Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:69/17.9BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/28/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DEPOIMENTO DE PARTE, ENQUANTO MODALIDADE DE PROCEDIMENTO PROBATÓRIO.
É ADMISSÍVEL, À LUZ DA REGRA DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA, A VALORAÇÃO DO DEPOIMENTO DE PARTE, NO SEGMENTO EM QUE NÃO PRODUZ UMA CONFISSÃO.
I.R.C.
NOÇÃO DE CUSTOS.
REQUISITO DA INDISPENSABILIDADE DE UM CUSTO.
SUBSÍDIOS JURISPRUDENCIAIS RELATIVOS À APLICAÇÃO DO ARTº.23, DO C.I.R.C.
MEIOS DE PROVA DO CUSTO EM SEDE DE I.R.C.
ÓNUS DA PROVA.
CUSTOS FISCALMENTE DEDUTÍVEIS AO ABRIGO DO ARTº.23, Nº.1, AL.D), DO C.I.R.C.
INDISPENSABILIDADE A QUE SE REFERE O ARTº.23, DO C.I.R.C., ENQUANTO RELAÇÃO DE CAUSALIDADE ECONÓMICA.
Sumário:1. O depoimento de parte, enquanto modalidade de procedimento probatório que pode consubstanciar uma confissão, adquire um efeito desfavorável para aquele que produz a declaração, traduzindo-se essa confissão como representativa de um estado objectivo cuja realidade contraria o interesse subjectivo do confitente (cfr.artºs.452 e 463, do C.P.Civil; artº.352, do C.Civil).
2. Apesar do acabado de mencionar, do depoimento de parte podem derivar declarações a ser analisadas pelo Tribunal, nelas se abonando e as utilizando, segundo a sua prudente e livre apreciação para, em conjunto com todos os outros meios probatórios, alicerçar a sua convicção sobre cada um dos factos controvertidos. Por outras palavras, é admissível, à luz da regra da livre apreciação da prova, a valoração do depoimento de parte, no segmento em que não produz uma confissão (cfr.artº.466, nº.3, do C.P.Civil; artº.396, do C.Civil.
3. A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”. Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
4. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
5. O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário.
6. Quanto ao enquadramento no aludido artº.23, do C.I.R.C., deve fazer-se menção a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:
A-É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica;
B-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C.;
C-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C.
7. A prova do custo pode ser efectuada através de documento interno (emitido pelo próprio sujeito passivo), desde que coadjuvado por qualquer outro meio de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao Tribunal aquilatar sobre o preenchimento do respectivo ónus probatório. Deste modo, um custo não documentado externamente, pode assumir relevo fiscal se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto. Por outras palavras, um documento de origem interna pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos.
8. É que se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à A. Fiscal o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a Fazenda Pública questionar essa indispensabilidade (cfr.artºs.74, nº.1, e 75, nº.1, da L.G.T.).
9. O artº.23, do C.I.R.C., seguindo a mesma técnica utilizada em relação aos proveitos (cfr.artº.20, do C.I.R.C.), exemplifica alguns dos tipos de custos fiscalmente dedutíveis. Técnica que encaramos como sendo um compromisso entre a necessidade de previsão de um conceito indeterminado de custos ou perdas (tão variadas podem ser as situações da vida que os originam, tornando impossível uma enumeração casuística), e a exigência de cumprir, na medida do possível, com o princípio da tipicidade. Esta enumeração exemplificativa redunda, pois, numa maior segurança, principalmente para o intérprete e aplicador do direito. Concretamente, no artº.23, nº.1, al.d), do C.I.R.C., vamos encontrar a menção de encargos de natureza administrativa, nestes se podendo incluir as despesas com comunicações.
10. A indispensabilidade a que se refere o artº.23, do C.I.R.C., como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição "sine qua non" dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da A. Fiscal na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.346 a 364 do presente processo que julgou parcialmente procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, "F.….. - Importação e Exportação de Mariscos, L.da.", tendo por objecto liquidação de I.R.C. e respectivos juros compensatórios, relativa ao ano de 1990 e no montante total de € 12.936,58/ 2.593.551$00.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.392 a 400 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A impugnante foi inspeccionada tendo sido corrigidos valores quanto a despesas de T......., telefone que estava em nome do gerente e não da impugnante e despesas de representação, designadamente despesas com restaurantes;
2-A questão decidenda é saber se as despesas supra mencionadas são custos nos termos do art.º 23.º do CIRC;
3-No RIT foram considerados como despesas não documentadas e despesas confidenciais, uma vez que não comprovam se foram efectuadas no interesse da impugnante, nem se consegue aferir de que modo o pode ser, uma vez que as mesmas se referem a facturas emitidas pelo Restaurante F……., não identificando o destinatário, nem a quantos almoços ou jantares se referem e, nalgumas delas é mencionado Sr. F…..;
4-Na douta sentença é mencionado que, pelo facto de na anterior ter sido dispensada a prova testemunhal, a impugnante recorreu para o TCAS tendo sido decidido que os autos baixariam à 1.ª Instância para se realizar a inquirição de testemunhas para se verificar se os custos foram ou não indispensáveis para a realização de proveitos da impugnante, uma vez que os documentos juntos não o comprovam;
5-Ora, apesar de ter sido realizada a inquirição de testemunhas, a única foi o gerente da impugnante, F…….., cujo depoimento de parte foi aceite, contudo, não logrou provar por outros meios, através de cheques ou documento equivalente os factos desfavoráveis tal como mencionado no acórdão pelo que o seu depoimento não poderá relevar, pois limitou-se a mencionar que as despesas foram efectuadas no âmbito da impugnante, sendo custos do exercício, nos termos do art.º 23.º do CIRC, sem justificar quantas pessoas se referiam as facturas emitidas pelo Restaurante F…….., se eram trabalhadores ou não ou, quiçá, se as facturas emitidas o foram no âmbito da esfera pessoal de F……….. e não da impugnante, pelo que o seu testemunho não provou que aqueles custos foram indispensáveis à impugnante para a realização de proveitos e se foram efectuados com os funcionários de que modo, a título de subsidio de refeições ou não;
6-Por outro lado, os custos com os T…….. também não se encontram justificados, pois só pelo facto de os mesmos constarem na lista telefónica em nome da impugnante mas, cujas facturas eram emitidas em nome de F…………., não quer dizer que sejam pertença da impugnante;
7-Nos termos expostos, a impugnante não logrou provar que as despesas cujas correcções foram efectuadas no RIT são custos da impugnante, nem mesmo o depoimento de parte do gerente impugnante, pelo que não devem relevar o seu depoimento, devendo aquelas correcções se manterem face à falta de prova das mesmas, devendo a douta sentença ser revogada por erro de julgamento, pois o acórdão ao mandar baixar os autos para ser efectuada a prova testemunhal também referiu que havia falta de prova, designadamente cheques emitidos e documentos equivalente que corroborassem a prova testemunhal, o que não foi feito, havendo por isso erro de julgamento;
8-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais. Porém, V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.402 a 416 dos autos), as quais remata com o seguinte quadro Conclusivo:
1-A Administração Tributária, recorrente nos presentes autos, procura através das suas alegações de recurso colocar em causa a validade das conclusões alcançadas pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no processo n.º 3/99.1.1, através da douta sentença proferida em 31 de dezembro de 2016, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pela ora recorrida contra o ato de liquidação de IRC n.º 831………., referente ao IRC de 1990;
2-Em 30 de dezembro de 1994, a impugnante, ora recorrida, procedeu ao pagamento da liquidação de imposto, ao abrigo do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 225/96, de 9 de maio - recibo de fls. 18 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais." (cfr. alínea j) da matéria de facto dada como assente, pág. 7 da sentença);
3-Em causa nos presentes autos estão duas correções: i) despesas de comunicação e ii) despesas de representação com refeições e combustíveis;
4-No que respeita à primeira correção, concluiu o Tribunal Tributário de Lisboa na douta sentença recorrida que, "(...) tendo em conta o depoimento produzido pelo sócio gerente da impugnante F………, concatenado com a apresentação da documentação, referida no probatório, especificamente do acervo de faturas emitidas pelos T…… em nome do gerente da impugnante, do facto dos telefones em causa se encontrarem nos escritórios da impugnante e num dos seus principais estabelecimentos, valorando ainda o facto de os números de telefónicos se encontrarem publicamente afixados na lista telefónica em nome da impugnante, o Tribunal considerou existirem provas suficientes da ocorrência efectiva das despesas e de que as mesmas foram efectuadas no interesse da impugnante." (cfr. pág. 10 da sentença recorrida);
5-Já no que respeita à segunda correção, concluiu o doutro Tribunal Tributário de Lisboa, através da sentença proferida nos autos, que "(...) conforme resulta do probatório e da fundamentação das correcções em crise, a AT não põe em causa a indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos. Efectivamente, a AT desconsiderou os custos, em epígrafe, apenas por os respectivos documentos não terem sido emitidos de forma legal, isto é, de acordo com o artigo 35.º do CIVA". (cfr. pág. 17 da sentença);
6-Nas suas alegações de recurso, a recorrente procura rebater as conclusões alcançadas pelo Tribunal Tributário de Lisboa na douta sentença recorrida assente no entendimento de que a prova documental, suportada nas declarações de parte do sócio gerente da recorrida não se mostram suficientes para suportar as conclusões e o sentido da sentença daquele Tribunal;
7-Ora, contrariamente ao alegado pela recorrente a prova obtida através das declarações de parte do sócio gerente da recorrida, acompanhada da prova documental permitiu ao Tribunal Tributário de Lisboa concluir que as despesas de comunicações são imputáveis à ora recorrida e que foram indispensáveis à obtenção dos seus proveitos;
8-Com efeito, a ora recorrida logrou demonstrar através da prova documental apresentada (facturas emitidas pelos T…….. em nome do sócio gerente da impugnante ora recorrida) e das declarações de parte do sócio gerente de que aquele acervo de facturas, emitidas pelos T…….., em nome do gerente da impugnante ora recorrida, se encontravam nos escritórios da impugnante ora recorrida e num dos seus principais estabelecimentos, razão pela qual deverão ser consideradas essenciais para a obtenção de proveitos e enquadráveis no artigo 23.º, alínea d), do Código do IRC e, consequentemente, ser determinada a anulação desta correção (cfr. alíneas c), d), e) e f) da matéria de facto assente, págs. 6 e 7 da sentença);
9-Já no que respeita à segunda correção, relativa a despesas de representação com refeições e combustíveis, a ora recorrida logrou demonstrar através dos documentos juntos aos autos, essencialmente, faturas e recibos referentes a despesas com refeições e combustíveis - e cuja veracidade a ora recorrente também não logra colocar em causa -, identificam a origem, a finalidade e natureza das despesas, as quais se encontram tituladas por documentos dos quais resulta a identidade dos vendedores, a designação do bem transmitido e o respetivo preço (cfr. alíneas g), h) e i) da matéria de facto assente, pág. 7 da sentença);
10-Deverá, pois, concluir-se, acolhendo o entendimento já sufragado pela douta sentença do Tribunal Tributário que também esta correção é ilegal na medida em que a Administração Tributária desconsiderou os elementos apresentados pela ora recorrida e que demonstram que as referidas despesas foram, de facto, incorridas no interesse da sociedade;
11-Assim, não restam, pois, quaisquer dúvidas de que a sentença recorrida apreciou a prova produzida, nos termos legais, fazendo uma correta aplicação da lei à factualidade assente, pelo que se impõe concluir que a sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento, devendo mesma manter-se nos seus exatos termos;
12-TERMOS EM QUE, COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER MANTIDA, NOS SEUS EXATOS TERMOS, A DOUTA DECISÃO JUDICIAL PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, OBJECTO DO RECURSO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se negar provimento ao presente recurso (cfr.fls.431 a 433 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.350 a 353 do processo físico):
A-Em 24/02/1994, foi emitida a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 1990, através de uma nota de apuramento do rendimento colectável, cálculo de imposto e nota de cobrança n.º 831…….., no valor de Esc.2.593.551$00/€ 12.936,58, cuja data limite de pagamento voluntário foi fixada em 13/06/1994, da mesma surgindo como sujeito passivo a sociedade impugnante "F..……… - Importação e Exportação de Mariscos, L.da." (cfr.documentos juntos a fls.13 e 14 do processo físico);
B-A fundamentação do acto de liquidação, referido na alínea antecedente, na parte sindicada pela ora impugnante e relevante para os autos foi a seguinte:
“(…)
considerou como custo do exercício despesas de comunicação no montante de Esc. 925.556$00, cujos documentos suporte foram emitidos em nome de terceiros em desrespeito pelo disposto no artigo 41. n. º1, alínea c) do CIRC, pelo que, não podem ser contabilizados como encargo dedutível ao lucro tributável da sociedade;
(…)
Considerou como custo do exercício valores para os quais não dispõe de documentos emitidos de forma legal (artigo 35.º do CIVA), em
Outros custos c/Pessoal: Esc. 208.066$00;
Despesas de representação: Esc. 3.123.031$00.
(…)
(cfr.cópia do mapa de apuramento Mod. DC-22 junta a fls.15 a 17 do processo físico);

C-Os quarenta e seis recibos emitidos em 1990 pelos então T…… SA e relativos à correcção incidente sobre despesas de comunicação podem dividir-se em 3 sub-espécies de recibos (cfr.cópias de recibos juntas a fls.19 a 26 do processo físico, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos):

1-Os primeiros, no total de Esc. 95.397$00, emitidos em nome de J….. G…. & P……, rua da M….., n.º …, 2.º andar Dto. em Lisboa - anterior denominação social da impugnante - e cujo custo foi aceite pela AT, em sede de reclamação graciosa;
2-Os segundos, que totalizam 22 recibos, foram emitidos em nome de F……. ou F……. M………, rua da M….., n.º …., 2.º Dto., sócio gerente da impugnante;
3-Os terceiros, que totalizam 12 recibos, foram emitidos em nome de F….. M….., C…. R….., V…… C……., C……;
D-Os números de telefone, respeitantes aos 3 tipos de recibos, referidos na alínea antecedente, constavam na então "Lista telefónica nacional" em nome da impugnante "F.……., L.da." (cfr.cópia de lista telefónica junta a fls.27 do processo físico, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido);
E-Os viveiros de C….. R…., no G….., C……, são um dos principais estabelecimentos da empresa impugnante (cfr.depoimento de parte de F………., gerente da sociedade);
F-Todas as despesas de telefone referidas na alínea C) foram integralmente suportadas pela impugnante e efectuadas unicamente no interesse, por conta e em representação da empresa (cfr.depoimento de parte de F………., gerente da sociedade; teor da prova documental referida nas alíneas c) e d) supra);
G-Dos documentos que titulam despesas relativas a refeições, no montante global de Esc.3.279.746$00, consta o nome, firma ou denominação social e a sede ou domicílio do fornecedor de bens, a denominação dos serviços prestados, o preço dos bens vendidos e a data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, sendo que, em parte dos recibos passados, consta a identidade do adquirente (cfr.documentos juntos a fls.30 a 69 do processo físico);
H-Dos documentos que titulam despesas de combustível e deslocação constam os items referidos na alínea antecedente, com excepção do documento particular, junto a fls. 28 dos autos, que apenas refere viagem a Itália, no valor de Esc.67.708$00, sem que do mesmo conste o respectivo emitente (cfr.documentos juntos a fls.28 e 29 do processo físico, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido);
I-As despesas identificadas nas alíneas G) e H), com excepção da referida viagem a Itália, foram realizadas no interesse, por conta e em representação da empresa impugnante (cfr.depoimento de parte de F……., gerente da sociedade; teor da prova documental referida nas alíneas g) e h) supra);
J-Em 30/12/1994, a sociedade impugnante procedeu ao pagamento do montante de Esc.2.078.548$00, correspondente ao valor, em singelo, da liquidação adicional referida na alínea A), ao abrigo do regime especial contido no DL 225/94, de 5/9 (cfr.documento junto a fls.18 do processo físico);
K-Em 17/08/1994 a sociedade impugnante reclamou graciosamente da liquidação adicional identificada na alínea A) supra (cfr.articulado junto a fls.1 a 5 do processo administrativo apenso);
L-Presumindo o indeferimento tácito da reclamação graciosa, em 10/02/1995 foi deduzida a presente impugnação (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.3 do processo físico).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Todos os que se encontrem em contradição com os referidos na matéria de facto provada…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “...Resultou a convicção do Tribunal da análise crítica do teor dos documentos juntos aos autos e ao PA, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes.
Foi ainda determinante o depoimento de parte do sócio gerente da impugnante, que demonstrou que as despesas de representação identificadas no ponto antecedente (4.2.) respeitaram a custos da empresa e que foram suportados para fins empresariais.
No que respeita às despesas de comunicação, o citado depoimento do sócio gerente logrou comprovar que, os recibos emitidos em seu nome individual se reportavam a telefones instalados nos escritórios da empresa em Lisboa (rua da M……., n.º …., 2.º Dto, sendo que a loja se situava no rés do chão do mesmo número e artéria) e nos viveiros da empresa, sitos no G….., e que os mesmos eram utilizados única e exclusivamente para o serviço normal da empresa, designadamente para contactar com os clientes e fornecedores no âmbito da actividade empresarial…”.
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
M-Em 30/06/1998, o Director Distrital de Finanças deferiu parcialmente a reclamação graciosa identificada na al.K) supra, na parte da liquidação incidente sobre correcções ao lucro tributável de despesas de comunicação, no montante de Esc.95.397$00/€ 475,84 e identificadas na al.C) da matéria de facto (cfr.documento junto a fls.90 a 93 do processo administrativo apenso).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, em consequência do que anulou a liquidação objecto do presente processo (cfr.al.A) do probatório), na parcela em que não considerou como custo de exercício as despesas de comunicação e representação contabilizadas, com excepção da despesa no valor de Esc.67.780$00/€ 338,09 (cfr.al.H) do probatório).
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o apelante, em síntese, que a sociedade impugnante não logrou provar que as despesas cujas correcções foram efectuadas pela A. Fiscal consubstanciam custos enquadráveis no artº.23, do C.I.R.C. Que o depoimento de parte do gerente se limitou a mencionar que as despesas foram efectuadas no âmbito da impugnante, assim não devendo ser relevado em sede probatória. Que se verifica um erro de julgamento da decisão recorrida (cfr.conclusões 1 a 7 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, se bem percebemos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Além do mais, o apelante insurge-se contra o relevo probatório dado pelo Tribunal “a quo” ao depoimento de parte do gerente da sociedade impugnante/recorrida, F….. (cfr.als.E), F) e I) do probatório).
O depoimento de parte, enquanto modalidade de procedimento probatório que pode consubstanciar uma confissão, adquire um efeito desfavorável para aquele que produz a declaração, traduzindo-se essa confissão como representativa de um estado objectivo cuja realidade contraria o interesse subjectivo do confitente (cfr.artºs.452 e 463, do C.P.Civil; artº.352, do C.Civil).
Apesar do acabado de mencionar, do depoimento de parte podem derivar declarações a ser analisadas pelo Tribunal, nelas se abonando e as utilizando, segundo a sua prudente e livre apreciação para, em conjunto com todos os outros meios probatórios, alicerçar a sua convicção sobre cada um dos factos controvertidos. Por outras palavras, é admissível, à luz da regra da livre apreciação da prova, a valoração do depoimento de parte, no segmento em que não produz uma confissão (cfr.artº.466, nº.3, do C.P.Civil; artº.396, do C.Civil; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.573; ac.S.T.J., 2/10/2003, rec.03B1909; ac.S.T.J., 5/05/2015, rec.607/06.2TBPMS.C1.S1).
Ora, foi esta vertente do depoimento de parte (não confessória) que foi utilizada pelo Tribunal “a quo” nas citadas alíneas E), F) e I) do probatório, juntamente com a prova documental.
Em conclusão, o depoimento de parte do gerente da empresa impugnante/recorrida deve relevar-se em termos de direito probatório material.
Avancemos.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/05/2016, proc.7245/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/05/2016, proc.7245/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/05/2016, proc.7245/13).
Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1990; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
Quanto ao enquadramento no aludido artº.23, do C.I.R.C., deve apelar-se a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:
1-É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/04/2010, rec.774/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/02/2008, rec.798/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/11/2009, proc.3253/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/05/2016, proc.7245/13);
2-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que, nem por isso, deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/6/2011, proc.4589/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/05/2016, proc.7245/13);
3-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/2/2010, proc.3669/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/05/2016, proc.7245/13).
Mais se deve vincar que, não obstante os custos incorridos deverem estar suportados pelos documentos externos respectivos, na medida em que adequados a conferirem-lhes credibilidade e a compor uma contabilidade legalmente organizada, à luz do direito (comercial, fiscal e contabilístico), sendo criadores de uma presunção de verdade, a circunstância de o não estarem não tem, necessária e vinculadamente, por consequência, a respectiva desconsideração no apuramento do lucro tributável, tudo em consonância com o princípio da prevalência da substância sobre a forma, no sentido de que, nuclearmente, o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efectiva realidade, relevante para efeitos de tributação (cfr.J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.154 e seg.).
E recorde-se que a prova do custo pode ser efectuada através de documento interno (emitido pelo próprio sujeito passivo), desde que coadjuvado por qualquer outro meio de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao Tribunal aquilatar sobre o preenchimento do respectivo ónus probatório. Deste modo, um custo não documentado externamente, pode assumir relevo fiscal se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto. Por outras palavras, um documento de origem interna pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/01/2017, proc.9894/16; Joaquim Manuel Charneca Condesso, "Operações simuladas em sede de I.V.A. e de I.R.C. Perspectiva da Jurisprudência Tributária", in Cadernos de Justiça Tributária, edição do CEJUR-Centro de Estudos Jurídicos do Minho, nº.12, Abril/Junho 2016, pág.21 e seg.).
É que se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à A. Fiscal o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a Fazenda Pública questionar essa indispensabilidade (cfr.artºs.74, nº.1, e 75, nº.1, da L.G.T.).
Revertendo ao caso dos autos, comecemos pelo exame da correcção incidente sobre despesas de comunicação no montante de Esc.925.556$00 (cfr.al.B) do probatório), porque considerados encargos emitidos em nome de terceiros e enquadráveis no artº.41, nº.1, al.c), do C.I.R.C., então em vigor (recorde-se que a A. Fiscal já anulou parcialmente este correcção em sede de reclamação graciosa - cfr.al.M) do probatório).
A recorrente defende que tais custos, além de enquadráveis no citado artº.41, nº.1, al.c), do C.I.R.C., igualmente não passam no crivo do artº.23, do mesmo diploma.
Por seu lado, o Tribunal “a quo” conclui que tais gastos devem ser aceites na totalidade, dado existirem provas suficientes da ocorrência efectiva das despesas e de que as mesmas foram efectuadas no interesse da sociedade impugnante, mais não podendo desconsiderar-se tal custo, enquanto despesas de comunicação, apenas pelo facto de a factura estar em nome do gerente da sociedade, que não é um qualquer terceiro, antes alguém que a representa legalmente.
Vejamos quem tem razão.
Dir-se-á, antes de mais, que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C.Civil; artº.11, da L.G.Tributária; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
Estabelecia o artº.23, do C.I.R.C., com a redacção em vigor em 1990, o seguinte:
1-Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
(...)
d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social;
(...)”.
Analisemos, agora, o enquadramento de tais encargos no artº.23, nº.1, al.d), do C.I.R.C., conforme decidiu o Tribunal “a quo”.
O artº.23, do C.I.R.C., seguindo a mesma técnica utilizada em relação aos proveitos (cfr.artº.20, do C.I.R.C.), exemplifica alguns dos tipos de custos fiscalmente dedutíveis. Técnica que encaramos como sendo um compromisso entre a necessidade de previsão de um conceito indeterminado de custos ou perdas (tão variadas podem ser as situações da vida que os originam, tornando impossível uma enumeração casuística), e a exigência de cumprir, na medida do possível, com o princípio da tipicidade. Esta enumeração exemplificativa redunda, pois, numa maior segurança, principalmente para o intérprete e aplicador do direito. Concretamente, no artº.23, nº.1, al.d), do C.I.R.C., vamos encontrar a menção de encargos de natureza administrativa, nestes se podendo incluir as despesas com comunicações (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/02/2019, proc.74/01.7BTLRS; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.207 e 208; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.91 e seg.).
“In casu”, conforme resulta do probatório (cfr.als.C), D), E) e F) do probatório) tais encargos são enquadráveis no examinado artº.23, nº.1, al.d), do C.I.R.C., assim se confirmando a decisão do Tribunal “a quo”, neste segmento, embora com a presente fundamentação.
Passemos ao exame da correcção incidente sobre despesas que se encontravam tituladas por documentos emitidos sem a forma legal (cfr.artº.35, do C.I.V.A.), tudo conforme se retira da al.B) do probatório.
Também aqui, o recorrente defende que tais custos não passam o crivo do artº.23, do C.I.R.C.
Pelo contrário, o Tribunal “a quo”, conclui que tais gastos devem ser aceites, porque enquadrados no artº.23, nº.1, do C.I.R.C., com excepção da despesa no valor de Esc.67.780$00/€ 338,09, relativa a uma deslocação a Itália.
E, efectivamente, assim é.
Efectivamente, a A. Fiscal desconsiderou os custos, em epígrafe, apenas porque os respectivos documentos não foram emitidos na forma legal, isto é, de acordo com o artº.35, do C.I.V.A. (cfr.al.B) do probatório).
Porém, haverá que realçar que, ainda que os documentos não tenham sido emitidos sob a forma legal, isso não basta para afastar a acessoriedade dos custos face aos proveitos em sede de I.R.C., ao contrário do que sucede em sede de I.V.A. em que a falta de requisitos formais das facturas/documentos equivalentes, obstará à dedução do imposto.
E recorde-se que a indispensabilidade a que se refere o artº.23, do C.I.R.C., como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição "sine qua non" dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da A. Fiscal na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros, tudo conforme já vincado supra (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/04/2016, proc.9171/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2016, proc.9432/16; Tomás Maria Cantista de Castro Tavares, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, in C.T.F., 396, pág.165 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, o exame do probatório, permite aferir a origem, a finalidade e a natureza das despesas, que se encontram tituladas por documentos, dos quais constam a identidade dos vendedores, a designação do bem transmitido e o respectivo preço. Mais, pelo depoimento do sócio gerente da impugnante, em conjugação com a prova documental existente, deve concluir-se que as mencionadas despesas foram efectuadas por conta e em representação da empresa, com excepção do documento interno emitido pela empresa, que titulava custos realizados numa deslocação a Itália, o qual não logrou credibilidade perante o Tribunal “a quo”.
Em conclusão, as despesas em epígrafe terão que ser consideradas como custos indispensáveis, assim enquadráveis no artº.23, nº.1, do C.I.R.C., com excepção da referida deslocação a Itália, titulada por documento interno, no valor de Esc.67.708$00.
Sem necessidade de mais amplas considerações, confirma-se a decisão recorrida, também neste segmento.
Arrematando, deve julgar-se improcedente o presente recurso e, em consequência, confirmar-se a sentença recorrida, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Sem custas, dado das mesmas estar isento o recorrente (cfr.al.L) do probatório).
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 28 de Março de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Vital Lopes - 2º. Adjunto)