Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11981/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/25/2015
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:ACTO SANCIONATÓRIO - ARTº 50º Nº 2 CPTA
REVOGAÇÃO DE FINANCIAMENTO – QUADRO COMUNITÁRIO DE APOIO
Sumário:1. Por se tratar de incumprimento obrigacional no domínio dos deveres impostos ao beneficiário, tem natureza sancionatória o acto administrativo de revogação do financiamento concedido no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio para o período 2000/2006, regulado pelo Decreto Regulamentar nº 12-A/00 de 15.Set., prevista no artº 23º da Portaria 799-B/00 de 20.Set.

2. O valor a restituir assume idêntica natureza sancionatória em face da fonte originária do financiamento, na medida em que é a consequência da ordenada revogação.

3.O que significa que no domínio da acção impugnatória do despacho revogatório do financiamento concedido, a natureza sancionatória do acto impugnado configura-se como facto impeditivo do efeito suspensivo automático previsto no artº 50º nº 2 CPTA.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:B……………., Actividades Turísticas, Lda., com os sinais nos autos inconformada com o acórdão proferido no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no tocante ao indeferimento da suspensão de eficácia do acto impugnado nos termos do regime do artº 50º nº 2 CPTA, dele vêm recorrer, concluindo como segue:

1. O Tribunal a quo errou na fixação dos factos subsumíveis ao normativo em apreço e ainda errou na indagação, interpretação e aplicação dos citados preceitos legais, máxime dos artigos 50°/2 do CPTA e do artigo 199° do CPPT, o que inquina irremediavelmente o despacho recorrido.
2. Não subsistem dúvidas que a autora e recorrente cumpriu escrupulo­samente o disposto na lei tributária, para a qual remete o disposto no artigo 50°/2 do CPTA.
3. Para tal, e nos termos do disposto no citado artigo 199° do CPPT, a autora e recte. ofereceu um meio susceptível de assegurar os créditos em apreço nestes autos.
4. Competia ao Tribunal a quo, nos termos da lei tributária, apreciar e decidir sobre a idoneidade da garantia assim oferecida e, após esse momento processual, à autora e recte. efectivar essa garantia nos ter­mos exigidos no artigo 50° do CPTA.
5. Estavam assim cumpridos os dois pressupostos previstos no disposto no artigo 55°/2 do CPTA.
6. Ao indeferir o requerimento e ao não se pronunciar sobre o requeri­mento o Tribunal a quo violou os citados normativos legais supra referidos.
7. E ao delimitar o objecto fáctico do dito requerimento, o Tribunal a quo errou igualmente na apreciação e determinação dos factos subsumíveis nos mencionados preceitos legais.
8. Quer na errada delimitação do modo da oferta da garantia pela recte., quer na desconsideração de que efectivamente a recte. deu de garantia meio idóneo para garantir os créditos controvertidos.
9. Finalmente, o Tribunal a quo erra igualmente, no acórdão recorrido, quando pretende aditar mais um argumento para indeferir a suspensão da eficácia do acto administrativo.
10. Ora, é evidente e inquestionável que se trata, afinal, de uma decisão de restituição de quantia certa decorrente da decisão administrativa. Mesmo se tivermos em conta que há um acto administrativo de revo­gação de aprovação de financiamento, certo é que substancialmente está sempre em causa, como efeito directo do tal acto administrativo, uma restituição de quantias (financiamento obtido) e portanto sempre seria aplicado o regime constante do artigo 50°/2 do CPTA.
11. Não se vislumbra que um acto de revogação de um acto de financia­mento seja um acto sancionatório, mas outro sim, para o que releva nestes autos, trata-se da sua eficácia típica: ou seja, restituição das quantias financiadas e portanto tem aplicação a suspensão da eficácia desse acto.
12. Ora, se atentarmos no próprio despacho em causa se verifica que é a própria autoridade recorrida que o afirma: «Informamos que aquela revogação gerou a obrigatoriedade de restituição (...) da quantia de ...» (cfr. Doe. l junto com a p. i. de fls l a 158 dos autos).
13. É o efeito desse acto de revogação (obrigação de restituir uma quantia) que espoleta a aplicação do disposto no mencionado artigo 50°/2 do CPTA, preceito violado, também nesta sede, pelo acórdão recorrido.

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Turismo de Portugal IP, ora Recorrido, contra-alegou concluindo como segue:
1. A Autora não junta qualquer documento comprovativo de que a garantia se encontra efetivamente prestada por qualquer das formas previstas na lei tributária, sendo a própria quem reconhece que ainda não prestou a garantia, tendo somente oferecido, proposto, submetido à consideração devendo o Tribunal decidir sobre essa admissibilidade e modo de prestação.
2. Atendendo ao elemento literal do artigo 50.°/2 do CPTA, de acordo com uma interpretação literal do mesmo, tem de efetivamente ter sido prestada garantia e não somente proposta ou submetida à consideração do Tribunal a futura prestação de uma garantia.
3. Neste sentido, veja-se o Acórdão de 29.01.2003, proferido no âmbito Processo n.° 2014A/02, do STA "a suspensão de eficácia de actos que determinam a reposição de quantias certas é concedida quando não determine grave lesão para o interesse público e tenha sido prestada caução por qualquer das formas previstas no Código de Procedimento e Processo Tributário".
4. O artigo 50.°/2, do CPTA, não remete para a lei tributária tout court para a lei tributária, mas somente para as modalidades de garantias nela previstas (cfr. se retira do Acórdão de 29.09.2011, proferido no âmbito do Processo n.° 07633/11, do TCA Sul).
5. Assim, bem andou o douto Acórdão recorrido ao decidir que não se encontravam reunidos os pressupostos do artigo 50.°/2 do CPTA, na medida em que não só não foi prestada a garantia como nos presentes autos nos encontramos perante uma impugnação de ato administrativo em que está em causa o pagamento de uma quantia certa mas com natureza sancionatória.
6. Trata-se de um ato administrativo onde se encontra em causa o pagamento de quantia certa mas com natureza sancionatória, uma vez que foi derivado ao facto de a Autora não ter cumprido o Plano formativo conforme a candidatura apresentada que se revogou a decisão de financiamento do projeto.
7. Pelo exposto, e não se encontrando efetivamente comprovado que foi prestada a uma garantia idónea, ao que acresce que se trata de um ato administrativo com natureza sancionatória, deve a suspensão de eficácia do ato impugnado ser indeferida.


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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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A matéria de facto julgada provada é a seguinte:

A Por ofício com a referência 2009.S.14045, datado de 16-07-2009, com o assunto «Proc. FP 00-17268//Financiamento para Formação//Profissional - PRIME//Revogação da decisão de homologação» foi comunicado à Autora «...que, por despacho do Gestor do PRIME de l de Julho de 2009, foi revogada a decisão de aprovação do pedido de financiamento do projecto de formação profissional em referência, nos termos e com os fundamentos constantes de documentação que se anexa. // Informamos que aquela revogação gerou a obrigatoriedade de restituição, por parte de V. Exas., da quantia de 182.418,10 Euros, nos termos previstos no artigo 35º do Decreto Regulamentar nº 12-A/2000, de 15 de Setembro, assinalando-se que a restituição será promovida pelo IGFSE» (cfr. documento l junto com a petição inicial de fls. l a 158 dos autos);
B Em 25-11-2009, a Autora intentou a presente acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo contra o Turismo de Portugal, I.P., peticionando a anulação ou declaração de nulidade do acto de revogação da decisão de financiamento do projecto de formação profissional nº FP 00-17268, proferido por despacho do gestor do PRIME de l-07-2009, o qual gerou a obrigatoriedade de restituição, por parte da Autora, da quantia de € 182,418,10 (cfr. petição inicial de fls. l a 158 dos autos);
C Mais requereu a Autora a suspensão de eficácia do acto de revogação impugnado, o que fez nos seguintes termos:
«(..346. - Não obstante a Autora ser uma empresa com grande relevância económica e social no âmbito da área geográfica onde se insere, apresentando-se como um dos maiores empregadores da região, a Autora tem vindo a sentir, à semelhança dos demais operadores económicos, as limitações financeiras ao crédito e à liquidez de tesouraria na sua maioria resultantes do ciclo económico depressivo que se faz sentir por todo o Portugal e em especial na «zonas menos favorecidas.
(...) 348 - Infelizmente o B…….. S………….Park não conseguiu fugir a esta regra e por isso, e considerando os avultados investimentos efectuados nos anos imediatamente anteriores, encontra-se numa situação de limitação financeira e de falta de liquidez.
349 - Contudo, e dado que pretende a Autora obstar ao prosseguimento da execução desta decisão de revogação que é ilegal, pelo IGFSE, evitando as penhoras dos bens que compõem o seu acervo patrimonial, pugnando pela manutenção da sua actividade e assegurando, por outro lado, os interesses do Estado, presta a autora, por este meio, nos termos e para os efeitos conjugados do nº 2 do artigo 50º do CPTA e artigos 195º e 199º, ambos do C.P.P.T., dar de garantia todos os bens que compõem a conta 4231 do balanço, sob a epígrafe, Equipamento básico, no valor de 912 587 Euros, montante cinco vezes superior ao valor em causa nestes autos (cfr. doe. ns 15 a n-16, que correspondem ao Balanço de Dezembro de 2008 e mapa de imobilizado).
350 - No entanto, caso se entenda, por alguma razão que não se vislumbra, que o valor de cerca de l milhão de Euros não é suficiente para garantir o montante em causa nestes autos de cerca de 200 mil Euros, o B……….. S……… Park, à cautela e supletivamente, dá de garantia o seu estabelecimento, como unidade jurídica consubstanciada numa universalidade de facto e de direitos, no valor total constante do balanço.
351 - Para o efeito, junta a Autora cópia do balancete contabilístico, no qual se encontra devidamente discriminado todo o seu imobilizado corpóreo à data de 31 de Dezembro de 2007 e, bem assim, cópia do extracto das contas 42 a 45, à data de 25 de Novembro do corrente, no qual surgem evidenciadas todas as aquisições de imobilizado realizadas durante o ano de 2008 (cfr. documentos que se juntam sob os n.2s l e 2).
352 - Nestes termos, verifica-se que, actualmente, a executada dispõe de um imobilizado corpóreo no montante global de € 3.351.533,10 (três milhões, trezentos e cinquenta e um mil, quinhentos e trinta e três euros e dez cêntímos). (...)» (cfr. petição inicial de fls. 1-158 dos autos);
D Por despacho de fls. 310 a 314 dos autos foi indeferida a suspensão de eficácia do acto administrativo impugnado, por não se demonstrar o preenchimento do segundo pressuposto previsto no artigo 50.9, n.s 2 do CPTA «a prestação de uma garantia nos termos da lei tributária».

Nos termos do artº 662º nº 1 CPC, ex vi artº 140º CPTA, adita-se o probatório da alínea E, com fundamento em documento junto aos autos, que se especifica.


E O despacho Gestor do PRIME de l de Julho de 2009, mencionado supra na alínea A, foi exarado sobre a Informação Interna nº 190/GPF/UFEP/2009, de 01.07.2009, cujo teor é o seguinte:
“(..) assunto: PRIME - Formação Profissional - Medida 4.1
Revogação das Decisões de Aprovação
00/17681 - M………. - Hotelaria, SA
00/17758 M…………- Parques ……………………….., SA
00/17268 B…………..-Actividades ………., Lda
00/21119 Hotel ………… - Soc. de …………, SA
00/17504 H………. - Aveiro ………….., SA

Com vista a ser dada a devida sequência às propostas de revogação da decisão de aprovação do financiamento atribuído aos projectos referenciados, presentes pelo TP - Turismo de Portugal, IP, através de oficio, de 30/06/2009, em Anexo l, procedeu este Gabinete à análise dos elementos enviados concluindo assim pela proposta de revogação da decisão de homologação dos 5 projectos, com base na alínea a) do n° 1 do 23°, da Portaria n° 799-B/2000, de 20 de Setembro, no caso dos projectos nº 00/17681 – M………… - H…………, SA, 00/17268 – B………… - Actividades ……………, Lda, 00/21119 - Hotel ………… - Soe. de ……….., SA e 00/17504 – H……. -Aveiro ………., SA, e das alíneas a) e n) do n° 1 do 23° da mesma Portaria, com a consequente restituição das verbas já recebidas.

Nos termos e para os efeitos do previsto no art.° 105.° do CPA. os fundamentos que sustentam as respectivas propostas de revogação em Anexo l. constituem parte integrante da presente Informação.

Neste âmbito, propõe-se nos termos da alínea c) do art.° 7.° do Decreto Regulamentar n.° 12-A/2000, de 15 de Setembro, a revogação das decisões de aprovação dos projectos,, nos seguintes termos e de acordo com os Anexos l e II:
a) Revogação das decisões de aprovação dos projectos;
b) Emissão das respectivas ordens de devolução, no valor de € 95.419,77 no caso do projecto nº 00/17681- M………..- H……….., SA, € 41.318,18 no caso do projecto n.° 00/17758 - Mundo ………… - Parques ……………….-Educativo, SA € 182.418,10 no caso do projecto nº 00/17268-B………… - Actividades …………s, Lda e de € 7.609,60 no caso do projecto nº 00/21119-Hotel ……….. – Soc. …………………., SA;
c) Descativação do Incentivo não reembolsável aprovado, no montante global de € 958.228,83.
À consideração superior,
Lisboa, 1 de Julho de 2009 (..)” – doc. fls. 116-117 dos autos.



DO DIREITO


Por despacho de 27.09.2013, a fls. 160-163 dos autos, foi indeferido o efeito suspensivo automático requerido ao abrigo do regime do artº 50º nº 2 CPTA em via da interposição de impugnação do despacho de 01.07.2009 revogatório da atribuição de financiamento por despacho de 17.03.2006 de projectos apresentados pela ora Recorrente.
Na sequência de reclamação, foi proferido acórdão confirmativo, ora sob recurso, cuja fundamentação, na parte que importa, é a seguinte:
“(..)
Nos presentes autos, veio a Autora impugnar a anulação ou declaração de nulidade do acto de revogação da decisão de financiamento do projecto de formação profissional nº FP 00-17268, proferido por despacho do gestor do PRIME de 1-07-2009, o qual gerou a obrigatoriedade de restituição, por parte da Autora, da quantia de € 182.418,10.
Para efeitos da suspensão de eficácia deste acto, veio a Autora “...dar de garantia todos os bens que compõem a conta 4231 do balanço, sob a epígrafe. Equipamento básico»”, ou, subsidiariamente, “... dá de garantia o seu estabelecimento, como unidade jurídica consubstanciada numa universalidade de facto e de direitos, no valor total constante do balanço” (cfr. alínea C) dos factos assentes).
No despacho melhor identificado na alínea D) dos factos assentes julgou-se verificado apenas o primeiro pressuposto para aplicação do artigo 50.2, n.e 2 do CPTA.
Atenta a factualidade relevante e os normativos legais aplicáveis, andou bem o despacho reclamado ao indeferir o pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo de revogação ora impugnado, ainda que, devidamente ponderados e sopesados os argumentos aduzidos pelas partes e a legislação aplicável, não se acolha, na íntegra, a respectiva fundamentação.
Desde logo, subscreve-se a argumentação aduzida no despacho ora reclamado, quando aí se afirma que “...não logrou a Autora demonstrar o preenchimento do segundo pressuposto previsto no artigo 50º, nº 2 do CPTA para a suspensão da eficácia do acto administrativo impugnado, impondo-se, como tal, indeferir a requerida suspensão, o que, a final, se determina”, dado que “...a Autora não juntou aos presentes autos documento comprovativo da prestação de garantia nos termos previstos na lei tributária. Aliás, e se bem se interpreta o alegado, a Autora limita-se a informar o Tribunal da sua disponibilidade para prestar garantia, a qual se pode consubstanciar nos bens que compõem a conta 4231 do Balanço ou, caso assim não se entenda, no estabelecimento. Ora, ao Tribunal exige-se que aprecie se a garantia prestada é idónea para a requerida suspensão e não determinar qual a garantia a prestar pela parte” - cfr. alínea D) da matéria de facto assente.
Acrescendo dizer que o acto administrativo impugnado encerra em si não só a ordem de restituição de quantias, mas também a revogação da decisão de aprovação do pedido de financiamento do projecto de formação profissional - PRIME, pelo que, no caso subjudice, não está em causa apenas o pagamento de uma quantia certa, o que afasta, necessariamente, a aplicação do regime constante do artigo 50º, nº 2 do CPTA.
E, como salienta a Entidade Demandada, o acto impugnado reveste-se de natureza sancionatória, dado que surge na sequência de inspecção que concluiu pela não elegibilidade dos cursos ministrados pela Autora e, por conseguinte, pela aplicação do disposto na alínea a) do nº l do artigo 23° da Portaria nº 799-B/2000, de 20 de Setembro - cfr. alínea A) da matéria de facto assente (v., em casos similares, inter alia, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.a 0609/09, de 26-08-2009 e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no processo n.a 04551/08, de 01-10-2009).
Assim, e ainda que com fundamentação diversa, mantém-se o decidido pelo despacho reclamado, ou seja, o indeferimento da suspensão de eficácia do acto reclamado. (..)”

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A questão única trazida a recurso refere-se ao efeito suspensivo automático determinado pelo artº 50º nº 2 CPTA por impugnação de acto administrativo, observados que sejam os três pressupostos assinalados,
(i) quando esteja apenas em causa o pagamento de uma quantia certa,
(ii) sem natureza sancionatória,
(iii) e tenha sido prestada garantia por qualquer das formas previstas na lei tributária.
Do ponto de vista adjectivo, o documento comprovativo da prestação de caução no montante pecuniário do pagamento ordenado pelo acto impugnado, tanto pode ser apresentado seja em simultâneo com a entrada da petição inicial em juízo, como na pendência da causa, sendo que esta segunda possibilidade se funda no caso análogo de previsão expressa para as providências cautelares nos artºs. 120º nº 6 e 114º nº 1 c) CPTA. (1)
De modo que o caso em apreço restringe-se ao pressuposto exigido do carácter não sancionatório da restituição de € 182.418,10 imposta por efeito jurídico do acto administrativo impugnado, o despacho de 01.07.2009, cfr. alínea A do probatório, o que necessariamente impõe analisar os termos do bloco normativo a que reporta o acto administrativo em causa, no caso, o Dec. Reg. 12-A/2000, de 15.09 e Portaria 799-B/00 de 20.09.

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O procedimento administrativo de acesso aos fundos estruturais da União Europeia, específicamente do Fundo Social Europeu, através do financiamento segundo o Quadro Comunitário de Apoio para o período 2000/2006 é regulado pelo Decreto Regulamentar nº 12-A/00 de 15.Set. cfr. artº 1º, segundo a Portaria conjunta dos Ministros do Trabalho e da Solidariedade e do Planeamento, Portaria 799-B/00 de 20.Set. ex vi artº 31º nºs 1 e 2 i) do D. Reg. 12-A/00, aenta a data de atribuição de financiamento à ora Recorrente, mediante despacho de 17.03.2006, financiamento ora revogado pelo despacho de 0.07.2009 – cfr. al. A do probatório.
O Capítulo IV da citada Portaria 799-B/00 respeita às circunstâncias tipificadas que permitem a modificação ou extinção do financiamento concedido, constituindo fundamento da revogação da decisão os factos elencados na parte que ora importa quanto às alíneas a) e n) do n° 1 do artº 23º, expressamente invocadas na fundamentação do despacho impugnado:
“(..)
1. Os fundamentos para a revogação da decisão de aprovação do pedido de financiamento são os seguintes:
a. Não consideração de receitas provenientes das acções no montante imputável a estas;
n. Declarações inexactas, incompletas e desconformes sobre o processo formativo que afectem de modo substantivo a justificação do subsídio recebido e a receber; (..)”
Por sua vez, em caso de revogação, o titular do financiamento está obrigado “à restituição dos montantes recebidos” “no prazo de 30 dias a contar da notificação de restituição”, conforme determina o artº 35º nºs. 3 e 4, Dec. Reg. 12-A/2000.
O que significa o dever de restituição dos valores recebidos em razão revogação do financiamento, restituição essa que ou se faz por via de compensação ou, não sendo possível, pela entrega em execução do despacho que a ordena.
Todo o quadro legal referido naturalmente que nos remete para a natureza sancionatória do acto de redução do financiamento, praticado como corolário do poder de fiscalização da Administração inclusive no domínio contratual, na veste “(..) actos unilaterais de autoridade que punem o incumprimento de determinadas obrigações. (..)” contratual e voluntariamente aceites (2) e que apenas pode ser “(..) imposta a quem sem justificação deixe de cumprir um dever administrativo certo e determinado normativamente imposto (..)”. (3)
Na circunstância dos autos a restituição de € 182.418,10 ordenada pelo despacho impugnado datado de 01.07.2009 teve por fundamento as alíneas a) e n) do n° 1 do artº 23º da Portaria 799-B/00, cuja parte descritiva assume a natureza de incumprimento obrigacional no domínio dos deveres impostos, normativamente, ao beneficiário do quadro de financiamento a que a Portaria se reporta.
Consequentemente, o valor a restituir assume idêntica natureza jurídica em face da fonte originária, na medida em que é a consequência da ordenada restituição por revogação do despacho que atribuiu o financiamento ao beneficiário.
Pelo que vem de ser dito, para efeitos do disposto no artº 50º nº 2 CPTA está em causa o pagamento de quantia certa com natureza sancionatória e não, conforme disposto na hipótese legal, “sem natureza sancionatória”.
O que significa que no domínio da acção impugnatória interposta em que o despacho e acórdão confirmativo ora sob recurso se configuram como incidentais, a natureza sancionatória do acto impugnado configura-se como facto impeditivo do efeito suspensivo automático previsto no artº 50º nº 2 CPTA.
No mesmo sentido mas no domínio do regime especial previsto no artº 120º nº 6 CPTA derrogatório do regime geral de que depende a concessão das providências cautelares, se decidiu no acórdão deste TCA de 01.10.2009 tirado no rec. nº 4551/08, de que fomos relatora.

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Em face do exposto improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 1 a 13 das conclusões.


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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores que constituem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar o acórdão recorrido.

Custas a cargo do Recorrente.

Lisboa, 25.JUN.2015,


(Cristina dos Santos) .................................................................................................

(Paulo Gouveia) .......................................................................................................

(Nuno Coutinho ......................................................................................................

(1) Mário Aroso de Almeida/Carlos Cadilha, Comentário ao CPTA, Almedina/2005, págs.256-257.
(2) Pedro Gonçalves, A concessão de serviços públicos, Almedina/1999, págs. 250/251.
(3) Marcelo Madureira Prates, Sanção administrativa geral: anatomia e autonomia, Almedina/2005, págs. 54/55.