Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:228/22.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/11/2024
Relator:ELIANA CRISTINA DE ALMEIDA PINTO
Descritores:DL 202/96, DE 23 DE JANEIRO, NA VERSÃO CONFERIDA PELO DL N.º 291/2009, DE 12 DE OUTUBRO
NORMA INTERPRETATIVA DO ARTIGO 4.º-A, ADITADO PELA LEI N.º 80/2021, DE 29 DE NOVEMBRO
ARTIGO 13.º DO CC
Sumário:I - Com a solução normativa estatuída nos n.ºs 7 e 8 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23,01, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de outubro, o legislador pretendeu proteger as situações em que os portadores de incapacidade, sujeitos à realização de uma nova junta médica, acabaram por ver declarado um grau de incapacidade diferente daquele que lhes foi fixado à data da avaliação ou da última reavaliação, em resultado de modificações efetivamente verificadas ao seu estado clínico.
II - Pelo contrário, o n.º 9 do artigo 4.º do citado DL 202/96, de 23 de janeiro, na versão conferida pelo DL n.º 291/2009, de 12 de outubro, respeita a todas aquelas situações em que o avaliado não sofreu qualquer alteração clínica ao nível das sequelas de que ficou a padecer, resultando a diminuição do seu grau de incapacidade única e exclusivamente pela aplicação da nova Tabela Nacional de Incapacidades.
III - O artigo 4.º-A, aditado ao Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro, é uma norma interpretativa, aditado pelo artigo 2.º da Lei n.º 80/2021, de 29 de novembro, que estabelece que, sempre que do processo de revisão ou reavaliação de incapacidade resulte a atribuição de grau de incapacidade inferior ao anteriormente atribuído, e consequentemente a perda de direitos ou de benefícios já reconhecidos, mantém-se em vigor o resultado da avaliação anterior, mais favorável ao avaliado, desde que seja relativo à mesma patologia clínica que determinou a atribuição da incapacidade e que de tal não resulte prejuízo para o avaliado.
IV - As normas interpretativas integram-se nas leis interpretadas (vide artigo 13.º, n.º 1 do CC) e têm força vinculante de todas as leis. Contudo, uma das consequências, por natureza, dete tipo de normas é [a)] a fixação obrigatória de um certo sentido à lei interpretada, com exclusão de outros possíveis e [b)] a sua eficácia retotrai-se à data da entrada em vigor da lei interpretada.
V - Não há dúvida de que as normas interpretativas produzem os seus efeitos retroativamente, confundindo-se com o preceito interpretado, de que fica fazendo parte integrante, formando os dois, desde a origem [ex tunc] um todo único, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do CC. Em síntese, a entrada em vigor do sentido normativo imposto pela lei interpretativa ocorre com a entrada em vigor da lei interpretada – Vide Acórdão TCA 395/17, processo n.º 751/2016, de 12 de julho de 2017.
VI - A lei/norma interpretativa não pode extravasar o sentido que a norma interpretada pode comportar, ou seja, a lei interpretativa não pode ser materialmente inovadora, não podendo representar uma nova e diferente valoração jurídica dos factos regulados pela lei/norma supostamente interpretada.
VII - Se se considerar-se a lei/norma interpretada inovadora, o Tribunal não poderá deixar de a considerar, mas, antes, como substancialmente retroativa, em que apenas é formalmente interpretativa, e isso é tecnicamente distinto de uma lei materialmente interpretativa.
VIII - A lei interpretativa é apenas formalmente interpretativa, por prever conteúdo inovador não contido da lei interpretada, considerando que os seus destinatários tinham como seguro as interpretações cabíveis na norma interpretada, a introdução de critérios inovadores, afeta a segurança jurídica, dando lugar, por isso, a uma norma substancialmente retroativa, e estando sujeita, em especial, ao princípio da confiança e da proporcionalidade.
IX - Esta disposição do artigo 4.º-A do DL 202/96, de 23 de janeiro, na versão conferida pelo DL n.º 291/2009, de 12 de outubro, aditado pela Lei n.º 80/2021, de 29 de novembro, acrescenta a necessidade de relacionar a nova avaliação do grau de incapacidade da recorrida à mesma patologia clínica que determinou a atribuição da incapacidade inicial e desde que de tal não resulte prejuízo para o avaliado. Ora, este sentido interpretativo não é claramente inovador, tratando-se, efetivamente, de uma lei materialmente interpretativa, e, em consequência, a sua eficácia retotrai-se à data da entrada em vigor da lei interpretada, sabendo que o direito ainda não está constituído na esfera jurídica da recorrida.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I – RELATÓRIO

Instituto da Segurança Social, I.P., entidade recorrente, veio interpor recurso do saneador-sentença proferido a 31/10/2023, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou procedente, por provada, a ação administrativa contra si intentada por I........, recorrida, visando a anulação da decisão proferida pelo Centro Distrital de Lisboa da Segurança Social, que determinou a cessação da componente base de prestação social de inclusão de que vinha beneficiando, em virtude do grau de incapacidade permanente igual ou superior a 60 %, devidamente certificada.
***
Formula o aqui Recorrente, nas respetivas alegações de recurso, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:
“...
1.º Com a solução normativa gizada nos n.ºs 7 e 8 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de janeiro, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de outubro, o legislador salvaguardou a situação dos portadores de incapacidade que, tendo sido sujeitos à realização de uma nova junta médica, viram o grau de incapacidade que lhes foi fixado, à data da avaliação ou da última reavaliação, alterado em consequência de modificações efetivamente verificadas no seu estado clínico.
2.º Realidade que não se encontra inequivocamente documentada e provada nos autos.
3.º Nessas situações, o legislador permite à junta médica que mantenha o anterior grau de incapacidade do avaliado, quando estejam em causa situações das quais possa resultar a perda de direitos que o mesmo já esteja a exercer ou de benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos.
4.º Contudo, para poder beneficiar do disposto neste normativo legal afigura-se necessário cumprir o pressuposto legal da entrega do certificado de incapacidade, até 31 de dezembro de cada ano, o que não se mostra provado na sentença recorrida.
5.º Ademais, tem sido reconhecido pela melhor doutrina que é um ato da competência das juntas médicas indicar no modelo de AMIM, em vigor, em cada avaliação, revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade do requerente, fixado de acordo com as regras previstas no artigo 4.º e 4.º-A do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro, uma vez que são estas as entidades certificadoras competentes do grau de incapacidade dos requerentes de AMIM, com vista à atribuição do grau de incapacidade resultante de cada ato de avaliação, revisão ou reavaliação.
6.º Por outro lado, é de ressaltar que os pareceres elaborados pelas Comissões Médicas são insindicáveis, situando-se no domínio da “discricionariedade técnica”, razão pela qual não pode o tribunal substituir-se aos peritos médicos, a não ser que se verifique um erro grosseiro ou manifesto que não se encontra documentado nem provado nos autos.
7. º Para além do mais, como se refere no Acórdão do STA de 07/03/2002, proc. n.º 048335, “os pareceres médicos constituem juízos periciais complexos, expressos em linguagem ultrasintética, precisa e de carácter técnico (...) sendo adequada a fundamentação que para eles remeta, mesmo que o concreto destinatário do acto os não entenda, mas desde que as respectivas conclusões possam ser conferidas por especialistas na matéria”.
8.º Inexoravelmente importa delimitar o campo de aplicação do regime legal vertido nos n.º 7 e 8 do artigo 4.º do DL 202/96, de 23.10., na redação que lhe foi conferida pelo L. 291/09, de 12.10, do campo de aplicação do regime previsto no n.º 9 do artigo 4.º do mesmo diploma legal, onde se estabelece que “... No processo de revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais mantém-se inalterado sempre que resulte num grau de incapacidade inferior ao grau determinado à data da avaliação ou última reavaliação...”, solução que à primeira vista, para além do mais, parece tornar desnecessária a previsão do regime que consta dos n.º 7 e 8 do citado artigo 4.º.
9.º Na verdade, tendo em conta o disposto no n.º 9 do art.º 4.º do D.L. 202/96, na redação conferida pelo D.L. 291/09, dele resulta estar assegurado ao trabalhador que tenha visto a sua incapacidade fixada em momento anterior à entrada em vigor da TNI aprovada pelo D.L.352/2007, de 23/10, o direito a ver inalterado esse seu grau de incapacidade sempre que da revisão ou reavaliação dessa sua incapacidade por aplicação da nova TNI resulte um grau de incapacidade inferior ao determinado à data da avaliação ou última reavaliação.
10.º Mas, assim, qual seria o sentido e o âmbito de aplicação da solução normativa prevista nos n.º 7 e 8 do artigo 4.º, que faz depender o direito do avaliado à manutenção do seu anterior grau de incapacidade, da circunstância de a junta médica considerar que o mesmo lhe é mais favorável?
11.º É que a junta médica só poderá considerar que a manutenção do grau de incapacidade anterior é mais favorável ao avaliado se concluir que, da alteração do grau de incapacidade, resulta a perda de direitos que o avaliado já esteja a exercer ou de benefícios e que lhe estavam reconhecidos, o que apenas ocorrerá se o grau de incapacidade para o avaliado for menor do que aquele que lhe fora atribuído à data da avaliação ou da última reavaliação, situação que, então, já estaria acautelada pelo n.º 9 do artigo 4.º.
12.º Partindo do n.º 9 do artigo 4.º do diploma em causa, a solução nele contemplada só pode respeitar àquelas situações em que o avaliado não sofreu qualquer alteração clínica ao nível das sequelas de que ficou a padecer, em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima ou da doença profissional que o atingiu, entre a data da avaliação ou última reavaliação e a data em que foi sujeito a novo processo de revisão ou reavaliação, e em que a avaliação da sua incapacidade foi calculada pela nova TNI, aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23.10, resultando a diminuição do seu grau de incapacidade única e exclusivamente da diferente graduação prevista na nova TNI para a sua incapacidade.
13.º O sentido útil que se extrai do disposto no artigo 4.º, nºs 7, 8 e 9, de acordo com os elementos interpretativos plasmados no artigo 9.º do C. Civil, leva-nos a concluir que nos n.ºs 7 e 8 do art.º 4.º do D.L. 202/96, na versão conferida pelo D.L. 291/09, de 12.10, aponta para que o legislador gizou uma solução normativa para aquelas situações em que houve uma alteração efetiva na situação clínica do avaliado geradora de uma alteração do grau de incapacidade que lhe fora fixado anteriormente, da qual possa resultar a perda de direitos que o avaliado já esteja a exercer ou de benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos.
14.º Por sua vez, no n.º 9 do sobredito preceito legal, o legislador contemplou, previu, estabeleceu, aquelas situações em que o grau de incapacidade do avaliado apenas resulta diminuído por força da aplicação da nova TNI, sem que a tal corresponda qualquer efetiva alteração das sequelas de que padece.
15.º Desta forma, parece-nos a nós, que na decisão impugnada não se fez uma adequada interpretação da lei aos factos provados, encontrando-se inobservado o artigo 4.º, n.ºs 7 e 8 do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro.

***

A recorrida, I........, notificada, apresentou contra-alegações, pronunciando-se sobre os fundamentos do recurso, formulando as seguintes conclusões:
“...
A. A recorrida é portadora de Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, emitido a 03 de agosto de 2011, que lhe confere uma incapacidade permanente global de 80%.
B. Posteriormente foi alvo de nova Junta Médica, que lhe conferiu uma incapacidade permanente global de 51%.
C. No Atestado Médico emitido em junho de 2018 (reavaliação) consta: “...Declaro que o utente é portador de deficiência, que de acordo com os documentos arquivados neste serviço lhe conferiram em 03-08-2011 pela TNI aprovada pelo Decreto-Lei 352/2007, de 23/10 o grau de incapacidade de 80% (oitenta porcento)...”.
D. Esta declaração encontra-se escrita no campo do formulário que menciona a base legal aplicável: DL 202/96 com a redação do DL 291/2009 de 12/10 (artigo 4.º, n.º 7).
E. Prevê o artigo 4.º do DL 202/96, com a redação do DL 291/2009, de 12/10, nos n.ºs 7 e 8 que nos processos de reavaliação de incapacidades, o grau de incapacidade resultante da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades, por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor, à data da avaliação anterior, se mantém, sempre que, de acordo com declaração da junta médica, se mostre mais favorável ao avaliado.
F. Considera o mesmo artigo, no seu n.º 8, que o grau de incapacidade é desfavorável ao avaliado quando a sua alteração implica a perda de direitos ou benefícios já reconhecidos.
G. Para que não houvesse dúvidas quanto à interpretação a dar a este artigo 4.º, o preâmbulo do Decreto-Lei 291/2009 de 12 de Outubro afirma: “...Importa, por isso, adequar os procedimentos previstos no Decreto-Lei nº 202/96 de 23 de Outubro, às instruções previstas na TNI, de forma a salvaguardar as especificidades próprias das incapacidades das pessoas com deficiência, garantindo que nos processos de revisão ou reavaliação o grau de incapacidade resultante da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças profissionais vigente à data de avaliação ou reavaliação seja mantido, sempre que, de acordo com declaração da junta médica, se mostre mais favorável ao avaliado...”.
H. Quis o legislador salvaguardar a situação dos portadores de incapacidade que, tendo sido sujeitos à realização de uma nova junta médica, viram o grau de incapacidade que lhes foi fixado, à data da avaliação ou da última reavaliação, alterado, quando daí resulte, por força da diminuição do grau de incapacidade que lhes tenha sido atribuído, a perda de direitos que já estejam a exercer ou benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos.
I. A situação da Recorrida insere-se no âmbito do artigo 4.º nºs 7 e 8 do DL 202/96 , na redação do DL 291/2009, de 12/10, pelo que a mesma tem direito a receber a prestação social de inclusão prevista na lei.
J. Não restam dúvidas que o ato administrativo de cessação da prestação social de inclusão, ora impugnado, é inválido e ilegal, não respeitando o disposto no artigo 4.º nºs 7 e 8 do DL 202/96, nem a declaração da Junta Médica e deve ser anulado, como aliás bem decidiu o tribunal a quo.
Nestes termos e nos melhores de Direito deverão V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, considerar o presente recurso totalmente improcedente e a douta sentença do Tribunal a quo confirmada nos termos supra aduzidos, iluminando o caminho para a realização da JUSTIÇA, como é de Direito!
…”.

***

Notificado o MINISTÉRIO PÚBLICO, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 608., n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas resumem-se, em síntese, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento, por errada interpretação do direito, por violação do disposto no artigo 4.º, n.ºs 7 e 8 do DL 202/96, de 23de outubro, pugnando pela procedência do recurso e pela improcedência da ação, mantendo a decisão de cessação da prestação social de inclusão.
***
III – FUNDAMENTOS

III.1. DE FACTO
Na decisão judicial recorrida foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade não vem impugnada, pelo que se mantém:
“...
1. Em 03.08.2011, foi emitido atestado médico de incapacidade multiuso a favor da Autora, nos termos do qual se extrata o seguinte:
– cfr. doc. n.º 2 junto com a p.i., a fls. 10 do SITAF e por acordo das partes;
2. Em 19.10.2017, a Autora requereu a prestação social de inclusão, através da Segurança Social Direta– cfr. fls. 39 do PA, a fls. 96 do SITAF e por acordo das partes;
3. Em 20.11.2017, foi elaborado ofício, subscrito pela Diretora da Segurança Social, a informar a Autora que o requerimento indicado no ponto antecedente foi deferido, com a atribuição da componente base da prestação social para a inclusão no valor de € 264,32, com início em 01.10.2017– cfr. fls. 33 do PA, a fls. 96 do SITAF e por acordo das partes;
4. Em 22.06.2018, foi emitido atestado médico de incapacidade multiuso a favor da Autora, nos termos do qual se extrata o seguinte:
– cfr. doc. n.º 3 junto com a p.i., a fls. 11 do SITAF e por acordo das partes;
5. Em 08.10.2021, foi elaborado ofício pelo Centro Distrital de Lisboa do Réu, dirigido à Autora, com o seguinte teor que ora se reproduz: “Informamos que a Componente Base cessará, a partir de 2021-11-01, pelo(s) seguinte(s) motivo(s): da reavaliação da situação resultou um grau de incapacidade inferior a 60%. (…) No prazo de 10 dias úteis a contar da data em que recebeu esta notificação poderá responder por escrito, juntando os documentos de prova que considere importantes.” - cfr. doc. n.º 1 junto com a p.i., a fls. 9 do SITAF e por acordo das partes;
6. Em 17.11.2021, foi expedido o ofício n.º 00211914, de 16.11.2021, pelo Centro Distrital de Lisboa do Réu, dirigido à Autora, cujo teor ora se extrata parcialmente:
“(texto integral no original; imagem)”
- cfr. fls. 25 do PA, a fls. 96 do SITAF;
7. À data de 08.03.2019, constava no Registo Central de Contribuinte que a Autora possui uma deficiência fiscalmente relevante, do tipo permanente definitiva, com o grau de invalidez de 80%, reportado a 31.12.2018 - cfr. doc. n.º 3 junto com a p.i., a fls. 12 do SITAF e por acordo das partes;
8. Na ficha de identificação da Autora, como utente do Centro de Saúde de Vila Franca de Xira, consta a seguinte menção, que ora se extrata:


“(texto integral no original; imagem)”


- cfr. fls. 14 e 15 do PA, a fls. 96 do SITAF e por acordo das partes;
9. A presente ação deu entrada em juízo em 01.02.2022 – cfr. fls. 1 do SITAF.

***

III.2. DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso, segundo a sua ordem de precedência e nos termos das conclusões formuladas.
Alega o recorrente que o artgo 4.º/7 e 8 do dl 202/95, de 23 de janeiro, na redação que lhe foi dada pelo DL 291/2009, de 12 de outubro, vieram salvaguardar a situação dos portadores de incapacidade que, tendo sido jujeitos à realização de nova junta médica, viram o grau de incapacidade alterado, em consequência de modificações entretanto verificadas do seu estado clinico. Aqui, o legislador permite que a Junta Médica mantenha o anterior grau de incapacidade do avaliado, se estiverem em causa situações de perda de direitos. E, neste caso, para o avaliado poder beneficiar deste normativo carece de cumprir o pressuposto legal de entrega do certificado de incapacidade, até 31 de dezembro de cada ano, e é este pressuposto que não se demonstrou nos autos.
Prossegue a sua alegação referindo, também, que cada avaliação, revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade do requerente é um ato da competência das Juntas Médicas, de acordo com as regras previstas no artigo 4.º e 4.º-A do Decreto-Lei n.º 202/96 de 23 de outubro, uma vez que são estas as entidades certificadoras competentes do grau de incapacidade dos requerentes de AMIM, com vista à atribuição do grau de incapacidade resultante de cada ato de avaliação, revisão ou reavaliação. Nestes casos, a junta médica só poderá considerar que a manutenção do grau de incapacidade anterior é mais favorável ao avaliado se concluir que da alteração do grau de incapacidade resulta a perda de direitos que o avaliado já esteja a exercer ou de benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos.
Por oposição, estabelece-se uma diferença, quanto ao âmbito de aplicação objetivo destas situações, com o âmbito definido no no n.º 9 do art.º 4.º do D.L. 202/96, na redação conferida pelo D.L. 291/09, que pretende assegurar ao trabalhador que tenha visto a sua incapacidade fixada em momento anterior à entrada em vigor da TNI aprovada pelo D.L.352/2007, de 23/10, o direito a ver inalterado esse seu grau de incapacidade sempre que da revisão ou reavaliação dessa sua incapacidade por aplicação da nova TNI resulte um grau de incapacidade inferior ao determinado à data da avaliação ou última reavaliação. Já nestes casos está em causa uma alteração da proteção que o legislador quis passar a dar, parindo da ideia de que a situação clínica do avaliado não sofreu alterações, apenas tendo passado a ter uma avaliação diferente nas novas tabelas.
Pede ao Tribunal ad quem a revogação da decisão jurisdicional de 1.ª instância, por entender ter sido feita uma errada interpretação do direito aplicável.
A recorrida, por outro lado, defendeu que o Tribunal a quo fez uma correta interpretação do direito aplicácel, sublinhando que é portadora de um Atestado Médico de Incapacidade Multiusos, desde 2011, que lhe conferiu um grau de incapacidade permanente global de 80%, mas, posteriormente, tendo sido objeto de nova Junta Médica, foi-lhe conferida apenas uma incapacidade permanente global de 51%, mas o Atestado Médico emitido em junho de 2018, que fez uma reavaliação da sua situação, declarou que a recorrida é portadora de deficiência que lhe foi conferida em documentos arquivados que lhe conferiram a 3 de agosto de 2011, pela TNI da ápoca, um grau de incapacidade de 80%. Defende, ainda, que, nos termos do artigo 4.º do DL 202/96, na redação dada pelo DL 291/2009, de 12 de outubro, nos n.ºs 7 e 8, estatui que no âmbito dos processos de reavaliação de incapacidades, o grau de incapacidade resultante da aplicação da Tabela TNI, por acidente de trabalho e doenças profissionais em vigor à data da avaliação anterior, se mantém, sempre que exista uma declaração da Junta Médica e se mostre mais favorável ao avaliado.
Apreciando e decidindo.
O Decreto-Lei n.º 126-A/2017, de 6 de outubro, veio instituir a prestação social para a inclusão, regulamentando a proteção na eventualidade de encargos no domínio da deficiência, no âmbito do subsistema de proteção familiar, e na eventualidade de insuficiência de recursos das pessoas com deficiência, razão pela qual o artigo 2.º deste diploma legal determina as finalidades que visa prosseguir com aquela prestação e que é, essencialmente, compensar os encargos acrescidos no domínio da deficiência, com vista a promover a autonomia e inclusão social da pessoa com deficiência e, por outro lado, combater a pobreza das pessoas com deficiência. Já o o artigo 6º, sob a epígrafe “certificação”, determina que: “...A certificação da deficiência e a determinação do grau de incapacidade, para efeitos de atribuição da proteção prevista no presente decreto-lei, compete às juntas médicas dos serviços de saúde, através da emissão de atestado médico de incapacidade multiuso...” (sublinhado nosso).
Por outro lado, foram estabelecidas condições gerais de atribuição da prestação vêm elencadas no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 11/2021, de 8 de fevereiro, que altera o Decreto-Lei n.º 126-A/2017, de 6 de outubro (que disciplina a prestação social para a inclusão), onde se determina:
“...1 - O reconhecimento do direito à prestação depende de a pessoa residir em território nacional nos termos do artigo 9.º, e ter uma deficiência da qual resulte um grau de incapacidade igual ou superior a 60 %, devidamente certificada nos termos previstos no artigo 34.º, sem prejuízo do disposto nos números seguintes...”.
Explicitou o Tribunal a quo que “... Relativamente ao Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de outubro, tal diploma legal estabelece o regime de avaliação de incapacidade das pessoas com deficiência, para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei para facilitar a sua plena participação na comunidade. Regula o n.º 1 do artigo 4º, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de outubro, o modo de avaliação da incapacidade, determinando que é calculada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro...”.
É a seguinte a fundamentação da decisão da 1ª instância que julgou procedente a presente acção e anulou o despacho impugnado: “... Retomando ao caso em análise, dimana dos factos provados que a Autora era beneficiária, desde 01.10.2017, da componente base da prestação social para a inclusão, tendo-lhe sido certificado, por junta médica, de que era portadora de deficiência com uma incapacidade permanente global de 80% - cfr. pontos 1 e 3 do probatório. Mais se provou que, após a realização de uma segunda avaliação por junta médica, foi emitido um atestado médico de incapacidade multiuso, no seguimento do qual a Entidade Demandada decidiu que, a partir de 01.11.2021, cessaria a prestação – cfr. pontos 4 e 5 dos factos provados. O único fundamento que a Entidade Demandada se baseou para determinar a cessação daquela prestação social foi o facto de o grau de incapacidade de que a Autora padecia passar a ser inferior a 60%, conforme resulta do ofício n.º 00211914, de 16.11.2021, constante do ponto 6 dos factos provados. Resulta, ainda, dos factos provados que, desde 31.12.2018, a Autoridade Tributária reconheceu que a Autora possui uma “deficiência fiscalmente relevante, do tipo permanente definitiva, com o grau de invalidez de 80% e que beneficia de isenção definitiva por grau de incapacidade superior a 60%” (vide ponto 7 dos factos provados). Mais advém da factualidade provada que a Autora é utente do Centro de Saúde de Vila Franca de Xira e que beneficia de isenção, desde 04.03.2019, com o motivo “1005 Utentes c/ grau incapacidade igual/superior 60%” (vide ponto 8 dos factos provados). Resulta, ainda, da leitura e análise ao atestado médico que procedeu a nova avaliação à Autora, que, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades – Anexo I, esta é portadora de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 51%, logo, numa percentagem inferior àquela que lhe havia sido inicialmente conferida (80%). Sucede, porém, que no mesmo atestado médico consta a seguinte declaração: “Declaro que o utente é portador de deficiência, que de acordo com os documentos arquivados neste serviço lhe conferiram em 03-08-2011 pela TNI aprovada pelo Decreto-Lei 352/2007, de 23/10 o grau de incapacidade de 80% (oitenta por cento).”, que é acompanhada pela menção à base legal aplicável – “DL n.º 202/96 c/ a redacção do DL n.º 291/2009, de 12/10 (Artigo 4.º nº 7)” – cfr. ponto 4 do probatório...”. E com esta fundamentação, conclui que “... O que é sinónimo de dizer que a junta médica declarou que fosse mantido o grau de incapacidade anterior conferido à Autora ao abrigo do artigo 4º, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 202/96, com a redação oferecida pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de outubro...” [...] “... Assim, a razão de ser do normativo do artigo 4º, n.ºs 7 e 8 do Decreto- Lei n.º 202/96, foi a de assegurar a manutenção do grau de incapacidade atribuído inicialmente à pessoa portadora de deficiência, que beneficiasse de uma prestação social em razão daquele grau de incapacidade, e que, com a nova avaliação por uma junta médica, viu o seu grau de incapacidade diminuir, como é o caso ora em litígio, desde que tal lhe fosse mais favorável, ou seja, quando a referida alteração pudesse implicar a perda de benefícios que já lhe tenham sido anteriormente reconhecidos, ficando privada de continuar a beneficiar dos mesmos...”.
Vejamos se com acerto ou não.
Determina o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de outubro:
1 — A avaliação da incapacidade é calculada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, tendo por base o seguinte:
a) Na avaliação da incapacidade das pessoas com deficiência, de acordo com o definido no artigo 2.º da Lei n.º 38/2004, de 18 de Agosto, devem ser observadas as instruções gerais constantes do anexo I ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante, bem como em tudo o que não as contrarie, as instruções específicas constantes de cada capítulo ou número daquela tabela;
b) Não se aplicam, no âmbito desta avaliação de incapacidade, as instruções gerais constantes daquela Tabela.
2 — Findo o exame, o presidente da junta médica emite, por via informática ou manual, o respectivo atestado médico de incapacidade multiuso, o qual obedece ao modelo aprovado por despacho do director-geral da Saúde, em que se indica expressamente qual a percentagem de incapacidade do avaliado.
3 — Quando o grau de incapacidade arbitrado for susceptível de variação futura a junta deve indicar a data do novo exame, levando em consideração o previsto na Tabela Nacional de Incapacidades ou na fundamentação clínica que lhe tenha sido presente.
4 — Sempre que a lei faça depender a atribuição de benefícios de determinados requisitos específicos, o atestado de incapacidade deve indicar o fim a que se destina e respectivos efeitos e condições legais, bem como a natureza das deficiências e os condicionalismos relevantes para a concessão do benefício.
5 — Sempre que a junta médica entender ser necessário esclarecimento adicional no âmbito de especialidade médico-cirúrgica, deverá o presidente solicitar exames complementares, técnicos ou de especialidade, cujo rela- tório deve ser apresentado no prazo de 30 dias.
6 — Os atestados de incapacidade podem ser utilizados para todos os fins legalmente previstos, adquirindo uma função multiuso, devendo todas as entidades públicas ou privadas, perante quem sejam exibidos, devolvê-los aos interessados ou seus representantes após anotação de conformidade com o original, aposta em fotocópias simples.
7 — Sem prejuízo do disposto no n.º 1, nos processos de revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade resultante da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais vigente à data da avaliação ou da última reavaliação é mantido sempre que, de acordo com declaração da junta médica, se mostre mais favorável ao avaliado.
8 — Para os efeitos do número anterior, considera-se que o grau de incapacidade é desfavorável ao avaliado quando a alteração do grau de incapacidade resultante de revisão ou reavaliação implique a perda de direitos que o mesmo já esteja a exercer ou de benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos.
9 — No processo de revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais mantém-se inalterado sempre que resulte num grau de incapacidade inferior ao grau determinado à data da avaliação ou última reavaliação.
Por outro lado, determina o artigo 2.º/2 do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de outubro, que “... 2 — As juntas médicas são constituídas no âmbito das administrações regionais de saúde por autoridades de saúde, sendo nomeadas por despacho do delegado regio- nal de saúde, com a seguinte composição:
a) Um presidente, dois vogais efectivos e dois vogais suplentes, sendo o presidente substituído, nas suas faltas e impedimentos, pelo 1.º vogal efectivo...”.

Com a solução normativa estatuída nos n.ºs 7 e 8 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23,01, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de outubro, o legislador pretendeu proteger as situações em que os portadores de incapacidade sujeitos à realização de uma nova junta médica, acabaram por ver declarado um grau de incapacidade diferente daquele que lhes foi fixado à data da avaliação ou da última reavaliação, em resultado de modificações efetivamente verificadas ao seu estado clínico. Nestes casos, o legislador permite à junta médica que mantenha o anterior grau de incapacidade do avaliado, desde que estejam em causa situações das quais possa resultar a perda de direitos ou de benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos.
Pelo contrário, o n.º 9 do artigo 4.º do citado DL 202/96, de 23 de janeiro, na versão conferida pelo DL n.º 291/2009, de 12 de outubro, respeita a todas aquelas situações em que o avaliado não sofreu qualquer alteração clínica ao nível das sequelas de que ficou a padecer, resultando a diminuição do seu grau de incapacidade única e exclusivamente pela aplicação da nova Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo DL 352/07, de 23 de outubro. Em tais situações, o avaliado tem direito à emissão de certificado de incapacidade multiuso do qual conste o seu anterior grau de incapacidade.
No caso dos autos, consta do probatório não impugnado, que, em 3 de agosto de 2011, foi atribuído à recorrida, autora, um grau de incapacidade de 80%, com a menção expressa de que teria de voltar a ter uma reavaliação no ano de 2018, ou seja, tratou-se de uma incapacidade não definitiva (facto provado 1.). Também consta do probatório que a recorrida, em 2017, requereu o pagamento de uma prestação social de inclusão e este foi deferido por aquela ser titular de um grau de incapacidade de 80% (factos provados 2. e 3.).
Porém, em 22 de junho de 2018, em vitude do grau da sua incapacidade ter sido atribuída a título não definitivo, fez uma reavaliação da sua incapacidade no ano de 2018, tendo sido emitido novo atestado médico de incapacidade multiuso que passou a atribuir-se à recorrida, autora, 51% de incapacidade, e, desta vez, fê-lo a título definitivo, mas ali se declarando, em campo próprio, que ao abrigo do artigo 4.º, n.º 7, do DL 202/96, de 23 de janeiro, na versão conferida pelo DL n.º 291/2009, de 12 de outubro, que lhe havido sido atribuída uma inacapacidade antecedente de 80% (facto provado 4.). O Atestado Multiuso da reavaliação do grau de incapacidade, emitido a 27 de junho de 2018, e subscrito pelo Presidente da Junta Médica, foi feito em modelo legalmente previsto – Mod DGS/ANS/01/2009, e publicado em anexo ao DL 202/96, de 23 de janeiro (facto provado 4., constante de fls 11 do SITAF e constante do PA, a fls 96 do SITAF).
Recorda-se o determinado no n.º 3 do artigo 4.º do DL 202/96, de 23 de janeiro, na versão conferida pelo DL n.º 291/2009, de 12 de outubro, e que determina “... 3 — Quando o grau de incapacidade arbitrado for susceptível de variação futura a junta deve indicar a data do novo exame, levando em consideração o previsto na Tabela Nacional de Incapacidades ou na fundamentação clínica que lhe tenha sido presente...”.
Por outro lado, determina o n.º 9 do mesmo artigo 4.º do DL 202/96, de 23 de janeiro, na versão conferida pelo DL n.º 291/2009, de 12 de outubro, que “...o grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais mantém-se inalterado sempre que resulte num grau de incapacidade inferior ao grau determinado à data da avaliação ou última reavaliação...", que não é o caso dos autos.
O caso dos autos resultou de uma evolução da condição clínica da recorrida, sendo-lhe aplicáveis os n.ºs 7 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23,01, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de outubro, vendo-lhe ser declarado um grau de incapacidade diferente daquele que lhes foi fixado à data da avaliação ou da última reavaliação, pela melhoria da sua situação clínica, mas igualmente protegida pelo disposto no n.º 8 do mesmo dispositivo legal, uma vez que à data da sua reavaliação já beneficiava do pagamento da prestação social de inclusão, que lhe havia sido concedida em 20 de novembro de 2017 (facto provado 3.).
Quanto ao artigo 4.º-A aditado ao Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro, citado pela recorrente, funcionando como uma norma interpretativa, releva recordar que ele foi aditado pelo artigo 2.º da Lei n.º 80/2021, de 29 de novembro, apenas em vigor a partir de 30 de novembro de 2021 e cujo teor era o seguinte:
“... 1 - À avaliação de incapacidade prevista no artigo anterior aplica-se o princípio da avaliação mais favorável ao avaliado, nos termos dos n.ºs 7 e 8 do artigo anterior.
2 - Sempre que do processo de revisão ou reavaliação de incapacidade resulte a atribuição de grau de incapacidade inferior ao anteriormente atribuído, e consequentemente a perda de direitos ou de benefícios já reconhecidos, mantém-se em vigor o resultado da avaliação anterior, mais favorável ao avaliado, desde que seja relativo à mesma patologia clínica que determinou a atribuição da incapacidade e que de tal não resulte prejuízo para o avaliado....”
Sabemos que as normas interpretativas se integram nas leis interpretadas (vide artigo 13.º, n.º 1 do CC) e têm força vinculante de todas as leis. Contudo, uma das consequências, por natureza, dete tipo de normas é [a)] a fixação obrigatória de um certo sentido à lei interpretada, com exclusão de outros possíveis e [b)] a sua eficácia retotrai-se à data da entrada em vigor da lei interpretada.
O seu caráter prescritivo e obrigatório da norma interpretativa não difere da força vinculativa. Portanto, não há dúvida de que as normas interpretativas produzem os seus efeitos retroativamente, confundindo-se com o preceito interpretado, de que fica fazendo parte integrante, formando os dois, desde a origem [ex tunc] um todo único, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do CC. Em síntese, a entrada em vigor do sentido normativo imposto pela lei interpretativa ocorre com a entrada em vigor da lei interpretada – Vide Acórdão TCA 395/17, processo n.º 751/2016, de 12 de julho de 2017.
Contudo, a lei/norma interpretativa não pode extravasar o sentido que a norma interpretada pode comportar, ou seja, a lei interpretativa não pode ser materialmente inovadora, não podendo representar uma nova e diferente valoração jurídica dos factos regulados pela lei/norma supostamente interpretada, pois que a ratio da norma interpretativa é fixar obrigatoriamente um determinado sentido à norma interpretada. Não se trata de fixar um novo direito, pois interpretar não é inovar.
Se se considerar a lei/norma interpretada inovadora, o Tribunal não poderá deixar de a considerar, mas fá-lo-á, antes, como substancialmente retroativa, sendo ela, apenas, formalmente interpretativa, e isso é tecnicamente distinto de uma lei materialmente interpretativa.
Portanto, há limites à retroatividade das leis interpretativas, quanto são materialmente interpretativas [as que impõem um dos sentidos comportados pela lei interpretada], como é o caso do princípio da confiança, ou seja, a sua aplicação retroativa está condicionada à não afetação arbitrária dos direitos dos destinatários da lei interpretada. Aqui, esta retroatividade não viola expectativas legítimas e fundadas dos destinatários dela, antes trazendo o benefício de trazer segurança à sua interpretação e uma justiça relativa da busca pela uniformidade de tratamento de casos idênticos.
Ora, quando a lei interpretativa é apenas formalmente interpretativa, por prever conteúdo inovador não contido da lei interpretada, considerando que os seus destinatários tinham como seguro as interpretações cabíveis na norma interpretada, a introdução de critérios inovadores, afeta a segurança jurídica, dando lugar, por isso, a uma norma substancialmente retroativa, e estando sujeita, em especial, ao princípio da confiança e da proporcionalidade.
Enfim, o último requisito da interpretação autêntica: a nova fonte não deve ser hierarquicamente inferior à fonte interpretada. E no caso dos autos, tal mostra-se cumprido.
Vamos ao caso dos autos.
Como referimos, o artigo 4.º-A, aditado ao Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro, pelo artigo 2.º da Lei n.º 80/2021, de 29 de novembro, que interpretou os n.ºs 7 e 8 do artigo 4.º do DL 202/96, de 23 de janeiro, na versão conferida pelo DL n.º 291/2009, de 12 de outubro, estabeleceu que sempre que do processo de revisão ou reavaliação de incapacidade resulte a atribuição de grau de incapacidade inferior ao anteriormente atribuído, e consequentemente a perda de direitos ou de benefícios já reconhecidos, mantém-se em vigor o resultado da avaliação anterior, mais favorável ao avaliado, desde que seja relativo à mesma patologia clínica que determinou a atribuição da incapacidade e que de tal não resulte prejuízo para o avaliado.
Ora, sobre o assunto, o recorrente alega “... Termos em que, a Autora não pode continuar a beneficiar da prestação social de inclusão, uma vez que o novo regime previsto no artigo 4.º-A do DL n.º 202/96, de 23 de outubro não lhe pode ser aplicável. É que, a junta médica não declarou no campo 4 do novo AMIM da Recorrida que o grau de incapacidade a considerar deve continuar a ser o grau atribuído em anterior avaliação, revisão ou reavaliação anterior, ao abrigo da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de setembro, por ser mais favorável ao avaliado, em observância do disposto nos n.ºs 7 e 8 do artigo 4.º e do artigo 4.º-A do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro...”.
E, na verdade, esta disposição do artigo 4.º-A do DL 202/96, de 23 de janeiro, na versão conferida pelo DL n.º 291/2009, de 12 de outubro, aditado pela Lei n.º 80/2021, de 29 de novembro, acrescenta a necessidade de relacionar a nova avaliação do grau de incapacidade da recorrida à mesma patologia clínica que determinou a atribuição da incapacidade inicial e desde que de tal não resulte prejuízo para o avaliado. Ora, este sentido interpretativo não é claramente inovador, tratando-se, efetivamente, de uma lei materialmente interpretativa, e, em consequência, a sua eficácia retotrai-se à data da entrada em vigor da lei interpretada, sabendo que o direito ainda não está constituído na esfera jurídica da recorrida.
Portanto, o preceito interpretado integra a interpretação feita pela norma interpretativa, ficando a fazer parte integrante dela, formando os dois, desde a origem [ex tunc] um todo único, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do CC. Quando esta norma interpretativa foi publicada, a situação da requerida não estava constituída, tanto que a sua pretensão foi indeferida (facto provado 5.).
Ora, esta norma interpretativa impacta com o direito da recorrida? Se sim, em que medida?
Impacta.
Na verdade, analisando o probatório, verifica-se que face à incapacidade declarada em 3 de agosto de 2011, com um grau de 80% (facto provado 1.), e, comparando com a declaração de incapacidade de 22 de junho de 2018 (facto provado 4.), não resulta evidente, muito pelo contrário, que a alteração na determinação do grau de incapacidade seja relativo à mesma patologia clínica que determinou a atribuição da primeira incapacidade. Aliás, pelo descritivo dos danos corporais ou prejuízos funcionais sofridos em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho, não resulta claro advirem da patologia clínica que deu origem, em 2011, à original incapacidade (factos provados 1. e 4.).
Portanto, importa que os presentes autos regressem à 1.ª instância para produzir a necessária prova quanto ao pressuposto introduzido pelo o artigo 4.º-A, aditado ao Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro, pelo artigo 2.º da Lei n.º 80/2021, de 29 de novembro, que interpretou os n.ºs 7 e 8 do artigo 4.º do DL 202/96, de 23 de janeiro, na versão conferida pelo DL n.º 291/2009, de 12 de outubro, ou seja, a alteração do grau de incapacidade é relativo à mesma patologia clínica que determinou a atribuição da primeira incapacidade?
Falta prova de que se mantém alguma incapacidade por referência à mesma patologia clínica que determinou a incapacidade original, porquanto, 7 anos depois, essa incapacidade pode ter desaparecido e terem surgido outras, referentes a outras patologias e nada disso consta dos autos.
Assim importa que os autos baixem à 1.ª instância para que seja a produzida a necessária prova à boa decisão da causa, concedendo-se provimento ao recurso, com distinta fundamentação.

*

IV – DISPOSITIVO

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, com a antecedente fundamentação, ordenando a baixa dos autos à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto, após realização das pertinentes diligências de prova, a ter em conta na prolação de nova sentença.
Custas a cargo da recorrida.
Registe e Notifique.
Lisboa, dia 11 de abril de 2024
(Eliana Pinto - Relatora)

(Frederico Branco – 1.º adjunto)

(Helena Filipe – 2.º adjunto)