em Portugal, funcionando a retenção na fonte como uma colecta por conta desses rendimentos, cuja relevância ou não nesse País do domicílio fiscal já não depende da legislação de Portugal mas sim da existente nesse Estado membro, como bem se pronuncia quer o despacho recorrido quer o réu nas suas alegações.

A questão central colocada pela ora autora na presente acção administrativa especial reside, em que as normas dos art.ºs 46.º e 90.º do CIRC, de aplicação às entidades residentes ser claramente mais favorável do que o previsto nos art.ºs 14.º e 89.º do mesmo Código, no que à retenção na fonte dos dividendos atribuídos diz respeito, na medida em que para aquelas se encontram dispensadas da retenção na fonte e a lei também lhes permite evitar a dupla tributação económica ao passo que o regime destas, não lhe permite tal possibilidade (quer a dispensa de retenção quer a dedução dos dividendos à sua base tributável, em sede de apuramento do lucro tributável).

Na verdade, nos termos do disposto naqueles normativos, as entidades residentes sujeitas a IRC, não se encontram sujeitas a retenção na fonte quanto ao imposto que poderia ser devido pela tributação dos dividendos atribuídos e tendo em vista evitar a dupla tributação dos dividendos atribuídos, estes são deduzidos na sua base tributável em sede de apuramento do lucro tributável, como não se encontra em causa.

O mesmo não acontece quanto às entidades residentes em outro Estado membro, no que à dispensa de retenção diz respeito, porque estas não se encontram dispensadas de tal retenção, salvo se satisfazerem os requisitos do n.º3 do art.º 14.º do mesmo CIRC, desta forma havendo uma diferença de tratamento entre entidades residentes e não residentes, radicada no seu domicílio fiscal. Ainda que o mesmo possa não acontecer quanto à tributação ou não desses dividendos no Estado do domicílio fiscal desse ente, tendo em vista evitar a dupla tributação económica, o que só a legislação desse País pode responder, aquando do apuramento do seu lucro tributável com os rendimentos que também aí tenha obtido ou, eventualmente, só com estes, já que para estas entidades não residentes, o imposto no final do exercício, não é apurado em Portugal, a não ser quanto aos rendimentos aqui obtidos e que se traduz nessa retenção e que assim passa a figurar como colecta, como dispõe expressamente a norma do art.º 2.º, n.º1, alínea c) do CIRC, sendo esta uma questão que o direito fiscal português deve deixar fora do âmbito da sua regulamentação por lhe escapar à sua soberania fiscal, o que o texto da citada Directiva expressamente veio regular, ao dispôr que a presente directiva não afecta a aplicação de disposições nacionais ou convencionais destinadas a suprimir ou atenuar a dupla tributação económica dos dividendos, em especial as relativas ao pagamento de créditos de impostos aos beneficiários de dividendos, como dispõe o n.º2 do seu art.º 7.º.

Aliás, a ora autora também veio invocar o conteúdo desta norma do art.º 7.º, n.º2 da Directiva na matéria da alínea R) das suas conclusões do recurso, deslocando contudo essa questão para o âmbito da legislação fiscal portuguesa, quando antes a deveria ter colocado por referência à legislação fiscal do País do domicílio fiscal da mesma autora, que é o detentor da soberania tributária e lhe caberá definir se e em que termos, os dividendos por si obtidos em Portugal de empresa afiliada são tributáveis ou antes respeita a sua não dupla tributação económica e bem assim se o pagamento por conta efectuado em Portugal será ou não dedutível à colecta que vier a apurar.

Tal soberania fiscal não pode deixar de residir no Estado-membro de que a entidade mãe tem o seu domicílio fiscal, como é por demais evidente, o que se tem reafirmado me diversas decisões, designadamente do TJC, como se pode ver do seu recente acórdão de 19.11.2009, cuja cópia a ora autora fez juntar a fls 337 e segs dos autos e onde se reafirma...importa recordar que, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados-membros, estes últimos devem, contudo, exercer essa competência no respeito do direito comunitário...seu ponto 27.

Em suma, a questão da eliminação da dupla tributação económica ou a sua atenuação quanto a entidade com domicílio fiscal em outro Estado membro, é questão que não é resolvida pela lei fiscal portuguesa (nem se vê de que forma o poderia ser), no caso, antes cabendo à lei fiscal do Estado membro no qual a entidade beneficiária tem o seu domicílio fiscal, que em todo o caso, como acima se disse, se não sabe se existe ou não, sendo certo que cabia à autora prová-lo por força do disposto no art.º 348.º do Código Civil, não servindo a regulamentação da lei portuguesa no que a tal questão diz respeito, para aferir dessa eliminação da dupla tributação que se encontrará legalmente prevista na lei fiscal do País do domicílio fiscal da entidade beneficiária, no caso, da ora autora.

Assim, a verdadeira questão aqui a decidir, face à lei fiscal portuguesa e comunitária aplicáveis, reside tão só se tal retenção para uns e a não retenção para outros, em função do respectivo domicílio fiscal, é susceptível de violar as apontadas normas do direito comunitário como invoca a autora e rechaça a entidade demandada.

Para a autora, tais normativos menos favoráveis para as entidades como domicílio fiscal em outro Estado membro no que a esta dispensa de retenção de IRC sobre os dividendos diz respeito, viola o disposto no art.º 56.º, n.º1 do TCE, que proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais entre os Estados membros, e que vigora na ordem interna portuguesa por força do art.º 8.º, n.º4 da CRP, e que as apontadas normas do CIRC violam, não o permitindo também a norma do art.º 58.º, n.º1, a) do mesmo TCE e o que a norma do art.º 7.º, n.º2 da citada Directiva 90/435/CEE, corrobora, pelo que aquelas normas do CIRC, por força da prevalência do direito comunitário(2) devem ser desaplicadas por este Tribunal.

Já para o réu é a própria norma do art.º 2.º da citada Directiva 90/435/CEE que expressamente permite condicionar tal isenção de retenção na fonte sobre os dividendos atribuídos entre a sociedade afiliada e a sociedade-mãe, e que tais normas do CIRC não violam as normas dos art.ºs 56.º e 58.º, n.º1, a) do TCE, já que é a própria norma desta alínea que expressamente prevê que a norma do seu art.º 56.º não impede que as disposições dos Estados membros contenham distinções entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido, citando doutrina e jurisprudência do TJC que no mesmo sentido terão decidido, e que a Directiva 2003/123/CE veio alargar do âmbito de aplicação daquela outra, e em que veio reduzir o âmbito de participação no capital social de uma sociedade de 25% para 10%, sendo de 20% desde entre 1.1.2005 e 31.12.2007, de 15% de 1.1.2008 a 31.12.2008 e de 10% a partir de 1.1.2009, o que a norma do art.º 7.º, n.º2 daquela Directiva 90/435/CEE também dispõe quanto à não dupla tributação económica dos dividendos em que logra aplicação a legislação interna de cada um dos Estados membros.

Dispõe a norma do seu actual art.º 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (Tratado de Roma), (ex-artigo 73.º-B), no seu n.º1:
No âmbito das disposições do presente Capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-membros e entre Estados-membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente Capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-membros e entre Estados-membros e países terceiros.

E o art.º 58.º (ex-artigo 73.º-D) do mesmo Tratado, sob a epígrafe, Medidas e procedimentos estaduais excepcionalmente permitidos:
1. O disposto no artigo 56.º não prejudica o direito de os Estados-membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) ...
2. ...
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 56.º.

Da transcrição destas normas fácil se torna concluir que, enquanto aquelas primeiras proíbem todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-membros e entre estes e países terceiros, já esta norma da alínea a) do n.º1 do seu art.º 58.º, veio excepcionar as pertinentes disposições do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido, pelo que a residência dos contribuintes pode constituir um factor justificador das normas nacionais que implicam uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes e contribuintes não residentes e que uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes e contribuintes não residentes não pode, por conseguinte, ser qualificada como discriminação, na acepção do Tratado da União, como de resto também tem sido decidido em jurisprudência do TJC, como se pode ler também dos acórdãos que o réu invocou na suas alegações a fls 250, não podendo por isso, no caso, as normas do art.ºs 14.º, n.º3 e 89.º, n.º1 do CIRC, afrontar as citadas normas do Tratado da União Europeia, pelo que estas não podem deixar de lograr aplicação no caso, com a consequente improcedência da presente acção que na sua desaplicação ao abrigo do disposto no art.º 8.º, n.º4 da CRP, se fundava.

Como escreve Ana Maria Guerra Martins(3), «a liberdade de circulação de capitais, tal com as outras, também comporta excepções, que estão consagradas no art. 58.º TCE. Efectivamente, existem diversos domínios em que os Estados ou a própria Comunidade podem excluir, restringir ou obrigar ao cumprimento das suas obrigações. Essas medidas não podem, contudo, constituir uma discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e de pagamentos.
A liberdade de circulação de capitais está intimamente relacionada com a união económica e monetária.».

Tendo em conta que o apuramento do lucro tributável dos entes com domicílio fiscal em Portugal, em sede de IRC, abrange todos os rendimentos por si obtidos, quer no nosso País quer fora dele (cfr. art.º 4.º, n.º1 do CIRC) e que para os entes com domicílio fiscal em outro Estado-membro ou País terceiro, apenas se encontram sujeitos a tributação em Portugal os rendimentos aqui obtidos (art.º 4.º, n.º2 do CIRC), e que para aqueles com domicílio fiscal em Portugal a retenção na fonte mais não é do que um pagamento por conta do imposto que a final for devido (cfr. art.º 88.º, n.º3 do CIRC), a distinção entre entidades com domicílio fiscal em Portugal e fora dele, no que à retenção na fonte diz respeito, não vimos que possa ser discriminatória, mas antes se apresenta devidamente justificado, já que para os entes como domicílio em Portugal no apuramento do lucro tributável, no final do exercício, esses rendimentos dos dividendos serão considerados, ou seja, nesse momento será definido o deve e o haver desse sujeito passivo, o que não acontece com o ente com domicílio fora de Portugal, em que tal apuramento não é cá efectuado, pelo que se o imposto não fosse logo pago por retenção na fonte do ente nacional, aquando do pagamento dos rendimentos, correr-se-ia o sério risco de jamais o vir a ser, já que tal questão apenas passaria a ser do domínio da lei fiscal do Estado onde o mesmo tem o seu domicílio fiscal e que este, salvo a existência de convenção com o Estado do domicílio do ente nacional, poderia não ter interesse em salvaguardar os interesses fiscais deste, quanto a estes rendimentos aqui obtidos, pelo que para além de justificada, tal distinção também se pode revelar apta a evitar a fraude e a evasão fiscais, encontrando por isso plena subsunção nas excepções contidas no citado art.º 58.º, que assim não poderá violar.

Adianta-se mesmo, que para o contribuinte com domicílio fora de Portugal, tal retenção na fonte apenas lhe poderá causar prejuízo temporariamente, ou seja durante o lapso de tempo em que se encontre desembolsado dessa importância retida de imposto, desde que na legislação do País do seu domicílio fiscal existam normas semelhantes às portuguesas, que lhe permita deduzir à sua colecta o montante pago por tal retenção, como dispõe as normas dos art.ºs 83.º, n.º2 e 85.º, n.º1 do CIRC, no que aos entes com domicílio fiscal em Portugal tange.

Como bem refere a entidade demandada, nas suas alegações, a citada Directiva 90/435/CEE, para além de outras medidas que faz ressaltar no texto do seu preâmbulo, pretende garantir a neutralidade fiscal, tornando necessário isentar de retenção na fonte os lucros que uma sociedade afiliada distribui à sua sociedade-mãe, ainda que com excepções em casos especiais, prevendo no seu art.º 4.º, n.º1, ainda que implicitamente, que tais retenções de imposto podem ter lugar no País do domicílio fiscal da empresa afiliada, no caso Portugal, já que dispõe que neste caso, o Estado-membro da residência da empresa afiliada, deve autorizar a deduzir ao montante do imposto (a liquidar e a pagar) o montante correspondente à retenção efectuada em Portugal (no caso), dentro do limite do montante do imposto nacional correspondente, ou seja, também esta Directiva não impede, em absoluto, antes autoriza, e também que no caso de Portugal, por força da norma derrogatória do seu art.º 5.º, n.º4, expressamente lhe foi consentido a possibilidade de cobrar tal retenção na fonte sobre os lucros distribuídos pelas suas sociedades afiliadas a sociedades-mães de outros Estados membros até uma data que não poderá ser superior ao fim do oitavo ano seguinte à data de entrada em vigor da mesma directiva.

Esta Directiva foi alterada pela Directiva n.º 2003/123/CE do Conselho, cujo objectivo foi o de alargar os benefícios da anterior Directiva, designadamente fixando o limiar da participação para se reconhecer a qualidade de sociedade-mãe e de sociedade afiliada, a reduzir gradualmente, de 25% para 10%, como se pode ler do seu preâmbulo, tendo por via desta alteração na norma do art.º 3.º, n.º1, sido fixada a participação no capital social de 20%, a partir de 1.1.2007, a percentagem mínima de participação no capital social de 15%, e a partir de 1.1.2009, de 10%, e veio dar nova redacção ao citado art.º 5.º, n.º1, onde veio expressamente dispôr que tais lucros distribuídos por uma sociedade afiliada à sua sociedade-mãe são isentos de retenção na fonte, e revogou os demais números desse artigo 5.º, designadamente a citada derrogação do n.º4 do mesmo art.º 5.º, acima referido e que a Portugal dizia respeito, pelo que desde a sua entrada em vigor já a legislação fiscal portuguesa não pode proceder a tais retenções, sob pena de incorrer na sua violação, com a consequente desaplicação, por força do disposto no art.º 8.º, n.º4 da CRP e do respectivo primado da lei comunitária (o que não era o caso quanto ao ano de 2006, aqui em causa).


Quanto ao acórdão do TJC cuja cópia a ora autora fez juntar aos autos de fls 336 e segs, a que acima se já fez referência, em que reconheceu existir discriminação na legislação fiscal do Estado Italiano ao fazer distinguir entre entidades nacionais e com domicílio fiscal fora dele, a sua doutrina não pode ter aplicação no presente caso, desde logo porque então, em 2006, Portugal encontrava-se autorizado, a título excepcional, a cobrar uma retenção na fonte sobre os lucros distribuídos pela suas sociedades afiliadas a sociedades-mães de outros Estados-membros até certa data – cfr. art.º 5.º, n.º4 da citada Directiva 90/435/CEE – constituindo tal Directiva também direito comunitário e que com o demais tem de ser concatenado, designadamente com as normas do art.º 56.º, n.º1 e 58.º, n.º1 do mesmo TCE, já que o primado do direito da União abrange, não só os tratados constitutivos, como todas as fontes de direito da União Europeia, incluindo o direito subordinado ou derivado (art.º 249.º do TCE) e o direito internacional de que a Comunidade é parte(4), todo ele prevalecendo sobre o direito interno nos termos do disposto no art.º 8.º, n.º4 da CRP (Tratado da União e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências), e a que o Tribunal no âmbito da sua independência deve acolher como lei a que lhe deve obediência, desde logo por força do disposto no art.º 203.º do CRP, pelo que, a nosso ver, então, Portugal encontrava-se legitimado para dispor de legislação fiscal que quanto a entes com domicílio fiscal em outro Estado membro pudesse proceder à retenção do imposto dos dividendos obtidos em Portugal e atribuído pelas afiliadas à respectiva casa-mãe.


Quanto ao montante da restituição da retenção do imposto peticionado e já obtida por outro fundamento – cfr. matéria da alínea i) do probatório – verifica-se uma inutilidade superveniente da lide, e improcede a presente acção no demais, já que também não é de conhecer dos restantes pedidos por prejudicados, na medida em que se fundavam na respectiva procedência dos acima conhecidos, o que não lograram obter – art.º 95.º, n.º1 do CPTA.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de restituição de € 27.525.146,78 e em julgar improcedente a presente acção administrativa especial no demais, absolvendo—se dos pedidos a entidade demandada.


Custas pela autora, fixando-se a taxa de justiça em doze UCs e a procuradoria em 1/6 - art.ºs 73.º-D n.º3 e 41.º do CCJ.

Lisboa, 02/02/2010

Eugénio Sequeira
Rogério Martins
Lucas Martins



1- Percentagem esta que foi reduzida para 20% por força do art.º 3.º, n.º1, da Directiva 90/435/CEE, na redacção introduzida pela Directiva 2003/123/CE do Conselho, questão sobre que as partes nem dissentem
2- Prevalência que não se encontra em causa, cfr. neste sentido Ana Maria Guerra Martins, in Curso de Direito Constitucional da União Europeia, Almedina, 2004, págs. 131 e 427 e segs.
3- Ob. cit. pág. 561.
4- Ob. cit. pág. 393 e segs.