Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2877/10.2BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/15/2016
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:NACIONALIDADE PORTUGUESA
OPOSIÇÃO
Sumário:I – Sendo fundamento da oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional (cfr. alínea a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade), a par da condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei português (cfr. alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade), do exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro (cfr. alínea c) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade), e, atualmente, da existência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei (cfr. alínea d) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade, aditada pela Lei Orgânica nº 8/2015, de 22 de Junho), são tais circunstâncias (as enunciadas nas alíneas a), b), c) e d) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade) as únicas que podem legalmente servir de fundamento à Oposição à aquisição da nacionalidade, impedindo as mesmas, uma vez verificadas, a aquisição de nacionalidade.

II – Se o fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade previsto na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade é o da “…condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa” só a condenação com trânsito em julgado pode obstar à aquisição da nacionalidade.

III - Se a condenação não se verifica nem se verificava à data em que foi instaurada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO a Oposição à aquisição de nacionalidade, constituindo mera circunstância de ocorrência futura incerta e eventual, a Oposição à aquisição da nacionalidade com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade tem que improceder.
Votação:COM VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO


O MINISTÉRIO PÚBLICO inconformado com a sentença de 27/08/2015 do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa que julgou improcedente a Oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa (a que aludem os artigos 9º e 10º da Lei da Nacionalidade e os artigos 56º ss. do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL. nº 237-A/2006, de 14, de Dezembro), ordenando em consequência, o prosseguimento do processo, pendente na Conservatória dos Registos Centrais, com vista à concessão da nacionalidade portuguesa a MÁRCIO ……………………… (devidamente identificado nos autos), aqui recorrido, dela interpõe o presente recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que julgue procedente a Oposição deduzida.

Nas suas alegações formula o recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO as seguintes conclusões nos seguintes termos:
«Texto no original»

O recorrido contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, com confirmação da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões:
I – Andou bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.

II – Nos termos legalmente admissíveis, o facto impeditivo da aquisição a Nacionalidade, é a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;

III – Porém não podemos deixar de invocar o Acórdão n.º 331/2016, de 14/06, do Tribunal Constitucional, que julga inconstitucional a norma que se extrai da alínea b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, na redação dada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, e da alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro, segundo a qual constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa, quando foi aplicado o mecanismo da dispensa de pena.

IV – Não há qualquer fundamento ou justificação para a suspensão sine die dos autos, dado que não estamos perante uma qualquer causa prejudicial, nem sequer isso foi, em qualquer momento alegado.

*
Com dispensa de vistos (cfr. artigo 657º nº 4 do CPC novo, ex vi do artigo 140º do CPTA) foram os autos submetidos à Conferência.
*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/ das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se o Tribunal a quo deveria ter ordenado a suspensão da instância como havia sido requerido pelo Ministério Público até à junção do Certificado de Registo Criminal, devendo concomitantemente a sentença recorrida ser revogada por ter feito incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigo 9º alínea b) da Lei da Nacionalidade (Lei nº 37/81, de 3 de Outubro) e do artigo 56º nº 2 alínea b) do respetivo regulamento (DL. nº 237-A/2006, de 14 de Fevereiro).

*
III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, nos seguintes termos:
1. O Requerido nasceu em 15 de Setembro de 1978, no Brasil (cfr. fls. 14).

2. Contraiu casamento civil, em 9 de outubro de 2003, na Covilhã, com a cidadã portuguesa Maria ………………………….., natural da Covilhã (cfr. fls. 64 e 66).

3. O Requerido e a mulher são pais de Márcio ……………………….s, nascido na Covilhã no ano de 2007.

4. O Requerido reside em Portugal, na Covilhã, desde, pelo menos, 2000, onde adquiriu casa própria (cfr. fls. 20 e sgts. e 33).

5. E onde exerce a profissão de padeiro para a sociedade “C…………….Lda.” de que é sócio gerente ( cfr. fls. 48 e sgts).

6. O Requerido encontra-se também inscrito na Segurança Social e Finanças Portuguesas desde o ano de 2000 e também, desde essa data, que é utente do serviço nacional de saúde português (cfr. fls. 24,25 e 27).

7. Tem conta bancária em Portugal e também foi neste país que tirou a carta de condução (cfr. fls. 22 e 26).

8. No dia 13 de Janeiro de 2010, o R. prestou a declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, nos termos do artigo 3º da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, com base no referido casamento (cfr. fls. 12 e 13).

9. Com base em tal declaração, foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais processo onde se constatou não se verificarem os pressupostos da pretendida aquisição de nacionalidade, razão pela qual o registo em questão não chegou a ser lavrado.

**
B – De direito

1. Da decisão recorrida
O MINISTÉRIO PÚBLICO deduziu a presente Oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa do aqui recorrido MÁRCIO …………………. através da petição inicial que deu entrada no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa em 17/12/2010.
Por sentença de 27/08/2015 o Tribunal a quo julgou improcedente a Oposição ordenando em consequência, o prosseguimento do processo, pendente na Conservatória dos Registos Centrais, com vista à concessão da nacionalidade portuguesa ao recorrido.
Decisão que tendo por base a matéria de facto que nela foi dada como provada, e que não vem impugnada no presente recurso, assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«O Ministério Público opõe-se à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do Requerido, com fundamento na falta de prova de ligação efectiva à comunidade nacional, mais concretamente, no disposto no art. 9.º al. a) da Lei da Nacionalidade (Lei 37/81 de 3.10, na redacção introduzida pela Lei 25/94 de 19.8) e na suspeita da existência de outra situação impeditiva da aquisição da nacionalidade portuguesa, que é a eventual condenação do Requerido pela prática de um crime de homicídio por negligência.
Antes de mais importará considerar o seguinte:
A Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4, que introduziu a quarta alteração à Lei nº 37/81, de 3.10 (Lei da Nacionalidade) - antes alterada pela Lei nº 25/94, de 19.8, pelo Decreto-Lei nº 322-A/2001, de 14 de Dezembro (na redacção do Dec. Lei nº 194/2003, de 23.8) e pela Lei Orgânica nº 1/2004, de 15/1 - modificou os regimes da atribuição e da aquisição da nacionalidade portuguesa.
No art. 3.º da Lei 37/81, de 3 de Outubro, sistematicamente inserido na Secção I do capítulo II, sob a epígrafe “aquisição da nacionalidade por efeito da vontade” (na redacção da Lei nº 25/94, de 19 de Agosto, que foi mantida pela Lei nº 2/2006), prevê-se o seguinte: “O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do casamento.”
Tem, actualmente, o artigo 9º dessa Lei, a seguinte redacção, na parte útil: «Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;»
Por outro lado, foi, por força do Dec-Lei nº 237-A/2006, de 14.12, aprovado novo Regulamento e, consequentemente, revogado o regime do Decreto-Lei nº 322/82 de 12 de Agosto.
O Decreto-Lei nº 237-A/2006 entrou em vigor no dia 15.12.2006.
Com o início de vigência do diploma referido, passaram também a vigorar as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4 (cf. arts. 9.° e 3.º, conjug.).
Finalmente, nos termos do art. 57.°, n.ºs 1 e 7.º do actual Regulamento, quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo anterior e sempre que o Conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade tiver conhecimento de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adopção, deve participá-los ao Ministério Público junto do competente Tribunal Administrativo e Fiscal, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.12.2006, proc. 7773/06:
«Conforme se retira da leitura destes preceitos, antes exigia-se que o interessado comprovasse a sua ligação efectiva à comunidade nacional, sendo fundamento da oposição a “não comprovação” dessa ligação efectiva. Agora, não se faz menção a essa “não comprovação”, mas, tão só, de inexistência de ligação à comunidade nacional, devendo ser feita ao Ministério Público a participação de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição.
A verdade é que o interessado terá de “pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional”, crendo-se que será a partir dessa pronúncia que o Conservador poderá aquilatar da existência/inexistência de ligação à comunidade nacional e, no caso de se indiciar a inexistência, comunicá-la ao Ministério Público para instauração da acção de oposição.
A oposição à aquisição de nacionalidade, no que tange à falta de ligação efectiva à comunidade nacional (que é o que está em causa no presente processo) continua a derivar da existência de um requerimento feito por alguém que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa, considerando que lhe assiste esse direito e devendo pronunciar-se sobre a existência daquela ligação. A constatação, face às explicações dadas (a “pronúncia”), que as razões aduzidas serão insuficientes para se concluir pela ligação à comunidade nacionallevará à comunicação ao Ministério Público para a instauração do processo de oposição.[…]
Sem entrar noutras apreciações sobre a aplicação da lei no tempo, considera-se no que aqui interessa, que a lei não alterou o figurino da oposição à aquisição da nacionalidade como acção de simples apreciação negativa, destinada à demonstração da inexistência de ligação à comunidade nacional, com as consequências daí advindas. Ora, de acordo com o disposto no art. 343.º, nº 1 do C. Civil, nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.»
E a jurisprudência tem vindo, ao longo dos anos, a defender que a ligação efectiva à comunidade nacional há-de ser aferida em função de factos relacionados com diversos factores, a saber, e “inter alia”, o domicílio, a língua, a família, a cultura, as relações de amizade, a integração social e económico-profissional. Assim, a ligação efectiva à comunidade nacional não se identifica ou não se basta com a existência de laços familiares com portugueses, sendo algo mais, que pressupõe uma vivência que revela a identificação do indivíduo com a maneira de ser portuguesa, com os seus hábitos, tradições, cultura, história, de molde a poder concluir-se que o interessado se encontra material e espiritualmente integrado no seio dessa comunidade. Impõe-se, pois, uma ligação efectiva, já existente, à comunidade nacional, não bastando uma simples intenção ou possibilidade de a constituir a prazo” (cfr., neste sentido, por todos, Ac. Relação de Lisboa, de 05.12.2006, processo 10635/05-2).
Concorda-se, na íntegra, com os arestos transcritos.
Como resulta das disposições legais acima transcritas, é facultado ao estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português a possibilidade de adquirir também tal nacionalidade desde que exista, entre o cidadão estrangeiro e a comunidade portuguesa, uma efectiva ligação, facultada através do referido casamento, nos termos apontados na jurisprudência referida.
Os autos são elucidativos de factos que permitem concluir pela identificação cultural e/ou sociológica do Requerido com a nossa comunidade.
Na verdade, a factualidade exposta nos pontos 2. a 7. da matéria de facto aponta para que, por via do casamento celebrado com a cidadã nacional portuguesa, o Requerido esteja plenamente integrado na nossa comunidade, sendo de molde a concluir que entre o Requerido e o nosso país se estabeleceu um laço fundamentador da aquisição da nacionalidade portuguesa nos termos dos artigos 3º e 9º, alínea a) da Lei da Nacionalidade.
Por outro lado, como bem aponta o Requerido na sua contestação, a mera suspeita de ter praticado um crime não é motivo impeditivo da aquisição da nacionalidade portuguesa.
Efetivamente, a nossa lei é taxativa no que a este fundamento de oposição respeita, apenas prevendo, expressamente, como facto impeditivo da aquisição da nacionalidade a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
Verifica-se, quer pelos documentos juntos aos autos, quer pelos demais esforços promovidos no sentido de apurar e averiguar sobre tal situação, que, até ao momento, não há notícia de que o Requerido tenha sido julgado ou condenado por qualquer ilícito criminal nem em território brasileiro, nem em território nacional.
Não podem, assim, considerar-se verificados os fundamentos de oposição invocados.»
~
2. Da tese do recorrente
O recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO não põe em causa o juízo feito na sentença recorrida quanto à improcedência da oposição no que tange ao fundamento invocado de inexistência de ligação efetiva à comunidade portuguesa a que alude a alínea a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade.
O que sustenta é que o Tribunal a quo deveria ter ordenado a suspensão da instância, como havia sido por ele requerido, até à junção do Certificado de Registo Criminal, devendo concomitantemente a sentença recorrida ser revogada por ter feito incorreta interpretação e aplicação do disposto no artigo 9º alínea b) da Lei da Nacionalidade (Lei nº 37/81, de 3 de Outubro) e no artigo 56º nº 2 alínea b) do respetivo regulamento (DL. nº 237-A/2006, de 14 de Fevereiro).
Propugna, a tal respeito, que o requerente da nacionalidade foi acusado pela prática de dois crimes de homicídio culposo no âmbito do Proc. nº 2/2002 na comarca de Itapaci, Estado de Goiás, no Brasil, aos quais corresponde em abstrato a cada um deles, a pensa de 2 a 5 anos de prisão; que em face da lei portuguesa cabe a cada um dos crimes a pena de um mês a cinco anos de prisão de acordo com o disposto no artigo 137º nºs 1 e 2 do CPC; que requereu a suspensão do processo até à junção do CRC e sentença crime; que caso o recorrido venha a ser condenado naquele processo a oposição deduzida não poderá deixar de ser julgada procedente atento o disposto no artigo 9º alínea b) da Lei da Nacionalidade e no artigo 56º nº 2 alínea b) do respetivo Regulamento (DL. nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro); que está em causa o interesse público de evitar uma situação irreversível que conceda ao requerido a nacionalidade portuguesa e o mesmo possa vir a ser condenado ou já o tenha sido; que a Mmª juíza do Tribunal a quo devia ter ordenado a suspensão da instância nos termos do artigo 272º nº 1 do CPC novo (artigo 279º nº 1 do CPC anterior) até esclarecimento de tais factos.
~
3. Da análise e apreciação do recurso
3.1 Nos termos do disposto na Lei da Nacionalidade (aprovada pela Lei nº 37/81, de 3 de Outubro) na redação que lhe foi dada pela Lei nº 2/2006, de 17 de Abril, (temporalmente aplicável à situação dos autos) a aquisição da nacionalidade portuguesa pode resultar de uma de três circunstâncias, i) de uma declaração de vontade, ii) da adoção plena e iii) da naturalização (cfr. artigos 3º a 5º), sendo que cada uma dessas formas de aquisição da nacionalidade obedece a requisitos próprios.
No que respeita à aquisição da nacionalidade por declaração de vontade dispõe o artigo 3º da Lei da Nacionalidade, sob a epígrafe “Aquisição em caso de casamento ou união de facto” que “o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio” (nº 1), não prejudicando a declaração de nulidade ou anulação do casamento a nacionalidade adquirida pelo cônjuge que o contraiu de boa fé (nº 2), e que “o estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível” (nº 3).
Em face do assim atualmente disposto a aquisição da nacionalidade em razão da vontade, fundada no casamento há mais de três anos com cidadão nacional depende desde logo de dois pressupostos (positivos): a constância de um casamento por mais de três anos com um cidadão de nacionalidade portuguesa, e a manifestação da vontade de querer ser cidadão português.
Relembre-se que na sua redação original o artigo 3º da Lei da Nacionalidade admitia a aquisição da nacionalidade com base no casamento celebrado com cidadão português sem dependência da duração deste (era assim o então ali disposto: “o estrangeiro casado com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do casamento”).
Tendo sido com a alteração introduzida pela Lei nº 25/94, de 19 de Agosto que passou a exigir-se que o estrangeiro requerente da nacionalidade estivesse casado “há mais de três anos” com cidadão nacional.
3.2 Mas a Lei da Nacionalidade prevê no seu Capítulo IV (que integra os seus artigo 9º e 10º), que possa ser deduzida pelo Ministério Público «oposição à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade ou da adoção».
O que é feito, nos termos da sua redação resultante da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, que é a seguinte:
Artigo 9º
Fundamentos
Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro”.

Sendo que entretanto a Lei Orgânica nº 8/2015, de 22 de Junho aditou uma alínea d) a este artigo 9º da Lei da Nacionalidade, de aplicação aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 3º), acrescentou como fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa “A existência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei”.
Artigo 10º
Processo
1 - A oposição é deduzida pelo Ministério Público no prazo de um ano a contar da data do facto de que dependa a aquisição da nacionalidade, em processo a instaurar nos termos do artigo 26.º.
2 - É obrigatória para todas as autoridades a participação ao Ministério Público dos factos a que se refere o artigo anterior.”

Por sua vez o artigo 26º da Lei da Nacionalidade (para que remete o nº 1 do seu artigo 10º) dispõe, na redação resultante da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, o seguinte:
Artigo 26º
Legislação aplicável
Ao contencioso da nacionalidade são aplicáveis, nos termos gerais, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos e demais legislação complementar.


Entretanto, e após as alterações efetuadas pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril à Lei da Nacionalidade o até então vigente Regulamento da Nacionalidade (que havia sido aprovado pelo DL. nº 322/82, de 12 de Agosto), foi revogado pelo DL. nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro (cfr. artigo 3º) que aprovou o novo Regulamento da Nacionalidade, anexo àquele Decreto-Lei.
Sendo que este novo Regulamento da Nacionalidade (aprovado pelo DL. nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro) no seu Título III, Capítulo I, referente à «oposição à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade ou da adoção», dispõe nos seus artigos 56º a 60º o seguinte:
Artigo 56º
Fundamento, legitimidade e prazo
1 - O Ministério Público promove nos tribunais administrativos e fiscais a ação judicial para efeito de oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adoção, no prazo de um ano a contar da data do facto de que depende a aquisição da nacionalidade.
2 - Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adoção:
a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.
Artigo 57º
Declarações e documentos relativos aos factos
que constituem fundamento de oposição
1 - Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adoção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo anterior.
2 - Excetua-se do disposto no número anterior a aquisição da nacionalidade por parte de quem a tenha perdido, no domínio do direito anterior, por efeito do casamento ou da aquisição voluntária de nacionalidade estrangeira.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, o interessado deve:
a) Apresentar certificados do registo criminal, emitidos pelos serviços competentes do país da naturalidade e da nacionalidade, bem como dos países onde tenha tido e tenha residência;
b) Apresentar documentos que comprovem a natureza das funções públicas ou do serviço militar prestados a Estado estrangeiro, sendo caso disso.
4 - A declaração é, ainda, instruída com certificado do registo criminal português sem prejuízo da dispensa da sua apresentação pelo interessado nos termos do n.º 7 do artigo 37.º
5 - O conservador ou o oficial dos registos pode, mediante requerimento do interessado, fundamentado na impossibilidade prática de apresentação dos documentos referidos na alínea a) do n.º 3, dispensar a sua junção, desde que não existam indícios da verificação do fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade, que esses documentos se destinavam a comprovar.
6 - A Conservatória dos Registos Centrais deve solicitar as informações necessárias às entidades referidas no n.º 5 do artigo 27.º, sendo aplicável o disposto nos n.ºs 6 e 7 do mesmo artigo.
7 - Sempre que o conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade tiver conhecimento de factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adoção, deve participá-los ao Ministério Público, junto do competente tribunal administrativo e fiscal, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser.
8 - O Ministério Público deve deduzir oposição nos tribunais administrativos e fiscais quando receba a participação prevista no número anterior.”
Artigo 58º
Tramitação
Apresentada a petição pelo Ministério Público, o réu é citado para contestar, não havendo lugar a mais articulados ou alegações escritas.”
Artigo 59º
Decisão
1 - Findos os articulados, é o processo, sem mais, submetido a julgamento, exceto se o juiz ou relator determinar a realização de quaisquer diligências.
2 - Concluindo-se pela procedência da oposição deduzida, ordena-se o cancelamento do registo da nacionalidade, caso tenha sido lavrado.”

Artigo 60º
Meio processual
Em tudo o que não se achar regulado nos artigos anteriores, a oposição segue os termos da ação administrativa especial, prevista no Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”

3.3 Assim perscrutados os normativos convocados temos que, como se diz no Acórdão do STA de 19/06/2014, Proc. 0103/14, que por um lado “…as apontadas normas visaram, por um lado, promover o valor da unidade familiar e proteger essa unidade e, por outro, dotar o Estado Português de mecanismos legais destinados a evitar que cidadãos estrangeiros sem nenhuma ligação afetiva, cultural ou económica a Portugal ou cidadãos tidos por indesejáveis pudessem adquirir a nacionalidade portuguesa”.
E só quando for do conhecimento do conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade a existência de “factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade” se impõe a participação desses mesmos factos ao Ministério Público, com remessa dos elementos de que dispuser, para que este deduza a oposição à aquisição da nacionalidade.
3.4 E simultaneamente tem de concluir-se que a Oposição à aquisição de nacionalidade prevista no artigo 9º da Lei da Nacionalidade se configura como um incidente judicial (sob a forma de oposição), ao processo (administrativo) de aquisição de nacionalidade, visando-se através dela impedir que o interessado (requerente) obtenha a nacionalidade portuguesa.
Sendo fundamento de tal oposição a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional (cfr. alínea a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade), a par da condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei português (cfr. alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade), do exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro (cfr. alínea c) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade), e, atualmente, da existência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei (cfr. alínea d) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade, aditada pela Lei Orgânica nº 8/2015, de 22 de Junho)
Pelo que são, assim, nos termos da lei, tais circunstâncias (as enunciadas nas alíneas a), b), c) e d) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade) as únicas que podem servir de fundamento à Oposição à aquisição da nacionalidade, impedindo as mesmas, uma vez verificados, a aquisição de nacionalidade.
Neste sentido, entre outros, os Acórdãos deste TCA Sul de 17/09/2015, Proc. 12357/15; de 24/02/2016, Proc. 12280/16; de 07/04/2016, Proc. 13069/16, disponíveis in, www.dgsi.pt/jtcas.
3.5 O MINISTÉRIO PÚBLICO deduziu a presente Oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa do aqui recorrido MÁRCIO ANTÓNIO MARTINS através da petição inicial que deu entrada no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa em 17/12/2010.
Nela invocou a inexistência de ligação efetiva à comunidade portuguesa a que alude a alínea a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade.
O recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO não põe em causa o juízo feito na sentença recorrida quanto à improcedência da oposição no que tange ao fundamento invocado de inexistência de ligação efetiva à comunidade portuguesa a que alude a alínea a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade.
O que sustenta é que o Tribunal a quo deveria ter ordenado a suspensão da instância, como havia sido por ele requerido, até à junção do Certificado de Registo Criminal, devendo concomitantemente a sentença recorrida ser revogada por ter feito incorreta interpretação e aplicação do disposto no artigo 9º alínea b) da Lei da Nacionalidade (Lei nº 37/81, de 3 de Outubro) e no artigo 56º nº 2 alínea b) do respetivo regulamento (DL. nº 237-A/2006, de 14 de Fevereiro).
3.6 No que tange ao fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade previsto na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade (a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa) o MINISTÉRIO PÚBLICO alegou na petição inicial da presente Oposição o seguinte:
- artigo 10º PI: «…apesar do certificado de registo criminal do requerente emitido pelas autoridades brasileiras em 13/10/2009 referir que o mesmo não tem antecedentes criminais chegou-nos ao conhecimento que o requerente já foi procurado pelas Autoridades Brasileiras, através de um pedido de extradição, alegadamente pela prática de um crime de homicídio negligente (acidente de viação), que entretanto foi cancelado»;

- artigo 24º PI: «…que se suspeita da existência de outra causa impeditiva da nacionalidade portuguesa, que é a eventual condenação do Requerido pela prática de um crime de homicídio por negligência»;

- artigo 25º PI: «Crime previsto no artº 137º do Código Penal Português com pena igual e superior a 3 anos de prisão».


E nela concluiu formulando o seguinte pedido nos seguintes termos:
«Nestes termos, e nos mais de direito, deve ser julgada procedente por provada a oposição que ora se deduz à aquisição da nacionalidade portuguesa por Márcio António Martins com o fundamento na inexistência de ligação efetiva à comunidade portuguesa, existindo ainda a questão prejudicial da possibilidade do mesmo ter pendente contra si ou mesmo já sido condenado pela prática de uma crime de homicídio por negligência, previsto no artº 137º do Código Penal Português e punido com pena máxima até 5 anos de prisão, ordenando-se assim o arquivamento do processo conducente a esse registo e pendente na Conservatória dos Registos Centrais sob nº 6169/10».

A certidão contendo as cópias do processo administrativo, apresentada juntamente com a Petição Inicial (Doc. 1), integra a Certidão de Antecedentes Criminais emitida em 13/10/2009 pelo Estado Brasileiro bem como a Certidão de Registo Criminal emitida em 14/10/2010 pelo Estado Português, resultando de ambas nada constar do registo de antecedentes criminais relativamente ao aqui recorrido MÁRCIO ……………………………. (cfr. fls. 7 e fls. 72 dos autos).
Sendo que a conservadora dos Registos Centrais considerando, nos termos relatados no despacho de 30/11/2010, que na sequência de diligências oficiosamente promovidas pela conservatória se apurou que existiu um pedido de extradição, cancelado em 15/12/2010, tendo o requerente da nacionalidade sido arguido por homicídio no Brasil, que aquela conservatória não dispunha de meios legais que lhe permitissem obter melhores elementos e que a decisão de deduzir ou não oposição à aquisição de nacionalidade cabe ao MINISTÉRIO PÚBLICO, entendeu cautelarmente determinar a extração de certidão do processo administrativo e remetê-la ao Ministério Público «para os fins tidos por convenientes».
Não obstante a falta de mais elementos, adicionais aos que integravam o processo administrativo, o MINISTÉRIO PÚBLICO deduziu a presente oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa. O que explica que na petição inicial faça alusão à mera «…suspeita…» da existência de causa impeditiva da nacionalidade portuguesa, consistente, nas suas palavras, na «…eventual condenação do Requerido pela prática de um crime de homicídio por negligência…».
3.7 Na sua contestação o requerido sustentou, a tal respeita, que só a condenação com transito em julgado da sentença pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos segundo a lei portuguesa é facto impeditivo da aquisição da nacionalidade nos termos do disposto no artigo 9º alínea b) da Lei da Nacionalidade, e que nunca foi condenado por qualquer crime, mesmo por decisão não transitada em julgado.
O MINISTÉRIO PÚBLICO iniciou então diligências no sentido de obter informação junto do Estado Brasileiro a respeito da eventual condenação do requerido no âmbito do Processo NC 2/2002 da comarca de Itapaci, estado de Goiás, designadamente através de carta rogatória de 14/04/2011, cuja cópia juntou aos presentes autos, requerendo em 17/05/2011 ao Tribunal a quo a suspensão do processo até à junção do RCR e sentença crime comprovativas da condenação do requerido.
Entretanto, o MINISTÉRIO PÚBLICO veio em 03/04/2013 apresentar junto do Tribunal a quo requerimento pelo qual juntou certidão do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido nos autos de extradição nº 172/09.9YRCB referente ao recorrido, bem como a informação prestada pela DGAJ no sentido da impossibilidade de dar execução à carta rogatória nos termos requeridos.
3.8 Da certidão do Tribunal da Relação de Coimbra relativa ao processo de extradição nº 172/09.9YRCB (fls. 125 ss. dos autos) que foi junta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO consta efetivamente que pelo Acórdão de 04/11/2009 daquele Tribunal foi decretada a extradição do recorrido MÁRCIO ………………………. por referência ao Proc. nº 2/2002 da comarca de Itapaci, Estado de Goiás, Brasil, em que este se encontrava acusado pela prática de dois crimes de Homicídio Culposo e de quatro crimes de Lesões corporais Culposas concernentes com acidente de viação ocorrido em 07/09/2000 a cerca de 3 Km da cidade de Hidrolina.
Mas também resulta que entretanto, foi pedido pelo estado Brasileiro o cancelamento do pedido de extradição, tendo nessa sequência sido promovido pelo Ministério Público junto daquele Tribunal da Relação de Coimbra que fosse atendido aquele pedido de cancelamento, com comunicação às autoridades competentes, arquivando-se os autos, o que veio a suceder nos termos da decisão de 06/01/2010 daquele mesmo Tribunal (fls. 135 dos autos).
3.9 Feito este périplo, não pode tirar-se outra conclusão que não seja a de que não se impunha, nem se justificava ao Tribunal a quo que ao invés de proferir a sentença, como veio a fazer, devia ter suspendido a instância nos termos do artigo 272º nº 1 do CPC novo (correspondente ao artigo 279º nº 1 do CPC antigo), como propugna o recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO.
De acordo com o disposto no artigo 272º nº 1 do CPC novo (correspondente ao artigo 279º nº 1 do CPC antigo) “…o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
Na situação presente está em causa a aquisição da nacionalidade portuguesa por cidadão brasileiro em razão da vontade fundada no casamento há mais de três anos com cidadã nacional.
A aquisição da nacionalidade em razão da vontade fundada no casamento há mais de três anos com cidadã nacional depende da verificação dos já referidos pressupostos positivos – i) a constância de um casamento por mais de três anos com um cidadão de nacionalidade portuguesa, e ii) a manifestação da vontade de querer ser cidadão português – e da não verificação de nenhuma circunstância impeditiva de tal aquisição, nos termos da lei – a) inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional (cfr. alínea a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade), b) condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei português; c) exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro; d) existência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei – que venha a ser declarada em ação de Oposição à aquisição da nacionalidade deduzida pelo Ministério Público.
No caso o recorrido MÁRCIO ……………………, que se encontra a residir em Portugal, na Covilhã, desde, pelo menos, o ano de 2000, contraiu ali casamento civil, em 09/10/2003, com cidadã portuguesa, tendo em 13/01/2010, na constância daquele casamento, apresentado declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa.
Ora se o fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade previsto na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade é o da “…condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa”, a mera possibilidade de o requerente da nacionalidade portuguesa vir a ser condenado (no futuro) naquela pena, ainda que por factos ocorridos em momento anterior ao da manifestação da vontade de aquisição da nacionalidade, não consubstancia circunstância impeditiva da aquisição da nacionalidade portuguesa, nem justifica que o processo fique a aguardar que se venha a verificar tal eventual condenação.
Só a condenação, com trânsito em julgado, pode obstar à aquisição da nacionalidade. Se a condenação não se verifica nem se verificava à data em que foi instaurada pelo MINISTÉRIO PÚNLICO a Oposição à aquisição de nacionalidade, constituindo mera circunstância de verificação futura incerta e eventual, a Oposição à aquisição da nacionalidade com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade sempre teria que improceder. Pelo que não se justificava a suspensão da instância ao abrigo do artigo 272º nº 1 do CPC novo (correspondente ao artigo 279º nº 1 do CPC antigo), propugnada pelo recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO.
3.10 A sentença recorrida fez, pois, correta interpretação e aplicação dos artigos 9º alínea b) da Lei da Nacionalidade e 56º alínea b) do seu Regulamento, ao considerar que não se verificava o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade ali previsto nos seguintes termos:
«… a mera suspeita de ter praticado um crime não é motivo impeditivo da aquisição da nacionalidade portuguesa.
Efetivamente, a nossa lei é taxativa no que a este fundamento de oposição respeita, apenas prevendo, expressamente, como facto impeditivo da aquisição da nacionalidade a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
Verifica-se, quer pelos documentos juntos aos autos, quer pelos demais esforços promovidos no sentido de apurar e averiguar sobre tal situação, que, até ao momento, não há notícia de que o Requerido tenha sido julgado ou condenado por qualquer ilícito criminal nem em território brasileiro, nem em território nacional.
Não podem, assim, considerar-se verificados os fundamentos de oposição invocados.»

Razão pela qual não merece provimento o presente recurso, devendo confirmar-se a sentença recorrida. O que se decide.


*
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida.
~
Sem custas nesta instância, face à isenção do recorrido (cfr. artigo 4º nº 1 alínea a) do RCP), de quem estariam a cargo – artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro).
*
Notifique.
D.N.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2016


______________________________________________________
Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)



______________________________________________________
Maria Cristina Gallego dos Santos



______________________________________________________
Catarina de Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves Jarmela
[Voto vencida por entender que cabe reclamação para a conferência, atenta a data em que foi proferida a decisão recorrida -27.08.2015 [cfr. Acs. Do STA de 17/12/2014. Proc. nº585/14 e de 28/4/2016, proc. mº 1372/15)]