Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1073/10.3BESNT |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 05/06/2021 |
Relator: | DORA LUCAS NETO |
Descritores: | EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS; DECRETO-LEI N.º 405/93, DE 10.12.; GARANTIAS. |
Sumário: | i) As garantias em causa nos autos têm a qualidade e assumem a posição que é atribuída à retenção legal dos pagamentos feitos pelo dono da obra, isto é, correspondem à retenção em espécie dos mesmos, nos termos dos art.s 114.º e 211.º, do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10.12.; ii) Tal correspondência implicava que, salvo convenção em contrário, o garante depositasse à ordem do credor a quantia correspondente, com fundamento no incumprimento, logo que lhe fosse solicitado e sem dependência de qualquer decisão judicial ou do bem ou mal fundado da sua pretensão; iii) Só assim as garantias prestadas assumiriam a função de substituição do dinheiro que devia ter sido retido e não o foi; iv) A pretender-se outra solução seria considerar que o dono da obra prescindia de uma garantia efetiva, concreta e livre de qualquer contingência, para optar por uma garantia incerta. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório O BANCO S... S.A., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 30.12.2014, que julgou procedente a ação administrativa comum contra si deduzida pelo Município de Sintra, destinada ao acionamento de garantias bancárias prestadas no âmbito de uma empreitada de obras públicas.
Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 247 e ss., ref. SITAF: «(…) 1. No cerne do presente recurso está, pois, a alegação do R., ora Recorrente, B..., de que as garantias prestadas ao município de Sintra estavam extintas à data em que as mesmas foram accionadas. 2. Extinção essa que decorre do art. 210.º do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro que dispõe que se extinguem, no prazo de um ano a contar da data da recepção provisória, as quantias retidas, pelo dono da obra, como garantia ou a qualquer outro título a que tiver direito e promover-se-á, pela forma própria, a extinção da caução prestada. 3. Para a boa decisão do presente recurso, entende-se que deve ser alterada a redacção do ponto 3 da matéria de facto provado, passando a mesma a ter a seguinte redacção, conforme resulta do acervo documental trazido aos autos – fls. 9 a 18: 3) A adjudicatária C... Empreiteiros, Lda. foi chamada a garantir por caução o exacto e pontual cumprimento das obrigações assumidas com o contrato de empreitada, tendo para o efeito a C... S.A. (agora B...), em 4 de Setembro de 2000, emitido as seguintes garantias bancárias de fls. 9 a 18: 1. Garantia n.º 551.100142034, no valor de € 56.918,18 (antes 11.411.071$00), “referente a “garantia para substituição do deposito definitivo da empreitada”; 2. Garantia n.º 551.100142107, no valor de € 7.481,97 (antes 1.500.000$00) “referente ao reforço de garantia da empreitada”; 3. Garantia n.º 551.100142088, no valor de € 9.295,24 (antes 1.863.528$00) “referente à substituição do depósito definitivo da empreitada”; 4. Garantia n.º 551.100142090, no valor de € 9.295,24 (antes 1.863.528$00) “referente à substituição de décimos retidos da empreitada”; 5. Garantia n.º 551.100142110, no valor de € 9.975,96 (antes 2.000.000$00) “referente à garantia inerente à substituição de décimos retidos”. 4. O Tribunal a quo incorreu em erro na aplicação da norma aplicável ao decidir que as garantias em causa se extinguem ao fim de cinco anos a contar da data de recepção provisória, conforme resulta das disposições conjugadas previstas nos art. 208.º, n.º 2, 200.º, n.º 1 e 207.º do Decreto-lei n.º 405/93, de 10/12. 5. Na óptica do Recorrente as garantias bancárias em causa estavam extintas à data do seu acionamento por força do disposto no art. 210.º do Decreto-Lei n.º 405/93, que – na óptica do Recorrente é a norma jurídica aplicável ao caso sub iudice. 6. Que dispõe que se extinguem, no prazo de um ano a contar da data da recepção provisória, as quantias retidas como garantia ou a qualquer outro título e promover-se- á, pela forma própria, a extinção da caução prestada. Assim, deve considerar-se que as garantias bancárias em causa estão extintas nos termos das disposições conjugadas previstas nos art. 104.º, 106.º, 192.º e 210.º do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10/12. 7. Caso assim não se entenda, o que só por mera cautela de patrocínio se admite, então ao aplicar o prazo de cinco anos fixado no art. 207.º do Decreto-lei n.º 405/93, deveria a sentença recorrida ter considerado que os cincos anos já haviam decorrido em 6/5/2004, ou seja, em data anterior a 15/6/2004, data em que o Município de Sintra interpelou o B... para honrar as garantias prestadas. 8. Não assistindo razão ao Tribunal quando afirma que a recepção provisória só teria ocorrido na parte dos trabalhos recebidos sem defeitos porquanto o Auto apenas faz alusão a rectificações e não a “trabalhos não recebidos” ou “objecto de deficiência”. 9. Posto que, mesmo em relação a estes, teria o Município de Sintra, o prazo de cinco anos para proceder à sua denúncia e exigir judicialmente a sua reparação, o que não aconteceu. 10. Sob pena do prazo de garantia, perante a inércia do Município se traduzir, na prática, num prazo infinito. 11. Pelo exposto, verifica-se que as garantias bancárias estão extintas e, consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida. (…).»
O Recorrido Município de Sintra contra-alegou, tendo ali concluído como se segue – cfr. fls. 289 e ss., ref. SITAF:
Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
I. 1. Questões a apreciar e decidir As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao não ter considerado extintas as garantias em causa nos presente autos.
II. Fundamentação II.1. De facto A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis: II.2. De direito i) Do pedido de alteração da redação da matéria de facto O Recorrente invoca a necessidade de alteração da redação do ponto 3 da matéria de facto provada, para determinada redação «conforme resulta do acervo documental trazido aos autos – fls. 9 a 18», nos seguintes termos: «3) A adjudicatária C... Empreiteiros, Lda. foi chamada a garantir por caução o exacto e pontual cumprimento das obrigações assumidas com o contrato de empreitada, tendo para o efeito a C... S.A. (agora B...), em 4 de Setembro de 2000, emitido as seguintes garantias bancárias de fls. 9 a 18: 1. Garantia n.º 551.100142034, no valor de € 56.918,18 (antes 11.411.071$00), “referente a “garantia para substituição do deposito definitivo da empreitada”; 2. Garantia n.º 551.100142107, no valor de € 7.481,97 (antes 1.500.000$00) “referente ao reforço de garantia da empreitada”; 3. Garantia n.º 551.100142088, no valor de € 9.295,24 (antes 1.863.528$00) “referente à substituição do depósito definitivo da empreitada”; 4. Garantia n.º 551.100142090, no valor de € 9.295,24 (antes 1.863.528$00) “referente à substituição de décimos retidos da empreitada”; 5. Garantia n.º 551.100142110, no valor de € 9.975,96 (antes 2.000.000$00) “referente à garantia inerente à substituição de décimos retidos da empreitada”; perfazendo assim as quantias garantidas um total de 92.966,59 (3)€ - doc 2 a 6, e 9 fls 21.» Pese embora a solicitada alteração de redação resultar diretamente dos termos que constam dos documentos que suportam os factos provados no n.º 3 da matéria de facto, da mesma não resulta, em bom rigor, qualquer alteração, mas apenas uma melhor e mais completa especificação dos mesmos, razão pela qual se defere a pretensão, passando o facto n.º 3 a ter a redação supra transcrita, em virtude de a mesma se revelar mais completa e, como tal, mais esclarecedora dos factos provados nos autos. ii) Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida ao não ter considerado extintas as garantias em causa nos presentes autos. O discurso da decisão recorrida sobre a questão em apreço, foi o seguinte: «(…) A extinção das garantias constitui uma questão substantiva, como resulta da conjugação dos artigos 104, 106-1-4, 198/s, 207, 208/s do DL 405/93 [que correspondem aos artigos 112, 114-1-5, 217, 226, 227/s e 229/s, do DL 59/99, que revogou aquele DL 405/93]. Nos termos do artigo 104, do DL 405/93, «1- O adjudicatário garantirá, por caução, o exacto e pontual cumprimento das obrigações que assume com a celebração do contrato de empreitada. 2- O dono da obra poderá recorrer à caução, independentemente de decisão judicial, nos casos em que o empreiteiro não pague, nem conteste no prazo legal, as multas contratuais aplicadas ou não cumpra as obrigações legais ou contratuais líquidas e certas».(…) Este artigo 104 corresponde com o artigo 112-1 e 2, do DL 59/99, que o reproduzem apenas com o acréscimo da referência aos contratos adicionais, como, de resto, antes se entendia; e traduz uma transcrição do artigo 100, do DL 235/86, de 18/08, ao qual se acrescentaram apenas três vírgulas inócuas. Como anotam PEDRO ROMANO MARTINEZ e JOSÉ MANUEL MARÇAL PUJOL(4), “a caução prestada nos termos desta disposição tem por função garantir o cumprimento das obrigações assumidas pelo empreiteiro perante a Administração e, subsidiariamente, garantir os créditos de terceiros cuja reclamação é permitida no inquérito administrativo. (…). III. Nas empreitadas de obras públicas, a caução pode ser prestada mediante garantia bancária (cfr artº 106°, n°1). A diferença entre o contrato de garantia e a fiança reside no facto de a garantia não ter natureza acessória em relação à obrigação garantida, caracterizando-se pela autonomia relativamente a esta. O garante assegura, por isso, ao beneficiário, o recebimento de uma certa quantia em dinheiro. Nestes termos ao garante autónomo não é admitido opor, ao beneficiário, as excepções de que pode prevalecer-se o garantido. Para maiores desenvolvimentos cfr ROMANO MARTINEZ/ FUZETA DA PONTE, Garantias de Cumprimento, Coimbra, 1994, II. 1, pp. 25 ss e II.2.f), pp. 49 ss”. A função da caução é, pois, a de garantir o cumprimento do contrato ponto por ponto e nos prazos estabelecidos; tal função é, apenas, a de caucionar, não podendo considerar-se cláusula penal ou figura indemnizatória semelhante. Daí que, como refere JORGE ANDRADE DA SILVA (5) “pelo cumprimento das obrigações que o empreiteiro assume, respondam não apenas a caução prestada, mas também os reforços que aquela recebe com as deduções sobre os pagamentos a efectuar (artigo 211°) e ainda, na insuficiência dessas quantias, o património global do empreiteiro, como garantia geral dos seus credores (artigos 161°, n° 6 e 232°). Isso mesmo estabelece como princípio geral o n° 2 do artigo 242°. O que se pode dizer é que, quanto à caução e às deduções nos pagamentos, como estabelece o preceito, o dono da obra desde logo pode dispor delas, independentemente de decisão judicial, enquanto que, para se pagar à custa do património geral do empreiteiro, só pela via judicial o pode fazer”. Nos termos do artigo 106-5, do DL 405/93 [artigo 114-5, do DL 59/99], se o adjudicatário pretender prestar a caução mediante garantia bancária, como foi o presente caso, apresentará documento pelo qual um estabelecimento bancário legalmente autorizado assegure, até ao limite do valor da caução, “o imediato pagamento de quaisquer importâncias exigidas pelo dono da obra em virtude de incumprimento das obrigações a que a garantia respeita”. Verificando-se, pela vistoria realizada, que a obra está, no todo ou em parte, em condições de ser recebida, isso mesmo é declarado no auto de vistoria, considerando-se efectuada a recepção provisória em toda a extensão da obra «que não seja objecto de deficiência apontada» e contando-se «desde então, para os trabalhos recebidos, o prazo de garantia fixado no contrato»; é o que resulta do artigo 200-1, do DL 405/93 [artigo 219-1, DL 59/99]. Assim, para efeitos dos “trabalhos recebidos”, a data da recepçã provisória marca o momento a partir do qual se conta o prazo de garantia, quer este tenha sido previsto no contrato, quer, não sendo, se aplique supletivamente o prazo de 5 anos estabelecido no artigo 207 [226, do DL 59/99]. Como resulta do probatório, a recepção provisória ocorreu em 06/05/1999. Artigo 207, do DL 405/93 (6) [que o artigo 226, do DL 59/99, reproduz ipsis verbis] estabelece, com efeito, que, «o prazo de garantia é de cinco anos, podendo o caderno de encargos estabelecer prazo inferior, desde que a natureza dos trabalhos ou o prazo previsto de utilização da obra o justifiquem». O «prazo de garantia» corresponde ao período de tempo durante o qual pode ser exigida ao empreiteiro responsabilidade contratual, derivada do cumprimento defeituoso; e diversa- mente do que se passa no domínio da empreitada de direito privado (artigo 1225/ss, CC), e tomando em conta o disposto no artigo 208-2, [sobre a recepção definitiva], durante o prazo de garantia o empreiteiro é responsável por todos os defeitos da obra e não só por aqueles que forem causa de ruína, sejam graves ou que constituam perigo de ruína da obra.(7) Como vimos acima, nos termos do artigo 200-1, do DL 405/93 [artigo 219-1, DL 59/99], é da data da recepção provisória da obra «que não seja objecto de deficiência» que se conta «desde então, para os trabalhos recebidos, o prazo de garantia». Ou seja, quanto aos «trabalhos recebidos» e portanto, na parte da obra da empreitada «que não seja objecto de deficiência», o prazo de 5 anos conta-se da data da recepção provisória. Mas quanto aos trabalhos “não recebidos” e «objecto de deficiência», o prazo de 5 anos da garantia não se conta desta recepção provisória, pois a mesma não recebeu os defeitos da obra mas sim a obra na parte não defeituosa. Essa contagem respeita apenas aos trabalhos «recebidos». A recepção provisória apresenta certas similitudes com a aceitação da obra, de que se fala no artigo 1218, do CC. “A aceitação da obra pelo dono dela é o acto pelo qual este declara querer considerar a obra feita como sendo a prestação do empreiteiro, isto é, o cumprimento da sua obrigação (negócio unilateral recipiendo)”, cfr VAZ SERRA, in BMJ, 145º, pg 172, citado por JORGE ANDRADE DA SILVA, ob cit, pg 641. Depois de terminada a obra, dentro do prazo de garantia, o direito de exigir a eliminação dos defeitos é uma das consequências típicas do cumprimento defeituoso.(8) O prazo de 5 anos estabelecido no artigo 207, do DL 405/93 (9) [artigo 226, DL 59/99], visou fixar um período razoável durante o qual, uma vez concluída a obra, esta é posta à prova, para a hipótese de, no decurso desse prazo, acontecer algo de anormal que possa revelar vício de execução não aparente na altura da recepção provisória. Sobre o empreiteiro recai a obrigação de, à sua custa, corrigir as deficiências de execução da obra que se revelem no decurso deste prazo. Trata-se de proteger o dono da obra relativamente defeitos de execução ou falta de solidez da obra e de assegurar a sua conformidade às cláusulas do contrato, designadamente do caderno de encargos, e das regras da arte [vd JORGE ANDRADE DA SILVA, ob cit, pg 661, nota 3]. Assim, em 06/05/1999, foi recebida provisoriamente a obra, na parte não defeituosa, como consta do auto de vistoria e recepção, mas não houve recepção da parte defeituosa, “dos defeitos”, como também resulta do auto, pelo que o prazo de 5 anos, relativamente à parte dos defeitos só conta a partir da correcção dos defeitos e da respectiva recepção provisória dessa parte. Ora, uma vez que a adjudicatária nunca corrigiu os defeitos, apesar das expectativas e das prorrogações feitas pelo A, este não tinha que receber os defeitos, provisoriamente, e, por conseguinte, não começou sequer a decorrer, quanto aos “trabalhos não recebidos”, das obras «objecto de deficiência», o prazo de 5 anos. Não tendo sido corrigidos os defeitos da obra pela adjudicatária – para cuja correção o A teve de lançar nova empreitada— não tinha que haver qualquer recebimento definitivo, pelo A, dono da obra, ao contrário do que alega e pretende o R. O prazo de 5 anos decorreu, portanto, para a parte dos trabalhos recebidos ou seja sem defeito, em 06/05/1999; mas não é sobre essa parte não defeituosa que foi solicitado o pagamento das garantias ao R em 15/06/2004, mas sim sobre a parte defeituosa. O R alega que nos termos do artigo 210, do DL 405/93, decorrido o prazo de um ano a contar da data da recepção provisória, se restituem «as quantias retidas como garantia» e se extingue a caução. E que o DL 405/93 impunha que o Autor não esperasse pela recepção definitiva da obra para devolver ao empreiteiro o dinheiro ou títulos que estivessem depositados em prestação de caução. Mas não tem razão. Com efeito, só com a recepção definitiva da obra é que se verifica o reconhecimento, por parte do dono da obra, de que o contrato foi cumprido, pelo que, só então, observado o que respeita aos resultados do inquérito administrativo, deixa de existir razão para que o dono da obra retenha as importâncias a que o empreiteiro tem direito ou mantenha em vigor a caução que aquele prestou. Só a aprovação pelo dono da obra do auto de recepção definitiva tem a virtualidade de libertar o empreiteiro de qualquer vínculo obrigacional respeitante à obra, deixando de ter a responsabilidade pelas conservações que aquela necessite e não sendo obrigado a cumprir ordens que lhe sejam transmitidas. Assim, só se tais obrigações não existirem é que não há razão para a subsistência de qualquer garantia prestada pelo empreiteiro, pelo que só então a sua restituição ou libertação se impõe. Aliás, não era assim antes do DL 405/93 e tal entendimento foi justamente corrigido pelo DL 405/93 [seguido pelo DL 59/99], no sentido acabado de referir. Pelo exposto, não houve qualquer extinção das garantias bancárias em causa, assim improcedendo o alegado pelo R. Também improcede o demais alegado pelo R, nomeadamente no que respeita a saber qual era a lista de rectificações que o empreiteiro iria realizar. Com efeito, e no seguimento do já acima expendido, o auto de vistoria reconhecido e assinado por todos os intervenientes, incluindo a adjudicatária, como consta do probatório, não deixa qualquer dúvida de que a adjudicatária incumpriu, apresentando a obra vários defeitos, cuja lista de defeitos também lhe foi entregue e foi anexa ao referido auto, como dele consta. É irrelevante para o que se discute o pormenor de saber dos defeitos em concreto, pois não está em questão saber se este ou aquele defeito existiu ou constitui defeito. Isso foi aceite pelos Engenheiros representantes da adjudicatária, que estiveram na vistoria e recepção provisória da parte não defeituosa. Mas, ainda que fosse relevante ou decisivo, e não é, as testemunhas ouvidas identificaram, no pormenor os defeitos da obra. Como vimos acima, de resto, mesmo que a obra não aparentasse ter defeitos aquando da recepção provisória, e aparentava, e os viesse a revelar no prazo de 5 anos a contar da recepção provisória, a caução e a respectiva garantia visava, justamente, como também vimos, acautelar essas situações. Pois, como é sabido, uma obra pode não aparentar defeito no momento da sua recepção provisória mas vir a revelá-lo mais tarde com o decurso do tempo; o defeito pode estar lá embora só se torne visível e percepcionável mais tarde. Aqui chegados e ponderados os argumentos das partes, conclui-se que se verificam os pressupostos do pagamento das garantias ao Autor. Em face de tudo o exposto, deve ser julgada procedente a presente acção e condenado o Réu no pedido.» (sublinhados nossos).
Desde já se adianta que o assim decidido é para manter. Acrescentar-se-á apenas o seguinte: A previsão, nos contratos de empreitada de obras públicas, de uma cláusula que determina a retenção de 5%, ou de outra percentagem, sobre o valor dos pagamentos a efetuar pelo dono da obra, para garantia do contrato, resulta regime instituído para este tipo de contrato pelos respetivos diplomas legais, nomeadamente, pelo Decreto-Lei n.° 405/93, de 10.12, aplicável ao caso em apreço. E, neste regime, face ao disposto no art. 211.º daquele diploma, «das importâncias que o empreiteiro tiver a receber em cada um dos pagamentos parciais será deduzida a percentagem de 5%, para garantia do contrato, em reforço da caução prestada, salvo se outra percentagem se fixar no caderno de encargos. (n.° 1). «O disposto no número anterior aplica-se a quaisquer pagamentos que o dono da obra deva efetuar ao empreiteiro» (n.° 2). «As importâncias deduzidas serão imediatamente depositadas, em Portugal, em qualquer instituição de crédito» (n.° 3). «O desconto pode ser suB...ituído por depósito de títulos ou por garantia bancária ou seguro caução, nos mesmos termos que a caução» (n.° 4). Por seu lado o respetivo art. 112.º, que regulava a obrigação de prestação de caução, determinava que «o dono da obra poderá recorrer à caução, independentemente de decisão judicial, nos casos em que o empreiteiro não pague, nem conteste no prazo legal, as multas contratuais aplicadas ou não cumpra as obrigações legais ou contratuais líquidas e certas» (n.º 2). Por fim os n.ºs 5,6 e 7, do art. 114.º do mesmo Decreto-Lei n.º 405/93.10.12., definia os modos de prestação de caução dispondo que, se o adjudicatário pretendesse prestar a caução mediante garantia bancária, apresentaria documento pelo qual o estabelecimento bancário legalmente autorizado assegurava, até ao limite do valor da caução, o imediato pagamento de quaisquer importâncias exigidas pelo dono da obra, em virtude de incumprimento de obrigações a que a garantia respeita. Face ao exposto, entendendo nós que se trata de um seguro - caução, o dono da obra poderia exigir a apresentação de apólice, pela qual uma entidade legalmente autorizada a realizar este seguro assumiu, até ao limite do valor da caução, o encargo de satisfazer de imediato quaisquer importâncias exigidas pelo dono da obra em virtude de incumprimento das obrigações que o seguro respeita. Das condições da apólice de seguro-caução não poderá, em caso algum, resultar uma diminuição das garantias do dono da obra, nos moldes que são asseguradas pelas outras formas admitidas de prestação de caução. Não há razões, nem a prática o tem determinado, para atribuir à caução, prestada por uma das formas possíveis, natureza e fim diferente, salvo estipulação contrário, dos que resultam dos preceitos indicados e referentes às empreitadas de obras públicas. Por outro lado resulta dos factos n.º 3 e 4 que das garantias prestadas consta, na parte final que «Com a apresentação desta garantia ficam suB...ituídos depósitos no montante de (…)». As garantias têm, pois, a qualidade, e assumem a posição, que é atribuída à retenção legal dos pagamentos feitos, isto é, correspondem a retenção em espécie dos pagamentos efetuados, nos termos dos já citados e supra transcritos art.s 114.º e 211.º, do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10.12. Tal correspondência implica que, salvo também convenção em contrário, o garante depositasse à ordem do credor a quantia correspondente, com fundamento no incumprimento, logo que lhe fosse solicitado e sem dependência de qualquer decisão judicial ou do bem ou mal fundado da sua pretensão. Só assim as garantias prestadas assumiriam a função de substituição do dinheiro que devia ter sido retido e não o foi. A pretender-se outra solução seria considerar que o dono da obra prescindia de uma garantia efetiva, concreta e livre de qualquer contingência, para optar por uma garantia incerta, com riscos e de problemática execução, como se vê. Os termos das garantias prestadas e juntas aos autos não impõem solução diversa. No mais, acresce que, todas as circunstâncias, argumentos e considerações feitas nas conclusões das alegações do Recorrente, foram tidos em conta na decisão recorrida que, na aplicação que fez do direito à matéria de facto dada como provada se mostra corretamente estruturada e devidamente fundamentada, quanto à posição que assumiu ao não ter considerado extintas as garantias em causa nos presentes autos, de tal modo que este tribunal considera dever acolher a fundamentação ali desenvolvida e confirmar a decisão recorrida.
III. Decisão Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 06.05.2021. ____________________________ Dora Lucas Neto * A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.°- A do Decreto-Lei n.° 10- A/2020, de 13.03., aditado pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 20/2020, de 01.05., têm voto de conformidade com o presente acórdão os senhores magistrados integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Pedro Nuno Figueiredo e Ana Cristina Lameira. --------------------------------------------------------------------------------------------------------- (1) Por claro lapso de transcrição, a PI refere as garantias como tendo o “n.º 555 (…)”, quando têm o “nº 551 (…)”. |