Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11690/14
Secção:
Data do Acordão:01/15/2015
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:ASSEMBLEIAS DISTRITAIS
FALTA DE PERSONALIDADE E CAPACIDADE JUDICIÁRIAS – LEI Nº 36/2014, DE 26 DE JUNHO
Sumário:I – Com a entrada em vigor em 1 de Julho de 2014 da Lei nº 36/2014, de 26 de Junho, que derrogou o regime do Decreto – Lei nº 5/91 , de 8 de Janeiro, as assembleias distritais ficam proibidas de angariar receitas, assumir despesas, contrair empréstimos, contratar ou manter trabalhadores.

II – Nos termos do artigo 9º da citada Lei nº 36/2014, os municípios que se encontrem em incumprimento do dever de contribuir para os encargos das assembleias distritais constituirão uma receita que será integrada na universalidade a transferir, sendo a entidade receptora a quem esta for afecta e não já a Recorrente – Assembleia Distrital de Lisboa – que terá personalidade e capacidade judiciária para cobrar eventuais pagamentos em atraso.

III – Por falta de personalidade e capacidade judiciária activa a Assembleia Distrital de Lisboa carece de interesse directo em demandar , configurando-se deste modo a excepção dilatória prevista na al. b) do nº 1 do artigo 89º do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:

A Assembleia Distrital de Lisboa, com sinais nos autos, inconformada com a sentença do TAC de Lisboa, de 26 de Setembro de 2014, que indeferiu o decretamento da providência cautelar de regulação provisória de uma situação jurídica, por julgar procedente a excepção dilatória da falta de personalidade judiciária, e, em consequência, decretou a absolvição da instância do requerido Município de Lisboa, dela recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:

“ 1. Em 30 de Setembro de 2014, foi proferida Sentença pelo Tribunal a quo de indeferimento da Providência Cautelar de Regulação Provisória de uma situação Jurídica;

2. Por entender, o Tribunal a quo que a Assembleia Distrital de Lisboa não tinha personalidade judiciária.

3. Fundamentando tal decisão no facto da Lei 36/2014, de 26 de Junho, ter retirado das suas competências a capacidade de poder administrar o seu património.

4. Ora, a recorrente não concorda com tal entendimento.

5. Por entender que o regime previsto na Lei 36/2014, de 26 de Junho, não entrou logo na sua totalidade em vigor.

6. Pois, a Lei 36/2014 estabelece um período de preparação da transferência do património imóvel, móvel, dos trabalhadores e dos serviços abertos ao público, que vai até junho de 2015.

7. Não tendo o legislador previsto um regime próprio para o período que medeia entre a entrada em vigor da lei 36/2004 e a concretização da transferência, então temos de concluir que o espirito presidiu à construção legislativa foi o de que continuam a funcionar as Assembleias Distritais.

8. Administrando o seu património;

9. Pagando os vencimentos dos seus trabalhadores;

10. Recebendo as rendas;

11. Mantendo os serviços abertos ao público em funcionamento.

12. Pelo que não se pode concluir que fico logo sem personalidade judiciária as assembleias distritais.

13. Devendo ser considerado que as assembleias distritais até à concretização total da transferência manter a sua personalidade judiciária.

14. Os autos devem voltar ao Tribunal a quo para que o mesmo possa apreciar e decidir sob a matéria substantiva dos presentes autos.”

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O Município de Lisboa contra alegou pugnando pela manutenção do decidido.

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Sem vistos foi o processo submetido à conferência para julgamento.

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A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663º nº 6 do Código de Processo Civil.

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Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAC de Lisboa que indeferiu o decretamento da providência cautelar de regulação provisória de uma situação jurídica, por julgar procedente a excepção dilatória da falta de personalidade judiciária, e, em consequência, decretou a absolvição da instância do requerido Município de Lisboa.

A sentença em causa fundamentou a sua decisão no seguinte: “ Em 1/7/2014 entrou em vigor a Lei nº 36/2014, de 26 de Junho, que estabelece o regime jurídico das assembleias distritais.
Nos termos do artigo 9º do Anexo à referida Lei, as assembleias distritais ficam proibidas de angariar receitas, assumir despesas, contrair empréstimos e contratar ou manter trabalhadores.
Acresce que a Lei nº 26/2014, de 26 de Junho, vei0 regular a transferência de todo o seu património, as dividas e os trabalhadores para uma das entidades recetoras, referidas no artigo 3º.
Até à entrada em vigor da referida Lei as Assembleias Distritais tinham poderes para administrar e dispor do seu património, constituído não só por bens móveis, mas também por bens imóveis, de acordo com o artigo 15º, nº 1 do Decreto – Lei nº 5/91, de 8 de Janeiro, podendo, inclusive aliená-lo (artigo 9º al.c). Atribuindo-lhe, desta forma, determinadas receitas, admitia-se conceder-lhe os meios para, em caso de litígio, poder exercitar esses mesmos direitos e exigir aquilo a que legalmente tinha direito, requerendo, caso necessário, as competentes providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei.
Com efeito, ao atribuir-lhe tais competências, a lei reconhecia às Assembleias Distritais personalidade judiciária, que consistia e consiste na susceptibilidade de ser parte - actual artigo 11º do CPC.
Todavia, com a entrada em vigor do novo regime jurídico das assembleias distritais, a lei confinou-lhes as competências a :
“a) Discutir e deliberar, por iniciativa própria ou a solicitação de outras entidades públicas, sobre questões relacionadas com o interesse comum das populações do distrito ou o desenvolvimento social deste;
b) Elaborar e aprovar o seu regimento “ – artigo 5º.
De facto, as assembleias distritais deixaram de poder administrar o seu património, carecendo, assim, de personalidade judiciária, pois já não são susceptíveis de serem parte.
Alega a requerente que, ainda assim, tem personalidade judiciária, por força do artigo 9º da Lei nº 36/2004, de 26 de Junho.
Refere este artigo que “os municípios que se encontram em incumprimento do dever de contribuir para os encargos das assembleias distritais, incluindo os referentes a trabalhadores, previsto no artigo 14º do Decreto – Lei nº 5/91, de 8 de Janeiro, devem regularizar os respectivos pagamentos em atraso”.
Esta norma transitória apenas obriga os municípios a regularizar os pagamentos em atraso, sendo que essa receita será integrada na universalidade, por força do disposto no artigo 2º nº 1 da Lei nº 36/2014, de 26 de Junho.
Ora, quem terá personalidade para cobrar os eventuais pagamentos em atraso será a entidade receptora a quem será afecta a universalidade e não já à assembleia distrital.
Pelo exposto, carecendo a requerente de personalidade judiciária para a presente acção, deve o requerido ser absolvido da instância, nos termos do artigo 89º nº 1 al. b) do CPTA (…)”.
Concordando em parte com a sentença em crise, a Recorrente veio contudo inflectir a sua adesão com o fundamento de que a Lei nº 36/2014, de 26 de Junho, prevê um regime de transição consignado nos artigos 1º a 9º do regime jurídico das assembleias distritais que afirma terminar em 11 de Junho de 2015.
Destarte, em seu entender, até esse momento , e porque detentoras de uma personalidade jurídica, composta por situações jurídicas patrimoniais activas e passivas (cfr. artigos 2º nº 1 e 5 da citada Lei), detêm as Assembleias Municipais plena capacidade jurídica de administrar essa universalidade e nessa medida a inerente capacidade judiciária para a defesa e tutela dos seus direitos.
Vejamos se assim é de entender.
Estabelece o artigo 9º nº 2 do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, que: “ Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”
Ora, com a entrada em vigor da Lei nº 36/2014, e de acordo com o seu artigo 10º, o Decreto – Lei nº 5/91, de 8 de Janeiro (anterior regime jurídico das Assembleias Distritais), foi derrogado, não tendo sobrado nenhum artigo deste diploma que mantivesse vigência até à efectiva transferência e futura extinção das assembleias distritais.
Por seu lado, o artigo 9º do actual regime jurídico das assembleias distritais determina a proibição das assembleias angariarem receita, assumirem despesa, contraírem empréstimos e contratarem ou manterem trabalhadores.
Na verdade, da interpretação conjugada da Lei nº 36/2014, bem como do Anexo que aprovou o novo regime jurídico das assembleias municipais, resulta nítido que foi intenção do legislador conferir-lhes unicamente poderes de gestão interina, ou provisórios, obrigando-as a encetarem o procedimento de transição das universalidades de que são compostas, conforme decorre do artigo 3º da citada Lei.
E, caso as assembleias não actuem no sentido determinado no mencionado artigo 3º, que impõe o decurso do prazo de 120 dias para o efeito, o membro do Governo da área da administração local iniciará o procedimento conforme o artigo 5º que terminará com a transferência da universalidade jurídica que compõe as diversas assembleias distritais para a entidade intermunicipal da capital do respectivo distrito, ou para o município da capital do respectivo distrito ou em ultimo caso para o Estado, e por esta ordem de preferência.
Concluímos do exposto que não foi intenção do legislador, durante este período – 120 dias -, dotar as assembleias distritais da plena capacidade jurídica de administrarem os seus bens, ao invés do que vinham fazendo até à entrada em vigor da presente lei.
A conclusão que a Recorrente pretende extrair do teor vertido no artigo 9º da Lei nº 36/2014, isto é, de que a Recorrente entre as demais assembleias distritais até à conclusão do processo de transferência da universalidade de que é composta, poderia exigir o cumprimento junto dos municípios de pagamentos em atraso, encontra na sentença em crise a solução prevista pelo legislador a qual não passa necessariamente por conferir personalidade judiciária à Recorrente.
Com efeito, nos termos do citado artigo 9º, os municípios que se encontrem em incumprimento do dever de contribuir para os encargos das assembleias municipais constituirão uma receita que será integrada na universalidade a transferir, sendo a entidade receptora a quem esta for afecta e não já a Recorrente que terá personalidade judiciária para cobrir os eventuais pagamentos em atraso.
Destarte, destituída de personalidade e capacidade judiciária activa, e sem interesse directo em demandar por parte da Recorrente, configura-se a excepção dilatória prevista na al. b) do nº 1 do artigo 89º do CPTA, tal como foi decidido na sentença recorrida.
Assim, improcedendo todas as conclusões da Recorrente, é de negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar na integra a sentença recorrida.

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Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em negar provimento ao recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida.

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Custas pela Recorrente.


Lisboa, 15 de Janeiro de 2015
António Vasconcelos
Pedro Marchão Marques
Conceição Silvestre