Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3397/15.4BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/22/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:OPOSIÇÃO,
PRESCRIÇÃO
Sumário:I. Sendo aplicável o prazo de prescrição previsto na LGT, face à regra do art. 297.º, n.º 1 do Código Civil, cujo termo inicial ocorre, necessariamente, em 1 de Janeiro de 1999, e decorrendo, assim, todo o prazo prescricional na vigência da LGT, será esta lei a regular os efeitos dos factos interruptivos e suspensivos da prescrição, como decorre do n.º 2 do art. 12.º do Código Civil;
II. Por conseguinte, os atos interruptivos anteriores a que a LGT não reconheça esse efeito – como é o caso da instauração da execução fiscal – não produzem efeitos sobre a contagem deste novo prazo de prescrição iniciado na referida data;
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a Oposição, por prescrição, deduzida por P....., contra o processo de execução fiscal n.º 1503……, originariamente instaurado pelo serviço de finanças de Cascais 1 contra a sociedade «M..... – R....., Lda.», para cobrança coerciva de dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado («IVA») de 1 de janeiro a 31 março de 1996 e de 1 de abril a 30 de junho de 1996, que reverteram contra si na qualidade de responsável subsidiário.

A recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«I - Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 02-12-2018, a qual julgou procedente a Oposição à Execução Fiscal n.º 150….. e apensos, deduzida por P....., com o NIF 11……, revertido no referido processo de execução fiscal, que corre termos no Serviço de Finanças de Cascais 1 e havia sido originariamente instaurado contra a sociedade “M….., LDA.”, com o NIF 502…., para a cobrança de dívidas fiscais referentes IVA, já devidamente identificadas nos autos, no valor de € 20.046,48 (vinte mil e quarenta e seis euros e quarenta e oito cêntimos) e acrescido.

II - A Sentença recorrida foi julgada procedente em virtude da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 100.º do CIRE, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo de prescrição das dívidas tributárias ao responsável subsidiário, sendo que nenhuma outra causa suspensiva ou interruptiva se verificou no processo de execução fiscal ora em análise.

III - Consideramos, porém, que a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo obliterou factualidade preponderante para que se possam subsumir, no caso concreto, todos os efeitos interruptivos decorrentes da instauração no prazo de prescrição das dívidas tributárias, em face do teor de fls. 1, 2 e 9 do PEF apenso.

IV - Efectivamente, resulta deste acervo documental que o processo de execução fiscal n.º 150…… foi instaurado pelo actual Serviço de Finanças de Cascais 1 na data de 02-12-1996 e que o processo de execução fiscal n.º 150…… foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Cascais 1 na data de 07-04-1997, factualidade que merecia a dignidade de constar da factualidade assente na Sentença recorrida, o que não sucedeu.

V - Por força do princípio que regula a aplicação da lei no tempo previsto no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, a lei aplicável aos factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição será, portanto, a vigente no momento em que os mesmos ocorreram.

VI - Sendo que, no momento de instauração destas execuções fiscais, se encontrava plenamente em vigor a norma contida no artigo 34.º do CPT, a qual é aplicável ao presente prazo de prescrição, por força da regra contida no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.

VII - Nos termos do n.º 3 do artigo 34.º do CPT, a prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário e é interrompida pela instauração da execução, mas cessa este efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação

VIII - Daqui se extrai que a instauração das execuções que se encontram em crise nos presentes autos interrompe o prazo de prescrição das dívidas que lhe estão subjacentes

IX - Possuindo, tal interrupção, um efeito duradouro (cfr. acórdão do STA de 21-06-2017, proc. n.º 0639/ 17), o qual se traduz no facto de o novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não se verificarem as circunstâncias que impliquem a cessação da interrupção anterior.

X - Outrossim, não resultou provado nos presentes autos que os processos de execução fiscal acima referidos (que entretanto foram apensos) hajam permanecido parados durante mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, ou seja, é inequívoco que não se verificou a cessação da interrupção do prazo de prescrição ditada pelo n.º 3 do artigo 34.º do CPT.

XI - Acresce, ainda, que a interrupção da prescrição ditada pelo n.º 3 do artigo 34.º do CPT é eficaz e plenamente válida, quer quanto à sociedade devedora originária, quer quanto ao responsável subsidiário, cfr. os Acórdãos da 2ª Secção do STA proferidos em 20/ 10/ 99, no Proc. nº 023610 e em 2/ 06/ 99, no Proc. nº 023439; e Acórdãos da 2ª Secção do TCA proferidos em 22/ 10/ 02, no Proc. nº 6539/ 02, em 18/ 03/ 03, no Proc. nº 7361/ 02 e em 27/ 05/ 03 no Proc. nº 168/ 03.

XII - Por tudo quanto acabamos de expor e que foi obliterado pela Sentença recorrida, resulta provado que, no momento em que o ora Oponente é citado na qualidade de responsável subsidiário – o que sucedeu em 07-10-2015, cfr. alínea k) dos factos provados - o prazo de prescrição das dívidas em cobrança no âmbito da execução fiscal n.º 150….. e apensos encontra-se interrompido por força do n.º 3 do artigo 34.º do CPT

XII - E também não se verifica, no caso sub judice, qualquer limitação imposta pelo n.º 3 do artigo 49.º da LGT, pois que o facto interruptivo ditado pela instauração da execução se verificou em momento muito anterior à da entrada em vigor dessa disposição legal, uma vez que só após o início de vigência da Lei n.º 53-A/ 2006, de 29 de Dezembro, que deu nova redacção ao n.º 3 do artigo 49.º da LGT, a interrupção do prazo de prescrição opera uma única vez”, cfr. acórdão do STA de 18-05-2011, proc. n.º 0348/ 11

XIV - Com o devido e muito respeito, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevantes para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.

TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA ORA RECORRIDA, COM AS DEMAIS E DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS,
ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»
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O recorrido, devidamente notificado para o efeito, não apresentou contra-alegações.
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A Magistrada do Ministério Público ofereceu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pela recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter entendido que a dívida exequenda estava prescrita, pois deveria ter considerado os factos interruptivos do prazo de prescrição, nomeadamente a instauração do processo de execução fiscal.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“a) No dia 26 de outubro de 1996, foi extraída a certidão de dívida n.º 96……, pela Direção de Serviços de Cobrança do Imposto sobre o Valor Acrescentado da anteriormente denominada Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, da qual consta nomeadamente que a sociedade «M..... – R....., Lda.», com o número de identificação de pessoa coletiva 502……, é devedora de uma importância de 1.871.594$00 (€ 9.335,47) referente a IVA, acrescida de juros compensatórios de 111.424$00 (€ 555,78), por ter sido entregue declaração periódica daquele imposto, associada à liquidação n.º 96….. e relativa ao período entre 1 de janeiro e 31 de março de 1996, sem ter sido recebido qualquer pagamento no prazo de cobrança voluntária que terminou no dia 15 de maio de 1996 (provado por documento, a fls. 2 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

b) Na sequência da certidão de dívida identificada no ponto anterior, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 150…… (provado por documento, a fls. 2 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

c) No dia 21 de dezembro de 1996, foi extraída a certidão de dívida n.º 960……, pela Direção de Serviços de Cobrança do Imposto sobre o Valor Acrescentado da anteriormente denominada Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, da qual consta nomeadamente que a sociedade «M..... – R....., Lda.», com o número de identificação de pessoa coletiva 502.809.825, é devedora de uma importância de 1.946.216$00 (€ 9.707,68) referente a IVA, acrescida de juros compensatórios de 89.726$00 (€ 447,55), por ter sido entregue declaração periódica daquele imposto, associada à liquidação n.º 962……. e relativa ao período entre 1 de abril e 30 de junho de 1996, sem ter sido recebido qualquer pagamento no prazo de cobrança voluntária que terminou no dia 16 de agosto de 1996 (provado por documento, a fls. 9 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

d) Na sequência da certidão de dívida identificada no ponto anterior, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 150……. (provado por documento, a fls. 9 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

e) A anteriormente denominada 1.ª Repartição de Finanças de Cascais elaborou ofício de citação, datado do dia 23 de janeiro de 1997, dirigido à sociedade «M..... – R....., Lda.», no âmbito do processo de execução fiscal identificado na alínea b) dos factos provados (provado por documento, a fls. 4 e 5 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

f) A anteriormente denominada 1.ª Repartição de Finanças de Cascais elaborou ofício de citação datado do dia 19 de setembro de 1997, dirigido à sociedade «M..... – R....., Lda.», no âmbito do processo de execução fiscal identificado na alínea d) dos factos provados (provado por documento, a fls. 11 e 12 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

g) No dia 6 de junho de 2006, foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade «M..... – R....., Lda.», no âmbito do processo n.º 317/06.0TYLSB, que correu termos no Tribunal de Comércio de Lisboa, 2.º Juízo de Lisboa (provado por anúncio do Diário da República n.º 138, Série II, de 19 de julho de 2006, e a fls. 19 a 21 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

h) No dia 26 de novembro de 2014, foi proferida decisão de encerramento, por insuficiência da massa insolvente, do processo de insolvência n.º 317/06.0TYLSB instaurado contra a sociedade «M..... – R....., Lda.», que correu termos no Tribunal da Comarca de Lisboa, Inst. Central, 1.ª Seção de Comércio, J2 (provado por documento, a fls. 28 a 30 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

i) A decisão identificada na alínea anterior transitou em julgado no dia 8 de junho de 2015 (provado por documento, a fls. 38 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

j) No dia 28 de setembro de 2015, o Chefe de Finanças do serviço de finanças de Cascais 1 proferiu despacho de reversão do processo de execução fiscal n.º 150…… e apensos, no qual se pode ler o seguinte:
“(texto integral no original; imagem)”



(provado por documento, a fls. 48 e 49 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

k) No dia 7 de outubro de 2015, o Oponente foi citado, por reversão, no processo de execução fiscal n.º 150…… e apensos, originariamente instaurado contra a sociedade «M..... – R....., Lda.», para pagar a quantia exequenda de € 20.046,48 (provado por documento a fls. 54 a 63 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

l) No âmbito do processo de execução fiscal n.º 150…… e apensos, foram revertidas contra o Oponente as seguintes dívidas:
“(texto integral no original; imagem)”



(provado por documento a fls. 54 a 63 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

m) No dia 4 de novembro de 2015, o Oponente apresentou junto do serviço de finanças de Cascais a petição de oposição dos presentes autos (provado por documento, a fls. 5 a 23 dos autos e a fls. 4 a 22 do registo no SITAF n.º 005547843).
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Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.

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A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, nomeadamente das informações oficiais e dos documentos juntos, conforme referido a propósito de cada alínea da matéria de facto provada.»


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Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supratranscrita a Meritíssima Juíza do TAF Sintra julgou procedente a oposição, entendendo que se verificava a prescrição da dívida exequenda.

Com efeito é a seguinte a fundamentação da sentença recorrida na parte com relevo para a decisão do recurso:

“(…)
Para conhecer da prescrição das dívidas em cobrança coerciva, a primeira questão que importa resolver nos presentes autos consiste em saber qual o prazo de prescrição aplicável.
Isto porque, no processo de execução fiscal em questão, se exige o pagamento de dívidas de IVA, e respetivos juros compensatórios, relativas ao período de 1996 [cfr. alíneas a), b, c), d), k) e l) dos factos provados).
À data dos factos tributários, aplicava-se o art.º 34.º do CPT que estabelecia, no n.º 1, que «[a] obrigação tributária prescreve no prazo de 10 anos, salvo se outro mais curto estiver fixado na lei»; e, no n.º 2, que «[o] prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial» (destaques não incluídos no texto original).
Sucede que este prazo de prescrição apenas esteve em vigor até ao dia 1 de janeiro de 1999, data de entrada em vigor da LGT (art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro).
No referido dia 1 de janeiro de 1999, entrou em vigor o n.º 1 do art.º 48.º da LGT, de acordo com o qual “[a]s dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu” (destaques não incluídos no texto original).

Verifica-se que, durante o curso do prazo de prescrição, ocorreu uma sucessão de leis no tempo.
Por conseguinte, importa atender ao disposto no n.º 1 do art.º 297.º do Código Civil, nos termos do qual «[a] lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar» (destaques não incluídos no texto original).
Ora, ao contar o prazo de prescrição de acordo com o regime estabelecido no art.º 34.º do CPT, verifica-se que o início da sua contagem ocorreu no dia 1 de janeiro de 1997 (isto é, a partir do início do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário), pelo que, tendo o prazo sido fixado em 10 anos, o mesmo terminaria no dia 1 de janeiro de 2007 [alínea c) do art.º 279.º do Código Civil]
Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 48.º da LGT, na sua redação original, o IVA, enquanto imposto de obrigação única, iniciava a sua contagem a partir da data em que o facto tributário havia ocorrido. No entanto, foi dada uma nova redação ao referido preceito legal pelo art.º 40.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, tendo então sido determinado que, relativamente ao IVA, o prazo de prescrição se contava a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto. A este respeito, a jurisprudência tem sido unânime e uniforme no sentido de que esta nova redação do n.º 1 do art.º 48.º da LGT é aplicável aos factos tributários ocorridos em data anterior, desde que o prazo estivesse em curso na data de entrada em vigor da alteração, por força da segunda parte do n.º 2 do art.º 12.º do Código Civil (ver, neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de março de 2011, proferido no processo n.º 0177/11). Pelo que, ao abrigo do referido n.º 1 do art.º 48.º da LGT, o prazo de prescrição iniciar-se-ia no dia 1 de janeiro de 1997 e terminaria no dia 1 de janeiro de 2007.
Conclui-se assim que o prazo aplicável corresponde ao prazo de oito anos estabelecido no n.º 1 do art.º 48.º da LGT, uma vez que, segundo a lei antiga (isto é, o art.º 34.º do CPT), não faltava menos tempo para o prazo se completar (antes se verificando o termo do prazo na mesma data).
Face ao exposto, o prazo de prescrição de completar-se-ia, em princípio, no dia 1 de janeiro de 2007, nos termos do n.º 1 do art.º 48.º da LGT.
No entanto, importa agora verificar se, no caso dos autos, ocorreram quaisquer causas de interrupção e de suspensão do prazo de prescrição, atendendo-se, para o cômputo em concreto do prazo de prescrição, aquelas que se encontravam previstas na lei vigente à data da respetiva ocorrência (n.º 2 do art.º 12.º do Código Civil).
Estas causas estão indicadas no n.º 3 do art.º 34.º do CPT e no art.º 49.º da LGT. No que se refere ao disposto no n.º 3 do art.º 34.º do CPT (em vigor até ao dia 1 de janeiro de 1999), a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução interrompem a prescrição, cessando, porém esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação. Por sua vez, a LGT estabelece que constituem causas interruptivas do prazo de prescrição a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo (n.º 1 do art.º 49.º da LGT); e causas suspensivas do prazo de prescrição o pagamento de prestações legalmente autorizadas, a reclamação, a impugnação, o recurso ou a oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida e enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo (n.º 3 do art.º 49.º da LGT, com a redação dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro), a ação de impugnação pauliana intentada pelo Ministério Público [alínea c) do n.º 4 do art.º 49.º da LGT, aditada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março], o impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente [alínea d) do n.º 4 do art.º 49.º da LGT, aditada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março] e o inquérito criminal (n.º 5 do art.º 49.º da LGT, aditada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro).
As referidas vicissitudes aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários (n.º 2 do art.º 48.º da LGT). No entanto, a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efetuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação (n.º 3 do art.º 48.º da LGT).

Delimitadas quais as vicissitudes que, em teoria, poderiam ocorrer, vejamos se se verifica alguma no caso dos autos.
Resulta dos factos provados que a primeira vicissitude que poderia ser suscetível de influenciar a contagem do prazo de prescrição corresponde à declaração de insolvência da sociedade «M..... – R....., Lda.» [cfr. alíneas g), h) e i) dos factos provados]. Neste sentido, o Exmo. Representante da Fazenda Pública defende que se verifica a suspensão do prazo de prescrição entre 2 de junho de 2006 e 8 de junho de 2015.
Vejamos.
O art.º 100.º do CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, estabelece que «[a] sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo».
A respeito da aplicação desta norma ao processo tributário, o Supremo Tribunal Administrativo vinha a entender que na mesma estava estabelecida uma causa de suspensão da contagem do prazo de prescrição das dívidas tributárias, desde a prolação da sentença que decretava a insolvência até ao termo do respetivo processo, sendo a mesma oponível não só à devedora originária do tributo, mas também aos demais responsáveis tributários, nos termos do n.º 2 do art.º 48.º da LGT (ver, neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de dezembro de 2012, proferido no processo n.º 01225/12, de 14 de maio de 2014, proferido no processo n.º 0115/14, e de 18 de junho de 2014, proferido no processo n.º 0119/14).
A doutrina tinha o mesmo entendimento (veja-se, neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, III volume, p. 326).
Sucede que, na sequência dos processos de fiscalização concreta decididos pelos acórdãos n.º 362/2015 e n.º 270/2017 e pela Decisão Sumária n.º 162/2018, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 557/2018, de 23 de outubro de 2018, decidiu «declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa» (destaques não incluídos no texto original).
No sentido desta jurisprudência constitucional (e logo na sequência dos acórdãos proferidos nos processos de fiscalização concreta da constitucionalidade), o Supremo Tribunal Administrativo reviu a sua posição. No seu acórdão de 7 de outubro de 2015, proferido no processo n.º 0115/14, concluiu no sentido de que «[o] estabelecimento de causas de suspensão do prazo de prescrição da obrigação tributária, por contender com garantias dos contribuintes, inclui-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, tendo as respectivas normas de estar contidas em lei formal da Assembleia da República ou em Decreto-Lei do Governo na sequência de uma Lei de Autorização Legislativa emitida pelo Parlamento para esse efeito», pelo que «[o] art. 100° do CIRE aprovado pelo Decreto-Lei n° 53/2004, de 18 de Março é inconstitucional, por violação do art° 165° n° 1 alínea i) da Constituição, por o governo não ter legislado ao abrigo e autorização legislativa e ser inovadora a causa de suspensão ali prevista quando interpretado tal preceito no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário».
E, no mesmo sentido, veja-se ainda os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 16 de março de 2017, proferido no processo n.º 01403/14.9BEBRG, e, de 11 de outubro de 2017, proferido no processo n.º 00259/11.8BEPNF.
Atendendo ao juízo de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, efetuado no âmbito do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 557/2018, de 23 de outubro de 2018, considera o Tribunal que não é oponível ao Oponente a causa suspensiva do prazo prescricional decorrente da declaração de insolvência da «M..... – R....., Lda.».
Não foram alegados ou carreados para os autos outros elementos relativos a eventuais causas suspensivas do prazo prescricional que possam ter ocorrido.
Acresce que, tendo sido o Oponente citado no dia 7 de outubro de 2015, eventuais causas interruptivas também não lhe são oponíveis, porquanto, por força do disposto no n.º 3 do art.º 49.º, aquela citação ocorreu no quinto ano posterior ao da liquidação, a qual se refere a 1996 [cfr. alíneas a), c) e l) dos factos provados]. E mais, não resulta alegado pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública e, por conseguinte, sequer provado nos presentes autos que, no caso sob análise, tenha ocorrido qualquer uma das causas interruptivas do processo de execução fiscal em questão, acima melhor identificadas.
Nos termos e com os fundamentos acima expostos, impõe-se concluir no sentido do reconhecimento da prescrição, no que se refere ao Oponente, das quantias exequendas que se encontram a ser exigidas no processo de execução fiscal n.º 150……. e apensos.”

A recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido invocando erro de julgamento de facto e de direito ao se ter entendido que a dívida exequenda estava prescrita, pois deveria ter considerado os factos interruptivos do prazo de prescrição, nomeadamente a instauração do processo de execução fiscal.

Portanto, vem a recorrente impugnar a matéria de facto fixada na alínea b) e d), entendendo que deveria ter sido dado como provada as datas das respetivas instaurações dos processos de execução fiscal (02/12/1996 e 07/04/1997) com base nos documentos de fls. 1 e 2 do PEF e de fls. 9 do PEF respetivamente (cf. conclusões 3 e 4). Deste modo a recorrente cumpriu o ónus previsto no art. 640.º, n.º 1 do CPC.

Apreciando.

Efetivamente, a Meritíssima Juíza do TAF de Sintra apesar de ter dado como provado a instauração dos processos de execução fiscal não deu como provada a data em que cada um desses processos foram instaurados.

Na verdade, tratando-se de dívidas constituídas em 1996, à época, encontrava-se em vigor o Código de Processo Tributário (CPT) que estabelecia no n.º 3 do art. 34.º do CPT que a instauração da execução fiscal interrompe o prazo de prescrição, e nessa medida, no âmbito deste código, relevavam efetivamente as datas em que os respetivos processos de execução foram instaurados que deveriam ter sido dadas como provadas com base nos documentos que se encontram no PEF.

Sucede que analisados os documentos indicados pela recorrente Fazenda Pública, em nenhum deles constam tais datas. Aliás analisado oficiosamente todos os documentos constantes do PEF constata-se que a autuação de cada um desses processos de execução fiscal foi efetuada, à época, através de uma folha modelo para o efeito, preenchidas manualmente, e a lápis. Ora, na parte destinada à autuação não consta qualquer data, nem ano, nem mês, nem dia.

Por outro lado, não resulta de qualquer outro documento junto a qualquer um dos PEF as datas exatas em que foram instaurados, e nessa medida, não se poderá dar como provadas as datas alegadas pela Fazenda Pública, improcedendo a impugnação da matéria de facto.

Não obstante, ainda que não se encontre determinada ao certo as datas da instauração as datas exatas da instauração de cada um dos PEF, por falta de prova da Fazenda Pública, a verdade é que tal ocorrência se mostra irrelevante averiguar no caso dos autos, porque como melhor evidenciaremos infra, in casu, aplica-se o prazo de prescrição de 8 anos previsto no art. 48.º, n.º 2 da LGT, e deste modo, como constitui jurisprudência pacífica, não releva enquanto causa de interrupção deste prazo a instauração da execução fiscal.

Senão, vejamos.

In casu, tratando-se de dívidas de 1996 (cf. alíneas a) e c) da matéria de facto provada), o prazo de prescrição de 10 anos previsto no art. 34.º, n.º 1 do CPT, começou a correr em 01/01/1997, ou seja, a partir do início do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário (cf. n.º 2 deste preceito legal). Assim sendo, à data da entrada em vigor da LGT em 01/01/1999, faltavam 8 anos para aquele prazo de prescrição de 10 anos se completar, ou caso tivesse ocorrido a interrupção da prescrição como entende a recorrente Fazenda Pública, então, nessa mera hipótese, sempre faltariam mais de 8 anos para o prazo se completar. Ou seja, quer, num caso, quer no outro, sempre se aplicaria o prazo de 8 anos previsto no art. 48.º, n.º 1 da LGT.

Ao novo prazo de prescrição de 8 anos previsto na LGT aplica-se o disposto no artigo 297.º do Código Civil (cf. art. 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou a LGT) que dispõe “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.

Na verdade, atento ao disposto no art. 297.º do Código Civil há que averiguar se à data em que entrou em vigor a LGT (lei que encurtou o prazo de prescrição) faltava menos tempo para o prazo de prescrição se completar à luz da lei antiga (CPT), porque só se tal se verificar é que se aplicará o prazo do CPT (nesse sentido, vide, Ac. do STA de 21/08/2013, proc. n.º 01316).

In casu, como vimos, segundo a lei antiga (CPT) não faltava menos tempo para o prazo se completar, e, portanto, por força do disposto no art. 297.º do CC, aplica-se o prazo de prescrição de 8 anos previsto no art. 48.º, n.º 2 da LGT, a partir da entrada em vigor da LGT, ou seja, a partir de 01/01/1999.

Assim sendo, se não se verificar qualquer causa de interrupção ou de suspensão do prazo de prescrição de 8 anos, este se completaria em 31/12/2006.

Ora, ao contrário do que entende a recorrente Fazenda Pública, não releva para efeitos da contagem do prazo nos termos da LGT, o efeito interruptivo do prazo de prescrição fiscal ocorrida na vigência do CPT, nomeadamente, instauração da execução, uma vez que todo o prazo de prescrição decorre ao abrigo da LGT que não reconhece efeito interruptivo à instauração da execução fiscal.

Na verdade, este entendimento constitui jurisprudência pacífica do nosso STA: “I – sendo aplicável o prazo de prescrição previsto na LGT, à face da regra do art. 297º, nº 1 do Código Civil, cujo termo inicial ocorre, necessariamente, em 1 de Janeiro de 1999, e decorrendo, assim, todo o prazo prescricional na vigência da LGT, será esta lei a regular os efeitos dos factos interruptivos e suspensivos da prescrição, como decorre da regra contida no nº 2 do art. 12º do Código Civil. II – Pelo que os actos interruptivos anteriores a que a LGT não reconheça esse efeito – como é o caso da instauração da execução fiscal – não produzem efeitos sobre a contagem deste novo prazo de prescrição iniciado na referida data.” – cf. acórdão do STA de 08/01/2014, proc. n.º 1843/13, e jurisprudência aí citada).

Assim sendo, não assiste razão à recorrente quando invoca o efeito duradouro da interrupção do prazo da prescrição, pois a questão é que a instauração da execução fiscal não constitui facto interruptivo do prazo de prescrição de 8 anos previsto na LGT, e contando-se todo o prazo de prescrição nos termos deste diploma, aquela causa de interrupção prevista no CPT não releva para esta contagem.

Importa sublinhar que não constitui facto suspensivo a declaração de insolvência, pois o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 362/2015 de 09/07/2015, chamado a aferir da conformidade constitucional do artigo 100.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), decidiu julgar organicamente inconstitucional aquele normativo, quando interpretado no sentido de determinar a suspensão dos prazos prescricionais no âmbito do processo tributário quando estava em causa o devedor subsidiário.

Posteriormente, pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 557/2018, publicado no Diário da República de 14 de novembro de 2018, foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março) interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário.

Portanto, como se pode ler no sumário do recente acórdão do STA de 26/06/2019, proc. n.º 0167/17.9BESNT 043/18 “A norma constante do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, não suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, uma vez que a mesma foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral.”

Finalmente, importa referir que a citação enquanto facto interruptivo do prazo de prescrição nos termos do n.º 1, do art. 49.º da LGT, in casu, apenas ocorre em 07/10/2015, ou seja, muito depois do prazo de prescrição se completar (31/12/2006).

Em suma, a dívida exequenda se encontra prescrita, e nessa medida, será de confirmar a sentença recorrida.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).
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Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. Sendo aplicável o prazo de prescrição previsto na LGT, face à regra do art. 297.º, n.º 1 do Código Civil, cujo termo inicial ocorre, necessariamente, em 1 de Janeiro de 1999, e decorrendo, assim, todo o prazo prescricional na vigência da LGT, será esta lei a regular os efeitos dos factos interruptivos e suspensivos da prescrição, como decorre do n.º 2 do art. 12.º do Código Civil;

II. Por conseguinte, os atos interruptivos anteriores a que a LGT não reconheça esse efeito – como é o caso da instauração da execução fiscal – não produzem efeitos sobre a contagem deste novo prazo de prescrição iniciado na referida data;
III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 22 de outubro de 2020.

A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora


A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.