Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08736/12
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/10/2012
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:ADVOGADO, INTIMAÇÃO PROTEÇÃO DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS, MEIO PROCESSUAL, INSCRIÇÃO IMEDIATA COMO DOUTOR EM CIÊNCIAS JURÍDICAS EM EXERCÍCIO EFETIVO DA DOCÊNCIA, ARTº 192º, Nº 2, AL. A) DO EOA
Sumário:I. O processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é um processo principal a que só é legitimo recorrer, de acordo com o princípio da tipicidade dos meios processuais, ínsito no artº 2º, nº 2 do CPC, e de acordo com os pressupostos materiais previstos no nº 1 do artº 109º do CPTA, quando esteja em causa a lesão ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia ou de um direito fundamental análogo, cuja proteção se revele indispensável à célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa, por não ser possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, inclusive segundo o disposto no artº 131º do CPTA.

II. Estando em causa a tutela do direito à inscrição imediata como advogada, nos termos do artº 192º, nº 2, alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26/01), por a requerente ser doutora em Ciências Jurídicas, em efetivo exercício da docência, mostra-se meio processual próprio e adequado, a presente intimação, prevista e regulada no artº 109º do CPTA.

III. Atento o caráter instrumental e provisório das providências cautelares e decorrente do facto de a admissão a estágio, a partir de uma certa fase ou, no caso dos autos, da admissão da inscrição imediata como advogado, implicar a prática de atos relativos à profissão, tal não se compadece com a adoção de uma medida provisória.

IV. O exercício da profissão de advogado, atenta a sua relevância pública e social, inclusivamente no âmbito do sistema de justiça, não se mostra compatível com o caráter de provisoriedade próprio da tutela cautelar.

V. O mandato forense está dependente ou fortemente associado à relação de confiança que se estabelece entre o cliente e o advogado, na vertente da sua competência técnica e profissional, o que é dificilmente compaginável com uma inscrição provisória ou a prazo, a aguardar o desfecho de um outro processo judicial.

VI. Não pode o exercício da profissão de advogado realizar-se de forma plena e integral com o simples decretamento de uma providência cautelar, nem com o seu decretamento provisório, nos termos do artº 131º do CPTA, relegando a tutela de mérito para uma decisão judicial futura, cuja delonga é previsível, pois que isso não é compatível, por ser insuficiente e desadequado, quer à defesa dos direitos e interesses do advogado, quer com o interesse público associado ao exercício da advocacia, atendendo à natureza dos atos a praticar a coberto da inscrição como advogado.

VII. O artº 208º da Constituição, consagra o patrocínio forense, a ser exercido por advogado, como “elemento essencial à administração da justiça”, numa relação de proximidade com o exercício da função jurisdicional, enquanto função soberana do Estado.

VIII. A “função social, dignidade e prestígio da profissão de advogado”, cuja atribuição de zelar se encontra acometida, por lei, à Ordem dos Advogados, não se compatibiliza com a existência de advogados “a prazo” ou “provisórios”, com repercussões ao nível do exercício do mandato forense e da credibilidade da profissão, regulada por normas de direito público.

IX. Consagra-se no artº 192º, nº 2, alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados, o direito de inscrição imediata como advogados, aos doutores em Ciências Jurídicas, em exercício efetivo de funções docentes, a que corresponde o dever da Ordem dos Advogados, segundo uma dimensão positiva, de admitir essa inscrição, sem dependência de qualquer tempo mínimo de exercício da docência.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Ordem …………, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 13/01/2012 que, no âmbito da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, movida por Ana ………………, julgou a intimação procedente, intimando a Ordem dos Advogados Portugueses a admitir a inscrição da requerente como advogada, ao abrigo do regime constante do artº 192º, nº 2, alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados.

Formula a aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 100 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

A) A douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por má interpretação e aplicação da norma do artigo 109º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;

B) Com efeito, sendo a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias um processo especial, reservado para os casos em que se mostre imprescindível a célere emissão de uma decisão de mérito, no caso dos autos não se verificam os respetivos pressupostos;

C) Na realidade, não é impossível nem insuficiente, nas circunstâncias concretas, o decretamento provisório de uma providência cautelar antecipatória que viabilizasse a inscrição imediata da Recorrida na Ordem dos Advogados;

D) Consequentemente, não se verifica a indispensabilidade da intimação para assegurar o exercício, em tempo útil, da atividade profissional de advogado;

E) E não se pretenda que o exercício da advocacia não se compagina com o decretamento provisório de uma providência cautelar da apontada espécie, porquanto tal decretamento investiria, sustentadamente a Recorrida na plenitude dos direitos dos advogados,

F) sem que a validade dos atos por si praticados pudesse ser posta em causa por um hipotético decaimento seu na ação principal, ao invés daquilo que o Tribunal a quo entendeu;

G) Mas a douta sentença recorrida fez também má aplicação da norma do artigo 192º, nº 1, alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados;

H) O referido preceito legal contém uma norma especial, que permite aos doutores em Ciências Jurídicas, com efetivo exercício da docência, bem como aos antigos magistrados que possuam boa classificação de serviço e exercício profissional por período igual ou superior ao do estágio da advocacia, requerer a sua inscrição imediata como advogados;

I) O exercício da docência pelos doutores em Ciências Jurídicas juridicamente atendível é, naturalmente, aquele que decorre após a obtenção do referido grau académico;

J) Reconhecida a necessidade de fixação da duração mínima de tal exercício juridicamente exigível, e não a resolvendo a lei, estamos em presença de um caso omisso, a reclamar a sua integração, nos termos gerais;

K) Exigindo-se para os antigos magistrados o exercício da magistratura pelo período mínimo correspondente ao estágio da advocacia, esse deve ser também o critério aplicável à docência pelos doutores em Ciências Jurídicas;

L) Ao não entender assim, relevando a atividade docente da Recorrida antes da obtenção daquele grau académico e alheando-se da consideração do assinalado prazo mínimo de exercício daquela atividade após a obtenção, por aquela, do referido grau académico, o Tribunal a quo incorreu, pois, em novo erro de julgamento.”.

Termina pedindo a procedência do recurso jurisdicional.


*

A ora recorrida, notificada, apresentou as seguintes contra-alegações (cfr. fls. 118 e segs.):

“1. O processo especial de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias constitui o único meio capaz de assegurar o direito da Recorrida de acesso à profissão de advogado, consagrado no artigo 47º da CRP, na medida em que permite obter uma decisão célere mas definitiva, ao contrário da providência cautelar que, mesmo com decretamento provisório, constitui uma decisão instrumental, provisória e assente na mera probabilidade séria de procedência da ação principal.

2. Conforme é jurisprudência constante do Tribunal Central Administrativo Sul, a profissão de advogado não é compatível com uma decisão meramente provisória, em virtude da diminuição da confiança depositada no “advogado a prazo”, quer pelos clientes, quer pela classe profissional e pelo público em geral, o que prejudica gravemente o normal exercício da profissão pela Recorrida, bem como a sua evolução profissional, além de prejudicar a confiança no próprio sistema jurisdicional, considerando o papel essencial dos atos praticados pelo advogado, os quais não devem ver a sua credibilidade minimamente afetada ou fragilizada.

3. A interpretação sustentada pela Recorrente da norma do artigo 192.º/2, a), do EOA, que permite a inscrição imediata como advogado dos “doutores em ciências jurídicas, com efetivo exercício da docência”, determinaria a sua inconstitucionalidade por conduzir a uma restrição da liberdade de acesso à profissão (artigo 47.° da CRP) sem fundamento constitucional, violando o artigo 18.º da CRP, que determina que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

4. Acresce que seria uma restrição de um direito fundamental feita por aplicação analógica de uma mera norma regulamentar que adicionaria pressupostos aos definidos legalmente, o que não é admissível face ao regime próprio das restrições aos direitos fundamentais, nos termos do artigo 18.° da CRPA.

5. A CRP admite, no artigo 47.°, apenas restrições legais à liberdade de acesso à profissão “impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade” (itálico acrescentado).

6. Para assegurar esse “interesse coletivo”, o artigo 192./2, a), do EOA exige que o doutor em direito, tal como o magistrado, associe ao título a experiência profissional capaz de permitir a dispensa do estágio.

7. Para além de esta interpretação não ter qualquer suporte na lei, acresce que mesmo que, em abstrato, fosse admissível a restrição de um direito fundamental por analogia com uma norma regulamentar, a interpretação que restringe a experiência docente relevante àquela que seja adquirida após a obtenção do grau de doutor contraria até a ratio legis do artigo 192.º/2, a), que visa apenas evitar que se dispense do estágio o doutor em direito que não tenha experiência profissional relevante para permitir o bom e autónomo exercício da advocacia.

8. Assim, a interpretação defendida pela Recorrente geraria a inconstitucionalidade da norma do artigo 192.°/2, a) por violação da liberdade de acesso à profissão e do princípio da proporcionalidade (artigos 47º e 18.° da CRP), porquanto consubstancia vedação infundada e desnecessária do acesso à profissão.

9. A recusa de inscrição da Recorrida fundamenta-se, em acréscimo, numa interpretação criada ad hoc pela Recorrente apenas para o caso da Recorrida, afastando-se da solução dada pela Ordem dos Advogados a casos absolutamente idênticos em que foi aceite a inscrição de doutores em direito sem dependência do decurso do prazo em causa após a obtenção do grau de doutor, termos em que viola também os princípios da igualdade e da imparcialidade (artigos 13.° e 266.° da CRP).”.

Pede a improcedência do recurso.


*

O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de que parece que não seja insuficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar antecipatória para assegurar a inscrição na Ordem dos Advogados e a plena utilidade da sentença a proferir em ação não urgente (cfr. fls. 164 e segs.).

Para efeitos de adoção da medida cautelar antecipatória, não parece que se apresente como evidente a procedência da ação principal para que a medida seja decretada, além de que, o periculum in mora, não se mostra sustentado nos factos que a autora articulou na petição inicial.

Não se verificando todos os requisitos de que dependeria a concessão da providência cautelar, esta deveria ser indeferida.

Conclui pela procedência do recurso.


*

Contra o parecer emitido pelo Ministério Público, pronunciou-se a recorrida, reiterando as posições expressas nas contra-alegações de recurso (cfr. fls. 170 e segs.).

*

O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de Direito, com fundamento em:
1. má interpretação e aplicação do artº 109º, nº 1 do CPTA [conclusões A), B), C), D), E) e F)];
2. má aplicação do artº 192º, nº 1, alínea a), do Estatuto da Ordem dos Advogados [conclusões G), H), I), J), K) e L)].

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“a) A requerente é licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa [documento de fls. 19 e 20 dos autos].

b) A requerente obteve o grau de doutor no ramo de Ciências Jurídicas em 22 de junho de 2011, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa [documento de fls. 21 e 22 dos autos].

c) A requerente exerceu funções docentes com a categoria de assistente estagiária, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, desde 6 de março de 2006 até 22 de junho de 2011 [documento de fls.23 dos autos].

d) A requerente foi contratada pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa como professora auxiliar com efeitos a 23 de junho de 2011, em regime de contrato de trabalho em funções públicas, com período experimental de cinco anos [documento de fls. 23 dos autos].

e) À data de entrada da presente intimação, a autora exercia funções docentes na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa como professora auxiliar [acordo].

f) Em 29 de junho de 2011, a requerente pediu ao Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados a sua inscrição como advogada, com dispensa de estágio e do exame final de avaliação e agregação, ao abrigo das normas do artigo 192°, n°2 do Estatuto da Ordem dos Advogados e do artigo 12°, n°1, do Regulamento n° 232/2007, de 4 de setembro [acordo].

g) Por decisão do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados de 3 de agosto de 2011, o pedido de inscrição referido em f) foi indeferido [documento de fls. 25 e 26 dos autos].

h) Na decisão referida em g) consta, além do mais, o seguinte: “Face à documentação verifica-se que a Requerente é, atualmente, Assistente estagiária da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Contudo, do Art. 2° do Estatuto da Carreira Docente Universitária, Decreto-lei n°205/2009 de 31 de agosto, constata-se que a categoria profissional de assistente estagiário não é considerada uma das categorias do pessoal docente.

Constata-se, ainda, que a requerente juntou aos autos Certificado Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, do qual consta que à Requerente foi atribuído o grau de Doutor em Direito (Ciências Jurídicas), tendo sido aprovada com a classificação final de 18 valores em 22 de junho de 2011.

Pelo exposto supra, indefere-se o pedido de inscrição da Requerente como Advogada, ao abrigo da alínea a) do nº 2 do artigo 192° EOA conjugado com o artigo 12° do Regulamento n°232/2007 de 4 de setembro, porquanto a requerente não possui a categoria profissional de docente (cf. artigo 2° do Decreto lei n°205/2009, de 31 de agosto).

Mais se informa, que somente após à requerente ser atribuída uma das categorias de pessoal docente (cf. Artigo 2° do Decreto Lei n°205/2009, de 31 de agosto), e a mesma ter exercido as funções por período igual ou superior ao do estágio, poderá requerer tal inscrição.” [documento de fls. 25 e 26 dos autos].

i) A requerente foi presencialmente notificada da decisão referida em g) no dia 7 de setembro de 2011 [confissão].

j) A requerente interpôs recurso administrativo da decisão referida em g) [documento de fls. 27 a 30 dos autos].

k) Em 18 de outubro de 2011, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados indeferiu o recurso interposto pela requerente da decisão do Conselho Distrital de Lisboa de 3 de agosto de 2011 [documento de fls. 32 a 34 dos autos].

l) Na decisão de indeferimento referida em k), consta, além do mais, o seguinte: “(...) De facto, ao pedido de inscrição em crise, aplicam-se estes dois normativos citados [artigo 192° do Estatuto da Ordem dos Advogados e artigo 12° do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários].

Ora, da leitura conjugada de ambos, e por força dos mesmos, é nosso entendimento que não assiste razão à Requerente quanto ao preenchimento dos dois requisitos exigidos. Como tal, deve ser indeferida, e bem, neste momento, a sua inscrição como advogada pois a lei é taxativa quanto à verificação cumulativa dos dois pressupostos. (...) Pese embora toda esta explanação exaustiva, não se afigura, a nosso ver, demonstrada a verificação da primeira condição, nomeadamente, a titularidade do grau de doutor(a) em Ciências Jurídicas. De facto, mesmo admitindo como verdadeiro o facto vertido no artigo 21° das alegações nomeadamente “que a Recorrente exerceu efetivamente funções docentes desde 6 de março de 2006 até ao presente”, e se aceite a categoria de professora estagiária como categoria docente, falha a existência do título de doutor(a) durante o período dessa docência (de 2006 a 2011). Em bom rigor, se é verdade que a Requerente lecionou, na Faculdade de Direito de Lisboa, como assistente estagiária desde 2006, só a partir de 22 de junho de 2011, data em que concluiu as provas de doutoramento, o passou a poder fazer na qualidade de Doutora em Ciências Jurídicas.

(...)

(...) Face ao exposto, a Recorrente apenas concluiu as suas provas de doutoramento em 22 de junho de 2011. Daí que, somente após esta data, de efetiva docência nessa qualidade, é que se poderá iniciar a contagem, de um período igual ou superior ao de estágio, de forma a ser dado cumprimento aos pressupostos que a lei exige para a inscrição direta como Advogada. (...)”. [documento de fls. 32 a 34 dos autos].”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade supra fixada, não impugnada pela recorrente, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

1. Erro de julgamento de Direito, por má interpretação e aplicação do artº 109º, nº 1 do CPTA [conclusões A), B), C), D), E) e F)]

A Ordem dos Advogados não concordando com a sentença proferida, que a intimou a admitir a inscrição imediata da recorrida como advogada, veio interpor o presente recurso, dirigindo-lhe o erro de julgamento, fundado na impropriedade da forma processual, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, para os fins visados pela requerente.

Alega que nos caso dos autos, tendo existido um ato expresso de indeferimento do pedido de inscrição, a forma de processo própria para reagir de tal indeferimento seria, normalmente, a ação administrativa especial, de condenação à prática de ato devido, podendo ser perfeitamente utilizada a providência cautelar de autorização provisória para iniciar uma atividade, prevista na alínea d) do nº 1 do artº 112º do CPTA, permitindo o exercício de uma atividade profissional dependente de inscrição.

Entretanto, estando em causa a tutela de direitos, liberdades e garantias, o interessado tem a faculdade de pedir o decretamento provisório de tais direitos, liberdades e garantias, pelo que, também o decretamento provisório acautelaria satisfatoriamente os interesses da requerente durante a pendência do processo cautelar.

Vejamos.

Extrai-se do requerimento apresentado em juízo, que a interpretação da norma legal por parte da Ordem dos Advogados “traduz-se na vedação do acesso à profissão de advogado por parte da Requerente” e que tendo a Requerente direito à inscrição imediata como advogada, a atuação da ordem que nega esse direito, “está a impedir a realização do direito fundamental de acesso à profissão de advogado, que constitui um direito, liberdade e garantia, constitucionalmente protegido”, prevendo o artº 47º, nº 1 da Constituição, o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho – cfr. artºs 44º, 45º e 46º e segs. do requerimento inicial.

Por outro lado, nos termos em que a questão se mostra suscitada em recurso, relativa à impropriedade do presente meio de intimação judicial para proteção de direitos, liberdades e garantias, não põe a recorrente em causa que a situação jurídica carente de tutela se integre no âmbito da factie species da norma legal, quanto a estar em causa um direito, liberdade ou garantia ou direito fundamental análogo, que se encontre ameaçado.

Pelo que, não constitui questão controvertida, nem integra os fundamentos do presente recurso jurisdicional, a configuração da necessidade de tutela de um direito, liberdade e garantia ou de um direito análogo, que se encontra ameaçado, em virtude da atuação da entidade requerida.

O que a recorrente põe em crise é o juízo de necessidade e de indispensabilidade do uso do presente meio processual, o qual caracteriza a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, nos termos previstos no nº 1 do artº 109º do CPTA, designadamente, a necessidade de uma tutela de mérito urgente que não possa ser satisfeita através do recurso aos meios normais, urgentes e não urgentes, isto é, processo cautelar e ação administrativa especial.

Segundo o disposto no nº 1 do artº 109º do CPTA, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias apenas pode ser utilizada quando se revele indispensável à célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa, para assegurar, em tempo útil, um direito, liberdade e garantia, por não ser possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artº 131º do CPTA.

No caso, é invocado um direito fundamental material análogo aos direitos, liberdades e garantias, cuja tutela é conferida pelos artºs 17º e 18º da Constituição, direito este de conteúdo normativo determinado e cuja proteção exigirá uma solução definitiva imediata, através de uma sentença, em regra, de condenação.

O processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é um processo principal e não um processo cautelar, a que só é legitimo recorrer, de acordo com o princípio da tipicidade dos meios processuais, previsto no artº 2, nº 2 do CPC, e de acordo com os pressupostos materiais previstos no artº 109º, nº 1 do CPTA, quando esteja em causa a lesão ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia ou de um direito fundamental análogo, cuja proteção seja urgente e que não é possível obter através da instauração de outro meio processual.

Se no caso concreto a tutela da situação jurídica ficar suficientemente assegurada pela propositura de uma ação principal normal e de um processo cautelar, a ação subsidiária urgente, prevista no artº 109º CPTA, será inadequada.

No caso dos autos está em causa a intimação da recorrente a aceitar a inscrição imediata da recorrida como advogada, nos termos da alínea a), do nº 2 do artº 192º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26/01/2005, isto é, por a requerente ser doutora em Ciências Jurídicas e ser contratada pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa como Professora Auxiliar, mantendo na atualidade o exercício dessas funções.

Prevê o artº 192º, nº 2, alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados, a inscrição como advogado, com dispensa de estágio e do exame final de avaliação e agregação e, no mesmo sentido, disciplina o artº 12º, nº 1, do Regulamento nº 232/2007, de 04/09, que aprova o Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários.

Atento o caráter instrumental e provisório das providências cautelares e decorrente do facto de a admissão a estágio, a partir de uma certa fase ou, no caso dos autos, da admissão da inscrição imediata como advogado, implicar a prática de atos relativos à profissão, que não se compadece com a adoção de uma medida provisória, verifica-se que não é possível o decretamento de uma providência cautelar.

Por outro lado, face à invocação de um direito, liberdade e garantia, merecedor de tutela urgente, conclui-se, de acordo com o disposto no nº 1 do artº 109º do CPTA, que a forma de processo correta para a tramitação do presente processo é a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.

Não só está em causa a tutela do exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia ou de um direito fundamental análogo, como é caracterizada a urgência nessa tutela definitiva e ainda, que existe a indispensabilidade do meio, na ótica de subsidiariedade da presente intimação judicial, isto é, por serem insuficientes os restantes meios processuais.

Considerando que pretende a requerente o exercício da liberdade de acesso à profissão de advogado, invocando o preenchimento dos requisitos previstos para a respetiva inscrição, não é a tutela cautelar, adequada e idónea e, por maioria de razão, o decretamento provisório de uma providência cautelar apto, a assegurar a plenitude do exercício desse direito, atendendo à natureza dos atos a praticar a coberto da inscrição como advogado.

O exercício da profissão de advogado, atenta a sua relevância pública e social, inclusivamente no âmbito do sistema de justiça, não se mostra compatível com o caráter de provisoriedade próprio da tutela cautelar.

O mandato forense está dependente ou fortemente associado à relação de confiança que se estabelece entre o cliente e o advogado, na vertente da sua competência técnica e profissional, o que dificilmente é compaginável com uma inscrição provisória ou a prazo, a aguardar o desfecho de um outro processo judicial.

Isto é, não pode o exercício da profissão de advogado realizar-se de forma plena e integral com o simples decretamento de uma providência cautelar, nem com o decretamento provisório nos termos do artº 131º do CPTA, relegando a tutela de mérito para uma decisão judicial futura, cuja delonga é previsível, pois que isso não é compatível, por ser insuficiente e desadequado, quer à defesa dos direitos e interesses do advogado, quer com o interesse público associado ao exercício da advocacia.

Deve realçar-se que a própria Constituição, no artº 208º, consagra o patrocínio forense, a ser exercido por advogado, como “elemento essencial à administração da justiça”, numa relação de proximidade com o exercício da função jurisdicional, enquanto função soberana do Estado.

Todos os atores ou operadores judiciários, onde se inclui o advogado, contribuem, “em função da sua concreta atuação (…) para o resultado final, pois é em função da alegação de facto e de direito apresentada ao juiz, do peticionado em juízo, da prova requerida, produzida e respetiva iniciativa probatória, da promoção processual, da concreta atividade de investigação ou instrução que tiver sido desenvolvida, da maior diligência e celeridade empregue na condução do processo e do cumprimento dos prazos estabelecidos pelos diversos agentes da justiça, que se obterá o resultado final, que será diferente em função de toda essa atuação, com reflexo na decisão jurisdicional proferida.” – vide Ana Celeste Carvalho, “Responsabilidade Civil por Erro Judiciário – Uma Realidade ou um Princípio por Concretizar?”, Almedina, 2012, pág. 34-35.

Não será ainda de olvidar a definição de advogado dada por João de Castro Mendes, segundo a qual, “Os advogados são profissionais do foro, dotados de habilitação para exercer plenamente o mandato judicial e outras funções de caráter técnico-jurídico que compõem a advocacia”, inManual de Processo Civil”, Lisboa, 1963, pág. 240.

De resto, mostra-se incompreensível que seja a própria Ordem dos Advogados Portugueses, enquanto “associação pública representativa dos licenciados em Direito que, em conformidade com os preceitos deste Estatuto e demais disposições legais aplicáveis, exercem profissionalmente a advocacia”, a quem estão acometidas as atribuições, entre outras, de “zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de advogado” (cfr. artºs. 1º, nº 1 e 3º, alínea d), do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26/01/2005), que admita ou consinta que existam advogados “a prazo” ou “provisórios”, com o que isso implica ao nível do exercício do mandato forense, ou seja, com repercussões ao nível da defesa dos interesses da parte que representa ou assiste e da própria credibilidade e prestígio da profissão, regulada por normas de direito público.

No sentido da idoneidade do presente meio processual, cfr. os Acórdãos deste TCAS, datados de 01/07/2010, proc. nº 6392/10; de 19/01/2011, proc. nº 6881/10 e de 03/03/2011, proc. nº 07141/11.

Termos em que, perante o exposto, improcedem as conclusões do recurso em análise, por não provadas.

2. Erro de julgamento de Direito, por má aplicação do artº 192º, nº 1, alínea a), do Estatuto da Ordem dos Advogados [conclusões G), H), I), J), K) e L)]

No demais, vem a recorrente a juízo insurgir-se contra a sentença recorrida na parte em que julga procedente a intimação requerida, por errado julgamento de Direito, quanto à norma da alínea a) do nº 1 do artº 192º do Estatuto da Ordem dos Advogados, por entender que tal norma apenas assegura o direito de inscrição, sem precedência de realização de estágio, aos doutores em Direito, que desenvolvam ou desenvolveram no passado, com tal grau académico, a atividade docente, exigindo-se o exercício efetivo de funções docentes posteriormente à obtenção do doutoramento.

Não se prevendo qual o período mínimo de exercício efetivo de funções docentes, estamos perante uma lacuna da lei, que deverá ser preenchida, como no caso previsto na lei, para os antigos magistrados, como correspondendo à duração do estágio de advocacia para o exercício efetivo da magistratura.

Assim, insurge-se a Ordem dos Advogados contra o entendimento constante da sentença recorrida, de desconsiderar a exigência de um período mínimo de exercício efetivo de funções docentes.

Vejamos, antes de mais, o que prescreve a norma legal alvo de discórdia.

Estabelece o artº 192º do Estatuto da Ordem dos Advogados, sob epígrafe “Requisitos de inscrição”, o seguinte:

1 – A inscrição como advogado depende do cumprimento das obrigações de estágio com classificação positiva, nos termos do regulamento dos centros distritais de estágio aprovado.

2 – Excetuam-se do disposto no número anterior, prescindindo-se da realização do estágio e da obrigatoriedade de se submeter ao exame final de avaliação e agregação, podendo requerer a sua inscrição imediata como advogados:

a) Os doutores em Ciências Jurídicas, com efetivo exercício da docência;

b) Os antigos magistrados com exercício profissional por período igual ou superior ao do estágio, que possuam boa classificação.”.

Interpretar um texto quer dizer “decidir-se por uma entre muitas possíveis interpretações, com base em considerações que fazem aparecer tal interpretação como a «correta»”. “Objeto da interpretação é o texto legal como «portador» do sentido nele vertido (…)”, pelo que “o que caracteriza o processo de interpretação é que o intérprete só quer fazer falar o texto, sem acrescentar ou omitir o que quer que seja”, cfr. Karl Larenz, inMetodologia da Ciência do Direito”, Fundação Calouste Gulbenkian, 4ª ed., 2005, pág. 282-283 e 441.

Sobre a interpretação a expender, merece ser realçada a relação de excecionalidade que existe entre a norma do nº 1 e o disposto no nº 2 do artº 192º do Estatuto da Ordem dos Advogados, expressamente assumida pelo legislador no corpo do nº 2, de modo que as suas alíneas são disposições excecionais.

Como tal, tais alíneas do nº 2 do artº 192º, hão de ser interpretadas de modo restrito, por referência ao “âmbito nuclear” da norma e, em princípio, não são suscetíveis de aplicação analógica, de modo a assegurar o propósito de regulação do legislador.

Em face da redação do citado artº 192º, de imediato se impõe dizer que a ora recorrente trata as normas da alínea a) e da alínea b), como se fossem apenas uma, olvidando que o legislador definiu o respetivo regime excecional de inscrição, não num único preceito, como poderia ter feito, caso pretendesse a similitude do respetivo regime legal, mas em diferentes normas, disciplinando em termos diferentes o regime de inscrição, por parte de “doutores em Ciências Jurídicas e de antigos magistrados”.

Por isso, é de recusar a associação entre o âmbito das normas legais em causa, assim como a pretensa lacuna atribuída à alínea a) do nº 2 do citado artº 192º do Estatuto da Ordem dos Advogados, decorrente da não previsão de um período temporal mínimo quanto ao exercício efetivo da docência por parte dos doutores em Ciências Jurídicas.

O que pretende a recorrente, manifestada na sua alegação, isso sim, é transpor o regime legal previsto para os “antigos magistrados”, para os “doutores em Ciências Jurídicas”, por discordância nos termos em que a norma da alínea a) do nº 2 do citado artº 192º disciplina o seu respetivo regime de inscrição.

Por isso, é manifesta a falta de razão que assiste à recorrente, quando nas conclusões G) e H), alega que na norma do “artº 192º, nº 1, alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados” (a referência ao nº 1, deverá ser entendida como manifesto lapso de escrita, por estar em causa o nº 2 desse preceito), corresponde a “uma norma especial, que permite aos doutores em Ciências Jurídicas, com efetivo exercício da docência, bem como aos antigos magistrados que possuam boa classificação de serviço e exercício profissional por período igual ou superior ao do estágio de advocacia, requerer a sua inscrição imediata como advogados;”, por a citada alínea a) apenas disciplinar a situação jurídica dos doutores em Ciências Jurídicas.

Por outro lado, também não decorre da norma legal, que prevê aos doutores em Ciências Jurídicas, com efetivo exercício da docência, o direito de requerer a sua inscrição imediata como advogados, a previsão de qualquer tempo mínimo de exercício da docência, como pretende a Ordem dos Advogados, indo para além do que dispõe a própria lei.

Existem limites, assim como regras, quanto à interpretação da norma jurídica, nos termos que decorrem do artº 9º do Código Civil, defendendo a recorrente quanto à norma da alínea a) do nº 2 do artº 192º do Estatuto da Ordem dos Advogados, uma interpretação que não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

O significado da lei, visado pela interpretação, tem de se situar no âmbito do sentido possível da norma, o que a interpretação defendida pela recorrente, claramente, extravasa.

Além disso, parte do pressuposto de que o legislador consagrou a solução menos acertada e não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, em manifesta violação do nº 3 do citado artº 9º.

Fazer depender a inscrição imediata como advogados, os doutores em Ciências Jurídicas, com efetivo exercício da docência, de um qualquer período mínimo de exercício da docência, ao arrepio da norma legal que consagra esse direito, por alegado paralelismo ou analogia ao exercício de outra função, constitui uma atividade, não de interpretação, mas de criação do Direito, vedada ao intérprete e aplicador da norma jurídica, por caber ao titular do poder legislativo.

Assim, é de recusar existir qualquer lacuna na lei, que careça de ser preenchida por recurso à analogia, a qual não só não se mostra corretamente configurada em juízo, como, em princípio, estaria vedada, atenta a natureza excecional das normas em causa.

Por outro lado, vigora o princípio do dever de obediência à lei, que a Ordem dos Advogados Portugueses não deveria olvidar, em virtude das suas legais atribuições, de entre as quais, as previstas nas alíneas h) e i), do artº 3º do Estatuto, quanto o de lhe caber “Promover o acesso ao conhecimento e aplicação do direito” e de “Contribuir para o desenvolvimento da cultura jurídica e aperfeiçoamento da elaboração do Direito”.

A norma jurídica surge como imperativo que exprime da vontade da comunidade e do Estado-legislador.

Por isso, “(…) o juiz, no Estado legalista, não pondera os interesses segundo a sua fantasia, mas vinculado às soluções dada aos conflitos pelo legislador. Vale o princípio da fidelidade à lei. O juiz apenas concretiza, de caso para caso, as soluções gerais dadas aos conflitos pela lei, ao verificar, por confronto, que o conflito concreto se configura da mesma forma que o conflito «intuído» pelo legislador ao criar a norma. Também no preenchimento de lacunas se deve respeitar o mais possível a vontade do legislador. Somente quando o Direito excecionalmente autorize o juiz a assentar a decisão na sua própria apreciação dos interesses, e especialmente nas delegações discricionárias, é que o juiz assume o papel de legislador. Assim como somente poderá o juiz corrigir uma lei mal concebida (formulada) quando por essa maneira contribua para dar efetividade à verdadeira vontade do legislador – do legislador que pondera e coordena os interesses.” – cfr. Karl Engisch, “Introdução ao Pensamento Jurídico”, Fundação Calouste Gulbenkian, 9ª ed., 2004, pág. 370.

Do que decorre da citada alínea a) do nº 2 do artº 192º do Estatuto da Ordem dos Advogados consiste, por isso, no direito de inscrição imediata como advogados, aos doutores em Ciências Jurídicas, que se encontrem em exercício efetivo de funções docentes, a que corresponde o dever da Ordem dos Advogados, segundo uma dimensão positiva, de admitir essa inscrição.

Assim, não incorre a sentença recorrida na censura que lhe é dirigida, ao recusar aplicar o regime previsto para os antigos magistrados, aos doutores em Ciências Jurídicas, por a lei disciplinar diferentemente tais situações jurídicas e, nem ainda, ao não fazer depender o direito de inscrição imediata como advogado aos doutores em Ciências Jurídicas, em exercício efetivo de funções docentes, de qualquer período mínimo de exercício efetivo de docência, por a lei não o prever.

Pelo que, improcedem as conclusões dirigidas contra a sentença recorrida.


*

Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é um processo principal a que só é legitimo recorrer, de acordo com o princípio da tipicidade dos meios processuais, ínsito no artº 2º, nº 2 do CPC, e de acordo com os pressupostos materiais previstos no nº 1 do artº 109º do CPTA, quando esteja em causa a lesão ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia ou de um direito fundamental análogo, cuja proteção se revele indispensável à célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa, por não ser possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, inclusive segundo o disposto no artº 131º do CPTA.

II. Estando em causa a tutela do direito à inscrição imediata como advogada, nos termos do artº 192º, nº 2, alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26/01), por a requerente ser doutora em Ciências Jurídicas, em efetivo exercício da docência, mostra-se meio processual próprio e adequado, a presente intimação, prevista e regulada no artº 109º do CPTA.

III. Atento o caráter instrumental e provisório das providências cautelares e decorrente do facto de a admissão a estágio, a partir de uma certa fase ou, no caso dos autos, da admissão da inscrição imediata como advogado, implicar a prática de atos relativos à profissão, tal não se compadece com a adoção de uma medida provisória.

IV. O exercício da profissão de advogado, atenta a sua relevância pública e social, inclusivamente no âmbito do sistema de justiça, não se mostra compatível com o caráter de provisoriedade próprio da tutela cautelar.

V. O mandato forense está dependente ou fortemente associado à relação de confiança que se estabelece entre o cliente e o advogado, na vertente da sua competência técnica e profissional, o que é dificilmente compaginável com uma inscrição provisória ou a prazo, a aguardar o desfecho de um outro processo judicial.

VI. Não pode o exercício da profissão de advogado realizar-se de forma plena e integral com o simples decretamento de uma providência cautelar, nem com o seu decretamento provisório, nos termos do artº 131º do CPTA, relegando a tutela de mérito para uma decisão judicial futura, cuja delonga é previsível, pois que isso não é compatível, por ser insuficiente e desadequado, quer à defesa dos direitos e interesses do advogado, quer com o interesse público associado ao exercício da advocacia, atendendo à natureza dos atos a praticar a coberto da inscrição como advogado.

VII. O artº 208º da Constituição, consagra o patrocínio forense, a ser exercido por advogado, como “elemento essencial à administração da justiça”, numa relação de proximidade com o exercício da função jurisdicional, enquanto função soberana do Estado.

VIII. A função social, dignidade e prestígio da profissão de advogado”, cuja atribuição de zelar se encontra acometida, por lei, à Ordem dos Advogados, não se compatibiliza com a existência de advogados “a prazo” ou “provisórios”, com repercussões ao nível do exercício do mandato forense e da credibilidade da profissão, regulada por normas de direito público.

IX. Consagra-se no artº 192º, nº 2, alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados, o direito de inscrição imediata como advogados, aos doutores em Ciências Jurídicas, em exercício efetivo de funções docentes, a que corresponde o dever da Ordem dos Advogados, segundo uma dimensão positiva, de admitir essa inscrição, sem dependência de qualquer tempo mínimo de exercício da docência.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Maria Cristina Gallego Santos)

(António Paulo Vasconcelos)