Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2667/14.3BESNT |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 04/15/2021 |
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Relator: | LUÍSA SOARES |
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Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO; PROVA; INSOLVÊNCIA; GERÊNCIA DE FACTO; CULPA. |
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Sumário: | I- Em matéria de responsabilidade subsidiária a Fazenda Pública não pode produzir em tribunal prova destinada a demonstrar os pressupostos da sua atuação (fundamentação substantiva), porque a fundamentação do despacho de reversão, enquanto ato administrativo, deve ser anterior (por remissão) ou contemporânea ao ato de reversão. II. A declaração de insolvência priva o insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência (artigo 81.º, n.º 1 do CIRE). III. Se o prazo legal de pagamento voluntário das dívidas termina em data posterior à declaração de insolvência, a questão subsume-se normativamente no artigo 24.º, nº1, alínea a), da LGT impendendo o ónus da prova da culpa na esfera jurídica da Administração Tributária. |
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Votação: | UNANIMIDADE com declaração de voto |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL
* * O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo formulado conclusões nos seguintes termos: “i. Através de sentença proferida em 7 de julho de 2020, o douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou totalmente procedente a Oposição Judicial deduzida pela ora Recorrido contra o processo de execução fiscal n.º…………, instaurado para cobrança coerciva de dívida de IVA, referente a IVA de novembro de 2011, no valor de € 6.566,58, em que era devedora originária a sociedade “E………., S.A.”; ii. Começa a Recorrente por sustentar que foi preterida, ilegalmente, a produção de prova testemunhal, devendo ser determinada a revogação da sentença recorrida e ordenada a produção de prova testemunhal; iii. Sustenta, ainda, em síntese, a Recorrente nas suas alegações de recurso que a declaração de insolvência não privou o Recorrido da administração de facto da sociedade devedora originária; iv. Relativamente à problemática de não ter sido produzida prova testemunhal cumpre referir que bem andou a Sentença recorrida, pois, como bem concluiu a Sentença recorrida, a reversão em apreço foi promovida a coberto da alínea b), n.º 1, do artigo 24.º da LGT e não a coberto da alínea a), do n.º 1, do artigo 24.º da LGT. O que significa que a questão central que determinou a procedência da presente oposição foi o facto de a Administração Tributária ter determinado a reversão a coberto da alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º da LGT e não da alínea a) daquela disposição legal, sendo que a sentença recorrida concluiu, e bem, que a sua apreciação daquela questão dependia, exclusivamente, da apreciação da prova documental junta aos autos, designadamente, da sentença proferida a 09.08.2011, no âmbito do processo n.º 1105/11.8 TYLSB, não sendo, pois, necessária a produção de prova testemunhal para a correta apreciação da matéria de facto e aplicação do direito; v. Contrariamente ao que sustenta a Recorrente nas suas alegações de recurso, importa começar por referir que, conforme ficou demonstrado nos autos, a sociedade devedora originária, “ E…………, S.A.” foi declarada através de sentença proferida a 9 de agosto de 2011, no âmbito do processo n.º 1105/11.8 TYLSB, que correu termos no 3.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, foi declarada a insolvência da sociedade devedora originária e nomeado administrador da insolvência, J.............; vi. Ficou também demonstrado nos autos que a declaração de insolvência da sociedade “E………, S.A.” ocorreu antes da data limite de pagamento da liquidação de IVA, referente ao período de novembro de 2011, pois, conforme resulta da alínea D) da matéria de facto dada como provada pela douta Sentença recorrida, a liquidação de IVA tinha como data limite de pagamento o dia 9 de julho de 2012. Ora, nesta data, já havia assumido funções, como administrador de insolvência da sociedade devedora originária, o Sr. J............., facto este que também foi assumido pelo próprio, conforme alínea C) da matéria de facto dada como provada pela sentença recorrida; vii. Assim sendo, ficou demonstrado nos autos que a partir da declaração de insolvência da sociedade devedora originária, o Recorrido deixou de dispor de quaisquer poderes de administração da sociedade devedora originária, sendo que passou a ser o administrador de insolvência que passou a dispor, a partir da declaração de insolvência da sociedade devedora originária, de todos os poderes de administração da sociedade devedora originária, pelo que era exclusivamente o Sr. J............. que, na qualidade de administrador de insolvência da sociedade “E……….., S.A.”, dispunha dos poderes necessários para liquidar, em 9 de julho de 2012, a dívida de IVA da sociedade devedora originária (sobre esta questão cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido, em 27 de setembro de 2018, no processo n.º 1592/14.2BESNT, disponível em http://www.dgsi.pt); viii. Torna-se, pois, evidente que a douta Sentença recorrida julgou bem a questão de direito ao concluir que, por força do disposto no 81.º, n.ºs 1 e 2 do CIRE, a declaração de insolvência privou, imediatamente, o Recorrido dos poderes de administração da sociedade devedora originária, razão pela qual a reversão por dívidas da sociedade “E……….., S.A.” apenas poderia ocorrer, como muito bem sublinha a sentença recorrida, a coberto do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 24.º da LGT e não a coberto do disposto na alínea b), da referida disposição legal, sendo que nenhuma prova foi produzida pela Administração Tributária relativamente aquela primeira disposição legal; ix. Neste mesmo sentido, e perante o mesmo enquadramento, quer de facto, quer de direito, pode ler-se o acórdão proferido por este douto Tribunal Central Administrativo Sul, em acórdão proferido em 17 de setembro de 2020, no processo n.º 2666/14.5 BESNT, disponível em http://www.dgsi.pt; x. Deverão, pois, ser julgadas totalmente improcedentes as alegações de recurso da Administração Tributária, confirmando-se a douta Sentença recorrida; xi. No entanto, uma vez que, conforme referido, a sentença ao ter julgado procedente a oposição judicial deixou de conhecer de dois dos fundamentos apresentados na petição inicial – ausência de demonstração da insuficiência patrimonial da devedora originária e ausência de culpa do Recorrido na falta de pagamento (art.º 24.º, n.º 1, al. b) da LGT) - pretende, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 665.º, n.º 2, do CPC, aplicado ex vi artigos 2.º, alínea e) e 281.º do CPPT e 2.º, alínea d), da LGT, indicar, prevenindo a necessidade da sua apreciação nas contra-alegações, os fundamentos invocados pelo Recorrido e que não foram objeto de apreciação em primeira instância, e que quer, agora, caso tal se venha a revelar necessário, e a título subsidiário, ver apreciados pelo Venerando Tribunal Central Administrativo Sul; xii. Conforme resulta da petição inicial, de acordo com o artigo 22.º, n.º 3 da LGT e o artigo 153.º, n.º 2 do CPPT, a responsabilidade tributária por dívidas de outrem é apenas subsidiária, salvo estipulação de solidariedade, e a sua efetivação depende da (i) inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores ou da (ii) fundada insuficiência do património do devedor para satisfazer a dívida exequenda e os acréscimos; xiii. Sendo que a escassez de património do devedor originário deve ser fundada, ou seja, não pode ser presumida, mas sim comprovada pela Administração Tributária de forma objetiva (cfr. Ofício- Circulado n.º 60.058, de 17/04/2008); xiv. Sucede, porém, que, na situação em apreço, a Administração Tributária não logrou demonstrar a incapacidade patrimonial da devedora originária de pagar a dívida exequenda não foi minimamente demonstrada pela Administração Tributária, ou seja, a Administração Tributária não apresentou qualquer prova deste facto; xv. Conforme demonstrado nos autos, a Fazenda Pública, representada pelo Ministério Público, podia, nos termos previstos no artigo 128.º do CIRE, reclamar os créditos sendo que, quer o facto tributário, quer o vencimento do crédito tenham ocorrido em data posterior ao vencimento do crédito, podia a Fazenda Pública ter reclamado aquele crédito no âmbito da insolvência mediante ação de verificação ulterior de créditos (cf. artigo 146.º do CIRE); xvi. Ficou, contudo, demonstrado nos autos, que a Fazenda Pública não reclamou o crédito ora executado por qualquer meio, quer por via do artigo 128.º, quer do artigo 146.º, ambos do CIRE; xvii. Ora, não tendo a Administração Tributária reclamado os seus créditos por qualquer uma das formas processuais atendíveis no âmbito da insolvência, não pode, evidentemente, considerar-se demonstrada a incapacidade da E............. em proceder ao respetivo pagamento; xviii. Com efeito, só com a reclamação ou verificação ulterior e o subsequente reconhecimento na insolvência – que, recordemos, é um processo de execução universal (cfr. artigo 1.º, n.º 1 do CIRE) – poderia comprovar-se a impossibilidade do seu pagamento, designadamente, por insuficiência da massa ou do produto da liquidação; xix. Não poderá, pois, aceitar-se o entendimento, preconizado pela Fazenda Pública, que a declaração de insolvência faz presumir tal incapacidade ou insuficiência patrimonial e é suficiente para efetivar a responsabilidade tributária subsidiária, porque tal entendimento carece de suporte na letra da lei – sobretudo dos artigos 23.º, n.º 2 da LGT e 153.º, n.º 2 do CPPT – e atenta contra a regra do ónus da prova dos factos constitutivos do direito de tributar, que impende sobre a AT (cfr. artigo 74.º, n.º 1 da LGT); xx. Acresce que, conforme demonstrado, nem sequer foi demonstrado pela Administração Tributária o menor indício de que o património da E............. seja insuficiente para satisfazer os créditos executados. Prova que, de resto, não era possível, na medida em que à data da citação do Recorrido a E............. ainda se encontrava em fase de liquidação do seu património; xxi. Em face de todo o exposto, não se encontra verificado nem provado o pressuposto legal fundamental da responsabilidade tributária subsidiária do Recorrido, a insuficiência patrimonial da devedora originária, pelo que a reversão não poderia ter lugar; xxii. Já no que respeita ao fundamento da ausência de culpa do Recorrido na falta de pagamento (art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT e como decorre dos factos dados como provados, mesmo que se considere legítimo o recurso ao artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, o que não só se perspectiva por mera cautela e sem conceder, é manifesto que o Recorrido não agiu com culpa; xxiii. A presunção de culpa ínsita no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT funda-se no pensamento legislativo de que “atendendo a que o prazo legal de pagamento ou entrega do imposto findou no período de exercício do cargo … em princípio, o gestor não podia desconhecer a existência a existência da dívida tributária e que, portanto, ao colocar a empresa em situação de insuficiência patrimonial está a causar um dano grave ao Estado Fiscal”; xxiv. Tal presunção poderá, naturalmente, ser afastada pelo revertido se “demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor” (Acórdão do TCAN n.º 00228/07.2BEBRG de 29/10/2009). Ou seja, “se a dívida não for paga por terem faltado os meios financeiros e esta falta não tiver ficado a dever-se à conduta do gestor, claro que não ser lhe pode imputar o não pagamento”, porquanto falta a necessária conexão entre uma acção ou omissão ilícita e culposa do agente e o dano provocado à Fazenda Pública que caracteriza a responsabilidade civil extracontratual; xxv. Ora, no caso concreto é mais do que evidente que a incapacidade de pagamento da dívida exequenda pela devedora originária não decorreu de um comportamento ilícito e culposo do Recorrido; xxvi. Em primeiro lugar, ficou demonstrado nos presentes autos que foi a própria E............., de que o Recorrido era sócio e administrador único, a apresentar-se à insolvência em 02/08/2011 mercê das dificuldades financeiras que enfrentava e que resultaram, em larga medida, da sobejamente conhecida crise macroeconómica internacional. Não restam, pois, dúvidas de que não estamos perante uma insolvência culposa para a qual o Recorrido tenha contribuído (cfr. artigo 186.º do CIRE); xxvii. Em segundo lugar, como ficou demonstrado nos presentes autos, a insuficiência patrimonial da E............. para pagar a dívida exequenda nem sequer foi provada pela AT, pois no âmbito da insolvência esta não reclamou os seus créditos por qualquer um dos meios legalmente previstos; xxviii. Deverá, pois, concluir-se que não tendo sido demonstrado que a devedora originária era objetivamente incapaz de proceder ao pagamento, não se pode falar em culpa do administrador ou gerente na provocação da situação de insuficiência patrimonial da empresa; xxix. Em terceiro lugar, pelas razões já enunciadas, no momento do vencimento das dívidas o Recorrido já não exercia a administração e gerência de facto da sociedade, razão pela qual o não pagamento não se prendeu com qualquer conduta ilícita e culposa da sua parte; xxx. Logo, ainda que se considerasse - no que não se concede, em face do exposto - acertado o recurso à alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT ter-se-á sempre de concluir que a reversão não pode efetivar-se por manifesta ausência de culpa do revertido na falta de pagamento da dívida exequenda. TERMOS EM QUE NÃO DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA DEVE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA SER MANTIDA, DEVENDO SER PROFERIDO ACÓRDÃO QUE JULGUE TOTALMENTE IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO. MAIS SE REQUER A V.ªS EXCELÊNCIAS, A COBERTO DO DISPOSTO NO 665.º, N.º 2, DO CPC, APLICADO EX VI ARTIGO 2.º, ALÍNEA E) E ARTIGO 281.º, AMBOS DO CPPT E 2.º, ALÍNEA D), DA LGT, E PREVENINDO A NECESSIDADE DA SUA APRECIAÇÃO, E SE TAL SE MOSTRAR NECESSÁRIO, A APRECIAÇÃO DOS SEGUINTES FUNDAMENTOS NÃO APRECIADOS NA PETIÇÃO INICIAL: I) AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA INSUFICIÊNCIA PATRIMONIAL DA DEVEDORA ORIGINÁRIA E II) AUSÊNCIA DE CULPA DO RECORRIDO NA FALTA DE PAGAMENTO” * * O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.* * Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. II – DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente. Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito, por ter sido proferido despacho a dispensar a prova testemunhal e julgado procedente a oposição à execução com fundamento na ilegitimidade do revertido. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: A. Em 19.06.1984, foi constituída a sociedade anónima “E............., S.A.” (adiante, sociedade devedora originária ou SDO) – provado por documento, a fls. 36 a 44 dos autos; B. O Oponente foi designado administrador da SDO, em 25.03.2002, e, por deliberação de 27.08.2008, seu administrador único (provado por documento, a fls. 36 a 44 dos autos); C. Por sentença proferida a 09.08.2011, no âmbito do processo n.º 1105/11.8TYLSB, que correu termos no 3.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, foi declarada a insolvência da sociedade devedora originária e nomeado administrador da insolvência, J............. (provado por documento, a fls. 22 dos autos); D. Em 08.08.2012, foi instaurado no Serviço de Finanças de Oeiras – 3 (Algés), em nome da sociedade referida em A., o PEF n.º……….., para cobrança coerciva de dívida proveniente de IVA, do período de 2011.11, no valor de € 6.566,58, com data limite de pagamento voluntário a 09.07.2012 (provado por documentos, a fls. 22 e 34 dos autos); E. O Oponente foi citado, por reversão, no âmbito do PEF referido na alínea antecedente, com os seguintes fundamentos: “1) Insuficiência de bens da devedora originária (artigos 23º/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face da insolvência declarada pelo Tribunal 2) Gerência de direito (artigo 24º/1/b da LGT), no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT); 3) Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255.º e/ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais)”. (provado por documento, a fls. 19 dos autos). Factos Não Provados Não há factos que importe registar como não provados. Motivação da Decisão de Facto A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos juntos aos autos, não impugnados, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.”. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Nos presentes autos a Recorrente insurge-se desde logo com o facto de o Tribunal a quo não ter possibilitado a produção da prova testemunhal, tal como foi requerida em sede de contestação, “ao ter impossibilitado a Fazenda Pública de utilizar todos os meios probatórios ao seu alcance, mormente a prova testemunhal, que permitiriam a realização de uma prova mais adequada à descoberta da verdade material e, bem assim, relativamente ao facto de não ter dado por provado o exercício da gerência por parte do ora Oponente, incorrendo em erro de julgamento no seio da apreciação da prova e dos factos perante a conjugação dos elementos trazidos aos autos e que suportaram a sua decisão” (cfr. conclusão III das alegações de recurso). Compulsados os presentes autos verifica-se que foi dispensada a prova testemunhal tendo o Juiz a quo proferido despacho com o seguinte teor “Nos presentes autos, o ERFP veio arrolar duas testemunhas. Decorre, no entanto, do disposto no art. 13.º, n.º 1 do CPPT, que apenas devem ser realizadas as diligências úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos de que cumpra conhecer. Considerando a causa de pedir da presente oposição, que se resume, no essencial, à apreciação de uma questão de direito e a prova documental carreada para os autos, julgo dispensável a produção de prova testemunhal”. Foi proferida a sentença recorrida no sentido da procedência da oposição à execução fiscal por ilegitimidade do oponente, ora Recorrido, tendo concluído que “Neste caso concreto, não resultando dos autos qualquer elemento que permita sustentar um juízo de censura sobre a actuação do Oponente, à luz do regime previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, não é possível acolher a pretensão da Administração Tributária no sentido de considerar verificados os pressupostos legais da responsabilidade subsidiária, pelo que se julga verificada a previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, sendo o mesmo parte ilegítima na execução.”. Vejamos então. A Fazenda Pública recorre da decisão do tribunal a quo quanto à dispensa da inquirição de testemunhas alegando que tal decisão impossibilitou a utilização de todos os meios probatórios ao seu alcance, designadamente a prova testemunhal, que permitiriam a realização de uma prova mais adequada à descoberta da verdade material e, quanto ao facto de não ter dado por provado o exercício da gerência por parte do ora Recorrido.
Importa desde já salientar que os pressupostos para a reversão, designadamente a prova do exercício da gerência, devem ser apurados pela administração tributária em momento prévio ao despacho de reversão. Na verdade, a administração tributária deve recolher elementos que comprovem a prática de actos de gerência, e só depois de ter coligido prova suficiente que ateste essa gerência proceder à reversão da execução.
No caso em apreço resulta que a Fazenda Pública pretenderia efectuar a prova da gerência de facto através da prova testemunhal a produzir em sede de oposição à execução fiscal.
Sobre esta matéria, aderimos ao entendimento vertido nos Acórdãos deste TCA de 25/02/2021 no proc. 594/09.5BESNT e de 14/01/2021 no processo nº 1879/11.6BELRS, que por sua vez aderiu à posição expressada no Acórdão deste TCA de 16/12/2020, exarado no proc.º1398/12.3BELRS, segundo a qual, “até à prolação do despacho de reversão, no processo de execução fiscal, não se demonstrando a gerência de facto do Oponente, mas tão-somente a existência de uma gerência nominal, tanto basta para que se conclua (…) que não foi cumprido o ónus da prova com o qual a Fazenda Pública se encontrava onerada, e, consequentemente, pela ilegitimidade do Oponente, nos termos do n.º 1, do art.º 204.º do CPPT” (…)A fundamentação de facto e de direito do despacho de reversão (lato sensu) se não constar do próprio despacho, poderá ser por remissão, devendo ser consideradas todas as informações, diligências, documentos e instrução constantes do processo de execução fiscal, porque é essa instrução e tramitação que permite ao órgão de execução fiscal estar em condições de apreciar a verificação, no caso concreto, dos requisitos legais do art. 24.º, n.º 1 da LGT e praticar o ato de reversão. Como se sumariou no acórdão do STA de 11/12/2019, proc. 0859/04.2BERLS “A fundamentação do acto tributário deve ser contextual e contemporânea da sua prática, não sendo permitida a invocação superveniente de fundamentos que, embora objectivamente existentes, não constam da motivação expressa do acto.” Ora, é neste contexto que podemos afirmar que o cumprimento do ónus da prova da Fazenda Pública relativamente à gerência de facto, como é pacificamente aceite pela jurisprudência, tem de ser aferido pelo despacho de reversão e sua fundamentação, e portanto, o requisito legal de exercício da gerência de facto pelo Oponente previsto no n.º 1, do art. 24.º da LGT afere-se através da valoração de toda a instrução, diligências, informações e demais tramitação do processo de execução fiscal anteriores à prolação do ato de reversão. (…) Ademais, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, na sua dimensão de direito a um processo equitativo, impõe que o órgão de execução fiscal, antes da prolação do despacho de reversão, se certifique de que se encontram reunidos os pressupostos da responsabilidade subsidiária do Oponente nos termos do art. 24.º, n.º 1 da LGT, reunindo e socorrendo-se todos os meios de prova admissíveis em direito, que sustentem a fundamentação do despacho de reversão, pois caso contrário, está-se a restringir o direito do executado por reversão de poder exercer plenamente o seu direito de defesa antes da prolação do despacho de reversão. Na verdade, admitir-se a demonstração dos pressupostos da atuação do órgão de execução fiscal a posteriori, impede que o contribuinte tenha conhecimento, antes da prática do ato administrativo, de todas as provas que sustentam a fundamentação do ato de reversão, podendo condicionar, inclusive, o seu direito de acesso aos tribunais, porque ao propor a ação judicial contra o ato de reversão, desconhecerá a prova em que o mesmo se fundou, o que constituirá uma violação do direito de defesa. Não cumprido a Fazenda Pública o seu ónus aquando da prolação do despacho de reversão pelo órgão de execução, e considerando que a fundamentação do despacho de reversão não pode ser efetuada a posteriori, o juiz tem condições imediatas para decidir em desfavor de quem estava onerado com o ónus da prova, podendo, inclusive, conhecer de imediato do pedido nos termos do art. 113.º, n.º 1 do CPPT, porque o processo fornece todos os elementos necessários à decisão. A realização de audiência de inquirição de testemunhas nesse caso consubstancia prática de ato inútil proibido por lei (art. 130.º do CPC). Reitere-se, que este entendimento se limita a respeitar as regras do ónus da prova, e, portanto, já seria admissível a produção de prova testemunhal pela Fazenda Pública em tribunal se esta diligência se destinasse a infirmar factos alegados pelo Oponente quando sobre este recai o ónus da prova. Porém, tal já não será admissível quando a Fazenda Pública não cumpre com o seu ónus da prova. Por outras palavras, em matéria de responsabilidade subsidiária a Fazenda Pública pode produzir em tribunal qualquer meio de prova, quando esta se destina a infirmar factos alegados pelo Oponente (quando sobre este recai o ónus da prova), mas já não para demonstrar os pressupostos da sua atuação (fundamentação substantiva), porque a fundamentação do despacho de reversão, enquanto ato administrativo, deve ser anterior (por remissão) ou contemporânea ao ato de reversão”. (sublinhado nosso)
Face ao exposto concluímos que não existe défice instrutório na sentença proferida porquanto a prova que a Fazenda Pública pretenderia efectuar (a prova da gerência de facto) deveria ter sido efectuada em momento prévio, pelo que a dispensa da produção de prova testemunhal não merece censura.
Importa agora analisar se a decisão de procedência da oposição quanto à ilegitimidade do Oponente padece de erro de julgamento de facto e de direito.
Resultou do probatório que a sociedade devedora originária foi declarada insolvente em 09/08/2011 e nomeado um administrador de insolvência (cfr. alínea C do probatório). Mais resultou provada a instauração em 08/08/2012 do processo de execução fiscal por dívida de IVA do período de 2011.11, cuja data limite de pagamento ocorreu em 09/07/2012 (cfr. alínea D) do probatório). Dispõe o nº 1 do art. 24º da LGT o seguinte: “1 – Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”. Cabe sempre à administração tributária a prova do exercício da gerência por parte do oponente na sociedade devedora originária, independentemente da alínea do n.º1 do artigo 24.º da LGT, ao abrigo da qual se tenha concretizado a reversão.
Destacamos o disposto no art. 81.º, nº 1 do CIRE ao consagrar que “Sem prejuízo do disposto no título X [Administração pelo devedor], a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência”, e o seu n.º 4 determina que “O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência”.
Desta disposição legal resulta que, a partir do momento em que é declarada a insolvência de uma sociedade, cessam os poderes de gestão e administração dos gerentes e administradores, os quais passam a competir ao administrador de insolvência.
Seguindo o entendimento vertido no Acórdão do TCA Sul de 17/09/2020 no proc. 2666/14.5BESNT ao afirmar : “Além disso, a privação dos poderes de administração e disposição dos bens do devedor é um efeito necessário da declaração de insolvência porquanto se produz em todos os casos e por mero efeito da declaração de insolvência. Nas palavras de LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO « [e]sta solução [a do art. 81º, nº 1] compreende-se, dado que a declaração de insolvência faz pressupor uma certa desconfiança na capacidade de administração do devedor, dado que aí pode ter residido a causa da sua situação de insolvência». (Direito da Insolvência, 7ª ed., p. 167) Nesta ordem de ideias, bem pode afirmar-se que terminando o prazo legal as dívidas exequendas em data posterior à declaração de insolvência, só poderia levar a concluir que se estava perante o regime previsto na alínea a) do artigo 24.º da LGT, e não perante a alínea b). Nessa medida, compete à Administração Tributária provar que foi por culpa do Oponente que o património da devedora originária se tornou insuficiente para satisfação da dívida em cobrança coerciva. Veja-se, a propósito da matéria nos ocupa aqui, entre outro o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 14.02.2019, proferido no processo 3677/15.9BESNT: «I - O sistema jurídico-tributário integra um regime especial que legitima a instauração de execuções fiscais contra uma sociedade devedora mesmo após a sua declaração de insolvência e o seu prosseguimento contra os gerentes e/ou administradores através do instituto da reversão (artigos 180.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 23.º e 24.º da Lei Geral Tributária). II - Se o prosseguimento da execução fiscal contra o revertido tem por objectivo o pagamento coercivo de créditos vencidos após aquela declaração de insolvência e num período de tempo em que o revertido já não detinha poderes de disposição nem de administração – por esses poderes estarem, na data de vencimento do crédito, cometidos ao administrador da insolvência por força da transferência preceituada no artigo 81.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas – é sobre a Fazenda Pública que recai o ónus de alegar e provar que a insuficiência de bens no património da devedora susceptíveis de garantir aquele pagamento é culposamente imputável ao revertido (artigo 24.º, n.º 1, al a) da Lei Geral Tributária).» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt). No contexto em que nos situamos, considerando que a Administração Tributária não logrou fazer essa prova, como se explica na sentença recorrida: « (…) não tendo, (…) sido alegados factos que demonstrassem que o Oponente, com a sua actuação ou omissão, causou a situação de insuficiência do património da sociedade para satisfação dos créditos tributários em questão. A prova produzida revelou, pelo contrário, que o Oponente era particularmente cauteloso quanto ao cumprimento das dívidas fiscais.» conclui-se que fez correcta e adequada interpretação e aplicação quer dos factos assentes, quer das disposições legais a eles respeitantes. O que se compreende, atendendo a que a alegação e demonstração da culpa do oponente um ónus da Fazenda Pública, tal como acima já deixamos dito - contra si deve ser valorada a ausência dessa prova. E assim sendo, só se pode manter a sentença recorrida que julgou verificado o fundamento de oposição previsto no artigo 204º, nº1, alínea b) do CPPT”.
Do quadro fáctico-jurídico acima exposto resulta que o oponente, ora Recorrido, não era gerente de facto no período a que respeita a dívida exequenda, pelo que a reversão deveria ter sido efectuada ao abrigo da alínea a) do nº 1 do art. 24º da LGT e não da alínea b) da mesma disposição legal.
Considerando que a reversão deveria ter sido efectuada ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 art. 24º da LGT compete à Administração Tributária provar que foi por culpa do Oponente que o património da devedora originária se tornou insuficiente para satisfação da dívida em cobrança coerciva, e não tendo sido feita essa prova, deve o oponente ser considerado parte ilegítima na execução fiscal nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 204º do CPPT.
Destarte se conclui que, tendo a sentença recorrida assim decidido não merece qualquer censura, sendo de negar provimento ao recurso. * * Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente Lisboa, 15 de Abril de 2021 [A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha (com declaração de voto)]. Luisa Soares Tânia Meireles da Cunha - Declaração de voto Voto a decisão. No entanto, quanto à questão da violação do princípio do inquisitório, entendo que a mesma não se verifica porquanto, no caso concreto e ainda que seja considerada admissível produção de prova testemunhal pela FP em sede de oposição, não foram alegados factos na contestação, passíveis de preenchimento do conceito de direito “gerente de facto”, não sendo admissível a produção de prova com tal ausência de alegação. |