Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:290/20.2BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:ADUANEIRO
CONTROLO ADUANEIRO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - A administração aduaneira, nas decisões que profira, está obrigada ao respeito pelo dever de fundamentação, respeito esse fundamental para assegurar o direito de defesa do administrado e, dessa forma, assegurar a tutela jurisdicional efetiva.
II - Não está cabalmente fundamentada a decisão proferida pela administração aduaneira (na sequência da qual foi emitida liquidação de direitos e IVA, por existirem dúvidas sobre o valor aduaneiro declarado), quando nessa decisão não resulta cabalmente explanada a motivação subjacente à existência de dúvidas fundadas, à não consideração dos elementos adicionais apresentados pelo administrado e ao motivo pelo qual foi tomada uma determinada opção em termos de método adotado, não sendo suficientes meras fórmulas conclusivas.
III - A falta de fundamentação só pode ser considerada como irregularidade não invalidante quando foi possível concluir, com a certeza exigível, que a decisão seria sempre a mesma, o que não ocorre quando nem se conseguem alcançar os pressupostos de base da atuação da administração.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, veio recorrer da sentença proferida em 2021.11.22, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou procedente a impugnação apresentada por M… International Trade, S.A., contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa que esta apresentara, contra o ato de liquidação de direitos e imposto sobre o valor acrescentado praticado pelo Chefe da Delegação Aduaneira de Sines, referente a importação realizada ao abrigo da declaração n.º 2019PT00067064307910, de 2019.08.30, no valor global de € 18 763,85, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, formula as seguintes conclusões:

A. «Vem o presente recurso interposto da douta sentença datada de 22-11-2021, que julgou procedente a impugnação supra identificada, por ter entendido que a liquidação impugnada, objecto mediato da presente impugnação, padecia de falta de fundamentação, o que determinava a sua anulação e obstava à apreciação das demais questões e dos demais vícios nos termos do art.º 124.º n.º 2 b) do CPPT;
B. Para chegar a essa decisão, o douto tribunal a quo considerou que a Delegação Aduaneira de Sines (DAS) não esclareceu as razões concretas de facto e de direito pelas quais considerou o valor declarado da mercadoria “excecionalmente” baixo nem pelas quais não pode recorrer a outros métodos de determinação do valor aduaneiro.
C. Para tal assentiu o douto tribunal que:
C1. não se extrai do projeto de decisão de liquidação, (que consta da al.h) da matéria de facto provada) o porquê da documentação apresentada pela impugnante não ser esclarecedora «para a determinação do valor aduaneiro da mercadoria em causa»;
C2.Não se explicam as premissas de que parte a DAS para concluir, como resulta do projeto de decisão de liquidação, (que consta da al.h) da matéria de facto provada) que o valor faturado é “excecionalmente” baixo, «em comparação com os valores médios, para mercadorias da mesma classificação pautal importados em território nacional nos últimos seis meses»;
C3. Não se explica ou não se compreende porque é que não foi possível aplicar outro método de determinação do valor aduaneiro das mercadorias «com o argumento de que não foi possível aceder às características das mercadorias, quando antes daquele projeto de decisão essas mercadorias foram objeto de controlo físico; (cfr.al.c) matéria de facto provada)»;
C4. A Administração não ponderou nem se pronunciou sobre o exercício do direito de audição exercido pela impugnante como evidencia a decisão final;
D. E determina a procedência da ação, absolvendo a Fazenda quanto ao pagamento dos juros indemnizatórios.
E. Com a devida vénia não pode a Fazenda conformar-se com tal sentido decisório quer quanto à apreciação da matéria de facto, quer de direito, entendendo, que a sentença padece de erro de facto e de direito ao julgar a impugnação procedente.
F. Com efeito existe erro de julgamento em matéria de facto - porquanto a douta sentença faz errada valoração da prova carreada para os autos, porquanto sustenta conclusões em factos do probatório [alíneas h) c) k) da matéria de facto provada], que não permitiriam retirar tais ilações.
G. Existe erro de julgamento em matéria de direito por errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 60.º n.º 7 e 77.º, n.º 1, da LGT não se conformando a Fazenda Pública com a interpretação e conclusões daquele douto tribunal;
H. Desde logo, porque resulta da prova carreada para os autos, que a Administração cumpriu o dever de fundamentação do ato de liquidação notificado à impugnante.
Assim:
I. Considerou a douta sentença, que no projeto de decisão “Não se explicam, (…) os pressupostos de que parte para concluir que o valor facturado é não só baixo, mas excepcionalmente baixo, uma vez que tal conclusão teve que resultar necessariamente de uma comparação entre esse valor facturado e o valor daqueles valores médios, sendo certo que ali não se referem quais são esses valores médios”
J. Ora, não se pode aceitar tal conclusão, revisitando a informação n.º 054/APV/19 (cfr.al.h) da matéria de facto provada), em particular o ponto 2, consta que as dúvidas fundadas suscitadas pela DAS alicerçaram-se no facto do valor faturado das mercadorias importadas se encontrar excecionalmente baixo em comparação com os valores estatísticos médios da União Europeia para as mercadorias em causa (valores AMT).
K. Valores estatísticos médios ou valores AMT que se encontram expressamente indicados na referida informação, ponto 8, como sejam o: “valor proposto: base valor AMT 72.577,81€ ” e o “ valor declarado: 20.332,64€”.
L. Encontram-se ainda indicadas (no já invocado ponto 8 daquela informação), a taxa de direitos, a taxa de IVA, o montante dos direitos apurados pela “diferença” entre o valor declarado e o valor proposto, a base tributável do IVA e o montante de IVA calculado pela “diferença”;
M. Apurando-se, por comparação entre os dois indicados valores, que o valor transacional declarado corresponde a cerca de 28% do valor aduaneiro calculado tendo por base o valor AMT correspondente.
N. Ou seja, ao contrário do que conclui o douto tribunal a quo, a referida informação não só claramente identifica o valor AMT para a mercadoria quando enuncia que a base valor AMT é 72.577,81€, como claramente identifica o “pressuposto” de que parte a DAS, para concluir que o valor declarado é excessivamente baixo, ao calcular os direitos e o IVA pela “diferença”, ou seja pelo resultado da comparação entre os dois atrás referidos valores ( 72.577,81€ e 20.332,64€ )
O. Mais, da informação n.º 054/APV/19, consta ainda que é intenção daquela instância aduaneira, proceder à cobrança do “montante apurado com base nos valores AMT, retirado o valor declarado”.
P. Ou seja não só a recorrida é informada dos montantes “declarado” e “proposto” conforme se transcreve: “valor declarado: 20.332,64€”, e “valor proposto: base valor AMT: 72.577,81€”, como é ainda informada sobre como se obtiveram os montantes de direitos aduaneiros e de IVA.
Q. Pelo que, ao contrário do que concluiu a douta sentença, não existe omissão da indicação do valor médio, que se encontra expressamente indicado -72.577,81€- serve de comparação com o valor transacional declarado - 20.332,64€ - e permitiu à DAS concluir ser este valor transacional declarado “excecionalmente baixo” por comparação com o primeiro.
Por outra via,
R. Considerou o douto Tribunal a quo que, não obstante a documentação junta e as explicações dadas pela Impugnante, «não se extrai porque é que» as mesmas não foram esclarecedoras.
Ora,
S. Resulta do n.º 2 do artigo 140.º do AE-CAU que as autoridades aduaneiras «podem decidir que o valor das mercadorias não pode ser determinado em conformidade com o artigo 70.º, n.º 1, do Código» caso as suas dúvidas (fundadas) não sejam dissipadas na sequência, designadamente, das informações adicionais facultadas pelo declarante.
T. Da análise dos documentos que constituem o processo administrativo é possível extrair as seguintes conclusões:
U. Através do seu ofício n.º 419/2019, a DAS deu logo indicações claras da forma apropriada para a Impugnante ora recorrida dissipar as referidas dúvidas fundadas. Assim, através desse ofício, a DAS notificou a impugnante ora recorrida para que fosse «disponibilizada, por escrito, uma explicação para o facto do valor transacional declarado ser extremamente baixo, devendo essa explicação ser fundamentada mediante a apresentação de provas adicionais (…) passíveis de suportar essa fundamentação».
V. Nesse ofício, a DAS informou ainda a impugnante ora recorrida que a apresentação de documentos autênticos que atestassem o valor transacional declarado não invalidava que as autoridades aduaneiras mantivessem as dúvidas fundadas «caso esses documentos não permitam justificar o valor transacional declarado (Acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de junho de 2016 no Processo C-291/15, aplicável por analogia)».
W. Assim, desse ofício n.º 419/2019 extraem-se duas conclusões importantes. Em primeiro lugar, o foco foi colocado na necessidade de ser apresentada uma explicação, por escrito, para o facto do valor transacional declarado ser extremamente baixo.
X. E ainda na necessidade de, juntamente com a explicação válida apresentada, ser junta a prova do alegado.
Y. Num segundo plano, esse ofício demonstra igualmente a relevância dada ao acórdão do Tribunal de Justiça de 16/06/2016, no Processo C-291/15.
Z. Na informação n.º 054/APV/19 constam as razões que, em complemento das indicadas no referido ofício 419/2019, levaram a DAS a concluir que a Impugnante ora recorrida não dissipou as dúvidas fundadas referindo-se que os elementos apresentados não justificam o facto do valor faturado das mercadorias importadas se encontrar excecionalmente baixo em comparação com os valores AMT, resultando do ponto 8 da mesma, que o valor transacional declarado corresponde a cerca de 28% do valor aduaneiro calculado tendo por base o valor AMT correspondente.
AA. Esta constatação deve ser lida em conjugação com a explicação dada no ofício n.º 419/2019, do qual decorre o significado dos valores AMT e a forma como os mesmos são obtidos.
BB. É manifesto que, estando em causa mercadorias abrangidas pela posição pautal 6209909090 (que incluem igualmente artigos descartáveis), não se vislumbra em que medida é que tal facto (serem artigos descartáveis) pode justificar que o valor faturado seja excecionalmente baixo (cerca de 28%) quando comparado com o valor aduaneiro calculado com base no valor AMT, (uma vez que este valor AMT também se reporta à mesma mercadoria e à mesma posição pautal);
CC. Como é também manifesto que o facto da relação negocial entre a Impugnante ora recorrida e fornecedor durar há alguns anos, segundo alega a Impugnante, não ser por si só, passível de justificar que o valor faturado corresponda a 28% do valor aduaneiro calculado com base no valor AMT correspondente.
DD. Nessa medida, não se vê que considerações adicionais poderiam ter sido formuladas pela DAS relativamente às explicações dadas pela Impugnante ora recorrida.
EE. Sendo certo que a impugnante não juntou prova bastante para justificar o preço declarado para a mercadoria em questão face ao valor AMT correspondente, nem esclareceu sem margem para dúvida fundada a razão de tal preço.
FF. É, na verdade, essa a razão pela qual a DAS, na informação n.º 054/APV/19, faz referência ao acórdão do Tribunal de Justiça no Processo C-291/15 e ao facto do mesmo referir que a apresentação pelo declarante, na sequência de um pedido de informações adicionais, de documentos autênticos que atestem o valor transacional das mercadorias importadas, não invalida que as autoridades aduaneiras mantenham as suas dúvidas quanto à exatidão do valor transacional declarado dessas mercadorias.
GG. Nomeadamente quando esses documentos, em conjugação com a explicação dada, não permitam perceber a razão pela qual o valor transacional declarado é extremamente baixo quando comparado com o preço estatístico médio.
HH. Na douta sentença é referido que «também não se explica, ou pelo menos, não se compreende porque é que não foi possível aplicar outro método de determinação do valor, com o argumento de que não foi possível aceder às características das mercadorias, quando antes daquele projecto de decisão essas mercadorias foram objecto de controlo físico; (Cfr alínea c) da matéria de facto provada)».
II. Em relação a este aspeto importa, desde logo, ter presente que, ao contrário do que conclui o douto tribunal, consta do ponto 7 da informação n.º 054/APV/19, o motivo pelo qual não foi possível aplicar outro método de determinação do valor aduaneiro conforme em súmula se transcreve: «não existe a possibilidade de aceder às características das mercadorias importadas, o que permitiria obter o valor de mercadorias idênticas ou similares. Por outro lado, constata-se que a descrição dos itens das faturas é demasiado genérica o que impede uma caracterização objetiva».
JJ. Ora esse ponto 7 relaciona-se com a impossibilidade de aceder às características das mercadorias importadas ao abrigo de outras declarações aduaneiras (que não a declaração aduaneira 2019PT00067064307910 de 30/08/2019, aqui em causa).
KK. Com efeito, só assim se percebe que, nesse ponto 7, se refira que essa impossibilidade impediu a obtenção do «valor de mercadorias idênticas ou similares» ou se fale em «faturas» (quando a mercadoria aqui em causa está abrangida por uma única fatura).
LL. Na verdade, e conforme se retira das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 74.º do CAU, a utilização do método do valor transacional de mercadorias idênticas ou do método transacional de mercadorias similares permite atender ao valor faturado relativo a importações ocorridas antes da importação das mercadorias a avaliar, que no caso em apreço e com a motivação que consta da referida informação não foi possível.
MM. Deveras, no caso presente, a AT não dispunha de outros elementos com vista a estabelecer um valor de substituição que não fosse o recurso aos valores médios constantes das bases de dados disponibilizados na ferramenta AMT.
NN. Por isso a fundamentação usada pela DAS para efeitos da rejeição do método do valor transacional, encontra-se plenamente realizada e é perceptível para o administrado “colocado na posição de um destinatário normal” (conforme acórdão de 12 de Março de 2014, proc. 01674/13).
OO. Na mesma linha, a jurisprudência e a doutrina têm consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua pratica. ( Ver neste sentido, os acórdãos 01.04.1992, AD de 22.02.1995, pag. 590, de 28.5.87, in AD 315, 367, de 12.02.87, in AD 317, 581, de 11.05.89, in AD 335, 1398, de 19.05.88 in Ad 325, 38, de 25.10.88, in AD 327, 37, e de 10.01.1989, in AD 339, 303, todos citados no Código de Procedimento Administrativo, anotado e comentado, de José Manuel Botelho, Pires Esteves e José Cândido de Pinho, 2ª edição, pags. 396 e segs.)
PP. Prescreve por sua vez o n.º 3 do Art.º 268º da CRP que «Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos». Ora o sentido de tais normativos, visa propiciar ao cidadão o conhecimento das razões justificativas do acto, razões estas que hão de, em consequência, traduzir-se numa exposição dos pressupostos de facto e de direito com base nos quais são estatuídos os efeitos jurídicos em que se traduz o acto administrativo-tributário, que sejam aptas a propiciar ao contribuinte uma consistente e consciente opção de decisão sobre a sua aceitação ou impugnação administrativa ou judicial.
QQ. Ora como a jurisprudência do Supremo Tribunal administrativo tem afirmado (v., por todos, acórdão de 12 de Março de 2014, proc. 01674/13) “[O] acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação.
RR. Sustenta a melhor doutrina que o ato tributário, tem que ser sustentado por um mínimo suficiente de fundamentação expressa sendo que em harmonia com esta doutrina, destacam os Ac. do STA proferidos nos processos nºs 743/09, 619/11 e 1002/08, respetivamente em 21.04.2010, 30.11.2011 e 11.02.2009.
Por outra via,
SS. Concluiu ainda o douto tribunal a quo que a DAS violou o disposto no artigo 60.º, n.º 7, da LGT, na medida em que não ponderou nem se pronunciou, na fundamentação do ato de liquidação, sobre o exercício do direito de audição exercido pela ora recorrida.
Vejamos.
TT. Segundo jurisprudência assente, o respeito dos direitos de defesa constitui um princípio fundamental do direito da União, do qual o direito de ser ouvido faz parte integrante (acórdão do Tribunal de Justiça de 03/07/2014 nos Processos C-129/13 e C-130/13, n.º 28 e jurisprudência referida).
UU. Por força deste princípio, que é aplicável sempre que a Administração se propõe adotar em relação a uma pessoa um ato lesivo dos seus interesses, os destinatários de decisões que afetem de modo sensível os seus interesses devem ter a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre os elementos com base nos quais a Administração tenciona tomar a sua decisão (acórdão do Tribunal de Justiça de 03/07/2014, nos Processos C-129/13 e C-130/13, n.º 30 e jurisprudência referida).
VV. Esta obrigação incumbe às Administrações dos Estados-Membros sempre que estas tomem decisões que recaem no âmbito de aplicação do direito da União, mesmo que a regulamentação aplicável não preveja expressamente essa formalidade (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 18/12/2008 no Processo C-349/07, n.º 38, e de 03/07/2014, nos Processos C-129/13 e C-130/13, n.º 31).
WW. O Tribunal de Justiça recordou, a este propósito, que a regra segundo a qual deve ser dada ao destinatário de uma decisão lesiva a possibilidade de apresentar as suas observações antes de esta ser tomada destina-se a permitir que a autoridade competente possa ter utilmente em conta todos os elementos pertinentes. A fim de assegurar uma proteção efetiva da pessoa ou da empresa em causa, essa regra tem, designadamente, por objeto permitir que estas últimas corrijam um erro ou invoquem tais elementos relativos à sua situação pessoal que militem no sentido de a decisão ser ou não tomada ou de ter este ou aquele conteúdo (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 18/12/2008, no Processo C-349/07, n.º 49, e de 03/07/2014, nos Processos C-129/13 e C-130/13, n.º 38).
XX. Nestas condições, o respeito dos direitos de defesa implica ainda que a Administração tome conhecimento, com toda a atenção exigida, das observações da pessoa ou empresa em causa. v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 18/12/2008, no Processo C-349/07, n.º 50).
YY. Para tal, é apenas necessário ter em conta o prazo decorrido entre o momento em que a Administração em questão recebeu as observações da pessoa ou empresa em causa e a data em que tomou a sua decisão, não sendo necessário que a Administração tenha em conta, na sua decisão, as observações suscitadas em sede de audição prévia (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 18/12/2008, no Processo C-349/07, n.os 51 e 54, e acórdão do Tribunal Geral de 12/12/2014 no Processo T-643/11, n.º 43).
ZZ. Por outro lado, importa ter em consideração que a legislação aduaneira da União estabelece regras próprias em matéria de audição prévia do interessado antes de ser tomada uma decisão, pelas autoridades aduaneiras, que tenha consequências adversas para o interessado.
AAA. Assim, importa ter em linha de conta, designadamente, o disposto no artigo 22.º, n.º 6 do CAU (aplicável no contexto da cobrança de uma dívida aduaneira em face do que dispõe o artigo 29.º do CAU), nos artigos 8.º a 10.º do AD-CAU e nos artigos 8.º e 9.º do AE-CAU.
BBB. Refira-se, por fim, que a obrigação que incumbe ao órgão jurisdicional nacional de assegurar o pleno efeito do direito da União não tem sempre por consequência a anulação de uma decisão impugnada, quando esta tiver sido adotada em violação dos direitos de defesa.
CCC. Com efeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma violação dos direitos de defesa, em particular do direito de ser ouvido, só implica a anulação da decisão tomada no termo do procedimento administrativo em causa se, na inexistência dessa irregularidade, o procedimento pudesse conduzir a um resultado diferente (acórdãos do Tribunal de Justiça de 10/09/2013 no Processo C-383/13, n.º 38, e de 03/07/2014, nos Processos C-129/13 e C-130/13, n.os 78 e 79).
DDD. Em face do acima exposto, é de concluir que a audição prévia do interessado, no quadro de uma ação de cobrança de uma dívida aduaneira, deve atender ao regime legal consagrado no Direito da União, o qual deve ser interpretado à luz do principio fundamental do direito da União do respeito dos direitos de defesa, e a forma como esse princípio é interpretado pela jurisprudência designadamente do Tribunal de Justiça da União Europeia.
EEE. Não havendo, pois, margem legal para a aplicação do regime previsto no direito nacional, e em particular o artigo 60.º, n.º 7, da LGT.
FFF. Pelo que será possível concluir que a DAS não violou o disposto nessa norma.
GGG. Contudo, admitindo, por mera hipótese, que se venha a concluir pela aplicabilidade, à presente situação, do disposto no artigo 60.º, n.º 7, da LGT, sempre haverá que atender aos seguintes aspetos.
HHH. Em primeiro lugar, comparando o requerimento através do qual a impugnante exerceu o seu direito de audição com os requerimentos apresentados anteriormente constata-se que, no que se relaciona com as questões aqui em análise, a Impugnante apresentou apenas um novo elemento, o qual se relaciona com uma das considerações indicadas na informação n.º 054/APV/19.
III. Assim, a Impugnante contesta o argumento de que a DAS não teve a possibilidade de aceder às características das mercadorias, na medida em que essas mercadorias foram objeto de controlo físico.
JJJ. Ora, este argumento assenta no pressuposto, errado (como acima se viu), de que a DAS, na referida informação n.º 054/APV/19, se está a referir às mercadorias importadas pela Impugnante através da declaração aduaneira de importação n.º 2019PT00067064307910 de 30/08/2019.
KKK. Por outro lado, constituindo esse argumento uma mera conclusão de facto, ainda para mais errada, não se impunha, em face do que dispõe o n.º 7 do artigo 60.º da LGT, que a DAS tivesse de se pronunciar quanto à mesma em sede da fundamentação do ato de liquidação.
LLL. Neste ponto, importa atender ao acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 29/04/2021, no Processo 01594/06.2BEVIS, segundo o qual: «O disposto no n.º 7 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária pretende efectivar uma real participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, mas para que a AT tenha que ter obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão final os elementos novos suscitados na audição pelo contribuinte, esses elementos têm que consubstanciar factos antes desconhecidos, susceptíveis de prova, ou novas perspectivas de direito assentes em factos já conhecidos. Se esses elementos novos são meras conclusões de facto, inexistindo o aporte de factos pertinentes susceptíveis de prova, tendo a decisão final afastado a consideração desses elementos na mesma com tal fundamento, não existe falta de fundamentação, nem violação do disposto no artigo 60.º, n.º 7 da Lei Geral Tributária. Efectivamente, o Recorrente, nessa sede, não invocou factos novos, daí ser irrelevante qualquer prova que se tenha proposto produzir, com indicação de testemunhas. Limitou-se a aludir a generalidades, que poderiam ser invocadas em qualquer outra situação, sem individualizar qualquer comportamento positivo, em concreto, que tenha sido adoptado.».
MMM. Por fim, no cenário hipotético de se vir a concluir que as autoridades aduaneiras violaram o disposto no n.º 7 do artigo 60.º do LGT, sempre seria de considerar a jurisprudência do Tribunal de Justiça suprarreferida, a qual dita que o Tribunal nacional não deve, ainda assim, anular o ato de liquidação, já que, e pelas razões acima indicadas, na ausência dessa alegada irregularidade, o procedimento não conduziria a um resultado diferente.
NNN. Assim, analisados os elementos de suporte para onde remete a decisão em causa, vê-se que a fundamentação da decisão da DAS é clara e congruente e permite à impugnante a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela Administração Tributária.
OOO. Na verdade a fundamentação dada a conhecer à ora recorrida continha os elementos bastantes para que a mesma tivesse - ao contrário do que concluiu o douto tribunal a quo – conhecimento do porquê do valor faturado declarado ter sido considerado pela DAS como excecionalmente baixo, do valor base AMT proposto ou “valores médios”, da forma de cálculo e respetivas taxas dos direitos aduaneiros e IVA, calculados conforme se indica pela diferença, deduzindo-se o valor declarado ao valor proposto AMT, sendo tais elementos suficientes para a esclarecer sobre a motivação da liquidação e sindicar o respectivo cálculo mediante simples operação aritmética.
PPP. De igual forma é expressa a motivação das razões pelas quais as explicações e documentos apresentados não foram suficientes para afastar as dúvidas da DAS relativamente ao valor declarado bem como à aplicação do método de determinação do valor aduaneiro.
QQQ. Daí que não se acompanhe a sentença recorrida quando conclui pela não fundamentação do ato de liquidação;
RRR. Pelo exposto, entende a Fazenda Pública que a douta sentença errou no seu julgamento, sendo imperioso concluir que a liquidação em apreço não padece do apontado vício de falta de fundamentação, impondo-se a revogação da sentença aqui em escrutínio.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com todas as legais consequências.»


Notificada para o efeito, a Recorrida apresentou contra-alegações, onde formulou as seguintes conclusões:

1. «As presentes Contra-Alegações têm por objeto o Recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja (“TAF de Beja”), em 22/11/2021, no processo n.º 290/20.2BEBJA, a qual julga procedente a Impugnação Judicial apresentada pela aqui Recorrida do ato de liquidação praticado pela DAS no montante global de € 18.763,85 (dezoito mil, setecentos e sessenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos), relativo a direitos aduaneiros e IVA, entendendo que tal ato de liquidação não se encontra devidamente fundamentado,

2. O que por sua vez, determina a anulação do mesmo, obstando ao conhecimento dos demais vícios invocados pela Recorrida em sede de Impugnação Judicial.

3. Em concreto, decorre da Sentença Recorrida que tal falta de fundamentação é particularmente evidente nos seguintes aspetos: por que motivo a documentação apresentada pela Recorrida não foi suficientemente esclarecedora para dissipar as dúvidas sobre o preço pago; por que motivo o valor faturado (i.e., preço pago pelas mercadorias que corresponde ao valor declarado na importação) é considerado excecionalmente baixo e com base em que critérios; por que motivo não foi possível aplicar um outro método alternativo para determinação do valor aduaneiro; e por que motivo não foram os argumentos invocados pela Recorrida em sede de audição prévia tidos em consideração pela DAS.

4. Em primeiro lugar, alega a Fazenda Pública que o ato de liquidação impugnado se encontra devidamente fundamentado uma vez que a DAS indicou o valor (alegadamente, um valor médio estatístico AMT/THESEUS) com o qual terá comparado o valor declarado pela Recorrida na importação, o qual corresponde, tal como já referido e demonstrado inúmeras vezes, ao preço que pagou pela aquisição das mercadorias em causa (valor transacional).

5. Ora, a este respeito, sempre se dirá que, não obstante tal valor médio AMT/THESEUS ter sido indicado, onde claramente a DAS falhou na fundamentação do ato de liquidação em crise foi na indicação das normas legais que alegadamente justificariam e permitiriam que a suposta diferença entre o valor transacional declarado pelo importador (considerado “excecionalmente baixo”) e um “valor médio AMT” constante de uma base de dados de exclusivo conhecimento da Autoridade Aduaneira, poder ser, por si só, suficiente e legítimo para que a DAS desconsidere o valor transacional como método de determinação do valor aduaneiro, não obstante o importador ter demonstrado que o valor declarado corresponde inequivocamente à totalidade do preço de compra negociado e pago ao fornecedor e, em consequência.

6. Da mesma forma, e na sequência do que se acaba de referir, não indicou igualmente a DAS quais normas legais que alegadamente permitem e legitimam a substituição do valor transacional declarado pelo importador pelo referido valor médio da ferramenta AMT para efeitos de determinação do valor aduaneiro da importação.

7. Sendo certo que a justificação para esta ausência de referência às normas legais que legitimassem o entendimento da DAS é simplesmente o facto de tais normas não existirem, uma vez que a legislação aduaneira, e muito em particular os artigos 70.º e seguintes do Código Aduaneiro da União (CAU), são muito claros no que toca a estabelecer que a determinação do valor aduaneiro para efeitos de cálculo das imposições devidas pela importação de mercadorias é feita, regra geral, com base no valor transacional das mesmas, isto é, com base no preço pago pelo importador ao vendedor, independentemente de tal preço ser reduzido ou não.

8. Em segundo lugar, continua a Fazenda Pública, nas suas Alegações de Recurso, a desconsiderar e ignorar em absoluto o teor e valor probatório da informação e documentação fornecidas pela Recorrida para dissipar as alegadas dúvidas das autoridades aduaneiras.

9. Ora, tal como amplamente demonstrado nos presentes autos e confirmado pela Sentença Recorrida, ao longo do procedimento de liquidação foi junta pela Recorrida documentação diversa (incluindo Ordem de Compra e comprovativo de pagamento), bem como informação sobre os contornos da negociação com o fornecedor, assim se justificando que o valor declarado corresponde efetivamente ao valor pago pelas mercadorias.

10. Sucede que, nas Alegações de Recurso, continua a Recorrente a referir apenas que a Recorrida “não juntou prova bastante para justificar o preço declarado para a mercadoria em questão face ao valor AMT correspondente, nem esclareceu, sem margem para dúvida fundada, a razão de tal preço”.

11. Ora, a este respeito importa esclarecer que não existe, no direito internacional, nem no direito da União Europeia, e menos ainda no direito nacional, qualquer norma que imponha aos importadores o dever/obrigação de explicarem às autoridades aduaneiras uma diferença entre o valor transacional declarado (correspondente ao preço por si negociado e pago – e, assim conhecido) e um “valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares” que naturalmente desconhecem.

12. O que a legislação prevê é apenas a obrigação de os importadores, sempre que instados a tal, demonstrarem às autoridades aduaneiras que o valor transacional declarado nas importações corresponde ao preço efetivamente pago,

13. Sendo que, para este efeito, podem os importadores – tal como fez a aqui Recorrida – e tendo em vista a cabal demonstração da circunstância de terem efetivamente pago o valor (transacional) que declararam, procurar explicar às autoridades aduaneiras o modo como o preço das mercadorias foi negociado, bem como fornecer todos os documentos e informações inerentes a tal negociação, como sejam as ordens de compra, as fichas técnicas dos produtos e os comprovativos de pagamento.

14. Ora, fornecida que foi toda esta documentação e informação e, adicionalmente, mantida à disposição das autoridades os registos contabilísticos para a consulta e verificações que se identifiquem adicionalmente necessárias. não concebe a Recorrida que a Recorrente entenda não ter sido junta “prova bastante”,

15. Sendo ainda certo que a DAS, em momento algum, solicitou qualquer informação ou documento em concreto que não tenha sido fornecido, ou mesmo procurou aceder aos registos contabilísticos da Recorrida, aos quais pode aceder a todo o momento.

16. Por fim, não se aceita também a argumentação invocada pela Fazenda Pública no que respeita à impossibilidade de utilização de outro método de determinação do valor aduaneiro que não seja o método do último recurso, com utilização dos valores médios estatísticos AMT.

17. Desde logo porque, em primeiro lugar, tendo em consideração as circunstâncias do caso em apreço, não podem as autoridades aduaneiras simplesmente recusar a aplicação do método do valor transacional dado que os pressupostos de tal afastamento não se encontram reunidos.

18. Em segundo lugar, ainda que tais pressupostos efetivamente se verificassem no caso em discussão – o que não se admite e apenas se equaciona por cautela de patrocínio -, sempre seriam as autoridades aduaneiras obrigadas a realizar todas as diligências necessárias à utilização dos outros métodos, não se limitando a remeter tal obrigação para o importador, como aconteceu neste caso.

19. Em conformidade é o próprio TJUE que refere que “tendo em conta essa obrigação de diligência que lhes é imposta na aplicação dessa disposição, as autoridades aduaneiras são obrigadas a consultar todas as fontes de informação e bases de dados de que dispõem”,

20. O que aparentemente não aconteceu na importação em crise, ou se aconteceu, tal não foi demonstrado pela DAS.

21. Por tudo o que se acaba de expor, não resta outra conclusão que não seja a de se confirmar o teor da Sentença Recorrida, e manter a decisão de anulação do ato de liquidação impugnado.

Subsidiariamente à cautela,

22. Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por cautela de patrocínio, e na eventualidade deste Tribunal vir a dar razão à Recorrente, e bem assim determinar que o ato de liquidação que impugnado se encontra efetivamente bem fundamentado, à luz dos princípios do direito administrativo, fiscal e aduaneiro aplicáveis, sempre se dirá que, nos termos do disposto no artigo 665.º, n.º 2 do CPC, subsidiariamente aplicável ao processo tributário (nos termos do artigo 2.º, e) do CPPT), se impõe a apreciação dos restantes vícios invocados pela Recorrida em sede de Impugnação Judicial, designadamente:

a. Da ilegalidade da recusa do Método do Valor Transacional (artigos 72.º a 93.º da petição inicial)
b. Da ilegalidade da interpretação da ATA do artigo 140º, do AE-CAU ao caso em apreço (artigos 94.º a 155.º da petição inicial)
c. Da ilegalidade da utilização dos valores médios (artigos 156.º a 177.º da petição inicial)
d. Da ilegalidade da aplicação do Método do Último Recurso (artigos 178.º a 230.º da petição inicial)
e. Da inconstitucionalidade e da ilegalidade resultantes da ingerência das autoridades aduaneiras nos negócios celebrados entre privados (artigos 231.º a 261.º da petição inicial)

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e, caso assim não se entenda, decidindo-se pela procedência do recurso quanto à inexistência de falta de fundamentação do ato de liquidação, deverão ser apreciados os vícios arguidos pela recorrida em sede de impugnação judicial, concluindo-se pela ilegalidade do ato de liquidação em apreço e a consequente anulação do mesmo, com todas as demais e legais consequências.

ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!»



De igual modo, a Digna Magistrada do Ministério Público junto do TAF de Beja, apresentou contra-alegações, nas quais concluiu:

1. «Não se conformando com a douta sentença proferida nos autos, vem a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) interpor o presente recurso alegando, em síntese, que a sentença recorrida sofre do vício de erro de julgamento em matéria de facto por errada valoração da prova e do vício de erro de julgamento por errada aplicação e interpretação dos artigos 60º, nº 7 e 77º, nº 1 da LGT; da prova carreada para os autos resulta que a ATA cumpriu o dever de fundamentação do acto de liquidação notificado à impugnante.

2. No âmbito da declaração aduaneira de importação nº 2019PT00067064307910, de 30.08.2019 foi notificada do Ofício n.º 599, de 11.11.2019, do Exmo. Senhor Chefe da Delegação Aduaneira de Sines através do qual lhe foi solicitada “informação adicional que justifique o valor transacional extremamente baixo declarado” na importação das mercadorias importadas uma vez que se terão suscitado dúvidas sobre se o valor declarado no mencionado DAU corresponde de facto ao preço efetivamente pago ou a pagar pelas ditas mercadorias.

3. Na sequência deste ofício, a Impugnante disponibilizou diversa documentação, designadamente, ordens de encomenda, faturas comerciais e comprovativos de pagamento, todos devidamente referenciados com o objectivo de comprovar que o valor aduaneiro declarado corresponde efetivamente ao valor pago pelos bens importados mas foi de seguida notificada da informação que a documentação apresentada não logrou esclarecer as ditas dúvidas e, muito em particular, o facto de “o valor faturado das mercadorias importadas, se encontrar excecionalmente baixo, em comparação com os valores médios, para mercadorias da mesma classificação pautal importadas em território nacional, nos últimos 6 meses, continuando a persistir as dúvidas fundadas quanto ao valor aduaneiro declarado”.

4. A Impugnante procedeu então ao envio atempado de um novo requerimento ao qual juntou a factura comercial, a ordem de compra e o comprovativo de pagamento, como objectivo de dissipar quaisquer dúvidas que pudessem ter restado sobre a absoluta correspondência do valor aduaneiro constante da declaração aduaneira de importação supramencionada com o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas.

5. Considerando a ATA que “o valor transacional deve refletir o valor económico real de uma mercadoria” (…) decidiu “afastar o preço declarado das mercadorias importadas e recorrer aos métodos secundários de determinação do valor aduaneiro das mesmas mercadorias”, e como consequência, decidiu a AT “na impossibilidade de aplicação dos métodos previstos no artigo 70.º e nos números 1 e 2 do artigo 74.º do CAU, o valor aduaneiro deverá ser calculado através do método previstos no n.º 3 do artigo 74.º daquele Regulamento Comunitário, que assim se assume como o método de último recurso”.

6. A Impugnante discordou de tal entendimento aquando do exercício do seu direito de audiência prévia mas foi entretanto notificada do Ofício nº 599 de 11.11.2019 através do qual foi informada de que a “AT mantém fundadas dúvidas sobre o valor aduaneiro declarado pelo que aplicará o método do último recurso previsto no n.º 3 do artigo 74.º do Código Aduaneiro da [União]”, exigindo o pagamento do montante de 18.763,85€ que resulta da correção do valor aduaneiro inicialmente declarado, nos termos descritos no ponto antecedente.

7. Os actos tributários estão sujeitos a fundamentação conforme decorre o disposto no artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, no artigo 77.º da Lei Geral Tributária e no artigo 152.º do Código do Procedimento Administrativo.

8. Nos termos do estatuído no artigo 77.º da LGT, a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

9. De acordo com o artigo 153.º, n.º 1 do CPA, “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso, parte integrante do respetivo ato”, completando o n.º 2 do mesmo preceito, “equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato”.

10. Embora o art.º 77º, nº 2 da LGT estabeleça que “A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária” não deixa de exigir que essa fundamentação sumária contenha “as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

11. De entre os vários vícios apontados à liquidação impugnada, a Impugnante alega que tal decisão sofre de falta de fundamentação.

12. A douta sentença recorrida analisou o primeiro dos vícios alegados pela Impugnante, a falta de fundamentação do acto tributário, uma vez que, a verificar-se, tornava inútil a apreciação dos restantes vícios invocados.

13. É hoje entendimento jurisprudencial pacífico que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência não esclareçam concretamente a motivação do acto e, desse modo, não seja perceptível para um homem médio colocado na situação concreta do destinatário o raciocínio do emitente do acto e que o conduziu a essa decisão e não a uma outra.

14. Salvo o devido respeito por opinião contrária, o acto de liquidação ora impugnado não se encontra devidamente fundamentado, não cumprindo as exigências legais supra mencionadas pois, apesar de a Impugnante ter junto documentos quando tal lhe foi solicitado pela ATA para justificar os valores da mercadoria por si declarados e que a ATA considerou bastante baixos, a ATA não fez constar das suas decisões ao longo do procedimento porque considerou tais documentos insuficientes para suportar tal justificação, limitando-se a afirmar “o valor faturado das mercadorias importadas, se encontrar muito baixo, em comparação com os valores médios, para mercadorias da mesma classificação pautal importadas em território nacional, nos últimos 6 meses” para fundamentar a liquidação que efectuou.

15. Apenas no âmbito da Impugnação judicial veio a ATA esclarecer o seu raciocínio e a sequente conclusão.

16. Na verdade, é só na sua contestação no âmbito destes autos que a ATA vem descrever as operações aritméticas e as premissas do seu raciocínio para ter realizado a liquidação impugnada, o que não fez no próprio acto de liquidação.

17. Em momento algum do procedimento anterior à Impugnação Judicial a Administração Tributária cumpre o dever de fundamentação esclarecendo que documentos ou outros elementos deveria a Impugnante apresentar para afastar definitivamente tais dúvidas, nem identifica ou quantifica os elementos concretos a que recorreu nas operações de cálculo da liquidação que realizou, ou seja, a que preços concretos de outros artigos similares e a que artigos similares recorreu para realizar tal comparação e concluir que os preços da mercadoria em causa eram muito baixos.

18. E não é legalmente possível que o visado na liquidação só conheça a fundamentação da mesma já no âmbito da Impugnação judicial.

19. Além de não concretizar tais operações ao longo do procedimento e no acto de liquidação, a AT afasta a aplicação dos métodos do valor transacional das mercadorias idênticas ou similares por considerar que a descrição dos itens das facturas é demasiado genérica o que impede uma caracterização objectiva o que, a nosso ver, se encontra em contradição com o facto de a própria ATA referir que em 4.09.2019 submeteu a mercadoria a controlo físico com recolha de amostras e com a fundamentação do cálculo de liquidação, ou seja, se a AT desconhece a caracterização objectiva dos artigos não se percebe como sem esse conhecimento recorreu à comparação entre artigos e preços de produtos similares, concluir que os preços declarados daqueles artigos são muito baixos.

20. Todos as expressões utilizadas pela ATA na sua fundamentação, como bastante baixos, produtos ou mercadorias similares, valores médios, traduzem conceitos abstractos que não são preenchidos com factos concretos, como deveriam ser até porque, como a própria ATA refere, procedeu ao controlo físico da mercadoria com recolha de amostras podendo ter integrado tais conceitos com dados concretos relativos à qualidade do material, da confecção ou do design dos produtos, o que não fez.

21. Nos termos do disposto no art.º 153.º do CPA “Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto”.

22. Esta exigência da lei quanto à clareza e suficiência dos fundamentos dos actos da Administração destina-se a assegurar o pleno exercício do direito de defesa dos visados nesses actos pois só conhecendo na íntegra as motivações do acto e o raciocínio que conduziu à sua decisão final pode contra ele reagir.

23. O vício da fundamentação legalmente exigida constitui fundamento para a impugnação ao abrigo do disposto no art.º 99º, alínea c) do CPPT e conduz à anulação do acto.

Por todo o exposto, deverá ser negado provimento ao recurso e mantida nos seus precisos termos a douta Sentença recorrida.

Fazendo-se JUSTIÇA!»



O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Os autos foram com vista ao Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul que emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.




II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme previsto nos artigos 635/4 e 639/1.2 do Código de Processo Civil (CPC), sendo as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, porquanto o ato de liquidação impugnado não padece de falta de fundamentação.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

a) «A Impugnante importou mercadorias ao abrigo da declaração de importação n.º 2019PT00067064307910, de 30.08.2019, apresentada na Delegação Aduaneira de Sines; admitido, documentos constantes do processo administrativo

b) Em 02.09.2019, os serviços da Delegação Aduaneira de Sines remeteram à Impugnante pedido de informação adicional respeitante a essa declaração, através do ofício n.º 419/2019, com o seguinte teor:







Cfr doc junto à petição inicial e junto ao processo administrativo

c) A mercadoria foi objecto de controlo documental em 03.09.2019, e de controlo físico em 04.09.2019, cujo resultado foi “Não Conforme”; admitido, doc 2 junto à petição inicial, docs constantes do processo administrativo, nomeadamente, informações oficiais dos serviços sobre as operações de controlo efectuadas à mercadoria

d) Em resposta ao ofício n.º 419 de 02.09.2013, a Impugnante apresentou aos serviços da Delegação Aduaneira de Sines, quatro documentos respeitantes à operação, constituídos por “factura comercial e nota de crédito”, “ordem de encomenda”, “comprovativo de pagamento”, e “ficha técnica do artigo”; cfr documento 3 e respectivos anexos, juntos à petição inicial, não impugnados

e) Em 05.09.2019, os serviços da Delegação Aduaneira de Sines enviaram à Impugnante o ofício n.º 424, com o seguinte teor:







Cfr doc junto à petição inicial e doc constante do processo administrativo

f) A Impugnante respondeu a esta notificação, através de requerimento escrito, datado de 10.09.2019, com o teor que consta do documento 5 junto à petição inicial e que consta do processo administrativo, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, terminando nos seguintes termos:

g) A Impugnante prestou garantia no montante que lhe foi exigido, tendo a mercadoria obtido autorização de saída; admitido, informações prestadas ao longo do procedimento, cfr docs constantes do processo administraticvo

h) Em 30.10.2019, os serviços da Delegação Aduaneira de Sines, emitiram a informação n.º 054/APV/19, respeitante à declaração aduaneira n.º 2019PT00067064307910 de 30.08.2019, com o seguinte teor:











Cfr doc constante do processo administrativo

i) Com data de 03.10.2019, sobre essa informação foi aposto despacho com o seguinte teor:



Cfr doc constante do processo administrativo

j) A Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição sobre a proposta constante desta informação, através do ofício com o n.º 528/2019 de 03.10.2019; Cfr doc 6 junto à petição inicial, e doc constante do processo administrativo

k) A Impugnante exerceu o direito de audição sobre aquele projecto de decisão através de requerimento escrito, com o teor que consta do documento 7 junto à petição inicial e do processo administrativo, que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta além do mais, o seguinte:

(…)


32.º

Por fim, não pode a Requerente deixar de referir que, em seu entender, o projecto de decisão está longe de se encontrar devidamente fundamentado, fundamentação esta que, como se sabe, consubstancia um dever que recai sobre qualquer entidade pública que tome uma decisão ao abrigo das leis de direito administrativo.
33.º
Ora, na ausência de justificação para os factos acima mencionados, entende a Requerente que a DAS não pode, tal como pretende, proceder à correcção do valor aduaneiro por si declarado e, consequentemente, liquidar o montante adicional de 18.763,85 €, a título de direitos aduaneiros e IVA.
Pelo que, nos termos do supra exposto, vem a Requerente solicitar que V. Exa, ordene a anulação do projecto de decisão notificado à Requerente, aceitando o valor aduaneiro inicialmente declarado e, por conseguinte, procedendo à libertação da garantia entretanto prestada, nos termos legais.”; Cfr doc junto à petição inicial

l) Posteriormente, o Chefe da Delegação Aduaneira de Sines enviou à Impugnante o ofício com o n.º 599, datado de 11.11.2019, com o seguinte teor:







CFr doc 8 junto à petição inicial e doc constante do processo administrativo

m) A Impugnante apresentou reclamação graciosa desta decisão, para o Director da Alfândega de Setúbal; Cfr doc 1 junto à petição inicial, e doc constante do processo administrativo

n) Em 17.03.2020, os serviços da Delegação Aduaneira de Sines proferiam informação sobre esta reclamação graciosa, com o teor que consta dos documentos que integram o processo administrativo, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, dele constando, além do mais o seguinte:

(…)










Cfr doc constante do processo administrativo

o) Com data de 17.03.2020. sobre esta informação foi aposto despacho com o seguinte teor:

Cfr doc constante do processo administrativo»

Quanto a factos não provados, a sentença exarou o seguinte:

«Não existem outros factos, alegados ou de conhecimento oficioso, relevantes para a decisão da causa que devam ser considerados provados.»


E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«A convicção do Tribunal sobre toda a matéria de facto resultou da análise crítica aos documentos juntos aos autos pela Impugnante, e aos documentos constantes do processo administrativo, nenhuns deles impugnados, tal como se foi fazendo referência em cada uma das alíneas da matéria de facto provada.»



II.2 Do Direito

A Impugnante e ora Recorrida deduziu impugnação judicial contra o contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada do ato de liquidação de direitos e imposto sobre o valor acrescentado, referente a importação realizada ao abrigo da declaração n.º 2019PT00067064307910, de 2019.08.30.

E a sentença recorrida deu-lhe razão.

É contra esta sentença que julgou procedente a impugnação, por ter entendido que a liquidação impugnada, objeto mediato da presente impugnação, padece de falta de fundamentação, o que determinava a sua anulação e prejudicava a apreciação das demais questões e dos demais vícios nos termos do art.º 124.º n.º 2 b) do CPPT que vem interposto o presente recurso.

Nas alegações imputa à sentença erro de julgamento, quer quanto à valoração e apreciação da matéria de facto e por errada interpretação do disposto nos artigos 22.º n.º6 do CAU e artigos 60.º n.º 7 e 77.º, n.º 1, da LGT, artigos 70.º e 74.º do CAU e artigos 140.º e 144.º do AE-CAU, defendendo que contrariamente ao decidido o ato de liquidação não padece de falta de fundamentação, sendo perfeitamente percetível o iter cognoscitivo seguido pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Mais alega que a decisão não poderia ser outra que a que foi tomada.

As questões suscitadas pela ora Recorrente no presente recurso, não são novas e foram já apreciadas nomeadamente no recente acórdão deste TCAS de 2024.01.24, proferido no processo nº 303/21.0BEBJA, o qual subscrevemos na qualidade de 1ª Adjunta, disponível em www.dgsi.pt.

Da mesma Impugnante e ora Recorrente destacamos ainda os acórdãos da mesma data proferidos nos processos nº 315/21.4BEBJA, o qual subscrevemos na qualidade de 2ª Adjunta, nº 164/21.0BEBJA e nº 298/21.0BEBJA, jurisprudência que que seguimos no processo nº 296/20.1BEBJA, que relatamos, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Assim e considerando que as questões suscitadas pelo presente recurso, com matéria factual semelhante e idênticas alegações e conclusões de recurso, se pronunciou já esta Seção do Contencioso Tributário deste Tribunal Administrativo Sul, não vendo razão para divergir do decidido, a cuja fundamentação aderimos sem qualquer reserva.

Ora, atento o que dispõe o artigo 663/5 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 281º CPPT, bastaria a simples remissão para os fundamentos daquelas decisões. No entanto, em vez de juntarmos cópia da decisão, iremos transcrever, no essencial, o já referido acórdão deste TCAS de 2024.01.24, proferido no processo nº 303/21.0BEBJA, relativo à mesma Recorrente e cujo teor da alegação recursória é idêntico ao deste recurso. Trata-se de aresto respeitante às mesmas questões aqui em apreciação, introduzindo apenas as alterações exigidas pela apreciação do caso concreto.

Assim:

(…)

«A questão controvertida respeita a direitos aduaneiros e IVA respetivo.

Como decorre do art.º 3.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT), ambos são tributos, sendo, por isso, aplicado este diploma legal ao respetivo procedimento, sem prejuízo, naturalmente, das especificidades que decorram do direito da União Europeia, nomeadamente do Código Aduaneiro da União [CAU – Regulamento (UE) n. ° 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013] e respetivos atos delegados [cfr. designadamente o Regulamento Delegado (UE) 2015/2446 da Comissão, de 28 de julho de 2015] e de execução [cfr. designadamente o Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 da Comissão, de 24 de novembro de 2015] – cfr. art.º 1.º, n.º 1, da LGT.

Nos termos do art.º 1.º, n.º 1, do CAU, este “determina as normas e procedimentos gerais aplicáveis às mercadorias à entrada ou à retirada do território aduaneiro da União”, sendo, em termos de procedimento, aplicável a legislação nacional naquilo que não esteja especificamente regulamentado na legislação da União Europeia.

Do ponto de vista da fundamentação, não pode, pois, deixar de ser atentar nas exigências previstas no nosso ordenamento interno.

Assim, o dever de fundamentação dos atos administrativos em geral insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, o dever de fundamentação formal encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…” (1-Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676.), para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Compulsada a factualidade assente, não impugnada [a menção ao erro de julgamento quanto à matéria de facto, constante de C) das conclusões, não configura qualquer impugnação da mesma, mas tão-só discordância face ao decidido pelo Tribunal a quo considerando os factos assentes], designadamente o primeiro pedido de informação adicional remetido à Impugnante, a informação proferida após o exercício do direito de audição e a notificação de cobrança, conclui-se que:

a) No documento referido em [G)] do probatório, é feita menção à existência de um valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares, disponibilizado através de ferramenta de monitorização automática (descrita genericamente, na primeira das informações, como “tecnologia de informação que usa métodos estatísticos avançados, através de um algoritmo estatístico, para a deteção de padrões de fraude aduaneira”);

b) É indicada a existência de dúvidas fundadas que implicam a obtenção de informação adicional que justifique os valores transacionais extremamente baixos declarados;

c) São, nessa sequência, pedidos elementos adicionais para justificação de tal valor (provas adicionais);

d) Após a apresentação de elementos pela Impugnante, é proferida nova informação [cfr. facto L)], na qual a administração aduaneira refere que a documentação / informação apresentada não veio trazer qualquer esclarecimento adicional ou clarificar as dúvidas existentes, dado que os elementos apresentados não justificam o facto de o valor faturado das mercadorias importadas ser bastante baixo, em comparação com os valores de referência;

e) A administração concluiu que continuavam a persistir as dúvidas fundadas quanto ao valor aduaneiro declarado;

f) Nessa sequência, após uma menção meramente conclusiva a conceitos de direito (cfr. ponto 3.), é referido que “uma diferença de preço como a constatada parece ser suficiente para justificar as dúvidas da autoridade aduaneira e a rejeição por parte desta do valor aduaneiro declarado das mercadorias em causa”;

g) No ponto 7. da referida informação, a administração menciona que a informação facultada pela Impugnante não permite determinar o valor aduaneiro por aplicação das disposições relativas ao método do valor transacional e descreve os diversos métodos existentes, para, a final, afirmar que se aplica o método previsto no art.º 74.º, n.º 3, do CAU, como método de último recurso;

h) Na sequência, e por referência ao concreto documento de importação, refere-se:

a. “Algumas das mercadoras importadas têm um preço de aquisição unitário por quilograma mais baixo, relativamente aos preços médios declarados para o mesmo tipo de mercadorias, no território nacional, nos últimos 6 meses”;

b. Não são exequíveis os métodos referidos nas als. a) a c) do n.º 2 do art.º 74.º do CAU, por inexistir possibilidade de aceder às caraterísticas das mercadorias importadas, referindo-se, ainda, que a descrição dos itens das faturas é demasiado genérica;

c. O método previsto no art.º 74.º, n.º 2, al. d), do CAU não pode ser utilizado, porque não há possibilidade de apurar os custos das matérias-primas e das operações de fabrico, utilizadas para produzir na China as mercadorias importadas;

d. Conclui com um projeto de liquidação e com o valor da garantia a prestar;

i) A Impugnante foi notificada para se pronunciar, o que fez;

j) Foi emitida a notificação de cobrança, na qual se refere que, face à informação complementar prestada pela Impugnante, se mantêm as fundadas dúvidas sobre o valor aduaneiro declarado, concluindo-se, como na informação precedente, pela aplicação do métodos previsto no art.º 74.º, n.º 3, do CAU e novamente reafirmando-se o valor de liquidação e garantia.

Considera a Recorrente que, quanto ao valor anormalmente baixo, tal fundamentação foi dada a conhecer à Recorrida, como decorre dos ofícios e decisão proferida [cfr. factos G), L) e P)].

O Tribunal a quo entendeu que a mera remissão para a fonte dos dados é insuficiente, sendo um juízo meramente conclusivo.

E de facto assim é.

Com efeito, compulsados todos os elementos juntos aos autos, verifica-se que a administração aduaneira se limita a fazer reiteradamente uma menção a valores estatísticos médios, que nunca densifica se não em termos de valor final global, ficando por perceber quais os elementos concretos e específicos de confronto, a amostragem considerada (se é que foi feita alguma amostragem) e por que motivo conclui como concluiu. Não nos estamos a referir ao cálculo final, que está claramente efetuado, mas sim nas premissas que o sustentaram, carecendo, pois, de pertinência o referido nas conclusões J) e K).

Por outro lado, entende a Recorrente que se encontra devidamente explanada a motivação pela qual as explicações e os documentos apresentados pela Recorrida não foram suficientes para afastar as dúvidas.

Sem razão.

Com efeito, a posição da administração surge de forma que nos parece claramente conclusiva. Não se consegue perceber por que motivo as explicações e os documentos apresentados são insuficientes, na medida em que não está expressa qualquer análise dos mesmos.

O exercício do direito de audição, quando traz ao procedimento novos elementos de facto ou de direito, como in casu, carece necessariamente de ser apreciado, apartando-os ou acolhendo-os. Daí que o art.º 60.º, n.º 7, da LGT, aplicável in casu, que respeita ao dever de fundamentação, ainda que sistematicamente esteja inserido em disposição legal atinente ao princípio da participação, refira expressamente que “[o]s elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”.

E, naturalmente, essa tomada em consideração dos elementos apresentados pelo administrado tem de estar vertida na fundamentação do ato.

Apenas dessa forma o dever de fundamentação se pode considerar cabalmente cumprido.

Este dever não é uma mera formalidade a se; é por respeito ao mesmo que se deve sustentar de forma cabal a posição da administração para, dessa forma, levar ao conhecimento do administrado os fundamentos de facto e de direito que a suportaram na sua decisão.

Apenas o cumprimento deste dever assegura o adequado exercício do direito de defesa [princípio geral do direito da União Europeia – cfr., v.g., os Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 18.12.2008, Sopropé, C349/07, EU:C:2008:746, n.ºs 36 a 38, e de 09.11.2017, Ispas, C-298/16, EU:C:2017:843, n.º 26] por parte do administrado (incluindo o de impugnação judicial), sendo fundamental para assegurar a tutela jurisdicional efetiva, garantida pela nossa lei fundamental, no seu art.º 20.º.

Não se põe em causa que pudessem subsistir dúvidas fundadas à administração. No entanto, essa subsistência tem de estar fundamentada. Ora, tal não sucede nos autos, dado que a administração se quedou, como referido, por fórmulas conclusivas, vazias de conteúdo.

Assistia à administração o dever de esclarecer por que motivos os elementos juntos pela ora Recorrida não eram suficientes. E tal não ocorreu.

Entende ainda a Recorrente, quanto à questão do método secundário que veio a ser adotado, que está perfeitamente esclarecida a opção tomada, na medida em que é convocada a impossibilidade de aceder às caraterísticas das mercadorias e o facto de a descrição das faturas ser demasiado genérica.

Ora, neste caso, a administração limita-se a elencar os diversos métodos e a concluir, sem o detalhe exigível, pela impossibilidade de não se aceder às caraterísticas das mercadorias e ao facto de haver uma descrição muito genérica das faturas, não explicando por que motivo os elementos apresentados pela Impugnante, designadamente as fichas técnicas das mercadorias importadas, não respondem ou não permitem ultrapassar as alegadas limitações.

Logo, a fundamentação usada não permite sustentar a rejeição do método do valor transacional.

Alega ainda a Recorrente que existem regras próprias em matéria de direito de audição.

Ora, in casu, tal não se põe em causa.

Com efeito, o art.º 22.º, n.º 6, do CAU (aplicável ex vi art.º 29.º do CAU) faz menção à obrigatoriedade de as autoridades aduaneiras ouvirem o requerente antes da decisão que pretendem tomar [cfr. igualmente o art.º 8.º do Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 e o art.º 8.º do Regulamento Delegado (UE) 2015/2446, ambos já referidos supra].

Ora, a decisão recorrida não vai no sentido de não ter sido ouvido o administrado. Vai, sim, no sentido de tal exercício não ter sido minimamente analisado (ou pelo menos externada essa análise), razão pela qual é convocado o disposto no art.º 60.º, n.º 7, da LGT [cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28-11-2019 - Processo: 9032/15.3BCLSB]. Aliás, veja-se que o próprio n.º 3 do art.º 8.º do Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 da Comissão, de 24 de novembro de 2015, vai no sentido de ser registada a posição do administrado tomada na sequência da sua audição, sendo que, tratando-se de procedimento decisório, é para nós exigência consentânea com essa menção a explicação em torno do afastamento dos argumentos, de facto ou de direito, esgrimidos.

Ou seja, a questão é que, como aliás já referido anteriormente, os elementos trazidos pelo administrado em sede de exercício de audição foram, ad limine, afastados, sem mais. Não há, como referimos, qualquer fundamentação a este respeito.

Finalmente, carece de razão a Recorrente, quanto ao referido nas conclusões X) a DD), onde, no fundo, se apela à teoria do aproveitamento do ato.

Sendo certo que a chamada teoria do aproveitamento do ato (há muito acolhida entre a doutrina e a jurisprudência) encontra consagração no art.º 163.º, n.º 5, do Código do Procedimento Administrativo, não se pode afirmar perentoriamente, in casu, que o conteúdo do ato não pudesse ser outro.

Ora, a inoperância da força invalidante do vício que inquina o ato, em virtude da preponderância do conteúdo sobre a forma, só ocorre se se puder afirmar inequivocamente que o ato só podia ter o conteúdo que teve em concreto. Assim, nestes casos, a invalidade não é operante, em virtude da conformidade substancial do ato praticado (2-Cfr. José Carlos Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa de actos administrativo, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 329 a 336. V. a este propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.03.2019 (Processo: 24/08.0BELRS)..

Neste sentido, aponta a jurisprudência do TJUE, segundo a qual a violação dos direitos de defesa, em particular do direito de ser ouvido, só implica a anulação da decisão tomada no termo do procedimento administrativo em causa se, na inexistência dessa irregularidade, o procedimento pudesse conduzir a um resultado diferente (cfr. os Acórdãos de 14.02.1990, França/Comissão, C-301/87, EU:C:1990:67; de 05.10.2000, Alemanha/Comissão, C-288/96, EU:C:2000:537, de 01.10.2009, Foshan Shunde Yongjian Housewares & Hardware/Conselho, C-141/08 P, EU:C:2009:598, de 10.09.2013, PPU - G. e R., C-383/13, EU:C:2013:553, de 03.07.2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C-129/13 e C-130/13, EU:C:2014:94).

A verdade é que, in casu, não se consegue, na concreta circunstância da causa, concluir com a certeza exigível que a decisão seria sempre a mesma, justamente por nem se conseguir alcançar os pressupostos de base da atuação da administração, nos termos já expressos supra.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.


Esta fundamentação do acórdão que se acabou de transcrever é totalmente transponível para os presentes autos aqui também se concluindo que não tem razão a Recorrente.

Em face do exposto, improcedem todas as conclusões das alegações de recurso.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrente, que ficou vencida.


Sumário/Conclusões:

I - A administração aduaneira, nas decisões que profira, está obrigada ao respeito pelo dever de fundamentação, respeito esse fundamental para assegurar o direito de defesa do administrado e, dessa forma, assegurar a tutela jurisdicional efetiva.

II - Não está cabalmente fundamentada a decisão proferida pela administração aduaneira (na sequência da qual foi emitida liquidação de direitos e IVA, por existirem dúvidas sobre o valor aduaneiro declarado), quando nessa decisão não resulta cabalmente explanada a motivação subjacente à existência de dúvidas fundadas, à não consideração dos elementos adicionais apresentados pelo administrado e ao motivo pelo qual foi tomada uma determinada opção em termos de método adotado, não sendo suficientes meras fórmulas conclusivas.

III - A falta de fundamentação só pode ser considerada como irregularidade não invalidante quando foi possível concluir, com a certeza exigível, que a decisão seria sempre a mesma, o que não ocorre quando nem se conseguem alcançar os pressupostos de base da atuação da administração.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu, nos termos expostos.

Lisboa, 29 de fevereiro de 2024

Susana Barreto

Ana Cristina Carvalho

Patrícia Manuel Pires