Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04223/10
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/23/2015
Relator:ANA PINHOL
Descritores:CONTRADIÇÃO ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Sumário:
I.O teor da declaração corporizada no Relatório de Inspecção quanto ao segmento que declara que o Impugnante foi notificado para o exercício do direito de audição deve ser aferido da prova que sobre esse concreto facto tenha sido realizada.
II. O que o Tribunal «a quo» deu como provado foi, tão só, a existência do Relatório de Inspecção com um concreto conteúdo, que no caso, fora impugnado em sede de petição inicial.
III.Pelo que, o teor da declaração corporizada no Relatório de Inspecção quanto ao segmento que declara que o Impugnante foi notificado para o exercício do direito de audição deve ser aferido da prova que sobre esse concreto facto tenha sido realizada. E, foi essa a postura da Mmª Juiz «a quo» ao entender que a declaração constante no Relatório de Inspecção desacompanhada da cópia da notificação para o exercício do direito de audição prévia ou do registo dos CTT relativo à alegado notificação « não faz prova que o Impugnante foi notificado para o exercício de audição previa».
IV.Efectivamente, ainda que se pudesse conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto, o que se admite por necessidade de raciocínio, então ela não poderia ser alterada uma vez que nenhuma prova foi apresentada pela Recorrente que impusesse decisão diversa da proferida na sentença recorrida.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I.RELATÓRIO


A FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente) veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 20 de Abril de 2010, que julgou procedente a impugnação judicial, deduzida por JOAQUIM……………………….. da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de IRS como nº ………………, relativa ao ano de 1995.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I. O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da total procedência da impugnação deduzida contra o despacho de indeferimento do processo de Reclamação Graciosa referente a IRS de 1995.
II. Fundamentação da sentença recorrida (síntese) a não observância do direito de audição constitui preterição de formalidade legal, conducente à anulação do acto impugnado, por vício de forma (cfr. art.35° do CPA ex vi art.2° al. c) da LGT).
III. Não poderá ter-se como provado o enunciado na al. G) do probatório, pois o mesmo é expressamente contrariado pela transcrição do Relatório, feita na al. F) do mesmo probatório.
IV. Ou seja, no decurso do procedimento de inspecção de que foi alvo o ora Impugnante, e no momento e pela forma legalmente prevista para o efeito, foi o S.P., ora Impugnante, notificado para exercer o direito de audição sobre o projecto de correcções então propostas, o qual não veio a exercer.
V. Questão diversa, e que se afigura ser a suscitada pelo Impugnante e apreciada na douta sentença da qual se recorre, prende-se com a notificação para exercício de audição prévia antes da liquidação.
VI. E esta efectivamente não foi efectuada pelos Serviços da IT, mas porque legalmente não impendia sobre si essa obrigação.
VII. Para o efeito atente-se no disposto no n°3 do art.60º da LGT, bem como ao n°2 do art.13º da Lei 16-A/2002, de 31/05, que lhe conferiu carácter interpretativo.
VIII. Desse modo, tendo sido dada oportunidade ao S.P. de participar na formação da decisão traduzida na liquidação adicional ora impugnada no decurso da acção de inspecção, antes da conclusão do Relatório de IT, a qual não foi utilizada pelo S.P., é dispensada a sua audição antes da liquidação, pois após o Relatório dos SIT, não foram invocados pela AF quaisquer factos novos.
XI. Deste modo, a douta sentença ora recorrida, a manter-se na ordem jurídica, revela uma inadequada interpretação e aplicação do disposto no art.60° da LGT.


Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, com as devidas consequências legais.

PORÉM V. EX.AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»


Não foram apresentadas contra-alegações.

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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, considerando que: «( …) decorre dos autos e consta do probatório assente na douta sentença recorrida sobre o ponto F que o sujeito passivo, o contribuinte, foi notificado nos termos do artigo 60º da LGT para exercer o direito de audição que não o fez.
Seguindo, pois esta orientação, entende-se que a douta sentença recorrida fez errada interpretação fáctica com a consequente errada aplicação do direito.»
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Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir o presente recurso, já que a tal nada obsta.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

No caso trazido a exame, as questões a decidir consistem em saber:
(i) se existe contradição entre a fundamentação de facto vertida nas alíneas F) e G) dos factos assentes;
(ii) se ocorre a ilegalidade da liquidação no pressuposto de que a ATA deveria ter notificado a Impugnante antes da liquidação para exercer o seu direito de audição prévia.


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III. FUNDAMENTAÇÃO

A.DOS FACTOS
Na decisão recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a fundamentação respectiva que nos seguintes termos:
A) O Impugnante exerceu as funções de Director Industrial da …………………………. entre 1994 e 1999 - cfr. artigo 1.º da petição inicial, a fls. 2;
B) O Impugnante desempenhou funções de:
a)''Direcção da actividade industrial de bilhetes coordenando a actividade da equipa responsável pela exploração da Coqueria, Sintetização, Alto Forno, Forno da Cal e Aciaria;
b)Gestão da actividade referida em a) "sendo responsável pela rentabilidade da exploração, desde a selecção de matérias-primas, optimização dos Jactares de custo de exploração até à adequação do produto final - bilhetes - às exigências qualitativas e quantitativas dos clientes;
c) Gestão dos recursos humanos e do sistema da qualidade das instalações integradas na Direcção Industrial"- cfr. artigo 2.º da petição inicial, a fls. 2;
C) As funções referidas em B exigiam um relacionamento com fornecedores e clientes- cfr. artigo 3.º da petição inicial, a fls. 2;
D) A empresa concedeu um cartão de crédito ao Impugnante com a finalidade de ser utilizado para a realização de “despesas de representação” – cfr- artigo 5º da petição inicial, a fls.3;
E) A …………………………….., SA foi objecto de acção de fiscalização - cfr. artigo 10.º da petição, a fls. 3;
F) Em 27/07/2001, foi corrigida a matéria tributável do Impugnante, em sede de IRS, relativa ao ano de 1995, sendo acrescido o montante de 528 339$00 com a seguinte fundamentação: "...Em sequência de diligências efectuadas firma …………………………….. SA...e no âmbito da análise efectuada às condições de utilização de cartões de crédito, atribuídos pela entidade acima referida verificou-se que foram recebidos rendimentos que não foram declarados para efeitos de tributação em sede de IRS, os quais se encontram sujeitos a imposto nos termos do artigo 2.º do CIRS, referente ao ano de 1995, em virtude de estarmos na presença de despesas de carácter pessoal, em nada justificadas economicamente, no interesse da empresa, a não ser na atribuição de um beneficio a título de retribuição da prestação de trabalho, por parte do utilizador do cartão, enquadrando-se tais rendimentos na categoria A nos termos do artigo supra.
Face ao exposto, os montantes recebidos e a corrigir serão os seguintes:
Ano: 1995
Remunerações não declaradas da CAT. A. 528 339$00
O contribuinte notificado nos termos do artigo 60.º da Lei Geral tributária e artigo 60.º do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, por via postal, através de carta registada com aviso efectuado em 8 de Julho de 1999, não exerceu o direito de audição consignado na citada legislação" - cfr. Documento de Correcção, DC2 e informação de fls. 17 a 20 do processo administrativo tributário apenso;
G) Não foi dado o direito de audição do projecto de correcções – cfr. artigo 12º da petição inicial, a fls.3;
H) O Impugnante foi notificado da liquidação adicional de IRS n.º …………….., emitida em 07/09/2000, relativa ao ano de 1995, no total a pagar de 399 207$00, com data limite de pagamento: 23/10/2000- cfr. print a fls. 38 do processo administrativo tributário apenso;
I) Em 19/12/2000, o Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação referida em H- cfr. carimbo, a fls. 24 e fls. 24 a 30 do processo administrativo tributário apenso, cujo teor integral dou aqui por reproduzido;
J) Em 11/01/2001, o Impugnante foi notificado do despacho de indeferimento da reclamação graciosa referida em I- cfr. fls. 61 e 62 do processo administrativo tributário apenso;
K) Em 26/01/2001, foram apresentados os presentes autos de impugnação- cfr. carimbo, a fls. 2;
L) Em 27/03/2001, o Impugnante efectuou o pagamento da liquidação referida em H- cfr. informação de fls. 30;

Factos não provados

M) A empresa, através de decisão dos seus órgãos, "estimou os valores que a título de despesas de representação" podiam ser despendidos pelo Impugnante - cfr. artigo 4.º da petição inicial, a fls. 2;
N) De acordo com as regras internas da empresa definidas para a utilização de cartão de crédito, as despesas com ele relacionadas deviam ser entregues nos serviços competentes da …………………………, S.A.- cfr. artigo 6º da petição inicial, a fls.3;
O) Das despesas com cartão de crédito foram dadas contas à empresa e apresentados os comprovativos que titulam a despesa- cfr. artigo 8.º da petição inicial, a fls. 3.

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Inexistem outros factos não provados com relevância para a decisão da causa.
*
A convicção do Tribunal resulta do teor dos documentos juntos aos autos e relativamente aos factos A, B e C, por não terem sido impugnados. Considero os factos M, N e O, como não provados por o Impugnante não trazer aos autos quaisquer documentos susceptíveis de fazer prova do alegado.»

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B. DO DIREITO
A Recorrente começa por insurgir-se contra o julgamento da matéria de facto, levado a cabo pelo Tribunal «a quo», especificamente, no que concerne às alíneas F) e G) do probatório, pelo que, lógica e precedentemente, esta traduz a primeira questão carente de resolução.

Neste particular a Recorrente, alegou, nuclearmente, que os factos levados às alíneas G) e F) do probatório estão em contradição entre si.

Entende a mesma que não poderia ter sido considerado provado o facto levado à al.G) do probatório [«Não foi dado o direito de audição prévia do projecto de correcções – cfr. artigo 12º da petição inicial, a fls.3)»], visto que, que da transcrição do Relatório de Inspecção constante da al. F) se extrai que o Impugnante ora Recorrido foi notificado para exercer o direito de audição sobre o projecto de relatório, o qual não veio a exercer.

Vejamos, se assiste razão à Recorrente.

Como refere Abrantes Geraldes «Poucas situações serão mais incómodas para as partes e para o juiz que vai proferir a sentença ou para os tribunais superiores que vão conhecer dos recursos do que aquelas em que se torna necessário debelar uma questão, que não deveria suscitar qualquer espécie de dúvida, mas que, contudo, emerge de uma decisão lacunosa, pouco clara, confusa, obscura ou ininteligível dada à matéria de facto, quer tais defeitos se refiram tão só a uma determinada resposta, quer resultem da falta de conjugação entre as diversas respostas ou entre estas e factos anteriormente considerados provados. (…)

As partes suportam que o tribunal responda provado ou não provado a certos factos controvertidos, se tal for o resultado da apreciação ponderada, séria e rigorosa dos meios de prova produzidos. Já não suportam com naturalidade, nem seria legítimo exigir-lhes esse esforço, que o tribunal dê respostas confusas que não permitam estabelecer, com segurança, a verdade oficial emergente do julgamento». (Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., págs. 239 e 240).

A contradição implica a existência de uma colisão entre a matéria de facto constante de uma das respostas e a matéria de facto constante de outra das respostas ou então com a factualidade provada, no seu conjunto, de tal modo que uma delas seja o contrário da outra.

Feito este enquadramento doutrinário, vejamos agora a questão concretamente colocada pela Recorrente, que recordamos, se prende com a contradição da matéria de facto identificada sob as alíneas F) e G) do probatório não perdendo de vista o enquadramento jurídico.

No que respeita, ao valor probatório do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), cabe notar que o artigo 76º nº 1 da LGT aponta que «as informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei», sendo que o artigo 115º nº 2 do CPPT dispõe que «as informações oficiais só têm força probatória quando devidamente fundamentadas, de acordo com critérios objectivos», respeitando a aludida fundamentação a elementos objectivos e exteriores que comprovam as asserções produzidas pela inspecção tributária. (Neste sentido vide, Acórdão do TCA Sul de 26.06.2014 proferido no processo n.º 07148/13 e Acórdão do TCA Norte de 14.07.2014, proferido no processo n.º 02390/09, ambos disponíveis no endereço www.dgsi.pt)

E, como se ditou no primeiro dos acórdãos citados: «(…)o valor probatório do relatório de inspecção está condicionado pela aplicação do princípio do contraditório, sob pena de directa violação do art.º 20.º, n.º 4, da CRP, que postula um processo judicial tributário equitativo e subordinado a critérios de legalidade (due process of law), o que requer plena igualdade de armas entre ambas as partes, como de resto é reconhecido pelo art.º 98.º da LGT.
Actuado esse princípio e não sendo o relatório impugnado, este passa a ter força probatória plena. Sendo impugnado o que sucede?
Valem para esta situação as judiciosas palavras de Manuel de Andrade: “Se a parte a quem incumbe o ónus probandi fizer prova de per si suficiente (prova principal) o adversário terá, por seu lado, de fazer prova que invalide aquela; que a neutralize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza (convicção negativa). Não carece de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (convicção positiva); cfr. artigo 346.º do Código Civil”»
Baixando agora ao caso concreto, o que claramente verificamos é que o facto de o Tribunal levar ao probatório o Relatório de Inspecção, não significa que os factos descritos ou alegados naquela declaração se mostrem provados.
Com efeito, o que o Tribunal «a quo» deu como provado na al. F) do probatório foi, tão só, a existência do Relatório de Inspecção com um concreto conteúdo, que no caso, fora impugnado em sede de petição inicial (vide artigos 11 e 12 do respectivo articulado).

Pelo que, o teor da declaração corporizada no Relatório de Inspecção quanto ao segmento que declara que o Impugnante foi notificado para o exercício do direito de audição deve ser aferido da prova que sobre esse concreto facto tenha sido realizada. E, foi essa a postura da Mmª Juiz «a quo» ao entender que a declaração constante no Relatório de Inspecção desacompanhada da cópia da notificação para o exercício do direito de audição prévia ou do registo dos CTT relativo à alegado notificação « não faz prova que o Impugnante foi notificado para o exercício de audição previa».

Efectivamente, ainda que se pudesse conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto, o que se admite por necessidade de raciocínio, então ela não poderia ser alterada uma vez que nenhuma prova foi apresentada pela Recorrente que impusesse decisão diversa da proferida na sentença recorrida.

Nesta perspectiva, a matéria levada à al.F) do probatório em nada contende com o dar-se como provado que: «Não foi dado o direito de audição do projecto de correcções.».

Destarte, rejeita-se o reparo dirigido, pela Recorrente à factualidade inscrita nas alíneas F) e G) dos factos provados, cujo teor é de manter, na íntegra.

A segunda questão que se coloca é a de saber se a sentença recorrida fez ou não correcto julgamento quando anulou a liquidação impugnada com fundamento no vício de forma por preterição do direito de audição prévia à liquidação.

Antes do mais importa dizer que basta uma leitura atenta da petição inicial para se constar, que a questão colocada pela Recorrida junto do Tribunal de 1ª Instância, relativa à falta de audiência prévia antes da liquidação sindicada teve como suporte a alegação de não lhe ter sido dado o direito de audição prévia sobre o projecto de Relatório de Inspecção.

Assim, será neste quadro que a bondade da sentença recorrida deve ser apreciada, e não da forma simplista retratada nas Conclusões recursórias V e VI.

Vejamos, então.

O princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do CPA (artigo 121º do NCPA), assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código (artigo 11º do NCPA), surgindo na sequência e em cumprimento da directriz constitucional contida no n.º 4 do artigo 267.º da CRP obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado.

O artigo 60° da LGT, em concretização da injunção constitucional contida no artigo 267º nº 5 da CRP, na redacção introduzida pelo artigo 13° da Lei n° 16-A/2002, de 31 de Maio - a que o legislador conferiu expressamente carácter interpretativo, pelo que face ao disposto no artigo 13° do Código Civil se tem de considerar como integrada na lei interpretada, retroagindo os seus efeitos à data da entrada em vigor desta em 1/01/99, prescreve:

«l- A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;

d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

2- É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.

3- Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem a alínea b) a alínea e) do n° 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.

4- O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.

5- Em qualquer das circunstâncias referidas no nº1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.

6- O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.

7- Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão

No preceito transcrito, resulta assim, que no âmbito da LGT, o princípio da participação confere ao contribuinte o direito de audição por qualquer uma das formas previstas nas alíneas a), b), c),d) e) do n.° 1 do artigo 60º, não prevendo, porém, que o direito de audição seja facultado em todas as formas mencionadas, mas sim por qualquer uma das formas previstas.

No âmbito do procedimento de inspecção e para o que aqui importa, dispõe o artigo 60º, n.º1 do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98 de 31 de Dezembro, o seguinte:

«1 - Concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação.»

E, quando à forma a que deve obedecer a notificação para o exercício do direito de audição sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção tributária por força do artigo 38.º do RCPIT e artigo 60º, n.º4 da LGT, a carta registada remetida para o domicílio fiscal do contribuinte, constitui a forma prevista na lei (a par com a notificação pessoal) para a notificação do contribuinte para o exercício do direito de audiência sobre o projecto de conclusões do relatório da inspecção. (Neste sentido vide: Acórdãos do STA de 13.03.2013, recurso nº 01394/12 e 28.01.2015, recurso n.º 0803/14 disponíveis no endereço www.dgsi.pt)

Nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º1 do RCPIT presumem-se notificados os sujeitos passivos contactados por meio de carta registada em que tenha havido devolução da carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada.

Revertendo ao caso em apreço, alegando o Impugnante que não foi notificado para o exercício de audição prévia, competia a ATA demostrar a efectivação da notificação.

Efectivamente, por força do disposto no artigo 74° da LGT, cabia à Administração Tributaria e Aduaneira (ATA) o ónus da prova da notificação para o exercício do direito de audição prévia a que alude o artigo 60º, n.º1 do RCPIT, uma vez que é aquela quem toma a iniciativa de dirigir a notificação ao contribuinte e por isso é ela quem tem o ónus de demonstrar que o fez de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais, ónus este que, como bem salientou a Mmª Juiz «a quo» não foi cumprido, uma vez que a não juntou aos autos o registo do CTT comprovativo do envio da notificação para o domicílio fiscal do sujeito passivo nem tão-pouco cópia do oficio de materializa a referida notificação. (Neste sentido vide, entre muitos outros, o Acórdão do STA de 16.05.2012, proferido no processo n.º 01181/11, disponível no endereço www.dgsi.pt)

Nestas circunstâncias, não tendo o Impugnante, ora Recorrido, no decurso de uma acção de fiscalização, sido notificado, nos termos do artigo 60.º do RCPIT, para se pronunciar sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção tinha que ser de ouvido antes da liquidação, como certeiramente a firmou a sentença sob exame.

Dito isto, deve concluir-se que se mostra violada a al.a) do n.º1 do artigo 60º da LGT.

Porém, a jurisprudência do STA tem vindo a decidir que, não obstante a audiência prévia constituir uma importante manifestação do princípio do contraditório e visar associar o administrado à tarefa de preparar a decisão final e permitir-lhe participar e influenciar a formação da vontade da Administração, a degradação daquela formalidade em formalidade não essencial só ocorrerá quando, atentas as circunstâncias, a intervenção do interessado se tornar inútil. (Neste sentido, entre outros vide: o acórdão de 3.3.2404, proferido no recurso n.º 1240/02, disponível no endereço www.dgsi.pt)

Daí que, que importe perguntar: será que se pode considerar que a liquidação impugnada só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve no caso concreto, assim sendo seguro que o exercício do direito de audiência prévia por parte do Impugnante não teria qualquer relevância na estruturação do mesmo acto tributário?

A resposta à questão que ficou desenhada é negativa. Vejamos porquê.

Vejamos, porquê.

No caso não pode dar-se por seguro que o exercício do direito de audição não teria qualquer relevância na decisão do recurso, porquanto as declarações apresentadas pelos contribuintes nos termos legais presumem-se verdadeiras (artigo 75.º, n. 1º, da LGT) , essa presunção apenas se refere ao próprio declarante nas suas relações com a ATA, não sendo extensível às relações da ATA com terceiros.

Assim, no caso sub judice, que se refere à liquidação de IRS com base em rendimentos do trabalho dependente, a declaração que beneficia da referida presunção é a apresentada pelo sujeito passivo (a declaração apresentada para efeitos de IRS pelo trabalhador) e já não a apresentada pela entidade patronal a qual apenas beneficia daquela presunção em sede da tributação desta entidade em sede de IRC.

O que significa que, existindo divergência entre aquelas declarações o Impugnante, ora Recorrido, podia procurar convencer a ATA da fragilidade da sua retórica argumentativa, induzindo-a a compatibilizar a factualidade aceite com a observância da legalidade que teve de vir defender nesta impugnação.

Não é, pois, possível a formulação de um juízo de prognose póstuma que leve o tribunal a concluir que sempre seria o mesmo o conteúdo da decisão caso tivesse havido lugar à audição do Impugnante, ora Recorrido.

Nesta perspectiva, tem de concluir-se que o direito de audiência não podia deixar de ser assegurado e que não o tendo sido se preteriu formalidade essencial, sendo que a preterição de tal formalidade, gera no que respeita à liquidação sindicada a respectiva ilegalidade, já que acima se tinha concluído que se impunha, nos termos do artigo 60º, n.º1, al.a) da mesma LGT, a audição prévia do Impugnante, ora Recorrido, antes de ser efectuada a liquidação.



IV.DECISÃO

Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida que, em consequência, se mantem na ordem jurídica.

Sem custas, por Fazenda Pública delas se encontrar isenta nos processos tributários instaurados até 1/01/2004.

Lisboa, 23 de Abril de 2015.


[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Cristina Flora]