Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:583/09.0BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:07/07/2021
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:IMPUGNAÇÃO DO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO;
PROCESSO DISCIPLINAR;
PRESCRIÇÃO;
NATUREZA DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO;
PRAZO SUBSTANTIVO;
JUÍZO DA INVIABILIDADE FUNCIONAL;
DANOS NÃO PATRIMONIAIS.
Sumário:
I – Os art.ºs 640.º e 662.º do CPC permitem a reapreciação e a modificabilidade da decisão de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância apenas nas situações em que o tribunal recorrido apresente um julgamento errado, porque fixou factos de forma contrária às regras da prova, ou os fixou de forma inexacta, ou porque os valorou erroneamente;
II - A impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no tribunal superior daquela que teve o tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada;
III - Aqui vale o princípio da livre apreciação da prova, remetendo-se para uma íntima convicção do julgador, formada no confronto dos vários meios de prova, que uma vez exteriorizada através de uma fundamentação coerente, razoável, plausível, que obedeça às regras da lógica, da ciência e da experiência comum, torna-se uma convicção inatacável, salvo para os casos em que a prova deva ser feita através de certos meios de prova, que apresentem uma determinada força probatória;
IV- O prazo que vem previsto no art.º 4.º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar tem natureza substantiva, isto é, não é um prazo procedimental ou processual;
V – Na contagem de tal prazo prescricional aplicam-se as regras dos art.ºs 279.º e 298.º do CC, pelo que o indicado prazo de 3 meses é contínuo e não se suspende aos sábados, domingos e feriados;
VI - A prescrição que vem prevista no art.º 4.º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar é uma prescrição extintiva, que se rege pelo art.º 298.º do CC;
VII – A pena disciplinar de demissão é a sanção é mais pesada de entre o elenco das várias sanções disciplinares, pelo que exige que se identifiquem no processo disciplinar razões objectivas quanto à gravidade do comportamento do trabalhador, que sustentem o juízo da inviabilidade funcional;
VIII - Tem sido entendido uniformemente pela jurisprudência e doutrina que simples tristezas, incómodos e contrariedades, não assumem a natureza de dano indemnizável para efeitos de responsabilidade civil;
IX – A invocação de que o lesado por acto ilícito ficou muito perturbado e angustiado, que ficou subitamente privado do seu círculo de amigos, que se sentiu profundamente deprimido, infeliz, angustiado, desamparado e preocupado e que todo o processo provocou-lhe uma perturbação e um mal-estar que inclusive chegaram a perturbar-lhe o sono, sendo frequente sofrer de insónias, equivale à invocação de danos não patrimoniais com gravidade suficiente para merecerem tutela do direito.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

O Município de Santarém interpôs recurso da sentença do TAF de Leiria, que julgou parcialmente procedente a presente acção e anulou o despacho do Presidente da Câmara Municipal de Santarém (CMS), de 19/12/2008 - que aplicou ao A. a pena disciplinar de demissão - e condenou o R. a pagar ao A. uma indemnização de €7.487,51, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento, assim como, a pagar ao A. uma indemnização em substituição da reintegração, correspondente a uma remuneração base mensal por cada ano completo, aí se incluindo o tempo decorrido desde a data da produção de efeitos da pena até ao trânsito em julgado da decisão jurisdicional.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:” A) Os prazos de contagem dos prazos estabelecidos no Estatuto Disciplinares dos Funcionário Públicos, aplica-se as regras do artigo 72º do CPA, com a redação à data aplicável.
B) No seu nº 2, o referido artigo prescrevia que o prazo se suspendendo aos sábados domingos e feriados.
C) Seguindo o itere cognoscitivo do tribunal a quo12:
Conhecimento da infração pelo Sr. Comandante dos Bombeiros- 01.08.2007
Prazo estatuído no artigo 4.º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar, - 3 meses
D) Aplicando o artigo 279º do Código Civil, estando o prazo fixado em meses, consideramos 30 dias, pelo que três meses deverão ser considerados como 90 dias.
E) Entre o dia 2 de agosto de 200713 e o dia 15 de novembro de 2007, decorreram 73 dias uteis.
F) A instauração do processo de inquérito suspendeu a prescrição do prazo disciplinar.14
G) O Sr. Comandante dos Bombeiros determinou, a 15 de novembro de 2007, a abertura do processo de inquérito aos factos relatados na Informação interna elaborada pela Bombeira de 3.ª Cl. A........, e na resposta à Nota de Culpa no âmbito do processo disciplinar instaurado ao Bombeiro de 3.ª Cl. J........
H) Não está prescrita a infração disciplinar.
I) O Tribunal a quo fez interpretou incorretamente o 4.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, vigente à data dos factos (atento o princípio tempus regit actum), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, doravante designado abreviadamente por Estatuto Disciplinar.
J) Fazendo uma correta interpretação do referido artigo, o tribunal a quo, concluindo pela inexistência da prescrição do procedimento disciplinar, deveria ter considerado improcedente o pedido de declaração da prescrição do procedimento disciplinar.
K) O artigo 42º do DL n.º 24/84, de 16 de janeiro, referia:
3- “É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação nos quais as infrações sejam suficientemente individualizadas e referidas aos correspondentes preceitos legais, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.
4- As restantes nulidades consideram-se supridas se não forem reclamadas pelo arguido até à “decisão final”
L) Deste artigo resulta que a falta de audiência do arguido aos artigos da acusação resulta numa nulidade insuprível.
M) Toda a prova apresentada pelo arguido foi produzida.
N) Não tendo o advogado do arguido sido notificado para estar presente.
O) A ocorrer uma omissão ela foi a conducente a uma nulidade sanável porquanto a falta de notificação não cabe na previsão do reproduzido
P) A nulidade ocorrida deveria, assim, ter sido reclamada junto do instrutor, até à decisão final do procedimento disciplinar.
Q) No dia “02.10.2008 deu entrada nos serviços da entidade demandada um instrumento escrito, subscrito pela ilustre mandatária do autor, pelo qual o autor interpunha recurso hierárquico do despacho referido em 1.32) para o Presidente da Câmara Municipal de Santarém”
R) Só após a decisão final é que o autor veio invocar a nulidade de não ter estado presente quer ele quer a sua advogada.
S) Isto mesmo é também aceite pelo tribunal a quo, quando na ata da audiência prévia realizada no dia 5 de janeiro de 2016, ficou consignado que o objeto do litígio era apenas “o despacho de 7.8.2008 do Comandante dos Bombeiros Municipais de Santarém através do qual aplicou a pena de demissão ao Autor, junto aos autos como documento n.º 6 anexo à petição inicial”
T) A eventual nulidade será apenas ao nível formal, pelo que não contenderá com o previsto no artigo 41º, nº 2 do artigo 42º do DL n.º 24/84, de 16 de janeiro.
U) O autor só invocou essa eventual nulidade no recurso hierárquico dirigido ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Santarém,
V) O que aconteceu já após a decisão final
W) Não tendo sido invocada até a decisão final está a existir nulidade, está a mesma sanada.
X) Também aqui o tribunal a quo interpretou erradamente o artigo 42, nº 1 e 2 do artigo 42 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos aprovado pelo DL nº 24/84, de 16.01
Y) O senhor Instrutor considerou como provado que consta do ponto 1.31
Z) Reproduzindo uma parte do relatório final que expressa:
“porquanto ao exibir o filme pornográfico com recurso ao seu telemóvel no interior do quartel, sempre essa conduta se afigurou como potenciadora de um risco (Teoria ou conexão do risco), o risco de tal conduta se repercutir negativamente na imagem dos Bombeiros e do Corpo de Bombeiros, se fosse do conhecimento público, o que efetivamente se verificou. Apesar da cobertura feita pelos vários órgãos da comunicação social não foram referentes à conduta do arguido, mas sim a um suposto filme pornográfico que terá sido realizado no interior do Quartel, é indiscutível que o que esteve na génese de tais notícias foi a conduta do arguido, pois entretanto não se registou mais nenhum comportamento idêntico ao do arguido, assim como, o que esteve na génese do processo de inquérito, como na conclusão do mesmo se verificou, foi efetivamente o filme exibido pelo arguido com recurso ao seu telemóvel. Adicionalmente, sempre se dirá que o que efetivamente se passou, ou melhor dizendo, se comprovou, só não terá sido divulgado na comunicação social face à natureza secreta do processo. Nestes termos, somos de considerar que de facto existe nexo de causalidade.”
AA) O senhor instrutor deu como provado o seguinte facto:
“3. Considera-se igualmente como provado a existência do nexo de causalidade entre a conduta do arguido e as notícias que surgiram na comunicação social, com repercussões negativas diretas na imagem do Corpo de Bombeiros Municipais, e indiretas no Município
de Santarém, conforme foi explanado nos artigos 7.º a 10.º da Nota de Culpa e devidamente fundamentado no ponto VII do presente Relatório.
BB) Considerando toda a prova produzida nos autos e considerada pelo instrutor como essencial para considerar provados os factos da acusação, considerando também a extensa motivação feita pelo sr. Instrutor sobre a nota de culpa, a defesa do arguido e a todos os meios probatório produzidos, entende ao recorrente que ´e manifestamente válida a jurisprudência do Acórdão do TCA Norte, de 28/03/201415, que se reproduz parte: “(…”mostra-se, por um lado, como idónea, suficiente, consistente e cabal para sustentar o juízo de imputação daqueles factos à arguida, aqui recorrente, sem que seja legítima a tese sustentada por esta quanto à inexistência de prova sustentada e segura no processo disciplinar a ponto de fazer surgir a dúvida razoável ou o apelo ao princípio do “in dubio por reo” que, assim, não resultam minimamente infringidos, na certeza de que a arguida, gozando de todos os poderes e direitos de defesa que a lei lhe confere, não abalou minimamente a credibilidade da prova consistente obtida no procedimento disciplinar e/ou não carreou qualquer prova que infirmasse ou criasse uma dúvida razoável quanto à autoria dos factos que lhe eram e são imputados.
CC) A prova testemunhal e documental produzida no processo disciplinar e na qual se funda a decisão punitiva mostram-se dotadas do grau de certeza e de segurança exigidos nesta matéria para além de toda a dúvida razoável, permitindo formar uma convicção segura para a sustentação da imputação/efetivação de responsabilidade disciplinar à arguida.
DD) O juízo que é imposto e se exige nesta sede mostra-se dotado de objetividade e encontra justificação cabal e idónea nos elementos probatórios recolhidos, os quais, “de per si”, são suscetíveis de afastar toda a dúvida razoável na veracidade da imputação do ilícito disciplinar à arguida/recorrente, pelo que deve concluir-se que, no caso vertente, a decisão disciplinar punitiva não se mostra inquinada de erro sobre os pressupostos de facto tal como foi considerado com acerto pela decisão judicial impugnada.”
EE) Também nesta questão não assiste qualquer razão ao Tribunal a quo quando considera que “a decisão impugnada padece de erro sobre os pressupostos de facto e de violação do princípio da presunção de inocência.”
FF) Considerando os factos dados como provados no relatório final do processo disciplinar, não existe causa justificativa para o comportamento do A. que em serviço e no local de trabalho, exibiu um filme pornográfico.
GG) O autor, enquanto membro do Corpo de Bombeiros Municipais de Santarém deveria ter consciência que aquele seu ato assim o comprometia.
HH) Não existira nem foram alegados quaisquer factos que pudesses levar a concluir que o A. enquanto bombeiro voluntário manifestou sempre um comportamento exemplar e zeloso.
II) As circunstâncias de facto e agravantes dadas como provadas constituem fundamento da pena de demissão.
JJ) A pena de demissão aplicável ao autor foi assim proporcional.
KK) O Tribunal a quo violou as als. c) e d) do artigo 16º da Portaria nº 703/2008, de 30/07, e c) do nº 2 e nº 3 do artigo 26 do DL 24/84, para os quais está prevista a pena disciplinar de demissão.
LL) É assim proporcional a pena de demissão aplicável, errando o tribunal a quo quando considera como “manifesto vício de valoração por desproporcionalidade, que se verifica in casu”
MM) A testemunha J......., amigo do autor, prestou depoimento que ficou gravado em formato digital de 00:02:05 a 00:12:09.
NN) Esta testemunha afirmou que ele os autores são amigos desde 1997, que foi bombeiro co Corpo dos Bombeiros Municipais de Santarém até 2007, data em que o seu contrato cessou em consequência de processo disciplinar, pelos mesmos factos.
OO) Refere que o ambiente não era fácil, havendo colegas que afirmavam que o processo foi por causa do autor, mas que ele e o autor nunca se deixaram de falar.
PP) Mais referiu que a maioria das pessoas deixaram de sair com ele, que o autor era uma pessoa faladora, que se dava bem com toda a gente,
QQ) Também referiu que ele não queria falar com ele sobre o processo e começou a isolar falava-se mal dele pelas costas, não se sentia bem
RR) Por causa do processo, ele dizia que não queria falar com ele, que saia com os colegas, deixou de ir para dentro da camarata.
SS) A testemunha sabia que o que estava em causa era um filme pornográfico
TT) Esta testemunha informou que não acha normal mostrar um filme pornográfico e acha normal que alguns colegas e algumas pessoas possam ter ficado ofendidos, algumas pessoas ficaram ofendidas.
UU) Também disse que constava que algumas pessoas que disseram que ele mostrou, mas não houve nenhuma conclusão sobre esse aspeto.
VV) A testemunha D......., amiga do autor, prestou depoimento que ficou gravado em formato digital de 00:12:11 a 00:18:58.
WW) Esta testemunha disse, resumidamente que, é amiga de longa data do autor, que ele frequentava muito a casa dela
XX) Que ele lhe contou: que havia problemas e que havia muita gente contra ele, que ele estava muito em baixo, muito triste com a situação.
YY) Ele dizia-lhe que não andava bem, que ele lhe disse que diziam muitas coisas sobre ele que não eram verdade e chegou a chorar junto dela
ZZ) Através da irmã soube que andava a dormir mal.
AAA) O que o fez triste porque andavam a falar mal dele e que não eram verdade
BBB) Também referiu que nunca lhe perguntou porquê da tristeza, do choro, mas ele não falava muito e o que sabia era por outras pessoas.
CCC) Ouviu boatos, e ele disse que era tudo mentira.
DDD) A testemunha A......., irmã do autor, prestou depoimento que ficou gravado em formato digital de 00:19:03 a 00:26:22;
EEE) Esta testemunha, resumidamente, disse: a) Que o irmão de alegre ficou a ficar mais contidos, alimentava se pouco, passava noites em claro; b) que o autor não falou nada sobre o que se passava; c) que convivia com e sobrinhos, e deixou de o fazer tanto, fechando-se no quarto; d) que o irmão fugia de falar seja do que for, ficava no mundo dele;
e) que o irmão passava muito tempo com os bombeiros, mas em casa ficava no quarto dele em casa dos pais, onde passou a viver em consequência de um divórcio ocorridos cerca de um a dois anos dos factos; f) o irmão amigos tinha amigos que que deixaram de conviver FFF) Mais referiu que estes estados do irmão aconteceram durante o processo disciplinar
GGG) Quanto ao Ponto 1.44), quanto a este facto nenhuma testemunha afirmou, de forma clara e assertiva, que tenha sido levantada uma nuvem de suspeição sobre o autor, apenas a testemunha J......., arguido num processo com objeto parcialmente igual, referiu que alguns, colegas afirmavam que o processo foi por causa do autor
HHH) A testemunha D….. disse que o autor lhe transmitiu que havia muita gente contra ele.
III) A testemunha A…….., irmã do autor disse que o autor não falou nada sobre o que se passava.
JJJ) Apreciando estes meios de prova, apenas a testemunha J....... falou que algumas pessoas diziam que o processo era por causa dele.
KKK) No entanto o depoimento desta testemunha tem de ser avaliado de acordo com a qualidade de arguido que teve na mesma data e que lhe foram imputados alguns dos mesmo factos.
LLL) Parece-nos que o depoimento desta testemunha, não sendo sustentado por outra que também tivesse conhecimento dos factos, não deverá merecer credibilidade suficiente para dar como provado que tenha sido lançada uma nuvem de suspeição sobre o autor,
MMM) Até porque a locução “nuvem de suspeição” tem um significado de ser haver uma desconfiança, uma conjuntura desfavorável.
NNN) Quer a palavra conjetura quer a palavra nuvem, significam uma opinião incerta, etérea.
OOO) Pelo depoimento da testemunha J……. percebe-se que quem dizia aquilo eram colegas que sabiam do objeto do processo. A opinião era assim certa, objeta.
PPP) Isto resulta também do depoimento da testemunha D…… quando refere que ele lhe disse que diziam muitas coisas sobre ele que não eram verdade.
QQQ) Para o autor dizer que não eram verdades é porque as afirmações que eles não aceitavam eram concretas, definidas, e não tinham qualquer carater de nuvem de suspeição.
RRR) Como tal o ponto 1.44 dos factos dados como provados deverá ser dado como não provado.
SSS) Quanto ao ponto 1.45), esse facto é sobretudo referido pela testemunha J……, cujo depoimento deverá ser analisado de acordo com o referido.
TTT) Mais nenhuma testemunha refere esse fato, dizendo a testemunha A….. que o autor se recolhia no seu quarto, mas que nunca lhe contou porquê. Quarto este que era em casa dos pais do autor, onde este já vivia.
UUU) Analisando os três depoimentos apenas se pode concluir, com as reserva referidas sobre testemunha José, que referiu que alguns colegas deixaram de sair com o autor.
VVV) Deixar de sair não é o mesmo que passar a evitar locais, tendo esta última locução uma conotação muito mais grave, quase como de estigma.
WWW) Existindo essa diferença não deveria o tribunal a quo dar como provado o ponto 1. 45, pelo que este ponto deverá ser considerado como não provado, devendo ser retirado da matéria dada como provada.
XXX) Quanto ao ponto1.46), do depoimento das testemunhas decorre que as suas declarações se referem ao período de duração do processo, veja-se o testemunha da irmã do autor.
YYY) Nenhuma diz que o autor, em consequência da sua demissão, se viu “subitamente privado do seu círculo de amigos, pois era com os seus antigos colegas com quem normalmente privava.”
ZZZ) Apenas recolhemos que algumas pessoas deixaram de falar com ele, e que ele se refugiou em casa.
AAAA) A testemunha A……. disse que o irmão tinha amigos que deixaram de conviver com ele, e que este já vivia em casa dos pais à data dos factos e que o que as suas declarações são sobre o período de duração do processo.
BBBB) E do depoimento das testemunhas J…… e D……, dizendo que eram amigos de longa data do autor, decorre que o autor continuou a fazer parte do seu círculo de amigos.
CCCC) O tribunal a quo também teve conhecimento que os membros da corporação passavam muito tempo no quartel, existindo camaratas comuns.
DDDD) Sendo assim, e deixando uma pessoa de fazer parte desse meio, é natural que os laços sociais enfraqueçam.
EEEE) Isso não pode ser confundido com uma intenção de afastar o autor dos círculos de amizade ali existentes, deixando de conviver com alguns dos ainda pertencentes ao corpo de bombeiros.
FFFF) O ponto 1. 46, deverá também ser considerado como não provado, devendo ser retirado da matéria de facto dada como provada.
GGGG) Tendo em atenção a culpabilidade do agente, não existente porque o processo disciplinar é totalmente lícito, deve ser o réu absolvido do pedido em que foi condenado a este título.
HHHH) No que diz respeito aos danos não patrimoniais, dispõe o art.º. 496º n Q 1 do Código Civil, que, na indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
IIII) As tristezas, angustiadas, preocupações, perturbação e um mal-estar que, inclusive, chegaram a perturbar-lhe o sono, invocadas pelo autor, não assumem uma gravidade elevada, atenta até à circunstância de não se provar quais as causas desses sentimentos.
JJJJ) Sendo hoje pacífico que para que os danos não patrimoniais sejam ressarcíeis, para apuramento do quantum indemnizatório deve o Tribunal socorrer-se da equidade
KKKK) Pelo que a quantia determinada pelo tribunal a quo seria sempre desproporcionada.“

O Recorrido não contra-alegou.
O DMMP não apresentou pronúncia.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, que se mantém:
1.1) A Corporação dos Bombeiros Municipais de Santarém é um corpo de bombeiros misto, pertencente à estrutura orgânica da Câmara Municipal de Santarém (facto admitido por acordo).
1.2) O autor prestou serviço na Corporação dos Bombeiros Municipais de Santarém, em regime de voluntariado, nas seguintes categorias (idem; cf. também registo biográfico a fls. 101 do processo administrativo, na aceção dos artigos 1.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo e 84.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante designado abreviadamente por processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido):
a. Bombeiro auxiliar aspirante, desde 08.08.1997;
b. Bombeiro de 3.ª classe, desde 18.04.1999;
c. Bombeiro de 2.ª classe, desde 30.06.2007.
1.3) No exercício das funções a que se reporta a categoria referida em 1.2), o aqui autor estava obrigado a prestar serviço na corporação dos Bombeiros Municipais de Santarém, sob as ordens, poderes de direção e fiscalização da mesma entidade (idem).
1.4) Pelo exercício das suas funções, era exigido ao demandante que permanecesse nas instalações dos Bombeiros Municipais de Santarém uma noite por semana, de seis em seis dias, no horário das 22h00m às 07h00m, e aos fins de semanas alternando entre sábado, domingo e folga, no horário das 07h00m às 22h00m (idem — cf. ata de audiência prévia de fls. 385 dos autos em paginação eletrónica).
1.5) Pelo serviço prestado, o autor percebia a quantia de € 2,49 por cada hora de serviço prestado, duplicando esse valor nos dias feriados (idem).
1.6) A 01.08.2007 a Bombeira de 3.ª Classe A....... subscreveu instrumento escrito, em papel timbrado dos Bombeiros Municipais de Santarém, com a referência «Comunicação interna N.º 170733», endereçada ao Comandante da Corporação dos Bombeiros Municipais de Santarém, com o seguinte teor: «Venho por este meio informar este Comando que corre um boato sobre um filme que supostamente foi filmado neste Corpo de Bombeiros, na sala do primeiro andar em que eu, o bombeiro J....... e a aspirante E....... estamos a ter relações sexuais. » O Bombeiro J....... divulgou um filme pornográfico aos bombeiros J......., D......., A....... e ao H........
» Tendo o bombeiro J....... afirmado em frente a várias pessoas que eram pessoas deste Corpo de Bombeiros que estavam no filme e que era uma maneira de poder lixar muitas pessoas aqui dentro.
» Tendo difamado as pessoas acima referidas aos bombeiros A......., A......., J......., H....... e D........ Este boato tomou proporções muito grandes tendo as pessoas fora dos bombeiros bem como outras corporações tomado conhecimento deste boato afirmando ser o bombeiro J....... quem possui o filme.
» Pedindo a este comando que tome precauções e que puna esta pessoa.» (cf. fls. 2 do processo administrativo a que aludem os artigos 1.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo e 84.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante designado abreviadamente por processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.7) Sobre a comunicação referida em 1.6) foi na mesma data exarado despacho pelo Comandante da Corporação dos Bombeiros Municipais de Santarém com o seguinte teor: «Dei conhecimento à A........, que este é um assunto para apresentar queixa ao Ministério Público.» (cf. fls. 2-v. do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido)
1.8) No âmbito de um processo disciplinar entretanto instaurado ao bombeiro J....... na sequência de um insulto por este dirigido ao Comandante da Corporação dos Bombeiros Municipais de Santarém a 21.08.2007, aquele bombeiro, aí arguido, apresentou a 25.10.2007 resposta à nota de culpa que lhe fora deduzida, na qual consignou, além do mais, o seguinte: «1.º
» Não obstante os factos corresponderem, no geral, à verdade material, omite-se outros indispensáveis para a descoberta da verdade.
» […]
» 3.º
» Para que possamos passar ao factualismo do 21 de agosto do corrente ano, há a necessidade perentória de fazer uma retrospetiva, daquele que se estava a passar dentro do Quartel dos Bombeiros Municipais de Santarém.
» 4.º
» Como é do conhecimento do Sr. Comandante dos Bombeiros Municipais de Santarém […] toda esta situação tem por base uma outra, que não pode deixar de se relatar, e que é do conhecimento direto do Sr. Comandante.
» […]
» 7.º
» A) — No dia 29 de abril de 2007, durante a noite, foi realizado nas instalações do Quartel dos Bombeiros Municipais de Santarém, um filme pornográfico, em que
alegadamente teriam sido intervenientes três bombeiros desse quartel, um homem e duas mulheres, numa menage a trois, sem contar está claro com o realizador;
» B) — A partir do conhecimento d etal situação, esta foi de imediato comunicada ao Sr. Comandante, que não lhe deu importância devida, nem tampouco tentou apurar o que se estava a passar no seu quartel;
» […]
» E) — Sendo neste momento os dos Bombeiros Municipais de Santarém apelidados de "Os bombeiro porno stars" […]» (cf. fls. 4 a 8 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido)
1.9) A 30.10.2007 o instrutor do processo disciplinar referido em 1.8) subscreveu instrumento escrito em papel timbrado dos Bombeiros Municipais de Santarém, endereçado ao Comandante da Corporação, com o seguinte teor: «Tendo recebido a resposta à Nota de Culpa remetida ao arguido acima referenciado, dado que, a mesma contém questões colaterais ao processo, mas, que se me afiguram passivas de uma queixa crime, junto envio fotocópia do referido documento para que, se assim o entender, determinar a instauração de um Processo de Inquérito aos factos narrados.» (cf. fls. 9 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.10) Sobre a comunicação referida em 1.6) foi a 15.11.2007 exarado um segundo despacho pelo Comandante da Corporação dos Bombeiros Municipais de Santarém, com o seguinte teor: «Abra-se processo de inquérito nomeando Instrutor o sr. 2.º Comandante N........» (cf. fls. 2-v. do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.11) A 16.11.2007 foi publicada em papel timbrado dos Bombeiros Municipais de Santarém, a «Ordem de Serviço N.º 320», no qual se consignou, além do mais, o seguinte: «II — Disciplina
» […]
» 1. Ao abrigo das disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 85.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, e do n.º 2 do artigo 37.º do Regime Jurídico aplicável aos Bombeiros Portugueses no território continental, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de junho, determino a instauração de um processo de inquérito aos factos relatados na Informação interna elaborada pela Bombeira de 3.ª Cl. A........, e na resposta à Nota de Culpa no âmbito do processo disciplinar instaurado ao Bombeiro de 3.ª Cl. J....... […]» (cf. fls. 10 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.12) No âmbito do processo de inquérito referido em 1.11), foi a 19.11.2007 inquirida a Bombeira de 3.ª Classe A......., tendo sido consignado no respetivo Auto de Inquirição, além do mais, o seguinte: «Confirma o que está no documento [referido em 1.6)].
» Confirma que corria o boato no corpo de bombeiros sobre o filme […] e que formos apanhados por uma pessoa que afirma que tem isso gravado.
» Quem é a pessoa que tem isso gravado, afirma que é o bombeiro J........ Tendo eu falado com diversas pessoas no corpo de bombeiros, sendo que estas, Bomb. J......., Bomb. D......., Bomb. A......., viram o filme, e que o Bomb. H....... não viu, mas ouviu as afirmações do bombeiro J......., dizendo que éramos nós que estávamos no filme.
» […]
» Entretanto o boato espalhou-se por todo o quartel e não só.
» Pergunto se de facto participou no filme pornográfico e se ele alguma vez existiu, ao que disse que não […]» (cf. fls. 13 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.13) Ainda no âmbito do processo de inquérito referido em 1.11), foi também a 19.11.2007 inquirida a Aspirante E......., tendo sido consignado no respetivo Auto de Inquirição, além do mais, o seguinte: «Confirma o que está no documento [referido em 1.6)].
» Confirma que só soube da história pela boca da A……., que nem lhe queria dizer pelo facto de ser aspirante. É a história que se conta, mas eu não sou do piquete nem do G…… nem da A……. nem nunca fiz serviços com eles. Só entrei ao serviço aqui no dia 16 de julho.
» Perguntei-lhe se alguma vez viu o filme, disse que não, mas que o J....... disse-lhe que viu e que foi o J....... que disse que era com gente da corporação.
» […]
» Pergunto se de facto participou no filme pornográfico e se ele alguma vez existiu, ao que disse que não […]» (cf. fls. 14 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.14) Ainda no âmbito do processo de inquérito referido em 1.11), foi a 20.11.2007 inquirido o ora autor, tendo sido consignado no respetivo Auto de Inquirição, além do mais, o seguinte: «Nega a quase totalidade dos factos relatados no documento, nomeadamente a parte que se refere aos participantes no filme pornográfico.
» Pergunto se mostrou algum filme pornográfico no seu telemóvel, aos bombeiros referidos pela A........, ao que disse que sim.
» Pergunto se lhes disse que o filme tinha sido feito no quartel e que os atores eram a A…….., o J....... e a E......., ao que disse que não, nunca lhes disse que eram eles.
» Pergunto se alguma vez falou no nome de alguém, disse que não.
» Pergunto se de facto realizou ou filmou com o seu telemóvel filme pornográfico nas instalações do quartel, envolvendo os elementos referidos pela A........, ao que disse que não […]» (cf. fls. 15 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.15) Ainda âmbito do processo de inquérito referido em 1.11), foi igualmente a 21.11.2007 inquirido o Bombeiro de 3.ª Classe A......., tendo sido consignado no respetivo Auto de Inquirição, além do mais, o seguinte: «Não tenho nada a dizer, não confirmo nem desminto o relatado» (cf. fls. 18 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.16) Ainda âmbito do processo de inquérito referido em 1.11), foi a 21.11.2007 inquirido o Bombeiro de 3.ª Classe Joaquim J......., tendo sido consignado no respetivo Auto de Inquirição, além do mais, o seguinte: «Confirmo que vi um filme mostrado pelo bombeiro J......., que tinha gravado no seu telemóvel, em conjunto com mais alguns elementos dos quais não me lembro.
» Pergunto se o Bom. J....... disse quem eram os intervenientes e onde era o local do filem, ao que disse que não, tendo somente dito que era para mostrar a alguém em tempo oportuno. Eu só lhe disse tem cuidado.
» Pergunto se sabe como surgiu o nome dos elementos referidos como protagonistas do filme, ao que disse que não faz a mínima ideia […]» (cf. fls. 17 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.17) Ainda no âmbito do processo de inquérito referido em 1.11), foi a 30.11.2007 inquirido novamente o ora autor, tendo sido consignado no respetivo Auto de Inquirição, além do mais, o seguinte: «Confirma que tinha um filme no seu telemóvel e que o mostrou dentro do quartel aos bombeiros J......., A....... e ao D........ Não mostrei ao H....... nem ao A………., estes elementos só ouviram o som.
» Nega que tenha sido ele a realizar o filme, que o mesmo tenha sido feito nas instalações dos bombeiros e que tenha referido os nomes dos participantes e que tenha dito que ia lixar alguém aqui dentro.
» Pergunto com que intuito/objetivo e a que propósito mostrou num filme pornográfico no interior das instalações do quartel dos Bombeiros Municipais de Santarém e no decurso das suas funções de bombeiro, disse que foi numa brincadeira sem sentido e que não estava com o intuito de prejudicar alguém.
» Refere no seu anterior depoimento que nunca falou no nome de ninguém […], no entanto o Bombeiro H....... no seu depoimento de fls. 20 dos autos mencionou que tu afirmaste que o filme ainda ia queimar alguém, assim como o Bombeiro D....... no seu depoimento de fls. 16 dos autos refere que em conversa com o A…….. e o J…….., eles disseram que se tratava de um filme pornográfico em que o J....... tinha gravado os factos na sala do bombeiro, dizendo que eram participantes a A........ e J......., e que estas imagens ainda iriam tramar alguém!, contrariando assim o seu depoimento, ao que disse que nega tudo o que eles afirmaram no seu depoimento […]» (cf. fls. 27 e 28 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.18) Ainda no âmbito do processo de inquérito referido em 1.11), foi a 03.12.2007 novamente inquirido o Bombeiro de 3.ª Classe A......., tendo sido consignado no respetivo Auto de Inquirição, além do mais, o seguinte: «Informo-te que te encontras sob juramento e que deverás refletir bem sobre a resposta que deste no teu anterior depoimento, na medida em que a eventual prestação de falsas declarações configura um ilícito disciplinar e criminal.
» Pergunto-te se pretendes alterar o teu depoimento, ao que disse que sim e que vai contar a verdade.
» No nosso piquete noturno, o Bombeiro J....... apresentou um telemóvel com umas imagens, dizendo que ia lixar o J....... e mais alguém. De seguida chamou o Bombeiro J....... para ver essas imagens. Estavam na sala presentes o Adjunto L......., a S......., o J......., o D....... e eu. logo de seguida levantei-me e fui ver as imagens, tendo vislumbrado um rapaz e duas raparigas em poses pornográficas, não sendo percetível o rosto das pessoas, nem o local me parecia como sendo dentro das instalações do Corpo de Bombeiros. Não vi mais nada e desliguei do assunto […]» (cf. fls. 37 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.19) Ainda no âmbito do processo de inquérito referido em 1.11), foi a 04.01.2008 elaborado «Relatório Final», no qual se consignou, a final, o seguinte: «IV — ANÁLISE AO PROCESSO
» […]
» Nestes termos, atenta a prova testemunha, e documental constante dos autos, pode-se concluir o seguinte:
» 1. Não se deu como provado que tenha sido realizado um filem pornográfico no interior das instalações do Quartel dos Bombeiros Municipais de Santarém, e consequentemente, da análise dos vários autos de inquirição, também não se deu como provado que tenham participado quaisquer Bombeiros no filme em questão.
»2. Deu-se como provado que o Sr. J......., Bombeiro de 2.ª, mostrou a diversos elementos do corpo de bombeiros um filme pornográfico que possuía no seu telemóvel, no interior das instalações do corpo de bombeiros e no exercício das suas funções, conforme consta a fls. 15 e 27 dos autos.
» 3. A matéria relativa à origem dos comentários acerca dos intervenientes no respetivo filme continua a ser matéria controvertida, na medida em que, apesar dos Bombeiros J......., H....... e A....... terem afirmado que foi o próprio Bombeiro J....... a referi-lo, o mesmo nega que alguma vez tenha mencionado algum nome.
» 4. Afigura-se indiscutível que o filme mostrado pelo Bombeiro de 2.ª J....... esteve na origem do presente processo de inquérito e importou consequências negativas para a imagem do Corpo de Bombeiros Municipais de Santarém, tendo sido objeto de publicação em vários órgãos de comunicação social, conforme consta a folhas 30 a 35 dos autos.
» V — CONCLUSÃO E PROPOSTA
» Atendendo aos factos considerados como assentes no ponto anterior, somos da opinião que os factos constantes do presente processo de inquérito permitem-nos concluir, sem margem para dúvidas, que existe matéria suscetível de configurar infração disciplinar, pelo que, ao abrigo do n.º 3 do artigo 87.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, propõe-se a instauração de um processo disciplinar ao alegado infrator Sr. J......., Bombeiro de 2.ª, no sentido de se proceder ao adequado aprofundamento e clarificação dos factos» (cf. fls. 45 a 55 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.20) A 22.01.2008 o Comandante da Corporação dos Bombeiros Municipais de Santarém profere despacho com o seguinte teor: «No seguimento do processo de inquérito e concordando com a proposta do Instrutor, determino a abertura de Processo Disciplinar.» (cf. fls. 56 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.21) A 25.01.2008 foi publicada em papel timbrado dos Bombeiros Municipais de Santarém, a «Ordem de Serviço N.º 25», no qual se consignou, além do mais, o seguinte: «III — Disciplina
» […]
» 1. Ao abrigo do n.º 1 do artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aplicável ex vi o n.º 2 do artigo 37.º do Regime Jurídico aplicável aos Bombeiros Portugueses no território continental, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de junho, determino a instauração de um processo disciplinar ao Bombeiro J......., número mecanográfico…….., tendo como base o Processo de Inquérito instaurado aos acontecimentos relatados na Informação Interna elaborada pela Bombeira de 3.ª Classe A......., no dia 01 de agosto de 2007 […]» (cf. doc. 1 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
1.22) No âmbito do processo referido em 1.21) foi a 13.03.2008 elaborado "Auto de Acareação", no qual se consignou, além do mais, o seguinte: «O Bombeiro de 3.ª Classe sr. A......., no seu depoimento no âmbito do Processo de Inquérito […] afirma que o J....... mostrou o filme e disse que ia lixar o J....... e mais alguém, […] enquanto o Bombeiro de 3.ª classe Joaquim J....... afirma ter visto apenas o filme. Por seu lado o Bombeiro de 3.ª classe D....... afirma que o A....... e o J....... lhe disseram que era um filme pornográfico que o J....... tinha gravado e que tinha dito que os participantes no filme eram a A........ e o J........ Finalmente o Sr. J....... afirma que realmente exibiu um filme no seu telemóvel, negando no entanto que alguma vez tenha proferido o nome de alguém ou que fosse sua intenção prejudicar alguém.
» Postos frente a frente, todos juraram pela sua honra dizer a verdade e só a verdade e interpelados sobre aquelas discordâncias, resultou que todos mantiveram as suas anteriores declarações […]» (cf. fls. 104 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.23) A 18.03.2008 o instrutor nomeado pelo despacho referido em 1.21) entrega pessoalmente ao ora autor a acusação, subordinada aos seguintes artigos: «Artigo 1.º
» Ter o arguido confessado que, enquanto no desempenho das suas funções de bombeiro e dentro das instalações do Quartel dos Bombeiros Municipais de Santarém, exibiu no seu telemóvel um filme pornográfico a, pelo menos, três dos seus colegas.
» Tal comportamento é punível com pena de demissão conforme preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 26.º do D.L. 24/84 de 16 de janeiro.
» Artigo 2.º
» Ter o arguido afirmado que os intervenientes nesse filme pornográfico eram os seus colegas referidos nos autos A......., J....... e E......., manifestando interesse em lesar a sua imagem. Tais afirmações devidamente confirmadas pelas testemunhas estiveram na origem de um rumor no seio do Corpo dos Bombeiros, o qual, por razões não apuradas, chegou ao conhecimento da Comunicação Social, tornando-se notícia de índole nacional, maculando a reputação dos Bombeiros em geral e dos elementos do Corpo de Bombeiros Municipal de Santarém em particular.
» Tal comportamento constitui uma violação do seu dever de correção, preceituado no n.º 10 do artigo 3.º do D.L. 24/84, de 16 de janeiro, sendo punível com pena de demissão, prenunciada na alínea a) do n.º 2 do artigo 26.º […]» (cf. fls. 107 e 108 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.24) A 02.04.2008 a ilustre mandatária do autor subscreveu resposta à acusação referida em 1.23), invocando a prescrição da instauração do procedimento e nulidades insupríveis por ser a acusação «[…] vaga e imprecisa […]», requerendo «[a] identificação e inquirição das testemunhas a que se refere a nota de culpa ao dizer "devidamente confirmadas pelas testemunhas, devendo V. Exa. Informar, com a devida antecedência, a mandatária do bombeiro arguido do dia e hora da inquirição das testemunhas a fim desta estar presente [e a] Informação Interna elaborada pela Bombeira de 3.ª Classe A......., no dia 01 de agosto de 2007 […]» (cf. fls. 111 a 121 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.25) A 16.04.2008 a ilustre mandatária do autor foi notificada de despacho proferido pelo instrutor do processo disciplinar instaurado ao demandante, no qual se consignou, além do mais, o seguinte: «I - Da Prescrição do Procedimento Disciplinar
» 1. Salvo melhor opinião em contrário, não existe prescrição do procedimento in casu, tendo em conta que o despacho exarado peio Comandante do CBM de Santarém é de 22 de janeiro, com início a 4 de fevereiro do corrente, o qual resulta da proposta ínsita das conclusões do Relatório Final apuradas no Processo de Inquérito mandado instaurar a 15 de novembro de 2007.
» 2. Assim, e com o devido respeito a Ilustre Mandatária não tem qualquer razão uma vez que o processo de Inquérito não resultou da comunicação transmitida pela bombeira (A........ em 1 de agosto) como refere, mas outrossim, a partir do momento em que o Digmo. instrutor de outro processo disciplinar instaurado a outro bombeiro por razões distintas, em sede de investigação, apura através de depoimento prestado pelo próprio arguido que de facto, alegadamente, teria passado nas instalações do quartel um filme pornográfico.
» 3. Ora, andou bem o referido Instrutor pois não obstante a matéria ser diferente tal referência não deixa de constituir uma denúncia que atenta gravemente contra o respeito e dignidade das Instituições.
» 4. Nesse sentido, o Comandante do CBM de Santarém determina a instauração de um Processo de inquérito o qual como supra se referiu foi concluído retirando-se de entre o que aqui importa apreciar a sua proposta para que fosse instaurado processo disciplinar ao ora arguido o que se fez.
» 5. Por outro lado, o próprio arguido ouvido em auto de declarações confirma que terá de facto exibido o referido filme na presença de alguns colegas identificando-os, e de outros, que embora não tenham assistido no mesmo espaço reservado à exibição terão segundo o próprio, alegadamente, ouvido alguns sons do referido filme. (Cfr. Depoimento a fls. 15 e fls 27 a 28 dos autos do Processo de Inquérito), que certamente a Ilustre Mandatária não conhece.
» 6. Finalmente, e em defesa do supra descrito cumpre esclarecer que o processo nunca poderia ter tido como base a comunicação da bombeira Alexandra uma vez que o Sr.
Comandante ao tomar conhecimento do seu teor desvalorizou-a totalmente, tendo-a aconselhando-a naturalmente apresentar queixa crime (depende de acusação particular já que se apresenta como ofendida neste contexto), uma vez que do ponto de vista de serviço, tal facto invocado sem qualquer prova nio se afigurava como um ilícito disciplinar, mas de matéria a ser analisada pelo Ministério Público. E nesse sentido exarou o competente despacho à denunciante.
» 7. Com efeito, não podia o Sr. Comandante concluir ou suspeitar que tal comunicação pudesse de facto colocar em crise a imagem e moral interna ou externa do próprio Corpo de Bombeiros, tendo apenas concluído em sentido diverso quando tomou conhecimento do Relatório Final de outro processo disciplinar autónomo instaurado a outro arguido como se indicou no Ponto 2, isto é, de que de facto terá sido exibido um filme porno no interior do quartel e durante as horas de serviço.
» 8. A referência feita na OS n.º 25, trata-se apenas de uma referência que, admite-se, pode afigurar-se confusa, mas que atento os antecedentes procedimentais que a ilustre Mandatária não compulsou, não releva para a presente apreciação, e apenas se conclui ter havido um lapso por parte de quem a elaborou e posteriormente não conferiu devidamente, a qual será oportunamente objeto de retificação por imprecisa.
» […]
» Tem porém razão a Ilustre mandatária quando refere que este documento se acha impreciso e não refere as circunstâncias de tempo em que os factos ocorreram.
» Face ao que antecede, aceitando a fundamentação respeitante aos argumentos respeitantes às circunstâncias de tempo e outras que não foram devidamente apurados, e em nome do Princípio do aproveitamento do ato administrativo, retomarei de novo a fase de Instrução para recolher outros depoimentos com vista ao apuramento da verdade material dos factos para eventual reformulação da NOTA de CULPA […]» (cf. doc. 2 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
1.26) A 30.04.2008 o instrutor do processo disciplinar instaurado ao autor subscreve instrumento escrito, endereçado ao Comandante da Corporação de Bombeiros Municipais de Santarém, com o seguinte teor: «No âmbito do assunto em título, ao abrigo do n.º 1 do artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 24/84 de 16 de janeiro, aplicável aos bombeiros voluntários ex vi o n.º 2 do artigo 37.º do Regime Jurídico dos Bombeiros Portugueses, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 241/2007 de 21 de junho, considerando que a continuidade ao serviço do arguido Bombeiro de 2.ª Classe J....... é suscetível de influir de forma negativa nas diligências relativas ao apuramento da verdade material dos factos, assim como, salvo melhor opinião, poderá constituir motivo de instabilidade no seio dos elementos do quadro ativo e na própria imagem do Corpo de Bombeiros, tendo em consideração a sua conduta que está na base do presente procedimento disciplinar, proponho a suspensão preventiva do Bombeiro de 2.ª Classe J....... pelo prazo de 60 dias, na medida em que, provando-se os factos constantes dos autos, a infração em causa será punível com pena igual ou superior a suspensão.» (cf. doc. 3 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
1.27) A 02.05.2008 foi publicada em papel timbrado dos Bombeiros Municipais de Santarém, a «Ordem de Serviço N.º 123», no qual se consignou, além do mais, o seguinte: «III — Disciplina
» […]
» Despacho:
» Apropriando-me da fundamentação contida na proposta do Sr. Instrutor, concordo que seja determinada a aplicação da suspensão preventiva ao arguido Sr. J....... pelo período de 60 (sessenta) dias, ao abrigo do artigo 54.º do Dec-Lei n.º 24/84 de 16 de janeiro […]» (idem).
1.28) A 05.05.2008 foram novamente inquiridas pelo instrutor do processo disciplinar instaurado ao aqui autor, sem a presença da sua mandatária, as testemunhas A......., D......., A....... e J....... (cf. fls. 141 a 144 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.29) A 10.06.2008 foi deduzida nota de culpa ao aqui autor, subordinada aos seguintes artigos: «1.º
» Em hora que não foi possível precisar, mas seguramente entre as 22h00m do dia 28 de abril de 2007 e as 02h30m da madrugada do dia 29 de abril de 2007 (cfr. declarações das testemunhas, a folhas 80, 81, 82 e 83 dos presentes autos), o arguido supra identificado, de forma consciente e voluntária, na zona do átrio situada junto às escadas que dão acesso ao parque de viaturas e junto à central de comunicações e ao gabinete do comando (cfr. Declarações do arguido a folhas 100 dos autos), com recurso ao seu telemóvel, mostrou um filme de cariz sexual aos bombeiros J......., A....... e D....... (conforme declarações do arguido a folhas 26 do autos do processo de inquérito).
» Apesar do arguido ter referido nas suas declarações a folhas 100 dos presentes autos a data de 15,16 ou 17 de julho de 2007, salvo melhor opinião, tudo nos leva a supor, face às restantes declarações maioritariamente uniformes das testemunhas anteriormente mencionadas, que o arguido terá incorrido em confusão ou engano na precisão das circunstâncias de tempo, pelo que sou de concluir que os factos terão ocorrido na data mencionada no parágrafo anterior.
» 2.º
» Sabia bem o arguido que encontrava-se no interior das instalações do quartel dos Bombeiros Municipais de Santarém, onde o mesmo desempenha funções de bombeiro
voluntário, cuja entidade detentora é o Município de Santarém, pessoa coletiva de direito público, que por isso mesmo, e como decorre da própria designação, prossegue fins de exclusivo interesse público.
» 3.º
» Fins esses que não se coadunam com comportamentos que não tenham como objetivo ou não se afigurem como um meio de prosseguir o interesse público, ou seja, o interesse da comunidade e dos cidadãos em geral.
» 4.º
» Sendo certo que a conduta do arguido ao exibir um filme pornográfico no interior de instalações supracitadas, indiscutivelmente, não se afigura adequada, consentânea e útil para com as missões atribuídas aos Corpos de Bombeiros, nos termos do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 247/2007 de 27 de junho, que aprovou o regime jurídico aplicável à constituição, organização, funcionamento e extinção dos corpos de bombeiros, no território continental e por estes desenvolvidas.
» 5.º
» Ademais, sabia bem o arguido que as condutas dos bombeiros, à semelhança do que acontece em todas as instituições onde os seus funcionários utilizam uniformes e/ou desempenham funções de interesse público, rapidamente e com relativa facilidade, se repercutem na imagem da própria Instituição, neste caso, diretamente o Corpo de Bombeiros Municipais de Santarém e indiretamente a Câmara Municipal de Santarém, enquanto órgão executivo colegial do Município de Santarém, de quem a Corporação depende do ponto de vista hierárquico e administrativo.
» 6.º
» Resultando igualmente de fácil compreensão que se tal conduta fosse do conhecimento público, risco esse que se afigurava possível e de que o arguido certamente tinha consciência, poderia afetar negativamente a imagem do Corpo de Bombeiros e dos funcionários e restantes bombeiros voluntários que lá prestam serviço.
» 7.º
» Facto esse que efetivamente se verificou, com cobertura por vários órgãos de comunicação social de âmbito regional e nacional, podendo gerar como consequência direta um fator de grave indisciplina em relação aos demais Colegas do Corpo de Bombeiros.
» 8.º
» Afigurando-se essa mesma situação como um facto notório, que por isso mesmo não carece de prova, encontrando-se, no entanto, excertos de algumas publicações da imprensa escrita a folhas 29 a 34 dos autos respeitantes ao processo de Inquérito, que está na base do presente processo disciplinar.
» 9.º
» Do exposto facilmente se infere que se o arguido não tivesse exibido o filme anteriormente referido nada do que se passou teria acontecido, na medida em que só posteriormente surgiram comentários e só a posteriori da prática dos factos patentes na sua conduta as notícias surgiram na comunicação social, situação esta que até então nunca se tinha verificado no Corpo de Bombeiros Municipais de Santarém, assim como, em nenhum outro departamento do Município de Santarém.
» 10.º
» Existindo desta forma, salvo melhor opinião, nexo de causalidade indiscutível entre a conduta do arguido e as notícias que mais tarde vieram a público através de vários órgãos de comunicação social, com grave prejuízo para a reputação dos bombeiros e do Município de Santarém. Ou seja, não fosse o comportamento do arguido e tudo se teria evitado.
» 11.º
» Com a sua conduta descrita anteriormente violou o arguido os deveres gerais de lealdade e de correção, previstos respetivamente nas alíneas d) e f) do n.º 4 do art. 3.º, assim como, o dever geral de atuar no sentido de criar no público confiança na ação da Administração Pública (leia-se Corpo de Bombeiros), previsto no n.º 3 do mesmo artigo do Decreto-Lei n.º 24/84 de 16 de janeiro. Tais infrações, nos termos do n.º 1 do art 26.º do Decreto-Lei n.º 24/84 são puníveis com a pena de demissão, na medida em que existe inviabilização da manutenção da relação laboral, uma vez que a conduta do arguido frustrou a confiança nele depositada para o exercício de funções de natureza pública, tendo afetado irremediavelmente a imagem do Corpo de Bombeiros Municipais
e do Município, enquanto entidade detentora da Corporação. A este propósito, será importante salientar as palavras do ilustre professor Marcelo Caetano: ¯Os serviços públicos vivem pelos atos dos seus agentes: a estes se dirigem os indivíduos, com eles tratam, nas suas mãos pagam os impostos, depõem as pretensões, entregam os negócios, deles esperam a tutela do Estado. Por isso, da competência dos funcionários, do seu zelo, da sua probidade e moralidade, depende o conceito em que são tidos pelo público, a utilidade, a correção, a moralidade do serviço (cfr. Do Poder Disciplinar, 79 e 80).
» Por último, importa destacar que o conceito de inviabilização da manutenção da relação funcional concretiza-se através de juízos de prognose (sublinhado nosso), na fixação dos quais a Administração goza de grande liberdade de apreciação. (Ac. STA de 93-10-06, Proc. n.º 30463).
» 12.º
» Não existem circunstâncias atenuantes especiais, nem circunstâncias agravantes especiais, nos termos do art 29.º e 31.º do Decreto-Lei n.º 24/84 de 16 de janeiro. E não venha o arguido alegar que conta com a prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo (al. a) do citado art 29.º), uma vez que essa circunstância atenuante exige mais do que a simples ausência de anteriores punições disciplinares, postula antes que o currículo anterior denote elementos que permitam qualificá-lo como modelar (Ac. STA de 98-12-09, Proc. n.º 38100), sendo certo que no dia 08-07-2003 foi instaurado ao arguido processo disciplinar por falta de assiduidade, e no dia 13-07-2004 novo processo por desobediência a uma ordem direta de um superior hierárquico, não se tendo conseguido apurar da conclusão desses mesmos processos, mas resultando daqui, indiscutivelmente, que não existem elementos que permitam qualificar o comportamento do arguido de modelar.
» Alcanede, aos 10 (dez) dias de Junho de 2008 (dois mil e oito […]» (cf. doc. 4 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
1.30) A 11.06.2008 deu entrada nos serviços dos Bombeiros Voluntários de Alcanede, a que pertencia o Instrutor do processo disciplinar instaurado o autor, um fax contendo a resposta à nota de culpa referida em 1.29), a qual tinha o seguinte teor: «RESPONDENDO à nota de culpa que contra ele deduz Bombeiros Municipais de Santarém
» Diz o bombeiro
» J.......:
» a) QUESTÃO PRÉVIA
» DA PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
» 1.º
» O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve se conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço, não for instaurado o competente processo disciplinar no prazo de 3 meses, nos termos do preceituado no art. 4.º do D.L. 24/84, de 16 de janeiro.
» 2.º
» A instauração do presente processo disciplinar teve por base, conforme Ordem de Serviço N.º 25, datada 24 de janeiro de 2008, os acontecimentos relatados na Informação Interna da Bombeira de 3.ª Classe A......., de 01 de agosto de 2007, onde se pode ler: ¯O bombeiro J....... divulgou um filme pornográfico ao J......., D......., A....... e H........ Cfr. Fls. 2 dos presentes autos
» 3.º
» A comumicação interna supra identificada mereceu o seguinte despacho do Sr. Comandante J………..: ¯Dei conhecimento à A........, que este ê um assunto para apresentar queixa ao Ministério Público.
» 4.º
» Porém, passados cerca de 4 meses o Sr. Comandante, mais propriamente no dia 15/11/2007, emite um 2.º despacho, onde refere: abra-se processo inquérito, nomeado instrutor o Sr. 2.° Comandante N…………….
» 5.º
» É com estranheza que verificamos que os mesmos factos em agosto/2007 não eram suficientemente indiciadores para procedimento disciplinar, no entanto o Sr. Comandante considera-os ilícitos e puníveis perante a lei criminal, e quatro meses depois altera a posição tomada mandando instaurar processo de inquérito.
» 6.º
» Se dúvidas houverem acerca da data em que os elementos de comando tiveram conhecimento dos factos veja-se os Autos de Inquirição de fls. 42 e 43 dos presentes autos, onde o Sr. Comandante, sob juramento, presta as seguintes declarações. ¯Inquirido sobre a razão não determinou a abertura de inquérito, aquando da elaboração da comunicação interna da A........, em 01 de agosto de 2007, o Sr. Comandante J....... informou que à altura entendeu que se tratava de um assunto do foro pessoal, tendo igualmente considerado, após uma primeira análise, que o assunto não era consistente, na medida em que não tinha matéria probatória e fundamentos suficientes que justificassem a Instauração de um inquérito.2 Cfr. Fls. 42 e 43 dos presentes autos
» 7.º
» Apesar das declarações prestadas peio Sr. Comandante, na comunicação interna da Bombeira A........, identificada no item 2.°, a mesma identifica de forma clara e inequívoca elementos do corpo de bombeiros – ¯O bombeiro J....... divulgou um filme pornográfico ao J......., D......., A....... e H.......... - que tiveram conhecimento direto dos factos suscetíveis de instauração de procedimento disciplinar - Cfr. Fls. 2 dos presentes autos.
» 8.º
» Acresce ainda que inquirido o Sr. Adjunto de Comando L......., no âmbito dos presentes autos, sob juramento, prestou as seguintes declarações: ¯Pergunto quando e como é que teve conhecimento do filme, disse que teve conhecimento do mesmo num fim de semana do mês de agosto, não podendo precisar ao certo a data, durante o piquete diurno, sendo os factos relatados pelo G…… e pela A……..... Cfr. Fls. 41 dos presentes autos
» 9.º
» Dúvidas não podem subsistir que desde 01 de agosto de 2007, o Sr. Comandante e o Sr. Adjunto de Comando L....... têm conhecimento dos factos, do autor dos mesmo, das testemunhas presenciais...
» 10.º
» E decidiram nada fazer!
» 11.º
» Assim, nos termos do n.º 2 do art.º 4.º do D.L. 24/84, de 16 de janeiro, o processo disciplinar instaurado no dia 15 de novembro já se encontrava prescrito.
» 12.º
» Esta prescrição foi invocada em 02 de abril de 2008, em sede de resposta à Nota de Culpa datada de 18 de março de 2008.
» 13.º
» Em 17 de abril de 2008, de manifesta má-fé o Sr. Comandante ordenou que fosse alterada a Ordem de Serviço N.º 25, datada 24 de janeiro de 2008, onde determinava a abertura do procedimento disciplinar:
» ¯Retificação à O.S, N.º 25 de 24 de janeiro de 2008.
» Por ter sido publicada inexatidão, na ordem de serviço supra referida, onde se lê ¯tendo por base o processo de inquérito instaurado aos acontecimentos relatados na informação interna pela Bombeira de 3.ª A........, no dia 01 de agosto de 2007 deve ler- se ¯tendo por base cópia da resposta à nota de culpa, remetida peio instrutor, no âmbito do processo disciplinar instaurado ao Bombeiro J......
» 14.º
» A resposta da Nota de Culpa do Bombeiro J......., não era mais do que uma exposição articulada da comunicação interna que foi apresentada, em 01 de agosto de 2007, pela Bombeira A.........
» 15.º
» Inclusive a prova testemunhal indicada na defesa do Bombeiro J....... não era mais do que a indicada na comunicação Interna da Bombeira A...........
» 16.º
» Enfim, é de estranhar que o Sr. Comandante invoque e passo a citar ¯que não tinha matéria probatória e fundamentos suficientes que justificassem a instauração de um inquérito.
» 17.º
» Parece que o argumento apresentado para evitar a prescrição não é mais que um abuso de direito, violando de uma forma grosseira os direitos, liberdades e garantias do arguido.
» 18.º
» Assim, como se poderá concluir o Sr. Comandante mandou alterar a Ordem de Serviço de forma a afastar a inevitável prescrição do procedimento disciplinar... ficando por apurar responsabilidades desta conduta ...
» 19.º
» Por lado, estranha-se que o Sr. Instrutor tenha conhecimento da prescrição, já anteriormente alegada, e, mesmo assim, deixe avançar o processo disciplinar com um vício insanável.
» 20.º
» Não se pode deixar de reprovar tal comportamento que apesar de abusivo, não poderá produzir efeitos no presente processo
» 21.º
» Pelo que desde já se requer o arquivamento dos presentes autos, por prescrição do procedimento disciplinar, nos termos do art.º 4.º, n.º 2 […] do D.L. 24/84, de 16 de Janeiro, com as demais consequências legais.
» Por mera cautela e por dever de patrocínio apresenta-se
» b) RESPOSTA À NOTA DE CULPA
» 22.º
» As acusações constantes da nota de culpa não têm qualquer fundamento, pelo que desde já se impugnam por serem falsas, estarem deturpadas ou não corresponderem à verdade.
» 23.º
» Vem o arguido acusado de, em dia e hora que não foi possível apurar com exatidão, e com recurso ao seu telemóvel, ter exibido um filme de cariz sexual, na zona do átrio situada do junto às escadas que dão acesso ao parque de viaturas e junto à central de comunicações e ao gabinete do comando.
» 24.º
» O suposto filme, segundo o teor de nota de culpa terá sido mostrado a J......., A....... e D........
» 25.º
» Inquiridos os elementos supra citados, os mesmos, sob juramento, em sede de Auto de Inquirição declararam o seguinte:
» a) Auto de Inquirição de D....... de Fls. 16
» ¯Ouvi o J......., o A....... e o J....... estar a conversarem, estando o J....... a mostrar qualquer coisa no seu telemóvel.", afirma ainda que mais tarde o A....... e o J……… disseram-lhe que se tratava de um filme pornográfico.
» b) Auto de Inquirição de D....... de Fls. 81
» ¯O mesmo disse que reafirma não ter visto o filme, apenas ouviu o comentário dos seus colegas A....... e J.......
» c) Auto de Inquirição de A....... de fls. 18
» ¯Não tem nada a dizer, não confirma nem desmente o relatado.
» d) Auto de Inquirição de A....... de fls. 82
» 26.º
» ¯Que viu o filme na sala de bombeiro...
» 27.º
» Para nossa estupefacção, como podem as testemunhas terem presenciado aos mesmos factos, afirmando que ocorreram em dias, horas e locais diferentes...
» 28.º
» Parece-nos que, apesar de se encontrarem ajuramentadas, alguém não disse a verdade.
» 29.º
» Na realidade no quartel dos Bombeiros Municipais de Santarém existe o serviço de Pluricanal/TVcabo, e nunca foram, os elementos que lá prestam serviço, impedidos do visionamento de canais pornográficos.
» 30.º
» O que se diga para o abono da verdade, que há muito que os canais pornográficos deveriam ter sido bloqueados.
» 31.º
» A ser verdade que o arguido tenha exibido um filme pornográfico, no seu telemóvel, é impossível que tenha afetado a imagem da instituição, nem tão pouco do município.
» 32.º
» E pergunta-se ainda o porque só o bombeiro J....... estar a ser alvo de procedimento disciplinar, se nem tão pouco se encontrava de serviço...?
» 33.º
» E os bombeiros que visionaram o filme pornográfico, aquando se encontravam de serviço, porque é que não foram visados no processo disciplinar...?
» 34.º
» Os elementos que, estando de serviço, visionaram o referido filme agiram voluntária e conscientemente, porém foi ignorado o apuramento de responsabilidades das suas condutas.
» 35.º
» Parece-nos não existir aqui uma imparcialidade de critérios, isto é, estão a existir dois pesos e duas medidas para aferir as responsabilidades dos elementos envolvidos na suposta infração.
» 36.º
» Situação que não deveria acontecer num órgão do Município.
» 37.º
» A conduta do arguido em nada lesou os interesses e a imagem do Corpo de Bombeiros Municipais de Santarém, nem tão pouco da Câmara Municipal de Santarém.
» 38.º
» Relativamente às publicações da imprensa de folhas 29 a 34, não existe qualquer nexo de causalidade com a conduta do arguido e as mesmas.
» 39.º
» Aliás, o arguido vem acusado da prática de factos em abril de 2007, e só cerca de sete meses depois, em novembro/dezembro de 2007 é que surgiram os comentários na comunicação social.
» 40.º
» A cobertura feita pelos vários órgãos da comunicação social não foram referentes à conduta do arguido, mas sim a uma suposto filme pornográfico que terá sido realizado no interior do Quartel dos Bombeiros Municipais de Santarém, e com a intervenção de alguns elementos como atores...
» 41.º
» Nunca o arguido foi abordado por qualquer órgão de comunicação social, nunca prestou declarações nem qualquer esclarecimento aos mesmos...
» 42.º
» Os excertos de publicações da impressa escrita não são, nem nunca poderão ser meios de prova bastante, pelo que desde já se requer a nulidade de prova de fls. 29 a 34.
» 43.º
» Na nota de culpa (artigo 10.º) é imputado ao arguido que em virtude da sua conduta tenha causado ¯grave prejuízo para a reputação dos bombeiros e do Município de Santarém.
» 44.º
» Porém, não se concretiza o ¯grave prejuízo
» 45.º
» Tais acusações são graves e revestem uma natureza extremamente genérica, na medida em que não são concretizados quais os danos em concreto que foram produzidos, nem em que circunstâncias em concreto.
» 46.º
» Além de que, em processo disciplinar, nos termos do n.º 4 do art. 59.º do D.L. 24/84, de 16 de janeiro, a acusação tem de ser formulada através da articulação de factos concretos e precisos, sem imputações vagas, genéricas ou abstratas.
» 47.º
» A formulação da acusação em termos vagos, genéricos ou abstratos corresponde à falta de audiência, geradora de nulidade insuprível cominada no n.º 1 do artigo 42.º do D.L. 24/84, de 16 de janeiro.
» 48.º
» Importa aqui referir que em processo disciplinar, compete à Administração a prova dos factos constitutivos da infração imputada ao bombeiro arguido e não a este provar que os não praticou (Acórdão STA de 95-01-19, Proc. N.º 31486).
» 49.º
» Como vem entendendo a jurisprudência, é ao titular da ação disciplinar que cabe provar a matéria da acusação, ou seja, a ¯Administração tem de provar os factos imputados ao arguido. Se o não o fizer, terá de considera-se este ilibado de todas as acusações. Como em processo penal, o arguido não tem de demonstrar a inocência: esta presume-se... (in Proc. N.º 76-DI-10, in Rei. Prov. Just.» 1877,136 e 137).
» 50.º
» Vem o arguido acusado de ter violado;
» a) o dever geral de correção que consiste em tratar com respeito quer os utentes dos serviços públicos, quer os próprios colegas quer ainda os superiores hierárquicos;
» b) o dever geral de lealdade que consiste em desempenhar as suas funções em subordinação aos objetivos do serviço e na perspetiva da prossecução do interesse público;
» c) o dever geral de atuar no sentido de criar no público confiança na ação Administrativa Pública, em especial no que diz respeito à sua imparcialidade.
» 51.º
» Portanto, não se antevê como poderá o bombeiro arguido ter violado tais deveres, até porque a nota de culpa não concretiza.
» 52.º
» Importa ainda salientar que a pena de demissão apenas será de aplicar às infrações que inviabilizem a manutenção da relação funcional.
» 53.º
» Não poderá ser compreensível que se tenha quebrado a relação de confiança subjacente, inviabilizando a manutenção da relação funcional.
» 54.º
» Os factos que o arguido vem acusado reportam-se a abril de 2007, o Comandante do Corpo de Bombeiros afirma no Auto de Inquirição ter conhecimento dos mesmos em agosto de 2007.
» 55.º
» A posteriori do arguido ter alegado, na resposta à nota de culpa anteriormente deduzida, que não se encontrava quebrada a relação de confiança subjacente uma vez continuava a ser escalado para aprestar serviço na corporação, veio o Sr. Instrutor propor a suspensão preventiva do arguido (30/04/2008).
» 56.º
» Só na Ordem de Serviço N.º 123, de 2 de maio de 2008, mais de um ano depois da prática dos factos pelos quais o arguido vem acusado, foi o arguido suspenso preventivamente pelo período de 60 dias.
» 57.º
» Durante todo este período de tempo o arguido foi escalado para prestar serviço na corporação, sem que influ[ís]se de forma negativa nas diligências ao apuramento da verdade material dos factos, nem constituindo motivo de estabilidade no seio dos elementos do quadro ativo e na própria imagem do Corpo de Bombeiros.
» 58.º
» Mais uma vez existe uma manifesta má-fé, numa derradeira tentativa de deturpar os factos para ¯a todo o custo ser aplicado ao arguido uma pena de demissão.
» 59.º
» Com o devido respeito, parece-nos que os Bombeiros Municipais de Santarém ¯não olha a meios para atingir os fins.
» 60.º
» Ademais, em 29 de novembro de 2007, foi requerido pelo arguido uma licença, pelo período de 180 dias, por motivos profissionais e pessoais, tendo a mesma sido recusada. - Documento que desde já se requer que seja junto aos presentes autos como prova.
» 61.º
» Por outro lado, ¯os factos que implicam inviabilidade de manutenção da relação funcional para o efeito de aplicação de pena disciplinar expulsiva, são todos aqueles cujas gravidade implique para o desempenho da função prejuízo tal que irremediavelmente compromete o interesse público prosseguido com esse desempenho e finalidade concreta que ele se propõe e por isso exige a ablação do elemento que lhe deu causa (Acórdão do STA, de 92-02-06, Proc. N.° 28309).
» 62.º
» Ora, na presente situação em lado algum da Nota de Culpa isso é demonstrado, assim como não é fundamentado e demonstrado que os factos imputados ao arguido ¯impliquem para o desempenho da função prejuízo de tal monta que irremediavelmente comprometa o interesse público que aquele deva prosseguir, designadamente, a eficiência, o prestígio e a idoneidade que deva merecer a ação da Corporação, de tal modo que o único meio de acudir ao mal seja a ablação do elemento que lhe deu causa (Acórdão do STA, de 94-11-30, Proc. N.º 32500).
» 63.º
» Face ao exposto, demonstra-se que não existe inviabilidade da relação funcional, que constitui um elemento obrigatório, nos termos do n.º 1 do artigo 26.º do D.L. 24/84, de 16 de janeiro, para que se possa aplicar a pena de demissão, pelo que a mesma não será de aplicar.
» 64.º
» Do atrás exposto, decorre que o arguido entende não ter violado qualquer dever.
» 65.º
» E não tendo o Corpo de Bombeiros Municipais de Santarém, nem a Câmara Municipal de Santarém, sofrido qualquer prejuízo.
» 66.º
» Por último, nos termos do art.º 45.º do D.L. 24/84 de 16 de janeiro a instrução do processo disciplinar deverá ultimar-se no prazo de 45 dias, só podendo ser excedido este prazo por despacho da entidade que o mandou Instaurar, sob proposta fundamentada do instrutor, nos casos de excecional complexidade.
» 67.º
» Apesar de não nos parecer que o caso sub judice revista de excecional complexidade, a existir prorrogação do prazo supra, não foi o arguido notificado da mesma.
» Termos em que:
» a) Deverá o presente processo disciplinar ser arquivado por prescrito;
» ou caso assim não se entenda,
» b) Deverá a matéria da nota de culpa deve ser considerada improcedente por não provada, com todas as consequências legais, designadamente, não se aplicando qualquer sanção e arquivando-se o processo disciplinar.» (cf. doc. 5 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
1.31) A 07.07.2008 foi elaborado relatório final do processo disciplinar instaurado ao aqui autor, com o seguinte teor: «RELATÓRIO FINAL
» PROCESSO DISCIPLINAR INSTAURADO AO ARGUIDO J......., BOMBEIRO DE 2.ª VOLUNTÁRIO DO CORPO DE BOMBEIROS MUNICIPAIS DE SANTARÉM
» I — INTRODUÇÃO:
» Por despacho do Exmo. Sr. Comandante dos Bombeiros Municipais de Santarém, datado de vinte e dois de janeiro de dois mil e oito, exarado na Informação Interna n.º 10 e publicado na Ordem de Serviço n.º 25, de 24 de janeiro de 2008, na sequência de processo de Inquérito aos acontecimentos relatados na resposta à Nota de culpa, remetida pelo Instrutor, no âmbito do procedimento disciplinar instaurado ao Bombeiro J......., foi determinado a instauração de um processo disciplinar ao Sr. J......., Bombeiro de 2.ª voluntário do Corpo de Bombeiros Municipais de Santarém, conforme melhor se verificará a folhas 4 e 77 dos autos, tendo o Signatário sido nomeado Instrutor do Processo.
» II — DA INSTRUÇÃO:
» A instrução teve início aos 4 (quatro) dias do mês de fevereiro do ano de 2008 (dois mil e oito), tendo sido ouvidos os Bombeiros abaixo indicados, os quais prestaram os respetivos depoimentos, conforme consta de folhas 15, 23 a 26, 30 e 43, devidamente classificadas, rubricadas e autuadas aos presentes autos:
» a) No dia 17 de fevereiro de 2008 procedeu-se à inquirição da testemunha, Bombeiro de 3.ª, A......., conforme folhas 15 dos autos.
» b) No dia 19 de fevereiro de 2008 procedeu-se à inquirição da testemunha, Bombeiro de 3.ª, D......., conforme folhas 23 dos autos.
» c) No dia 19 de fevereiro de 2008 procedeu-se à inquirição da testemunha, Bombeiro de 3.ª, J......., conforme consta a folhas 25 dos autos.
» d) No dia 19 de fevereiro de 2008 procedeu-se à inquirição da testemunha, Bombeira de 3.ª, A......., conforme folhas 26 dos autos.
» e) No dia 19 de fevereiro de 2008, procedeu-se à inquirição da aspirante, E......., conforme consta a folhas 24 dos autos.
» f) No dia 28 de fevereiro de 2008 procedeu-se à inquirição tio arguido Sr. J......., Bombeiro de 2.ª conforme consta a folhas 30 dos autos.
» g) No dia 13 de março de 2008 procedeu-se à acareação do arguido Sr. J......., Bombeiro de 2.ª, e das testemunhas Bombeiro de 3.ª A......., Bombeiro de 3.ª D....... e Bombeiro de 3.ª Joaquim J......., conforme folha 43 dos autos.
» Na mesma data (4 de Fevereiro) deu-se conhecimento do início do processo, notificando-se para o efeito, o Exmo. Sr. Comandante dos Bombeiros Municipais de Santarém e o arguido.
» Em 17 de março de 2008, à cautela, sob proposta do Instrutor do processo, foi autorizado pela entidade que determinou a instauração do procedimento disciplinar a prorrogação do prazo para a Instrução, conforme melhor se verificará a folhas 48 dos autos.
» III — TERMO DA INSTRUÇÃO
» Concluída a instrução, verificada a existência de matéria subsistente para acusar, foi elaborada a respetiva peça processual, tendo a mesma sido entregue pessoalmente ao arguido, nos termos do n.º 1 do art. 59.º do D.L n.º 24/84, de 16 de janeiro (folhas 46 dos autos).
» Aos 10 dias do mês de abril de 2008, na denominada ¯Fase de Defesa, juntou-se aos autos original da Defesa escrita do arguido, remetido pela sua Ilustre Mandatária, devidamente acompanhada da respetiva procuração forense (folhas 50 a 57 dos autos).
» Com efeito, o arguido veio defender-se alegando que a acusação era vaga e imprecisa, não especificando adequadamente as circunstâncias de tempo, modo e lugar, concluindo que por isso mesmo estaríamos perante uma nulidade insuprível. Por outro lado, acrescentou ainda que o direito de instaurar procedimento disciplinar já se encontrava prescrito, porquanto na Ordem de Serviço n.º 25 referia-se que o processo disciplinar tinha por base a Informação Interna elaborada pela Bombeira de 3.ª A........, no dia 01 de agosto de 2007. Ademais, pugnou ainda pela improcedência do processo disciplinar, mencionando que não existe nexo de causalidade entre a conduta do arguido e o resultado (lesão ou dano causados ao Corpo de Bombeiros), requerendo, finalmente, a identificação e nova inquirição das testemunhas referidas na acusação, assim como, o envio da Informação interna mencionada anteriormente.
» Em sequência, e em resposta à Defesa do arguido, o Instrutor do processo elaborou um Despacho, que consta de folhas 61 a 63 dos autos, e que aqui se dá como integralmente reproduzido, tendo notificado o Exmo. Sr. Comandante dos Bombeiros Municipais de Santarém, o arguido e a sua Ilustre Mandatária do teor do mesmo, conforme consta a folhas 65,66 e 67 dos autos.
» Com efeito, do Despacho referido cumpre destacar a inexistência de prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar, porquanto a referência na Ordem de serviço n.º 25 à Informação Interna elaborada pela Bombeira de 3.ª A........ tratou-se de um lapso manifesto (devidamente corrigido posteriormente, porque se mostrou existir inexatidão resultante de um lapso na elaboração da Ordem de Serviço) na medida em que a decisão de instauração do processo surgiu na sequência e com base na ¯resposta à Nota de Culpa no âmbito do processo disciplinar instaurado ao então Bombeiro J...... Com efeito, na resposta à acusação foi mencionado, com alguma convicção e precisão, a existência de um alegado filme de cariz sexual realizado nas instalações do quartel dos Bombeiros Municipais de Santarém, sendo que o Comandante deste Corpo de Bombeiros tomou conhecimento do teor da resposta à Nota de Culpa por remessa de cópia da mesma, enviada pelo Sr. Instrutor do Processo Disciplinar (Sr. Comandante Avó Dias) que decorria à altura (cfr. Folhas 3 a 9, 42 e 43 do autos referentes ao processo de inquérito, com as declarações do Exmo. Sr. Comandante dos Bombeiros Municipais de Santarém).
» No Despacho referido o Instrutor concluiu mencionando que em nome do princípio do aproveitamento do ato administrativo iria retomar novamente a fase de instrução por forma a recolher outros depoimentos com vista ao apuramento da verdade material dos factos para eventual reformulação da Nota de Culpa.
» IV- REABERTURA DA INSTRUÇÃO
» Retomada a Instrução para a realização de novas diligências instrutórias requeridas pelo arguido através da sua Ilustre Mandatária, procedeu-se a novas inquirições no dia 05 de maio de 2008 aos seguintes Bombeiros, conforme consta de folhas 80 a 84 devidamente classificadas, rubricadas e autuadas aos presentes autos:
» a) Bombeiro de 3.ª, A......., conforme folhas 82 dos autos.
» b) Bombeiro de 3.ª, D......., conforme folhas 81 dos autos.
» c) Bombeiro de 3.ª, J......., conforme consta a folhas 83 dos autos.
» d) Bombeira de 3.ª, A......., conforme folhas 80 dos autos.
» e) Arguido Sr. J......., Bombeiro de 2.ª, conforme consta a folhas 84 dos autos.
» Em 13 de maio de 2008 o Instrutor Juntou aos autos um fax, enviado pela Mandatária do arguido, contestando o facto de não ter sido notificada para estar presente na nova inquirição do arguido realizada a 05 de maio de 2008 (folhas 89 dos autos). Em sequência, por forma a, sanar tal irregularidade, foi marcada nova data para repetição do ato contestado, tendo sido notificado o arguido e respetiva mandatária (folhas 90 e 91 dos autos) para o dia 19 de maio pelas 18h00m.
» Não obstante, o arguido não compareceu no dia indicado, tendo a sua Ilustre Mandatária justificado a sua ausência através de fax enviado em 21 de maio de 2008 (folhas 94 e 95 dos autos).
» Apôs análise e aceitação pelo Instrutor da justificação apresentada, procedeu-se a nova notificação (folhas 97, 98 e 99 dos autos) para inquirição no dia 09 de junho de 2008, pelas 18h00m, tendo sido finalmente realizada a diligência no dia indicado, - conforme consta a folhas 100 dos autos.
» V - DA MEDIDA DE SUSPENSÃO PREVENTIVA
» Sob proposta do Instrutor do processo, e verificado que estavam os respetivos requisitos, o Sr. Comandante dos Bombeiros Municipais de Santarém, usando das prerrogativas cautelares que a lei lhe confere em sede de medidas cautelares, determinou a suspensão preventiva do arguido por um período de 60 dias, nos termos do n.º 1 do artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 24/84 de 16 de janeiro, aplicável aos bombeiros voluntários ex vi o n.º 2 do artigo 37.º do Regime Jurídico dos Bombeiros Portugueses, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 241/2007 de 21 de junho, tendo o arguido sido notificado pelo ofício n.º 170081, de 06 de maio de 2008 (cfr. Folhas 74, 75, 86 e 87 dos autos).
» VI — ACUSAÇÃO
» Concluída a realização das diligências supervenientes requeridas pela Ilustre Mandatária do arguido e demais atos julgados necessários pelo Instrutor do processo, deu-se definitivamente por terminada a fase de instrução para formulação de Acusação, tendo-se procedido à reformulação da Nota de Culpa, que aqui se dá por integralmente reproduzida (folhas 104 a 108), elaborada nos termos do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 24/84 de 16 de janeiro, e notificada ao arguido através de carta registada com AR, expedida aos 11 (onze) dias do mês de junho do ano de 2008 (dois mil e oitos), conforme consta a folhas 101.
» VII - DA DEFESA E DA SUA IMPROCEDÊNCIA
» No período fixado para a defesa, em resposta (que consta de folhas 110 a 122 dos autos) à Nota de Culpa reformulada, o arguido voltou a alegar a prescrição do procedimento disciplinar, requerendo o arquivamento dos presentes autos (cfr. art. 21.º da Resposta à Nota de Culpa);
» Com efeito, o arguido no artigo 2.º da sua defesa voltou a referir que ¯o processo disciplinar teve por base, conforme Ordem de serviço N.º 25, datada de 24 de janeiro de 2008, os acontecimentos relatados na Informação interna da Bombeira de 3.ª Classe A......., de 01 de agosto de 2007" realçando no artigo seguinte que o Exmo. Sr. Comandante inicialmente deu conhecimento à A........ que deveria apresentar queixa ao Ministério Público. Ademais, acrescenta no artigo 4.º que cerca de quatro meses depois a mesma Entidade determinou a abertura de um processo de Inquérito, demonstrando ¯estranheza no artigo seguinte pelos factos ¯em agosto/2007 não serem suficientemente indiciadores para procedimento disciplinar, no entanto o Sr. Comandante considera-os ilícitos e puníveis perante a lei criminal, e quatro meses depois altera a posição tomada mandando instaurar processo de inquérito
» Ora, tal estranheza não tem qualquer fundamento, porquanto a decisão de instaurar o processo de Inquérito surgiu na sequência e com base na resposta à Nota de Culpa no âmbito do processo disciplinar instaurado ao então Bombeiro J......., onde no artigo 7.º se mencionava e afirmava com precisão e minúcia, nomeadamente quanto às circunstâncias de tempo, que se tinha realizado um filme pornográfico durante a noite nas instalações do Quartel dos Bombeiros Municipais de Santarém (crf. Folhas 7 dos autos do processo de inquérito).
» Como facilmente se infere surgiram novos elementos desconhecidos até então, comunicados com precisão, de forma séria e formal, ou sejam, surgiram factos novos desconhecidos até então. Andou bem o Sr. Comandante ao ter desvalorizado o conteúdo de uma Informação Interna elaborada em 01 de agosto de 2007, na medida em que a mesma não precisava quaisquer circunstâncias de tempo e modo, referindo que corria um boato sobre um filme, boato esse que teria tomado proporções muito grandes no interior e no exterior do Corpo de Bombeiros, quando, na verdade, nunca o próprio Comandante, que diariamente permanece longas horas nas instalações e executa serviços na estrutura Distrital e Nacional da Autoridade Nacional de Proteção Civil, onde contacta com inúmeras pessoas ligadas ao sector, tinha ouvido qualquer rumor sobre tal assunto.
» Quanto ao facto de ter sido sugerido à Bombeira A........ que apresentasse queixa ao Ministério Público, tal não passou de isso mesmo — uma sugestão — atento o conteúdo genérico e inconsistente da referida Informação interna (cfr. com as declarações do Exmo. Sr, Comandante prestada a folhas 42 e 43 dos autos do processo de Inquérito), sendo certo que só a participante teria legitimidade para analisar os factos e concluir pela pertinência de intentar a respetiva ação penal, constituindo-se assistente e deduzindo acusação particular.
» Portanto, não existe qualquer motivo para a admiração demonstrada no artigo 5.º da defesa, porquanto o processo de Inquérito foi instaurado com base na ¯resposta à Nota de Culpa no âmbito do processo disciplinar instaurado ao então Bombeiro J......, conforme facilmente se comprova a folhas 3 a 9, 42 e 43 dos autos do inquérito, pelo que não existiu nenhuma má-fé, ao contrário do mencionado no art. 13.º da defesa, ao proceder-se à retificação da Ordem de Serviço N.º 25, de 24 de janeiro de 2008, que tinha sido objeto de um lapso aquando da sua elaboração.
» Refere ainda a defesa no art. 14.º que ¯a resposta da Nota de Culpa do Bombeiro J......., não era mais do que uma exposição articulada da comunicação interna que foi apresentada, em 01 de agosto de 2007, pela Bombeira A......... Ora, esta afirmação é que causa estranheza, porquanto essa mesma resposta à Nota de Culpa foi efetuada no âmbito e para o efeito do princípio do contraditório, do direito de defesa do arguido na sequência de acusação proferida através de uma Nota de Culpa elaborada no seguimento da instauração de um processo disciplinar, sendo certo que entre outros aspetos foram referidas circunstâncias de tempo e modo pormenorizadas e desconhecidas até então, factos relatados com certeza, convicção, seriedade e formalismo, factos concretos e não boatos.
» Acresce que o artigo 11.º menciona que ¯o processo disciplinar instaurado no dia 15 de novembro já se encontrava prescrito. Pergunta-se que processo disciplinar? Nenhum processo disciplinar foi instaurado no dia indicado, apenas um processo de inquérito, instaurado de forma tempestiva pelas razões já exaustivamente explicitadas.
» Face ao exposto anteriormente, com o devido respeito por opinião contrária, não existe prescrição, nem má fé na retificação da O.S n.º 25, nem violação grosseira de quaisquer Direitos, Liberdades e Garantias do arguido, nem nenhum abuso por parte do Exmo. Sr. Comandante ou mesmo do Instrutor.
» Prosseguindo, no art. 22.º da defesa o arguido afirma que as acusações constantes da nota de culpa não têm qualquer fundamento, referindo que são falsas, deturpadas e que não correspondem à verdade. Desde já cumpre explicitar que da Nota de Culpa apenas constam factos verídicos, devidamente documentados e demonstrados nos autos.
» Continuando, no art, 24.º a defesa menciona que ¯o suposto filme, segundo o teor da nota de culpa terá sido mostrado a J......., A....... e D.......; Ora, não existe aqui nenhuma suposição, ou suposto filme, ele existe ou existiu mesmo, conforme se verifica pelas declarações do arguido a folhas 26 do processo de inquérito e a folhas 100 dos presentes autos.
» Relativamente às testemunhas J......., A....... e D......., refere o art. 27.º da resposta à Nota de Culpa que ¯para nossa estupefacção, como podem as testemunhas terem presenciado aos mesmos factos, afirmando que ocorreram em dias, horas e locais diferentes.. Ora, conforme facilmente se infere pelo depoimento das testemunhas em causa, a folhas 83,82 e 81 dos presentes autos, não existe qualquer contradição quanto ao dia, porquanto os Bombeiros D....... e J....... referem o dia 28 de abril e o Bombeiro A....... explicitou não poder ¯confirmar o dia exato, apenas que foi antes do verão, pelo que não existem contradições neste aspeto, assim como, as horas mencionadas por estas três testemunhas são muito próximas, variando entre as 22h00m e as 00h00m, sendo perfeitamente compreensível que ao fim de alguns meses já não se lembrem com
precisão da hora exata, pois certamente não é exigível que tragam consigo diários de bolso para anotar tudo pormenorizadamente.
» Prosseguindo, a defesa alega no art. 29.º que existe um ¯serviço de Pluricanal/TVcabo, e nunca foram, os elementos que lé prestam serviço, impedidos do visionamento de canais pornográficos’’, acrescentando no art. 30.º que ¯é muito que os canais pornográficos deveriam ter sido bloqueados. Ora, conforme se verifica pelas faturas da ¯pluricanal" a folhas 126 a 128 dos autos, não existe nenhum serviço extra contratado para acesso a canais pornográficos, pelo que não existem nenhuns canais suscetíveis de ser bloqueados.
» No art. 31.º refere-se que ¯a ser verdade que o arguido tenha exibido um filme pornográfico, no seu telemóvel, é impossível que tenha afetado a imagem da instituição, nem tão pouco do município. Ora, não é a ser verdade, é mesmo verdade que o arguido exibiu um filme pornográfico no seu telemóvel nas instalações dos Bombeiros Municipais de Santarém, conforme facilmente se comprova pelas declarações do arguido a folhas 26 dos autos do processo de inquérito e folhas 100 dos presentes autos.
No tocante ao art. 32.º questiona-se ¯porque só o arguido está a ser alvo de procedimento disciplinar, se não tão pouco se encontrava de serviço...?; Neste âmbito importa explicitar que só o arguido está a ser alvo de um processo disciplinar porque, como é óbvio e facilmente compreensível, só ele cometeu um ilícito disciplinar nos termos explicitados nos artigos 1.º a 6.º da Nota de Culpa. Ademais, cumpre referir que os bombeiros, tal como qualquer funcionário ou agente da Administração Pública, ou qualquer trabalhador do sector privado, encontram-se sujeitos a deveres e a direitos que se estendem, ou prolongam para além do horário normal de serviço, como decerto deverá ser do conhecimento do arguido e da sua Ilustre Mandatária sendo certo que um desses mesmos deveres é sem dúvida o de lealdade. Se assim não fosse poderia qualquer funcionário/trabalhador, e neste caso bombeiro, fazer o que bem quisesse e lhe apetecesse sempre que não estivesse em serviço, ou seja, tinha ¯carta branca para fazer tudo sem quaisquer consequências disciplinares...?! Isso seria aberrante, incompreensível e suscetível de contribuir para situações de indisciplina.
» Relativamente ao conteúdo dos artigos 33.º a 36.º da defesa em que se questiona porque não foram visados no processo disciplinar os bombeiros que visionaram o filme, afirmando que parece não existir uma imparcialidade de critérios, sempre se dirá que esses bombeiros não foram visados porque a sua conduta não consubstanciou nenhuma ação, ou seja, eles não tiveram iniciativa de mostrar nenhum filme de cariz sexual, apenas foram abordados pelo arguido que lhes mostrou um filme, e só quando o visionaram perceberam do que se tratava. Ademais, cumpre explicitar que a decisão de mandar instaurar um procedimento disciplinar constitui uma competência própria da entidade que determinou a sua instauração, assim como, afigura-se uma decisão de mérito da própria administração.
» No art. 37.º a defesa insiste que ¯a conduta do arguido em nada lesou os interesses e a imagem do corpo de Bombeiros Municipais de Santarém, nem tão pouco da Câmara Municipal de Santarém, acrescentando no artigo seguinte que ¯não existe qualquer nexo de causalidade entre a conduta do arguido e as noticias que surgiram na comunicação social, cujos excertos da imprensa escrita constam a folhas 29 a 34 dos autos do processo de inquérito. Por outro lado, o arguido acrescenta no art. 40.º que ¯a cobertura feita pelos vários órgãos da comunicação social não foram referentes à conduta do arguido, mas sim a um suposto filme pornográfico que terá sido realizado no interior do Quartel...
» Neste âmbito, importa lembrar que aplica-se supletivamente ao direito disciplinar as disposições relativas ao direito penal e processual penal, onde importa destacar neste momento a matéria relativa à imputação objetiva do resultado à conduta. Ora, é indiscutível que o comportamento do arguido constituiu uma ¯conditio sine qua non, ou seja, uma condição sem a qual o evento não teria tido lugar; Como muito bem menciona a Nota de Culpa ¯se o arguido não tivesse exibido o filme anteriormente referido nada do que se passou teria acontecido, na medida em que só posteriormente surgiram comentários e só a posteriori da prática dos factos patentes na sua conduta as notícias surgiram na comunicação social, por outras palavras, não fosse o comportamento do arguido e tudo se teria evitado.
» Ademais, mesmo que fosse verdade que existissem canais pornográficos contratados com a pluricanal que fossem ocasionalmente visionados por alguns bombeiros, o comportamento do arguido não deixaria de ser punível e de estabelecer uma conexão com o resultado, porquanto ao exibir o filme pornográfico com recurso ao seu telemóvel no interior do quartel, sempre essa conduta se afigurou como potenciadora de um risco (Teoria ou conexão do risco), o risco de tal conduta se repercutir negativamente na imagem dos Bombeiros e do Corpo de Bombeiros, se fosse do conhecimento público, o que efetivamente se verificou. Apesar da ¯cobertura feita pelos vários órgãos da comunicação social não foram referentes à conduta do arguido, mas sim a um suposto filme pornográfico que terá sido realizado no interior do Quartel, é indiscutível que o que esteve na génese de tais notícias foi a conduta do arguido, pois entretanto não se registou mais nenhum comportamento idêntico ao do arguido, assim como, o que esteve na génese do processo de inquérito, como na conclusão do mesmo se verificou, foi efetivamente o filme exibido pelo arguido com recurso ao seu telemóvel. Adicionalmente, sempre se dirá que o que efetivamente se passou, ou melhor dizendo, se comprovou, só não terá sido divulgado na comunicação social face à natureza secreta do processo. Nestes termos, somos de considerar que de facto existe nexo de causalidade.
» No art. 42.º vem o arguido alegar que ¯os excertos de publicações escritas da imprensa escrita não são, nem nunca poderão ser meios de prova bastante, requerendo a
nulidade da prova de folhas 29 a 34 dos autos do inquérito; Porém, a defesa não teve a virtualidade de demonstrar a razão pela qual não são meios de prova bastante, assim como, em lado algum contraditou a alegação patente na acusação de que se trata de um facto notório. Acresce que nos termos do art. 514.º n.º 1 do Código de Processo Civil ¯não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, ou seja, nos termos do art. 350.º do Código Civil trata-se de uma presunção legal, que por isso mesmo tem valor de prova plena. Nestes termos, não tem provimento o requerimento de nulidade da prova, até porque esses mesmos excertos da imprensa escrita afiguram-se apenas como acessórios, dado tratar-se de factos notórios.
» No tocante aos arts. 43.º e 44.º a defesa alega que não se concretizou o grave prejuízo causado pelo arguido à reputação dos bombeiros e do Município de Santarém, acrescentando no artigo seguinte que ¯tais acusações sê o graves e revestem uma natureza extremamente" genérica, na medida em que não são concretizados quais os danos em concreto que foram produzidos, nem em que circunstâncias em concreto, continuando, no art. 46.º e 47.º referindo que a acusação não foi formulada através da articulação de factos concretos e precisos, sem imputações vagas, genéricas ou abstratas, concluindo, afirmando que tal corresponde à falta de audiência, geradora de nulidade insuprível. Ora, atenta a explicitação anterior quanto aos factos notórios e quanto à imputação objetiva da conduta do arguido ao resultado, não pode tal argumentação obter provimento, porquanto é indiscutível e foi por demais notória, com repercussão não só na imprensa escrita como também na televisão ¯online regional" (tvtejo), o grave prejuízo consubstanciado na imagem negativa que recaiu diretamente sobre os bombeiros e a Corporação dos Bombeiros Municipais, e indiretamente sobre o Município, enquanto entidade detentora do Corpo de Bombeiros (cfr. apesar de se tratarem de factos notórios, o conteúdo de publicações de vários órgãos de comunicação social, em concreto a folhas 29, 30 e 31 dos-autos do processo de inquérito). É por demais evidente que tal situação plasmada na comunicação social, junto da opinião pública, certamente não contribuiu em nada para a boa imagem, a moral e a confiança que os cidadãos devem depositar nos bombeiros, enquanto agentes que zelam pela sua segurança, executando missões de inegável interesse público. Nestes termos, não procede a argumentação do arguido, na medida em que a Nota de Culpa foi devidamente articulada com factos concretos e precisos, devidamente compreensíveis e apreensíveis por qualquer cidadão comum leigo na matéria.
» Atento o disposto nos dois parágrafos anteriores, toma-se irrelevante a argumentação exposta nos artigos 48.º e 49.º da defesa.
» No art. 50.º da resposta à Nota de Culpa o arguido menciona os deveres de que é acusado de ter infringido (o dever de correção, lealdade e o dever geral de atuar no sentido de criar no público confiança na ação da Administração Pública), mencionando na al. c) e o dever geral de atuar no sentido de criar no público confiança na ação da Administração Pública, em especial no que à sua imparcialidade diz respeito; Ora, importa explicitar que a Nota de Culpa não menciona nada relativamente a esta especialidade referida na defesa, ou seja, não fala no ¯em especial no que à sua imparcialidade diz respeito, conforme facilmente se comprova a folhas 107 dos autos.
» Ademais, menciona a defesa no art. 51.º que ¯não se antevê como poderá o bombeiro arguido ter violado tais deveres, até porque a nota de culpa não concretiza. Desde já se repudia tal argumentação, porquanto a Nota de Culpa o refere expressamente no art. 11.º que aqui parcialmente se reproduz;
» ¯Com a sua conduta descrita anteriormente (sublinhado nosso) violou o arguido os deveres gerais de lealdade e de correção, previstos respetivamente nas alíneas d) e f) do n.º 4 do art. 3.º, assim como, o dever geral de atuar no sentido de criar no público confiança na ação da Administração Pública (leia-se Corpo de Bombeiros), previsto no n.º 3 do mesmo artigo do Decreto-Lei n.º 24/84 de 16 de janeiro.
» Note-se bem - ¯descrita anteriormente, ou seja, nos artigos antecedentes da Nota de Culpa. Mais uma vez tal argumentação do arguido não poderá proceder.
» Prosseguindo, a Ilustre Mandatária menciona nos artigos 52.º e 53.º que a pena de demissão apenas será de aplicar às infrações que inviabilizem a manutenção da relação funcional, alegando que ¯não poderá ser compreensível que se tenha quebrado a relação de confiança subjacente, inviabilizando a manutenção da relação funcional. Como fundamento para tal posição, alega que os factos de que o arguido vem acusado reportam-se a abril de 2007. Refere ainda , no art. 55.º que "a posteriori do arguido ter alegado, na resposta à nota de culpa anteriormente deduzida, que não se encontrava quebrada a relação de confiança subjacente uma vez continuava a ser escalado para prestar serviço na corporação, veio o Sr. Instrutor propor a suspensão preventiva do arguido (30/04/2008), acrescentando no art. 56.º que ¯só na Ordem de Serviço N.º 123, de 2 de maio de 2008, mais de um ano depois da prática dos factos pelos quais o arguido vem acusado, foi o arguido suspenso preventivamente pelo período de 60 dias. Por outro lado refere no art. 57.º que ¯durante todo este período de tempo o arguido foi escalado para prestar serviço na corporação, sem que influ[ís]se de forma negativa nas diligências ao apuramento da verdade material dos factos, nem constituindo motivo de estabilidade (sublinhado nosso) no seio dos elementos do quadro ativo e na própria imagem do Corpo de Bombeiros. Ora, tal como está plasmado neste art. 57.º da defesa, o facto de ter sido escalado para efetuar serviço, precisamente, não constituiu motivo de estabilidade no seio dos elementos do Corpo de Bombeiros e na própria imagem da Corporação, razão pela qual se determinou a aplicação de tal medida cautelar.
» Ademais, não colhe a argumentação de que só um ano depois da prática dos factos foi o mesmo suspenso, porquanto na esmagadora maioria desse período de tempo o arguido ainda não detinha essa qualidade, e como tal, merecia uma tutela reforçada em relação ao principio da presunção da inocência, sendo certo que a suspensão foi proposta num momento em que cada vez mais se vinha conseguindo comprovar, em sede do respetivo procedimento disciplinar, que existiam factos que indiciavam claramente a existência de infração disciplinar suscetível de determinar a aplicação de pena disciplinar expulsiva. Face ao exposto, demonstra-se não ter existido má-fé, nem tentativa de deturpação dos factos, no âmbito da aplicação da medida de suspensão preventiva.
» No tocante à afirmação constante no art. 59.º, sempre se explicitará que os fins dos Bombeiros Municipais de Santarém sio exclusivamente o interesse público, que por sua vez decorre das missões atribuídas aos Corpos de Bombeiros, previstas no art. 3.º do Decreto-Lei n.º 247/2007 de 27 de junho.
» Relativamente ao art. 60.º da resposta à Nota de Culpa, que menciona que ¯em 29 de novembro de 2007, foi requerido pelo arguido uma licença, pelo período de 180 dias, por motivos profissionais e pessoais, tendo a mesma sido recusada, cumpre Informar que tal afirmação não se afigura verdadeira, porquanto esse mesmo pedido de licença não foi recusado, conforme facilmente se verificará no ofício n.º 170322, de 03-12-2007 (folhas _ e _), expedido para o arguido nessa mesma data através de carta registada com AR; Com efeito, do conteúdo desse mesmo ofício, cumpre destacar o último parágrafo, onde se pode ler que ¯...cumpre informar V. Exa. que enquanto não estiver concluído o Inquérito que se encontra a decorrer, e em que V. Exa., como bem sabe, se encontra envolvido, não poderei analisar a sua pretensão, pelo que a mesma ficará suspensa (sublinhado nosso) para decisão posterior à conclusão do processo de Inquérito. Do exposto, resulta de fácil compreensão que não houve nenhuma recusa, na medida em que nem sequer foi proferida uma decisão de mérito, ficando o pedido suspenso para posterior análise e decisão.
» Quanto à fundamentação constante nos artigos 61.º (¯os factos que implicam inviabilidade de manutenção da relação funcional para o efeito de aplicação de pena disciplinar expulsiva, são todos aqueles cuja gravidade implique para o desempenho da função prejuízo tal que irremediavelmente compromete o interesse público prosseguido com esse desempenho e a finalidade concreta que ele se propõe e por isso exige a ablação do elemento que lhe deu causa (Acórdão STA de 92-02-06, Proc. hP 28309)), e 62.º (¯Ora, na presente situação em lado 1algum na Nota de Culpa isso é demonstrado, assim como não é fundamentado e demonstrado quedos factos elencados ¯impliquem para o desempenho da função prejuízo de tal monta que irremediavelmente comprometa o interesse público que aquele deva prosseguir, designadamente, a eficiência, o prestígio e a idoneidade que deva merecer a ação da Corporação, de tal modo que o único meio de acudir ao mal seja a ablação do elemento que lhe deu causa (Acórdão STA de 94-11-30, Proc. N.º 32500), concluindo no art. seguinte mencionando que ¯não existe inviabilização da relação funcional, que constitui um elemento obrigatório, nos termos do n.º 1 do artigo 26.º do Decreto-lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, para que se possa aplicar s pena de demissão, cumpre explicitar que a inviabilização da manutenção da relação funcional encontra-se devidamente fundamentada no art. 11.º da Nota de Culpa, porquanto ¯o arguido frustrou a confiança nele depositada para o exercício de funções de natureza pública, tendo afetado irremediavelmente a imagem do Corpo de Bombeiros Municipais..:,
» Neste âmbito, importa ainda lembrar os ensinamentos do Ilustre e saudoso Professor Doutor de Direito Administrativo Marcelo Caetano, que não foram contraditados pela defesa: ¯Os serviços públicos vivem pelos atos dos seus agentes: a estes se dirigem os indivíduos, com eles tratam, nas suas mãos pagam os impostos, depõem as pretensões, entregam os negócios, deles esperam a tutela do Estado, Por isso, da competência dos funcionários, do seu zelo, da sua probidade e moralidade, depende o conceito em que são tidos pelo público, a utilidade, a correção, a moralidade do serviço (sublinhado nosso) (cfr. Do Poder Disciplinar, 79 e 80).
» Além disso, reitera-se novamente, tal como foi explicitado no último parágrafo do art. 11.º da Nota de Culpa, e não contraditado pela defesa, que ¯o conceito de inviabilização da manutenção da relação funcional concretiza-se através de juízo de prognose (sublinhado nosso), na fixação dos quais a Administração goza de grande liberdade de apreciação. (Ac, STA de 93-10-06. Proc. n° 30463).
» Considerando toda a fundamentação exposta anteriormente» facilmente se compreende que não procedem as considerações feitas pelo arguido, em sede de defesa, nos artigos 64.º° e 65.º.
» Quanto às considerações ínsitas nos artigos 66.º e 67.º da resposta à Nota de Culpa, relativamente ao prazo para instrução do processo disciplinar, cumpre explicitar que o termo da instrução teve lugar no dia 18 de março de 2008 (cfr. com o termo de entrega da acusação ao arguido, a folhas 46 dos autos), precisamente 44 dias depois do Instrutor ter dado início ao processo, a 04 de fevereiro de 2008 (cfr. folhas 5 dos autos). » Pelo exposto, o prazo para a instrução não foi excedido. Por outro lado, através do ofício n.º 8077/CMD, datado de 14 de março de 2008, remetido à entidade que determinou a instauração do procedimento, foi solicitado a dilatação do ¯prazo de 45 dias para términus do Processo Disciplina, tendo o mesmo sido autorizado em 17 de março de 2008 (cfr. folhas 48 dos autos).
» Ademais, acresce que os atos instrutórios realizados na «sequência da resposta à Nota de Culpa elaborada inicialmente, atos esses requeridos pela Defesa e julgados como necessários e imprescindíveis pelo instrutor do processo, foram levados a cabo num momento em que os prazos se suspenderam, precisamente para levar a efeito diligências requeridas pela defesa.
» Por outro lado, mesmo que assim não fosse, sempre se explicitaria que ¯são meramente ordenadores ou disciplinares as normas do ED que fixam os prazos dentro dos quais os atos devem ser praticados, não viciando, a sua inobservância, o ato final (Ac. STA de 98-03-10, Proc. N.º 30978).
» Face ao exposto, o facto de não ter sido notificado ao arguido a prorrogação do prazo para a instrução, não poderá ter qualquer relevância.
» VIII — FACTOS PROVADOS:
» Atenta a prova testemunhal e documental constante dos autos, deu-se como provado o seguinte:
» 1. Que em hora que não foi possível precisar, mas seguramente entre as 22h00m do dia 28 de abril de 2007 e as 02h30m da madrugada do dia 29 de abril de 2007, o arguido supra identificado, de forma consciente e voluntária, na zona do átrio situada junto às escadas que dão acesso ao parque de viaturas e junto à central de comunicações e ao gabinete do comando, com recurso ao seu telemóvel, mostrou um filme pornográfico aos bombeiros J......., A....... e D....... (cfr. folhas 26 do processo de inquérito e folhas 81, 82,83 e 100 dos presentes autos).
» 2. A matéria estipulada nos artigos 2.º a 6.º da Nota de Culpa (folhas 105 a 106 dos autos), porquanto não foi contraditada pela defesa, considerando-se admitida por acordo.
» 3. Considera-se igualmente como provado a existência do nexo de causalidade entre a conduta do arguido e as notícias que surgiram na comunicação social, com repercussões negativas diretas na imagem do Corpo de Bombeiros Municipais, e indiretas no Município de Santarém, conforme foi explanado nos artigos 7.º a 10.º da Nota de Culpa e devidamente fundamentado no ponto VII do presente Relatório.
» 4. Não existirem circunstâncias atenuantes especiais, nem circunstâncias agravantes especiais, conforme foi referido no art. 12.º da Nota de Culpa (crf. Folhas 108 dos autos), não contraditado pela defesa.
» V — CONCLUSÃO E PROPOSTA:
» Nestes termos, tudo ponderado conforme supra referido, somos de concluir que o arguido violou os deveres gerais de lealdade e de correção, previstos respetivamente nas alíneas d) e f) do n.º 4 do art. 3.º, assim como, o dever geral de atuar no sentido de criar no público confiança na ação da Administração Pública (leia-se Corpo de Bombeiros), previsto no n.º 3 do mesmo artigo, do Decreto-Lei nt 24/84 de 16 de janeiro, aplicável aos bombeiros voluntários ex vi n.º 1 do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de junho, que aprovou o Regime Jurídico aplicável aos Bombeiros Portugueses no Território Continental, sendo certo que tais infrações, nos termos do n.º 1 do art. 26.º do Decreto-Lei n.º 24/84 são puníveis com pena de demissão, que se propõe, na medida em que existe inviabilização da relação funcional.
» À consideração, superior.
» Alcanede, 7 de julho de 2008
» O Instrutor do processo
» [assinatura aposta sob a forma autógrafa, ilegível]
» (P.......)
» (Comandante do CBV Alcanede)» (cf. doc. 6 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
1.32) A 07.08.2008 o Comandante da Corporação de Bombeiros Municipais de Santarém subscreveu instrumento escrito em papel timbrado da entidade demandada, sob a referência «Despacho N.º 05/2008», com o seguinte teor: «

» Justiça e Disciplina
» 1. Ao abrigo da alínea a) do n.º 4 do artigo 66.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, aplicável aos bombeiros voluntários por remissão do n.º 2 do artigo 37.º do Regime Jurídico dos Bombeiros portugueses, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 241/2007 de 21 de junho, concordo com a proposta do Sr. instrutor do processo disciplinar, determinando nos termos do n.º 2 do artigo 40.º do supracitado Decreto-Lei n.º 241/2007, a aplicação da pena de demissão ao arguido Bombeiro de 2.ª, com o N.º mecanográfico……. , J......., fixando o prazo de 5 dias úteis para a entrega do respetivo fardamento e demais artigos de uniforme, bem como do cartão de bombeiro.
» 2. Nos termos do n.º 1 do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, determino que a aplicação da pena de Demissão produza efeitos no dia seguinte ao da notificação do arguido Bombeiro de 2.ª com o n.º mecanográfico………, J........
» Quartel em Santarém, aos 07 dias do mês de agosto de 2008» (idem).
1.33) O despacho referido em 1.32) foi objeto de publicação na Ordem de Serviço n.º 221, de 7 de agosto de 2008 (idem).
1.34) O despacho referido em 1.32), a Ordem de Serviço n.º 221, referida em 1.33), e o relatório final referido em 1.31) foram notificados ao autor pelo ofício n.º 170184, de 07.08.2008 (idem).
1.35) A 02.09.2008 deu entrada nos serviços da entidade demandada um instrumento escrito, subscrito pela ilustre mandatária do autor, pelo qual o autor interpunha recurso hierárquico do despacho referido em 1.32) para o Conselho Disciplinar (cf. fls. 213 a 231 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
1.36) A 10.09.2008 o Comandante da Corporação de Bombeiros Municipais de Santarém subscreveu instrumento escrito em papel timbrado da entidade demandada, sob a referência «Informação n.º 283», com o seguinte teor: «Exmo. Senhor Vereador do Serviço de Proteção Civil e Bombeiros
» A Ilustre Advogada […] recorreu da decisão disciplinar aplicada ao bombeiro de 2.ª, J......., número mecanográfico ......., para o Conselho Disciplinar nos termos do n.º 2 do art. 28.º da Portaria 703/2008, de 30 de julho.
» No entanto em função do consignado no n.º 2 do art. 41.º do Decreto-Lei n.º 241/07 de 21 de junho de 2007, conjugado com o n.º 2 do art. 37.º do aludido Decreto-Lei n.º e art. 30.º da Portaria n.º 703/2008 de 30 de julho, verifica-se que apenas existe recurso hierárquico para o Conselho Disciplinar quando o respetivo Corpo de Bombeiros (misto ou voluntário) seja detido por uma Associação Humanitária.
» Ora, tratando-se os Bombeiros Municipais de Santarém de um Corpo de Bombeiros misto detido por uma entidade pública, neste caso o Município de Santarém, deverá ser aplicável, subsidiariamente, ao presente recurso hierárquico as regras dos artigos 73.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, nomeadamente art. 75.º desse diploma.
» Deste modo, em face do supra referido, sugere-se a V. Exa. Que se notifique a Ilustre Mandatária para, querendo, no prazo de cinco dias úteis, aperfeiçoar o recurso hierárquico apresentado […]» (cf. fls. 233 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
1.37) Sobre a informação referida em 1.36) foi exarado na mesma data despacho de concordância pelo Vereador do Serviço de Proteção Civil e Bombeiros da entidade demandada (idem).
1.38) A 15.09.2008 a entidade demandada expediu o ofício n.º 170225, endereçado à ilustre mandatária do autor, notificando-a do teor da informação referida em 1.36) e do despacho referido em 1.37) (cf. fls. 234 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
1.39) A 02.10.2008 deu entrada nos serviços da entidade demandada um instrumento escrito, subscrito pela ilustre mandatária do autor, pelo qual o autor interpunha recurso hierárquico do despacho referido em 1.32) para o Presidente da Câmara Municipal de Santarém, com o seguinte teor: «Exmo. Senhor
» Presidente da Câmara Municipal de SANTARÉM
» J......., divorciado, residente na Rua…………, n.º 12, …….Romeira, bombeiro de 2.ª com o n.º mecanográfico ......., vem interpor
» RECURSO HIERÁRQUICO
» Do ato administrativo, no despacho de 07 de agosto de 2008, emitido por J......, Comandante dos Bombeiros Municipais de Santarém, no âmbito do Processo de Disciplinar e que determinou a aplicação da PENA de DEMISSÃO ao arguido, ora recorrente, o que faz com os seguintes fundamentos:
» QUESTÃO PRÉVIA
» 1.º
» O arguido, em 29/08/2008, veio interpor RECURSO HIERÁRQUICO para o Conselho Disciplinar ao abrigo do preceituado do n.º 2 do artigo 28.º da Portaria 703/2008, de 30 de julho, conjugado com o n.º 1 do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de junho.
» 2.º
» Em 16/08/2008, foi notificado para, querendo aperfeiçoar o recurso hierárquico em função da informação n.º 283, de 10 de setembro.
» […]
» RECURSO HIERÁRQUICO
» 19.º
» A Corporação dos Bombeiros Municipais de Santarém é um corpo de bombeiros misto, um organismo pertencente à estrutura orgânica da Câmara Municipal de Santarém.
» 20.º
» O recorrente presta serviço como bombeiro de 2.ª, voluntário, na Corporação dos Bombeiros Municipais de Santarém.
» 21.º
» Por despacho do Sr. Comandante dos Bombeiros Municipais de Santarém, exarado na Informação Interna n.º 10 e publicado na Ordem de Serviço n.º 25, de 24 de janeiro de 2008, foi determinado a instauração de um processo disciplinar ao recorrente, ¯tendo como base o Processo de Inquérito instaurado aos acontecimentos relatados na Informação interna elaborada pela Bombeira de 3.ª Classe, A......., no dia 1 de agosto de 2007 (sublinhado nosso).
» 22.º
» Em 18 de março de 2008, foi entregue, pessoal mente, ao arguido a acusação.
» 23.º
» Nesta, o recorrente vem acusado de no desempenho das suas funções de bombeiro, dentro das instalações do Quartel dos Bombeiros Municipais de Santarém, ter exibido um filme pornográfico, no seu telemóvel, a pelo menos três colegas seus, bem como de ter afirmado que os intervenientes nesse filme pornográfico eram os seus colegas A......., J....... e E........
» 24.º
» Em sede de defesa escrita o arguido, ora recorrente, alegou que a acusação era vaga e imprecisa, devendo indicar os factos, as circunstâncias de tempo, modo e lugar, estabelecer prazos de defesa, possível pena aplicável, preceitos legais aplicáveis e circunstâncias agravantes e atenuantes.
» 25.º
» Alegando a nulidade da acusação por não identificar qual o dever violado, bem como a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos da acusação nos quais as infrações sejam suficientemente individualizadas e referidas aos correspondentes preceitos legais.
» 26.º
» O recorrente, alegou ainda na sua defesa a prescrição, porque o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve se conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço o competente processo disciplinar no prazo de 3 meses, nos termos do preceituado no art.° 4.º do DL 24/84, de 16 de janeiro.
» 27.º
» Por último, à cautela e por mero dever de patrocínio, o recorrente, requereu a improcedência do processo disciplinar pela não identificação da lesão causada ao Corpo de Bombeiros, assim como do nexo de causalidade entre a conduta do arguido e o resultado.
» 28.º
» Posto isto, em 17 de abril de 2008, o recorrente foi notificado do despacho proferido, onde o Sr. Instrutor do Processo Disciplinar, para além de tecer comentários impropérios ao trabalho da mandatária do arguido, concluí pela inexistência de ¯prescrição ao procedimento, e afirma que não assiste razão à mandatária ¯uma vez que o processo de inquérito não resultou da comunicação transmitida pela bombeira (A........ em 1 de agosto) como refere, mas outrossim, a partir do momento em que o Digmo. Instrutor de outro processo disciplinar instaurado a outro bombeiro por razões distintas, em sede de investigação, apura através de depoimento prestado peio próprio arguido que de facto, alegadamente, teria passado nas instalações do quartel um filme pornográfico.
» 29.º
» Afirmando ainda o Sr. Instrutor do Processo Disciplinar que ¯A referência feita na OS n.° 25, trata-se apenas de uma referência que, admite-se, pode afigurar-se confusa, mas que atento aos antecedentes procedimentais, que a Ilustre Mandatária não compulsou, não revele para a presente apreciação, e apenas se conclui ter havido lapso por parte de quem a elaborou e posteriormente não conferiu devidamente, a qual será oportunamente objeto de retificação por imprecisa.
» 30.º
» Concluindo o Sr. Instrutor do Processo Disciplinar por ¯retomarei de novo a fase de instrução para recolher outros depoimentos com vista ao apuramento da verdade material dos factos para eventual reformulação da NOTA de CULPA.
» 31.º
» Por coincidência, ou talvez não, no mesmo dia 17 de abril de 2008, o Sr. Comandante ordenou que fosse alterada a Ordem de Serviço N.° 25, datada 24 de janeiro de 2008, onde determinava a abertura do procedimento disciplinar.
» 32.º
» Assim, na Ordem cie Serviço N.° 107, datada do dia 17 de abril de 2008, pode ler-se:
» ¯Retificação à O.S. N.0 25 de 24 de janeiro de 2008.
» Por ter sido publicada inexatidão, na ordem de serviço supra referida, onde se lê ¯tendo por base o processo de inquérito instaurado aos acontecimentos relatados na informação interna peia Bombeira de 3.ª A........, no dia 01 de agosto de 2007 deve ler- se ¯tendo por base cópia da resposta à nota de culpa, remetida pelo instrutor, no âmbito do processo disciplinar instaurado ao Bombeiro J........ - Cfr, fls. 77 dos autos de Processo Disciplinar.
» 33.º
» Por despacho do Sr. Comandante dos Bombeiros Municipais de Santarém, sob proposta do Sr. Instrutor do Processo Disciplinar, em 30 de abril de 2008, determinou a aplicação da suspensão preventiva ao recorrente, pelo período de sessenta dias, ao abrigo do artigo 54.º do Decreto-Lei 24/84, de 16 de janeiro.
» 34.º
» Em 11 de junho de 2008, foi proferida nova Nota de Culpa, onde vem o ora recorrente acusado entre as 22h00m do dia 28 de abril de 2007 e as 2h30 do dia 29 de abril de 2007, na zona do átrio situado junto às escadas que dão acesso ao parque de viaturas e junto à central de comunicações e ao gabinete de comando, com recurso ao seu telemóvel, ter mostrado um filme de cariz sexual aos bombeiros J......., A....... e D........
» 35.º
» É ainda imputado ao ora recorrente de ter afetado negativamente a imagem do Corpo de Bombeiros e dos funcionários e restantes bombeiros voluntários que lá prestam serviço, causando grave prejuízo para a reputação dos bombeiros e do Município de Santarém.
» 36.º
» Acusando ainda o recorrente pela cobertura feita pelos órgãos de comunicação social no âmbito doutro processo disciplinar, onde foi arguido o ex-bombeiro de 3.ª J........
» 37.º
» Indiciando o ora recorrente peia violação dos deveres gerais de lealdade e de correção, previstos respetivamente nas alíneas d) e f) do n.º 4 do artigo 3.º, assim como, o dever geral de atuar no sentido de criar no público confiança na ação da Administração, previsto no n.º 3 do mesmo artigo do Decreto-Lei 24/84, de 16 de janeiro.
» 38.º
» Considera a acusação que tais infrações que existe inviabilidade da manutenção da relação funcional, uma vez que a conduta do ora recorrente frustrou a confiança nele depositada para o exercício de funções de natureza pública.
» 39.º
» Concluindo que não existem circunstâncias atenuantes nem agravantes especiais.
» 40.º
» Em 25 de junho de 2008 o ora recorrente apresentou resposta à Nota de Culpa.
» 41.º
» Alegando a prescrição do procedimento disciplinar e invocando que o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve se conhecida a falta pelo dirigente máximo
do serviço, não for instaurado o competente processo disciplinar no prazo de 3 meses, nos termos do preceituado no art. 4.º do D.L. 24/84, de 16 de janeiro.
» 42.º
» A determinação da abertura do processo de inquérito resultou dum segundo despacho, de 15 de novembro te 2007, referente aos factos relatados pela bombeira de 3.ª A........, na Informação Interna de 1 de agosto de 2007, isto é, foram ultrapassados os três meses para a instauração do procedimento disciplinar. - Cfr. Fis. 2v do Processo Disciplinar.
» 43.º
» A Bombeira A........, na sua informação interna de 1 de agosto de 2007, identificou de forma clara e inequívoca as circunstâncias concretas em que ocorreram esses factos, - ¯O bombeiro J....... divulgou um filme pornográfico ao J......., D......., A....... e H..........- Cfr. FIs. 2 dos autos de Procedimento Disciplinar.
» 44.º
» Os elementos de comando tiveram conhecimento dos factos veja-se os Autos de Inquirição de fls. 42 e 43 dos presentes autos, onde o Sr. Comandante, afirma que: ¯...não determinou a abertura de inquérito, aquando da elaboração da comunicação interna da A........, em 01 de agosto de 2007, o Sr. Comandante J....... informou que à altura entendeu que se tratava de um assunto do foro pessoal, tendo igualmente considerado, após uma primeira análise, que o assunto não era consistente, na medida em que não tinha matéria probatória e fundamentos suficientes que justificassem a instauração de um inquérito. Cfr. Fls. 42 e 43 dos autos de Processo Disciplinar.
» 45.º
» Inquirido o Sr. Adjunto de Comando L......., prestou as seguintes declarações: ¯... disse que teve conhecimento do mesmo num fim de semana do mês de agosto, não podendo precisar ao certo a data, durante o piquete diurno, sendo os factos relatados pelo G…… a pela A……..,. Cfr. Fls. 41 dos autos de Processo Disciplinar.
» 46.º
» O Sr. Comandante, isto é, o dirigente máximo do serviço, teve um conhecimento real, certo e não presumido, o conhecimento das circunstâncias concretas em que ocorreram esses factos, para que seja possível formular um juízo de probabilidade de configurarem uma infração disciplinar, a partir do qual se deve contar o prazo de três meses.
» 47.º
» ¯Este prazo de prescrição de 3 meses é autónomo em relação ao prazo de 3 ou mais anos. Isto é: seja ou não a infração disciplinar também considerada penal, a prescrição operar-se-á no prazo de 3 meses se, conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço, não for instaurado procedimento disciplinar durante tal prazo. Assim, a prescrição de prazo longo — 3 ou mais anos — só ocorrerá na ausência de conhecimento da falta pelo dirigente máximo do serviço. Acórdão do STA, de 31-01-89, Proc.° n.º 026230.
» 48.º
» Nos termos do n.º 2 do art.º 4.º do D.L. 24/84, de 16 de janeiro, o processo disciplinar instaurado no dia 15 de Novembro já se encontrava prescrito.
» 49.º
» Esta prescrição já havia sido invocada em 02 de abril de 2008, em sede de resposta à primeira Nota de Culpa, datada de 18 de março de 2008.
» 50.º
» Por outro lado, a resposta da Nota de Culpa do Bombeiro J......., não é mais do que uma exposição articulada da comunicação interna que foi apresentada em 01 de agosto de 2007, pela Bombeira A........, podendo-se ler no seu Art.° 7.º ¯...foi de imediato comunicado ao comandante, que não lhe deu a importância devida, nem tampouco tentou apurar o que se estava a passar no quartel....
» 51.º
» Ao aperceber-se da prescrição, o Sr. Comandante mandou retificar a Ordem de Serviço, de forma a tentar afastar a prescrição invocada pelo ora recorrente.
» 52.º
» Factos que o Sr. Instrutor do Processo Disciplinar tinha conhecimento e ignorou.
» 53.º
» A conduta do recorrente em nada lesou os interesses e a Imagem do Corpo de Bombeiros Municipais de Santarém, nem tão pouco, da Câmara Municipal de Santarém.
» 54.º
» Não existe nexo de causalidade entre as publicações da impressa de fls. 29 a 34 dos autos de Processo Disciplinar e a conduta do arguido, até porque o arguido, ora recorrente vem acusado de factos praticados em abril de 2007 e só em novembro de 2007 é que se verificou a cobertura da comunicação social ao processo disciplinar que foi alvo o ex-bombeiro J........
» 55.º
» O recorrente nunca foi abordado por qualquer órgão de comunicação social, nunca prestou declarações, nem prestou quaisquer esclarecimentos...
» 56.º
» Ademais, diga-se em abono da verdade, aquando a cobertura dos órgãos de comunicação social, o Sr. Comandante dos Bombeiros Municipais de Santarém ¯culpabilizou outro elemento da corporação, nomeadamente, a bombeira de 3.ª F.......
» 57.º
» Acabando esta o requer a apresentar o seu pedido de demissão daquela instituição.
» 58.º
» No caso "sub judice" os excertos de publicações da impressa não poderão ser considerados meios de prova, e muito menos meios de prova bastante.
» 59.º
» Não é ao arguido, ora recorrente, a quem compete a virtualidade de demonstrar a razão pela qual não são meios de prova bastante, assim como em ¯lado algum contraditou a alegação patente na acusação de que se trata um facto notório, como afirma o Sr. Instrutor no seu Relatório Final.
» 60.º
» O Sr. Instrutor do Processo Disciplinar não pode considerar de prova bastante as notícias publicadas pela comunicação social, assim como as declarações prestadas por outros elementos do corpo de bombeiros à comunicação social.
» 61.º
» De forma alguma se poderá considerar, como afirma o Sr. Instrutor no seu Relatório Final, relativamente às notícias publicadas nos órgãos de comunicação social, que ¯...não carecem de prova nem de alegação os factos notórios ou seja, nos termos do art.º 350.º do Código Civil trata-se de uma presunção legal, que por isso mesmo tem valor de prova plena.
» 62.º
» Diga-se em abono da verdade, que os meios de comunicação social, por vezes, dão um ênfase aos artigos publicados, deturpando e desvirtualizando a verdade material dos factos.
» 63.º
» Com o devido respeito, é do senso comum que nem tudo o que diz a comunicação social corresponde há verdade.
» 64.º
» Por outro lado, a Nota de Culpa não concretiza como o recorrente violou os seus deveres nem o ¯prejuízo grave causado à reputação dos bombeiros e do Município de Santarém, causa geradora de nulidade insuprível, nulidade que o recorrente já alegou na resposta à nota de culpa.
» 65.º
» A recorrida não identifica o dano, em concreto, que lhe foi causado pelo recorrente, limitando-se o Sr. Instrutor a mencionar no Relatório Final: ¯É por demais evidente que tal situação plasmada na comunicação social, junto da opinião pública, certamente não contribuiu em nada para a boa imagem, a moral e a confiança que os cidadãos devem depositar nos bombeiros.
» 66.º
» Compete à Administração a prova dos factos constitutivos da infração imputada ao bombeiro arguido e não a este provar que não os praticou. (in Acórdão STA de 95- 01-19, Proc. N.º -1148(3).
» 67.º
» A ¯Administração tem de provar os factos imputados ao arguido. Se o não fizer, terá de considerar-se este ilibado de todas as acusações. Como em processo penal, o arguido não tem de demonstrar a inocência: esta presume-se... (in Proc. N.° 76-DI-10, In Rei. Prov. Jusl ., 1877, 136 e 137).
» 68.º
» Não podemos deixar de relembrar cronologicamente os factos;
» a) Os factos de que o arguido vem acusado reportam-se a 28/29 de abril de 2007;
» b) O Sr. Comandante teve conhecimento dos mesmos, através da informação interna da bombeira A........, em 1 de agosto de 2007;
» c) Em 15 novembro de 2007 foi instaurado um processo de inquérito;
» d) Na Ordem de Serviço de 25 de janeiro de 2008 foi publicado a instauração de procedimento disciplinar ao recorrente;
» e) O início de instrução ocorreu em 4 de fevereiro de 2008;
» f) Em 18 de março de 2008 foi o arguido notificado da Acusação;
» g) Em sede de defesa escrita, apresentada em 2 de abril de 2008 a arguido alegou a prescrição, e demonstrou que não existia quebra da relação de confiança subjacente, inviabilizando a manutenção da relação funcional, até porque o arguido durante todo este tempo sempre se encontrou a prestar serviço para a instituição;
» h) Em 17 de abril de 2008, o arguido foi notificado despacho em que o Sr. Instrutor informa que retomará ¯a fase de Instrução para recolher novos depoimentos com vista
ao apuramento da verdade material dos factos para eventual reformulação da NOTA de CULPA.
» i) Em 17 de abril de 2008, através da Ordem de Serviço N.º 107, o Sr. Comandante mandou alterar a Ordem de Serviço N.º 25, de forma a constar outro motivo como base da instauração do presente procedimento disciplinar;
» j) Em 30 de abril de 2008 o arguido foi informado da sua suspensão;
» k) Em 11 de julho de 2008 foi proferida nova Nota de Culpa;
» l) O arguido apresentou a sua resposta à nota de culpa em 25 de junho de 2008;
» m) A 7 de. julho de 2008 elaborado o Relatório Final e entregue à Entidade a quem incumbe a decisão;
» n) Em 8 de agosto de 2008 o arguido foi notificado da decisão do Processo Disciplinar.
» 69.º
» Com o devido respeito, parece-nos que o Sr. Comandante de forma incorreta, e após a defesa do arguido, não só mandou alterar as circunstâncias que serviam de base ao presente processo disciplinar e afastar a figura da prescrição, como também mandou suspender preventivamente o arguido como consequência de este ter afirmado, na resposta à Nota de Culpa, que durante todo o tempo sempre se encontrou a prestar serviço para a instituição, ou seja, não existe quebra da relação de confiança subjacente, inviabilizando a manutenção da relação funcional.
» 70.º
» Em verdade, desde a data dos factos que são imputados ao arguido (abril de 2007) até à apresentação da defesa escrita do arguido (abril de 2008), o arguido continuou a prestar a rua atividade, normalmente, no Corpo de Bombeiros.
» 71.º
» No âmbito do presente processo disciplinar, não ficou provado, assim como não é fundamentado e demonstrado que os factos elencados ¯impliquem para o desempenho da função prejuízo de tal monta que irremediavelmente comprometa o interesse público que aquele deva prosseguir, designadamente, a eficiência, o prestígio e a idoneidade que deva merecer a ação da Corporação, de tal modo que o único meio de acudir ao mal seja a ablação do elemento que lhe deu causa (Acórdão do STA, de 94-11-30, Proc, N.° 32500).
» 72.º
» A pena de demissão é aplicável às infrações que inviabilizem a manutenção de uma relação funcional e é aplicável, nomeadamente, nos casos descritos no artigo 16.° da Portaria 703/2008 de 30 de julho (com entrada em vigor em 31/07/2008).
» 73.º
» Assim, ¯os factos que implicam inviabilidade de manutenção da relação funcional para o efeito de aplicação de pena disciplinar expulsiva, são todos aqueles cujas gravidade
implique para o desempenho da função prejuízo tal que irremediavelmente compromete o interesse público prosseguido com esse desempenho e finalidade concreta que ele se propõe e por isso exige a ablação do elemento que lhe deu causa(Acórdão do STA, de 92-02-06, Proc. N.º 28309).
» 74.º
» Pelo supra exposto no item 51.º e 52.º do presente recurso, é demonstrativo que a relação de confiança subjacente não se quebrou, sendo viável a manutenção da relação funcional que constitui um elemento obrigatório, nos termos do artigo 16.º da Portaria 703/2008, de 30 de julho, conjugado com o artigo 26.º, n.º 1, do D.L. 24/84, de 16 de janeiro, para que se possa aplicar a pena de demissão.
» 75.º
» A aplicação da pena de demissão no âmbito do presente procedimento disciplinar é desproporcional e desadequada, pelo que a mesma não será de aplicar sob pena de violação do Principio da Proprocionalidade.
» 76.º
» Acresce ainda o facto de na defesa do arguido, apresentada em 2 de abril de 2008, terem sido requeridas diligências...
» 77.º
» Ademais, as testemunhas cuja defesa requereu a inquirição foram inquiridas a 5 de maio de 2038, sem que o arguido fosse informado da realização de tal diligência, limitando deste, forma a principie do contraditório.
» 78.º
» A fls. 148 dos autos de Processo Disciplinar o Sr. Instrutor dá-se como provado, no Relatório Final, factos com base na inquirição de testemunhas de fls. 81, 82, 83, inquirição requerida pelo arguido, sem que o mesmo fosse informado da sua realização...
» 79.º
» Ora, veja-se a fls. 13S dos autos de Processo Disciplinar; ¯Retomada a Instrução para a realização de novas diligências instrutórias requeridas pelo arguido através da sua mandatária, procedeu- se a novas inquirições no dia 05 de maio de 2008...
» 80.º
» O arguido apresentou as testemunhes inquiridas a fls. 31, 82, 83 para prova da sua defesa e não como prova da acusação.
» 81.º
» Mais urna vez com o devido respeito, pergunta-se como sabia o Sr. Instrutor quais eram os factos a que c arguido pretendia que as mesmas fossem questionadas.
» 82.º
» O Sr. Instrutor violou o Principio do Contraditório.
» 83.º
» O contraditório surge como regra orientadora da produção de um juízo que interfira com o arguido, para além de se justificar pela defesa de direitos. É a expressão do Estado de direito democrático e, nessa medida, igualmente das garantias de defesa.
» 84.º
» A inquirição de testemunhas de fls. 81, 82, 83 é nula, e desde já se requer essa nulidade.
» 85.º
» Por outro lado, o Sr. Instrutor, no seu Relatório Final, considera como provada a matéria articulada nos artigos 2.º a 6.º da Nota de Culpa, afirmando que ¯não foi contraditada pela defesa, considerando-se admitida por acordo, (sublinhado nosso) – Cf. fls. 146 dos autos do Processo Disciplinar
» 66.º
» Não pode o recorrente concordar com tal afirmação, pois em lado algum reconheceu como verdadeiro a matéria vertida do artigo 2.º a 6.º da Nota de Culpa, sendo à Entidade detentora do poder disciplinar que compete a prova dos factos, se o não fizer, terá de considerar-se o arguido ilibado de todas as acusações.
» 87.º
» A falta de resposta a matéria vertida na Nota de Culpa não significa que o arguido confessa os factos articulados nu acusação, mas apenas que renuncia ao direito que a lei lhe confere de se defender das acusações que lhe vêm imputadas.
» 88.º
» Ora, a sublinhada conclusão, no item 67.º do presente recurso, efetua uma total inversão e subversão do Ónus probandi pois refere que, dado que o arguido não logrou provar a sua inocência considera-se como evidente então a sua culpabilidade.
» 89.º
» Tal conclusão viola os Princípios da Acusatório, do In Dúbio Pró Reo e muitos outros que estão subjacentes ao sistema legal do procedimento disciplinar pelo que é ilegal, nula e contrária à Constituição da República Portuguesa.
» 90.º
» O mesmo se pode dizer quando o Sr. Instrutor do Processo Disciplinar considera; ¯igualmente provado a existência do nexo de causalidade entre a conduta do arguido e as notícias que. Surgiram na comunicação social com repercussões negativas diretas na imagem do Corpo de Bombeiros Municipais de Santarém, conforme foi explanado nos artigos 7.º a 10.º da Nota de Culpa e devidamente fundamentado no ponto VII do presente Relatório ou ainda ¯Não existirem circunstâncias atenuantes especiais, nem circunstâncias agravardes especais, conforme foi referido no art.° 12.º da Nota de Culpa (...), não contraditado pela defesa. - Cfr. fls 148 dos autos de Processo Disciplinar.
» 91.º
» Em processo disciplinar não há inversão do ónus da prova, no sentido de que é ao arguido que compete provar a sua inocência. O ónus da prova dos factos acusatórios pertence exclusivamente à Administração, segundo o princípio de que ¯quem alega um facto tem de o provar.
» 92.º
» Assim como em processo penal, o arguido não tem de demonstrar a inocência, esta presume-se, por sua vez cabe à Administração provar de forma inequívoca a culpabilidade do arguido.
» 93.º
» Essa presunção de inocência só poderá ser elidida com a devida prova (constatação) de que houve falta disciplinar.
» 94.º
» Parece-nos que o Sr. Instrutor ignorou a aplicabilidade do Principio do "In Dublo Pro Reo", ou seja, uma expressão latina que significa literalmente na dúvida, a favor do réu.
» 95.º
» Ela expressa o princípio jurídico da presunção da inocência, que diz que em casos de dúvidas (per exemplo, insuficiência de provas) se favorecerá o réu. É um dos pilares do Direito penal, e esta intimamente ligada no princípio da legalidade.
» 96.º
» Por último, nos termos do Código Processo Penal as testemunhas, perante autoridade judiciária, devem prestar juramento ¯juro, por minha honra, dizer toda a verdade e só a verdade.
» 97.º
» Contudo, o instrutor não é esta autoridade judiciária, pois nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º do Código Processo Penal, autoridade judiciária é o juiz, o juiz de instrução e o Ministério Público e, portanto, não pode ajuramentar as testemunhas.
» 98.º
» Deve apenas dizer que a testemunha está obrigada a contribuir para a descoberta da verdade e deve abster-se de mentir ou omitir factos relevantes de que tenha conhecimento.
» 99.º
» Deve a testemunha ser perguntada aos costumes; se é amigo, inimigo, parente, etc., do arguido, é importante pera se avaliar corretamente o depoimento.
» 100.º
» No caso concreto, o Sr. Instrutor do Processo Disciplinar, apesar de não ser autoridade judiciária, a fls. … dos autos de Processo Disciplinar, que correspondem aos autos de inquirição das testemunhas, arrogou-se no direito de ajuramentar as testemunhas, e não só estas como ainda ajuramentou o arguido...
» 101.º
» O arguido, por maioria do razão, também não pode ser ajuramentado. Mas aqui o fundamental é saber que as suas falsas declarações nunca são passíveis de responsabilidade disciplinar. Este não está obrigado a dizer a verdade.
» 102.º
» Pelo que, se requer a nulidade dos todos os Autos de Inquirição efetuados peio Sr. Instrutor do Processo Disciplinar às testemunhas e ao arguido, e onde estes se encontram ajuramentados.
» 103.º
» O presente recurso tempestivo nos termos do preceituado no artigo 28.º da Portaria 703/2008, de 30 de Julho, estabelecendo este que das decisões, em matéria disciplinar, proferidas pelo comandante do corpo de bombeiros cabe recurso hierárquico para o conselho disciplinar, a interpor no prazo de 15 dias úteis,
» 104.º
» O presente processo disciplinar, bem como o despacho recorrido, enfermam da violação de lei expressa o de princípios basilares, nomeadamente dos seguintes;
» a) Artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei 24/84, de 16 de janeiro;
» b) Artigo 42.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 24/84, de 16 de janeiro;
» c) Artigo 64.º, n.º 1, do Decreto-Lei 24/84, de 16 de janeiro;
» d) Artigo 16.º da Portaria n.º 703/2008, de 30 de julho, conjugado com do artigo 26.°, n.º 1, do D.L. 24/84, de 16 de janeiro;
» e) Artigo 91.º do Código Processo Penal;
» f) Princípios do Acusatório, do Contraditório e do In Dúbio Pró Reo.
» 105.º
» O presente recurso deve suspender a eficácia do ato recorrido nos termos do art.º 170.º do Código de Procedimento Administrativo.
» TERMOS EM QUE o presente recurso deve ser considerado procedente por provado, anulando-se por estar inquinado de violação de lei expressa, o ato recorrido, com todas as consequências legais, designadamente ordenando-se que seja proferido novo despacho onde seja reconhecida a Prescrição do procedimento disciplinar, e por outro lado que sejam procedentes as nulidades suscitadas.
» PROVA:
» Documental:
» — Informação Interna da bombeira de 3.ª A........, junto autos de Processo Disciplinar a fls. 2;
» — Resposta à Nota de Culpa, junta aos autos de Processo Disciplinar a fls. 3 a 8;
» — Autos de Inquirição do arguido juntos aos autos de Processo Disciplinar a fls. 15, 16, 26, 27, 30, 80 e 100;
» — Ordem de Serviço N.º 25, junto autos de Processo Disciplinar a fls._;
» — Ordem de Serviço N.º 107, junto autos de Processo Disciplinar a fls. 77;
» — Relatório final, junto autos de Processo Disciplinar de fls. 132 a 149.
» Testemunhal:
» 1.ª — A.......;
» 2.ª — D.......;
» 3.ª — J.......;
» 4.ª — A.......;
» Todos a notificar nos Bombeiros Municipais de Santarém, […]
» 5.ª — P…………….,
» A notificar nos Bombeiros Voluntários de Alcanede, […]
» 6.ª — F……………….
» A apresentar, […]» (cf. doc. 7 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
1.40) A 19.12.2008 o Presidente da Câmara Municipal de Santarém profere despacho com o seguinte teor, reportando-se ao recurso referido em 1.39): «Visto.
» Indefiro a pretensão inscrita no recurso hierárquico, mantendo a decisão recorrida.
» Notifique-se.» (cf. doc. 8 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
1.41) A 07.01.2009 a entidade demandada expediu o ofício n.º 900022, endereçado à ilustre mandatária do autor, dando conta do despacho referido em 1.40) (idem).
1.42) O autor pertencia à 3.ª secção, Grupo 2, e, observado o serviço prestado pelo Secção/Grupo em que o demandante estava inserido, caso não existisse qualquer motivo impeditivo, designadamente férias ou faltas, teria prestado serviços na datas e horários seguintes, desde 02.05.2008, data de suspensão referida em 1.27), até à data da instauração dos presentes autos:
Mês Dias de piquetes
noturnos diurnos
Maio/08 7, 13, 19, 25, 31 3, 11, 24
Junho/08 6, 12, 18, 24, 30 1, 14, 22
Julho/08 6, 12, 18, 24, 30 5, 13, 26
Agosto/08 5, 11, 17, 23, 29 3, 16, 24
Setembro/08 4, 10, 16, 22, 28 6, 14, 27
Outubro/08 4, 10, 16, 22, 28 1, 18, 26
Novembro/08 3, 9, 15, 21, 27 8, 16, 29
Dezembro/08 3, 9, 15, 21, 27 7, 20, 28
Janeiro/09 2, 8, 14, 20, 26 10, 18, 31
Fevereiro/09 1, 7, 13, 19, 25 8, 21
Março/09 3, 9, 15, 21, 27 1, 14, 22
Abril/09 2 4
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(facto admitido por acordo— cf. ata de audiência prévia de fls. 385 dos autos em paginação eletrónica).
1.43) Por força do ato referido em 1.32), e atendendo à forma como foi afastado da Corporação de Bombeiros, ficando impedido de ingressar em qualquer outra, o autor sentiu-se gravemente lesado nos valores de honradez, respeitabilidade e seriedade.
1.44) Além disso, no seio do seu grupo de amigos e colegas, foi lançada uma nuvem de suspeição, envolvendo o autor, o que muito o perturbou e angustiou.
1.45) Inclusive alguns dos seus antigos colegas bombeiros passaram a evitar locais onde o autor estava presente, tendo mesmo alguns deles deixado de lhe falar.
1.46) Em consequência da sua demissão o autor viu-se subitamente privado do seu círculo de amigos, pois era com os seus antigos colegas com quem normalmente privava.
1.47) O autor, que sempre foi uma pessoa alegre e bem disposta, depois das acusações e, sobretudo, depois da aplicação da sanção disciplinar de demissão, sentiu-se profundamente deprimido, infeliz, angustiado, desamparado e preocupado.
1.48) Todo o processo provocou uma perturbação e um mal-estar que inclusive chegaram a perturbar-lhe o sono, sendo frequente sofrer de insónias.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não há factos alegados a dar como não provados com interesse para a decisão a proferir.

Na 1.ª instância foi indicada a seguinte motivação:
3. MOTIVAÇÃO
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força da remissão operada pelo artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, faz-se consignar que o tribunal atendeu à factualidade essencial alegada pelas partes, bem como à factualidade instrumental que decorreu da instrução da causa [artigo 5.º, n.os 1 e 2, alínea a), do Código de Processo Civil]. Para o efeito, o tribunal atendeu a todas as provas documentais carreadas para os autos, independentemente de aproveitarem ou não à parte que as produziu (artigo 413.º do Código de Processo Civil).
A esta luz, consigna-se que a convicção do tribunal se formou com base essencialmente na análise crítica da documentação não impugnada junta aos articulados iniciais das partes e no acordo obtido em sede de audiência prévia. Tudo nos termos melhor discriminados em cada uma das alíneas do probatório em que se alude a documentação ou acordo.
Por seu turno, a convicção do tribunal quanto ao estado do autor antes e depois da demissão (na sua perspetiva e vida familiares, na sua vida afetiva, em termos de saúde física, no domínio laboral, na sua vida gregária, na sua saúde emocional e psíquica), a que se reporta a matéria enunciada nos pontos 1.43) a 1.48) dos factos provados, fundou-se no tero dos depoimentos claros, objetivos, articulados, coerentes, isentos, espontâneos e assertivos, com facilidade em contextualizar os respetivos testemunhos, das testemunhas J......., D....... e A......., arroladas e não prescindidas pelo demandante, em sede de audiência final.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir o erro no julgamento da matéria de facto por terem sido dados como provados os factos indicados nos pontos 1.44, 1.45 e 1.46, quando tais factos estavam não provados face aos testemunhos de J......., de 00:02:05 a 00:12:09, de D......., de 00:12:11 a 00:18:58 e de A......., de 00:19:03 a 00:26:22;
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 72.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), 279.º do Código Civil (CC) e 4.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agente da Administração Central, Regional e Local (ED), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16/01, porque a infracção disciplinar não está prescrita, pois entre 02/08/2007 – a data em que inicia a contagem do prazo após o conhecimento da infracção pelo Comandante dos Bombeiros – e 15/11/2007 – a data da abertura do processo de inquérito que fez suspender o procedimento disciplinar – decorreram 73 dias úteis e não 90 dias úteis.
- aferir do erro decisório e da violação do art.º 42.º do ED, porque a nulidade adveniente da falta de notificação ao advogado do arguido para estar presente na data da inquirição das testemunhas está suprida, por não ter sido arguida junto do instrutor até à data da decisão final do procedimento disciplinar;
- aferir do erro de julgamento e da violação dos art.ºs 16.º, als. c) e d), da Port. n.º 703/2008, de 30/07 e 26.º, n.ºs 2 e 3 do ED, pois face à prova reunida no procedimento disciplinar o acto punitivo não padece de qualquer erro nos pressupostos de facto, nem viola o princípio da presunção da inocência, nem é desproporcional;
- aferir do erro decisório porque os danos não patrimoniais provados na acção não assumiram gravidade suficiente para a indemnização requerida.

Nos termos dos art.ºs 636.º, n.º 2 e 640.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art.º 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), podem as partes, nas respectivas alegações, impugnar a decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto.
Mas o artigo 640.º do CPC estabelece como ónus a cargo da parte que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a necessidade de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, sobre os diversos pontos da matéria de facto impugnados. Igualmente, exigem tal preceito que o Recorrente indique a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Por seu turno, os art.ºs 640.º e 662.º do CPC, permitem a reapreciação e a modificabilidade da decisão de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância apenas nas situações em que o tribunal recorrido apresente um julgamento errado, porque fixou factos de forma contrária às regras da prova, ou os fixou de forma inexacta, ou porque os valorou erroneamente.
Aqui vale o princípio da livre apreciação da prova, remetendo-se para uma íntima convicção do julgador, formada no confronto dos vários meios de prova, que uma vez exteriorizada através de uma fundamentação coerente, razoável, plausível, que obedeça às regras da lógica, da ciência e da experiência comum, torna-se uma convicção inatacável, salvo para os casos em que a prova deva ser feita através de certos meios de prova, que apresentem uma determinada força probatória.
Nestes termos, a impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no tribunal superior daquela que teve o tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada (cf. art.º 662.º do CPC).
Portanto, para a modificação da matéria de facto é necessário que haja uma dada matéria de facto que foi identificada e apreciada pelo tribunal de 1.ª instância e que este tenha exteriorizado a sua convicção na fixação da matéria provada e não provada. Só depois, se face às provas produzidas e para as quais o Recorrente remete, se impuser forçosamente decisão diversa da tomada pela 1.ª instância, há que alterar aquela. Mas terá que se tratar de uma prova firme, indiscutível ou irrefutável, que necessariamente abala a convicção que o tribunal de 1.ª instância retirou da prova produzida.
Igualmente, a matéria de facto que se exige fixada e que pode justificar a alteração em sede de recurso é apenas a que releve para a decisão da causa e não qualquer outra que haja sido alegada pelo A. e R. Ou seja, ainda que seja alegada determinada matéria de facto e ainda que a mesma resulte provada nos autos, se a mesma for irrelevante para a decisão a proferir, não há-de ser tomada em consideração pelo juiz em sede de 1.ª instância e tal omissão também não conduz a um erro decisório.
Diz o Recorrente que foi errado o julgamento feito nos pontos 1.44, 1.45 e 1.46 da matéria de facto, pois tais factos não podem ser dados por provados face aos depoimentos de J......., de 00:02:05 a 00:12:09, de D......., de 00:12:11 a 00:18:58 e de A......., de 00:19:03 a 00:26:22.
No ponto 1.44 ficou provado que “no seio do seu grupo de amigos e colegas, foi lançada uma nuvem de suspeição, envolvendo o autor, o que muito o perturbou e angustiou”. No ponto 1.45. ficou provado que “Inclusive alguns dos seus antigos colegas bombeiros passaram a evitar locais onde o autor estava presente, tendo mesmo alguns deles deixado de lhe falar”. No ponto 1.46, ficou provado que “em consequência da sua demissão o autor viu-se subitamente privado do seu círculo de amigos, pois era com os seus antigos colegas com quem normalmente privava”.
O Tribunal ad quo motivou o referido julgamento de facto indicando que o mesmo teve por base os depoimentos de J......., D....... e A......., que considerou serem depoimentos “claros, objetivos, articulados, coerentes, isentos, espontâneos e assertivos”.
Aqueles factos não ficam inexoravelmente abalados pelos testemunhos referidos nas alegações de recurso. Na verdade, atendendo ao teor dos citados depoimentos, a fixação dos indicados factos não se mostra ilógica, desrazoável, contrária às regras da experiência comum, objectivamente inexacta, ou claramente mal valorada.
Como acima se indicou, a impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo Tribunal superior não visa alterar a decisão de facto porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, mas só pode ocorrer quando as provas produzidas na 1.ª instância impõe, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada. Não é o caso presente. Portanto, falece esta alegação de recurso.

Na decisão recorrida entendeu-se que a entidade demandada teve conhecimento da infracção disciplinar em 01/08/2007, pelo que tinha prescrito quer o prazo para instaurar o processo de inquérito – o que se verificou em 15/11/2007 –, quer o prazo para instaurar o processo disciplinar – o que ocorreu em 22/01/2008. Por essa razão, foi anulado o acto punitivo.
Vem o Recorrente dizer que esse julgamento foi errado, por não se ter aplicado ao prazo de prescrição o art.º 72.º do CPA e não se ter contabilizado tal prazo por dias úteis. Diz o Recorrente, que entre 02/08/2007 – a data em que inicia a contagem do prazo após o conhecimento da infracção pelo Comandante dos Bombeiros – e 15/11/2007 – a data da abertura do processo de inquérito que fez suspender o procedimento disciplinar – decorreram 73 dias úteis e não 90 dias úteis.
Diga-se, desde já, que esta alegação improcede.
Nos termos do art.º 4.º, n.º 2, do ED, o procedimento disciplinar prescreve se após o conhecimento da falta pelo dirigente máximo do serviço, aquele procedimento não for instaurado no prazo de 3 meses.
Nos termos do n.º 5 daquele artigo a instauração do processo de inquérito suspende o prazo prescricional.
O indicado prazo prescricional tem natureza substantiva, isto é, não é um prazo procedimental ou processual. Na verdade, a prescrição que vem prevista no art.º 4.º, n.º 2, do ED é uma prescrição extintiva, que se rege pelo art.º 298.º do CC (tal como ocorre relativamente ao n.º 1 do citado art.º 4.º) – cf. entre outros, neste sentido, LEAL-HENRIQUES, M. - Procedimento Disciplinar. 4.ª ed. ed. Lisboa: Rei dos Livros, 2002, pp. 56-647 e os Acs. do TCAN n.º 00003/08.7BEMDL, de 22/10/2015, ou n.º 03447/11.3BEPRT, de 24/04/2015.
Assim, não tem fundamento a invocação da aplicação do art.º 72.º do CPA, que é aplicável apenas aos prazos procedimentais.
Portanto, na contagem do prazo prescricional aplicam-se as regras dos art.ºs 279.º e 298.º do CC, pelo que o indicado prazo de 3 meses é contínuo e não se suspende aos sábados, domingos e feriados.
Tal como ficou assente na decisão recorrida, que nesta parte não é impugnada, o dirigente máximo do serviço teve conhecimento da infracção disciplinar em 01/08/2007.
Logo, é indubitável que em 15/11/2007 - a data da instauração do processo de inquérito - o prazo de 3 meses para a instauração do processo disciplinar – contado de forma contínua – já estava ultrapassado.
Por conseguinte, a instauração do processo de inquérito em 15/11/2007 já não suspendeu a contagem do prazo prescricional para a instauração do processo disciplinar, pois, na data da instauração daquele, este segundo prazo já estava ultrapassado.
Em suma, no caso em apreço ocorre uma violação do art.º 4.º, n.º 2, do ED, pois em 15/11/2007 já tinha prescrito quer o direito para a entidade demandada instaurar processo de inquérito, quer o direito para instaurar o processo disciplinar. Consequentemente, a decisão punitiva é ilegal e, por isso, anulável - cf. art.º 135.º do CPA:
Acompanha-se, por isso, a decisão recorrida quando assim decidiu.

A verificação da referida ilegalidade prejudicaria o conhecimento das demais ilegalidades invocadas na acção. Sem embargo, porque o A. peticionou uma indemnização por acto ilícito, o Tribunal ad quo conheceu das demais ilegalidades invocadas, para assim integrar o conceito de ilicitude que se exigia para a concessão da indemnização requerida.
Neste seguimento, o Tribunal ad quo entendeu que ocorria uma nulidade nos termos do art.º 42.º, n.º 1, do ED, porque tendo sido requerido pela defensora do arguido para ser notificada e estar presente no acto de inquirição das testemunhas, esta não veio a ser notificada para tal, a inquirição realizou-se sem a sua presença e uma vez invocada essa falta no recurso hierárquico e antes da decisão final do processo disciplinar, tal falta não foi suprida.
Vem o Recorrente dizer que este julgamento foi errado porque a nulidade adveniente da falta de notificação ao advogado do arguido para estar presente na data da inquirição das testemunhas está suprida por não ter sido arguida junto do instrutor até à data da decisão final do procedimento disciplinar.
Como decorre dos autos, após a resposta à nota de culpa, veio o arguido a ser notificado do relatório final e da decisão de 07/08/2008, do Comandante da Corporação, que determinava a aplicação da pena disciplinar. O arguido, de seguida, apresentou recurso hierárquico desse despacho, invocando a nulidade por falta notificação à sua advogada, para estar presente na data da inquirição das testemunhas.
Portanto, tal invocação foi feita antes da tomada da decisão final do procedimento, a saber, antes de ser proferido o despacho do Presidente da CMS, de 19/12/2008, que aplicou ao A. e Recorrido a pena disciplinar de demissão, ora impugnado judicialmente.
Neste contexto factual, as invocações do Recorrente têm necessariamente que falecer, pois a referida nulidade foi arguida no procedimento disciplinar antes da prolação do despacho do Presidente da CMS, de 19/12/2008.
Claudica, pois, o recurso quanto a esta invocação.

A decisão recorrida considerou que o acto impugnado padecia de erro nos pressupostos de facto e violava o princípio da presunção da inocência, por nem na nota de culpa nem no relatório final constar a indicação dos meios de prova em que se baseou a conclusão formulada pela entidade demandada de que a conduta do arguido tinha tido repercussões negativas directas na imagem do Corpo de Bombeiros Municipais e indirectas no Município de Santarém, decorrentes da divulgação na comunicação social de que tinha sido exibido um filme de cariz sexual nas instalações dos bombeiros, ou que esse filme tinha sido filmado naquelas instalações. Mais se entendeu naquela decisão judicial que ocorria uma violação do princípio da proporcionalidade por a conduta do arguido – que se cingiu à exibição de um filme de cariz sexual no contexto laboral –, sem existirem outras agravantes, não poder assumir, em si mesma, uma gravidade tal que permita sustentar um juízo de inviabilidade funcional e que justificasse a aplicação da pena disciplinar de demissão.
O Recorrente vem invocar o erro de julgamento e a violação dos art.ºs 16.º, als. c) e d), da Port. n.º 703/2008, de 30/07, 26.º, n.ºs 2 e 3, do ED, considerando que face à prova reunida era justificada a sanção aplicada.
O A. e Recorrido, arguido no processo disciplinar, foi punido com a pena de demissão por ter violado os deveres gerais de lealdade e correcção, assim como, o dever geral de actuar no sentido de criar no público confiança na acção da administração pública, designadamente no Corpo de Bombeiros, nos termos dos art.ºs. art.ºs 3.º, n.ºs 3, 4, als. d) e f) e 26.º, n.º 1, do ED.
Os fundamentos factuais que determinaram a aplicação de tal pena alicerçam-se, essencialmente, na circunstância de o arguido ter divulgado a três dos seus colegas de trabalho, a partir do seu telemóvel e no interior das instalações da Corporação, um filme de cariz sexual. Igualmente, considerou-se na nota de culpa e no relatório final que o arguido tinha consciência que se a sua conduta fosse do conhecimento público havia o risco da mesma afectar negativamente a imagem do Corpo dos Bombeiros e funcionários que ali exerciam funções. Mais se considerou, que a conduta do arguido teve efectivamente repercussões negativas para a imagem da Corporação e indirectamente prejudicou a imagem do Município, pois a situação teve cobertura por vários órgãos de comunicação social de âmbito regional e nacional. Considerou-se, ainda, na decisão punitiva, que se inviabilizou a manutenção da relação laboral porque a conduta do arguido “frustrou a confiança nele depositada para o exercício de funções de natureza pública, tendo afectado irremediavelmente a imagem do Corpo de Bombeiros Municipais e do Município…”
Não ficou assente entre os fundamentos factuais apurados que o arguido tivesse afirmado que o indicado filme foi executado no interior das instalações da Corporação, ou que tivesse afirmado que envolvia colegas seus. Igualmente, não ficou assente no processo disciplinar que tivesse sido o arguido quem comunicou aos órgãos de comunicação social que ele próprio havia divulgado o referido filme, ou que o arguido tivesse contribuído ou facilitado, de alguma forma, para que os órgãos de comunicação social viessem a divulgar notícias sobre o assunto.
Atendendo ao conteúdo na nota de culpa e do relatório final, apenas se pode retirar a conclusão de que o arguido foi o autor de um boato, que lançou dentro da Corporação, boato esse que veio a ser divulgado, com diferentes contornos, por terceiros, junto à comunicação social.
Posteriormente, a comunicação social afirmou o que era um mero boato como correspondendo a uma realidade, a uma notícia, sem curar de apurar se se tratava de algo verdadeiro ou, ao invés, de algo falso.
Portanto, atendendo aos factos apurados no processo disciplinar resulta que o arguido divulgou a partir do seu telemóvel, a três colegas, com o consentimento destes, um vídeo de cariz sexual. A partir dessa divulgação correu um boato dentro da Corporação, acerca da possibilidade de tal vídeo ter sido efectuado nas respectivas instalações e poder envolver bombeiros que aí laboravam. Porém, estas últimas circunstâncias não ficaram provadas nos autos de inquérito e disciplinares que se seguiram. Isto é, não ficou provado que o arguido tivesse afirmado que o vídeo que exibiu era relativo a factos ocorridos nas instalações do quartel, ou que envolvesse colegas seus. Também não se provou que tal vídeo tivesse sido efectivamente ali filmado ou que envolvesse alguns colegas. Todas essas circunstâncias não passaram de um mero boato, infundamentado, que foi circulando dentro da Corporação. Entretanto, o boato terá sido veiculado para órgãos de comunicação social, por terceiros que não o arguido, que o divulgaram com contornos diferentes e mais gravosos como sendo algo verdadeiro, real, como uma notícia. Assim, esta divulgação pela comunicação social do referido boato, infundamentado, como sendo algo verdadeiro, provocou danos na imagem da Corporação e do Município.
Assim, contextualizada a situação, há que acompanhar a decisão recorrida quando julgou que o acto impugnado padecia de erro nos pressupostos de facto e violava o princípio da presunção da inocência, por aí se ter concluído pela existência de repercussões negativas directas na imagem do Corpo de Bombeiros Municipais e indirectas no Município de Santarém, decorrentes do comportamento do arguido, quando essas repercussões não lhe eram directa e imediatamente assacáveis, por tal não resultar de quaisquer factos que tenham sido provados.
Na verdade, a decisão punitiva foi tomada considerando que a divulgação das noticias na comunicação social era um risco que o arguido tinha de ter consciência e que tal divulgação resultou do seu comportamento.
Porém, como já se disse, no processo disciplinar apenas se apurou que o arguido mostrou, dentro das instalações da Corporação e a partir do seu telemóvel, um filme de cariz sexual a três outros colegas seus. Nada mais ficou provado.
Ora, tal exibição, esporádica e restrita, a partir do telemóvel pessoal do arguido, por si só, não é algo que se configure à priori como possível de constituir um facto noticioso, que vá provocar alarde social. Pelas regras da experiência, ou pela lógica das coisas, não é razoável que o arguido pudesse antecipar a possibilidade de tal conduta ser divulgada, com outros contornos ou com contornos mais gravosos, na comunicação social. Ou seja, atendendo à prova feita no processo disciplinar, a invocada consciência pelo arguido do risco que a sua conduta implicava para a imagem do Corpo de Bombeiros Municipais e do Município de Santarém, é algo que não tenha substrato factual. Atendendo à prova feita no processo disciplinar também não resulta que o arguido tenha sido quem divulgou na comunicação social um boato que deu azo às noticias que foram publicadas sobre o assunto. Como se disse, da acusação e do relatório final apenas se retira provado que o arguido exibiu a partir do seu telemóvel, a três colegas, um filme e que a partir dessa exibição ficou lançado um boato. Por conseguinte, enquanto um mero boato, trocado no âmbito restrito de quatro colegas, não tem a conduta do arguido relevância suficiente para justificar a consciência do risco que vem invocada no relatório final, não sendo, também, a conduta do arguido a causa do prejuízo para a imagem da Corporação e do Município.
Assim, acompanha-se a decisão recorrida quando entendeu que a conclusão formulada pela entidade demandada de que a conduta do arguido tinha prejudicado a imagem da Corporação e do Município não vinha suportada em factos e que, por isso, padecia de erro nos pressupostos de facto e violava o princípio da presunção da inocência.
E também se acompanha aquela decisão quando julgou existir uma violação do princípio da proporcionalidade por, no caso, não estar sustentado a partir de circunstâncias minimamente objectivas que a conduta do arguido foi tão grave que inviabilizou a relação funcional.
Na escolha da medida da pena disciplinar a aplicar, a entidade demandada goza de uma certa margem de decisão, ou de uma margem de discricionariedade administrativa. Mas, ainda assim, essa decisão é sindicável judicialmente quando a mesma afronte os parâmetros vinculados do agir administrativo, encontrando-se entre os limites internos deste agir o respeito pelo princípio da proporcionalidade.
Determina o art.º 3.º, n.ºs 3, 4, als. d) e f), 8, 10, do ED, o seguinte: “3 - É dever geral dos funcionários e agentes actuar no sentido de criar no público confiança na acção da Administração Pública, em especial no que à sua imparcialidade diz respeito.
4 - Consideram-se ainda deveres gerais:
(…) d) O dever de lealdade;
(… ) f) O dever de correcção;
8 - O dever de lealdade consiste em desempenhar as suas funções em subordinação aos objectivos do serviço e na perspectiva da prossecução do interesse público.
(…)10 - O dever de correcção consiste em tratar com respeito quer os utentes dos serviços públicos, quer os próprios colegas quer ainda os superiores hierárquicos.”
Determina o art.º 26.º, n.ºs 1, 2 e 4, do ED, sob a epígrafe “(Aposentação compulsiva e demissão)” o seguinte: “1 - As penas de aposentação compulsiva e de demissão serão aplicáveis em geral às infracções que inviabilizarem a manutenção da relação funcional.
2 - As penas referidas no número anterior serão aplicáveis aos funcionários e agentes que, nomeadamente:
a) Agredirem, injuriarem ou desrespeitarem gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, nos locais de serviço ou em serviço público;
b) Praticarem actos de grave insubordinação ou de indisciplina ou incitarem à sua prática;
c) No exercício das suas funções praticarem actos manifestamente ofensivos das instituições e princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa;
d) Praticarem ou tentarem praticar qualquer acto que lese ou contrarie os superiores interesses do Estado em matéria de relações internacionais;
e) Voltarem a incorrer na infracção prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior;
f) Dolosamente participarem infracção disciplinar de algum funcionário ou agente;
g) Voltarem a incorrer na infracção prevista na alínea f) do n.º 2 do artigo anterior;
h) Dentro do mesmo ano civil derem 5 faltas seguidas ou 10 interpoladas sem justificação.
(…) 4 - A pena de demissão será aplicável aos funcionários e agentes que, nomeadamente:
a) Violarem segredo profissional ou cometerem inconfidência de que resultem prejuízos materiais ou morais para a Administração ou para terceiro;
b) Em resultado do lugar que ocupam, solicitarem ou aceitarem, directa ou indirectamente, dádivas, gratificações, participações em lucros ou outras vantagens patrimoniais, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou expediente;
c) Comparticiparem em oferta ou negociação de emprego público;
d) Forem encontrados em alcance ou desvio de dinheiros públicos;
e) Tomarem parte ou interesse, directamente ou por interposta pessoa, em qualquer contrato celebrado ou a celebrar por qualquer organismo ou serviço da Administração, designadamente nos casos do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 370/83, de 6 de Outubro;
f) Com intenção de obterem para si ou para terceiro benefício económico ilícito, faltarem aos deveres do seu cargo, não promovendo atempadamente os procedimentos adequados, ou lesarem, em negócio jurídico ou por mero acto material, designadamente pela destruição, adulteração ou extravio de documentos ou por viciação de dados para tratamento informático, os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhes cumpre, em razão das suas funções, administrar, fiscalizar, defender ou realizar.”
Por seu turno, o art.º 16.º do Regulamento Disciplinar dos Bombeiros Voluntários, aprovado pela Portaria nº 703/2008, de 30/07, sob a epígrafe “Demissão”, estipula o seguinte: “A pena de demissão é aplicável, em geral, às infracções que inviabilizem a manutenção de uma relação funcional e é aplicável aos bombeiros voluntários que, nomeadamente:
a) Agredirem, injuriarem ou desrespeitarem gravemente o superior hierárquico, colega ou terceiro, nos locais de serviço ou em público;
b) Praticarem actos de grave insubordinação ou indisciplina, ou incitarem à sua prática;
c) No exercício das suas funções praticarem actos manifestamente ofensivos das instituições e princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa;
d) Manifestarem comprovada incompetência ou falta de idoneidade moral para o exercício de funções;
e) Violarem segredo profissional ou cometerem inconfidências de que resultem prejuízos materiais e morais para o corpo de bombeiros, associação humanitária que o detém ou para terceiros.”
Como acima referimos, em causa no processo disciplinar estavam apenas factos relacionados com a exibição pelo arguido, a três colegas, a partir do seu telemóvel, de um filme de cariz sexual, o que fez no interior das instalações da Corporação de Bombeiros e durante o período de trabalho.
Esse facto, manifestamente, não visa o desempenho das respectivas funções, nem se subordina à prossecução dos objectivos do serviço ou do interesse público.
Portanto, no caso, ocorreu uma violação do dever de lealdade por banda do arguido – cf.al. d) do n.º 4 e n.º 8 do art.º 3.º do ED.
Porém, o indicado facto já não é subsumível na al. f) do n.º 4 e n.º 10 do art.º 3.º do ED, pois a referida conduta, em si mesma, não é violadora do dever de correcção, entendido como correspondendo a um dever de tratar com respeito os respectivos colegas. Na verdade, não se vê como a exibição a partir do telemóvel pessoal do arguido, a alguns colegas, com o respectivo consentimento, de um filme de conteúdo sexual, pode corresponder a um desrespeito por esses mesmos colegas. Ou seja, terá sido errada a subsunção pela Entidade Demandada da conduta do arguido na al. f) do n.º 4 e n.º 10 do art.º 3.º do ED, pois, no caso, não terá ocorrido uma violação do dever de respeito.
Igualmente, como decorre da factualidade antes indicada, a conduta do arguido não é subsumível em nenhuma das diversas alíneas dos n.ºs 2 e 4 do art.º 26.º do ED, ou do art.º 16.º do Regulamento Disciplinar dos Bombeiros Voluntários.
Sem embargo, porque tais alíneas são meramente exemplificativas, poderá um trabalhador ser também punido com pena de demissão quando tenha outros comportamentos que pela sua extrema gravidade inviabilizem a manutenção da relação funcional. Em qualquer caso, terá de ficar demonstrado no processo disciplinar que o comportamento imputado ao arguido implica uma quebra incurável na relação funcional, justificativa da aplicação da pena de demissão.
Esta sanção é mais pesada de entre o elenco das várias sanções disciplinares, pelo que exige que se identifiquem no processo disciplinar razões objectivas quanto à gravidade do comportamento do trabalhador, que sustentem o juízo da inviabilidade funcional.
Ora, como se refere na decisão recorrida, na nota de culpa e no relatório final não estão identificados esses elementos objectivos, pelo que a conclusão apresentada pela entidade demandada quanto à impossibilidade da manutenção da relação funcional é isso mesmo, uma mera conclusão, desprovida de factos ou de razões suficientes para sustentarem a decisão tomada.
Como acima dissemos, atendendo ao teor da nota de culpa e do relatório final, no caso, não vem demostrado o nexo causal entre a conduta do arguido e as notícias veiculadas pela comunicação social.
A entidade demandada não identificou quaisquer agravantes à conduta do arguido.
Logo, a aplicação ao arguido da pena de demissão apresenta-se como manifestamente desproporcional, pois não vem alicerçada em factos que demonstrem a gravidade do comportamento do trabalhador e que suportem o juízo de inviabilidade da relação funcional.
Ou seja, também quanto a este aspecto acompanhamos a decisão recorrida.

A decisão recorrida condenou a entidade demandada a pagar ao A. uma indemnização de €7.487,51, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, assim como, a pagar ao autor uma indemnização em substituição da reintegração, correspondente a uma remuneração base mensal por cada ano completo, aí se incluindo o tempo decorrido desde a data de produção de efeitos da pena até ao trânsito em julgado da decisão jurisdicional.
No que concerne à indicada indemnização de €7.487,51, incluiu o valor de €2.487,51 por danos patrimoniais e de €5.000,00 por danos não patrimoniais,
O Recorrente vem invocar um erro de julgamento quanto à atribuição da indemnização relativamente aos danos não patrimoniais, alegando que não ficaram provados na acção danos com gravidade suficiente para a indemnização requerida.
Para apurar os danos não patrimoniais, na sentença recorrida julgou-se da seguinte forma: ”Quanto aos danos não patrimoniais, apurou-se que, por força do ato de demissão e atendendo à forma como foi afastado da Corporação de Bombeiros, ficando impedido de ingressar em qualquer outra, o autor sentiu-se gravemente lesado nos valores de honradez, respeitabilidade e seriedade. Além disso, no seio do seu grupo de amigos e colegas, foi lançada uma nuvem de suspeição, envolvendo o autor, o que muito o perturbou e angustiou. Inclusive alguns dos seus antigos colegas bombeiros passaram a evitar locais onde o autor estava presente, tendo mesmo alguns deles deixado de lhe falar. Assim, e em consequência da sua demissão o autor viu-se subitamente privado do seu círculo de amigos, pois era com os seus antigos colegas com quem normalmente privava. vide matéria levada ao probatório nos pontos 1.43) a 1.46).
CLXXIII. Também se apurou que o autor, que sempre foi uma pessoa alegre e bem disposta, depois das acusações e, sobretudo, depois da aplicação da sanção disciplinar de demissão, sentiu-se profundamente deprimido, infeliz, angustiado, desamparado e preocupado. Todo o processo provocou uma perturbação e um mal-estar que inclusive chegaram a perturbar-lhe o sono, sendo frequente sofrer de insónias. Cf. pontos 1.47) e 1.48) dos factos provados.
(…) No caso dos autos, é indesmentível que da demissão do autor resultou, não só a supressão de rendimento pecuniário, como também a reconfiguração das suas funções e o afastamento da corporação, o que causou desconfiança e mal-estar junto dos seus colegas e círculo de amigos. Ou seja: a demissão do autor, sobretudo no contexto em que ocorreu, foi determinante, não só para a supressão de rendimentos de trabalho, como também de perturbação e um mal-estar que inclusive chegaram a perturbar-lhe o sono, sendo frequente sofrer de insónias.
CXCI. Pois bem, para a produção desses danos não pode ter deixado de contribuir a atuação ilícita e culposa da entidade demandada, nos termos estabelecidos adrede. Com efeito, se o réu tivesse, logo à partida, reconhecido e declarado a prescrição do direito de instaurar processo disciplinar, o autor não teria quedado sem as diferenças remuneratórias detetadas e os danos não patrimoniais sofridos seriam, se não suprimidos na íntegra, certamente mitigados. Seja qual for a perspetiva de que se parta, por conseguinte, é apodítico que as omissões da entidade demandada foram determinantes para a produção dos danos que se verificaram nos autos.
(…) caso dos autos, apurou-se que, por força do ato de demissão, o autor ficou impedido de ingressar em qualquer outra. Além disso, no seio do seu grupo de amigos e colegas, foi lançada uma nuvem de suspeição, envolvendo o autor, o que muito o perturbou e angustiou. Inclusive alguns dos seus antigos colegas bombeiros passaram a evitar locais onde o autor estava presente, tendo mesmo alguns deles deixado de lhe falar. Assim, e em consequência da sua demissão o autor viu-se subitamente privado do seu círculo de amigos, pois era com os seus antigos colegas com quem normalmente privava. vide matéria levada ao probatório nos pontos 1.43) a 1.46).
CCXXV. Também se apurou que o autor, que sempre foi uma pessoa alegre e bem disposta, depois das acusações e, sobretudo, depois da aplicação da sanção disciplinar de demissão, sentiu-se profundamente deprimido, infeliz, angustiado, desamparado e preocupado. Todo o processo provocou uma perturbação e um mal-estar que inclusive chegaram a perturbar-lhe o sono, sendo frequente sofrer de insónias. Cf. pontos 1.47) e 1.48) dos factos provados.
“(…) Por conseguinte, estão apurados danos não patrimoniais cuja gravidade merece e reclama tutela ressarcitória. Na fixação do quantum, que não poderá ser meramente simbólico, importará encontrar o adequado quantitativo em dinheiro, através do qual se alcança um prazer de neutralizar a dor sofrida. Nestes danos interfere em especial a natureza e intensidade do sofrimento causado e a sensibilidade do lesado e duração da dor.”
Este julgamento é para manter.
Tem sido entendido uniformemente pela jurisprudência e doutrina que simples tristezas, incómodos e contrariedades, não assumem a natureza de dano indemnizável para efeitos de responsabilidade civil (cf. entre outros, o Ac. do STA, p 1271/03, de 31/05/2005).
Porém, neste caso são invocados como danos, mais do que simples tristezas, incómodos e contrariedades. Nos autos vem provado que em decorrência do acto ilícito o A. e Recorrido ficou muito perturbado e angustiado, que ficou subitamente privado do seu círculo de amigos, pois era com os seus antigos colegas com quem normalmente privava, que a aplicação da pena disciplinar fez o A. sentir-se profundamente deprimido, infeliz, angustiado, desamparado e preocupado e que todo o processo provocou-lhe uma perturbação e um mal-estar que inclusive chegaram a perturbar-lhe o sono, sendo frequente sofrer de insónias.
Por conseguinte, como se julga, e bem, na sentença recorrida, atendendo aos factos apurados, os danos não patrimoniais que se reclamam atingiram gravidade suficiente para merecerem tutela do direito – cf. art.º 496.º, n.º 1, do CC.
Quanto ao montante que foi fixado pelo Tribunal ad quo para ressarcir estes danos, cumpre o critério da equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas do caso, isto é, o grau de culpa do agente, a sua situação económica e do lesado, as lesões sofridas e sofrimentos – cf. art.º 496.º, n.º 3, do CC.
Em suma, também esta alegação falece, claudicando o recurso in totum.

II- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 7 de Julho de 2020.
(Sofia David)

O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo.