Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1782/21.1 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/15/2024
Relator:VITAL LOPES
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
PRAZO
INQUÉRITO-CRIME
PRORROGAÇÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA
SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO
Sumário:I - Na interpretação que fazemos do art.º 45/5 da LGT, o alargamento do prazo de caducidade só ocorre quando a AT obtenha notícia de factos discutidos em processo-crime e desses factos, dependa a liquidação.
II - Mas já não vale para as situações, como a dos autos, em que a AT apurou factos em procedimento de inspecção tributária (deduções de imposto contido em facturas falsas), participou os factos à competente autoridade judiciária e, simultaneamente, efectuou liquidações oficiosas de imposto com base nos factos apurados em sede inspectiva e não com base em quaisquer factos apurados no processo-crime, cujo desfecho, aliás, só viria a ter lugar muitos anos decorridos sobre as ditas liquidações, ora impugnadas.
III - Nos termos do art.º 46.º, n.º 1, da LGT, o efeito suspensivo ali previsto só ocorre se a duração da inspecção não ultrapassar os seis meses, o que não foi o caso, dadas as prorrogações de prazo ocorridas.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL





I. RELATÓRIO

Da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por H… – RESTAURAÇÃO, LDA., contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º 3255202004005813 e os actos tributários de liquidação de IVA e juros compensatórios objecto dessa reclamação e provenientes de correcções promovidas no âmbito da acção inspectiva efectuada aos exercícios de 2013, 2014 e 2015, recorrem o impugnante e a Exma. Representante da Fazenda Pública.

O Recorrente impugnante apresentou alegações que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
































».

Não foram apresentadas contra-alegações neste recurso.

A Recorrente Fazenda Pública apresentou alegações que termina com as seguintes e doutas conclusões:
«
























».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que remata com as seguintes conclusões:
«

















».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo ser de negar provimento aos recursos, mantendo-se o decidido in totum.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações dos recursos, são estas as questões que importa apreciar: No recurso do impugnante: (i) erro de julgamento da sentença quanto ao efeito suspensivo do prazo de caducidade do direito à liquidação de 2014 e 2015 por virtude da instauração do Inquérito-crime; (ii) erro de julgamento da sentença ao concluir que que não resultou provada a materialidade das operações tituladas por facturas dos emitentes “E…, Lda.” e “A…, Unipessoal, Lda.”. No recurso da Exma. Representante da Fazenda Pública: (i) erro de julgamento da sentença ao concluir que os factos na base das liquidações de IVA e juros compensatórios do ano de 2014 na parte referente à falta de liquidação do imposto nas transmissões intracomunitárias de bens estão excluídos do Inquérito-crime, não assumindo a instauração deste virtualidade suspensiva e (ii) erro de julgamento da sentença ao não considerar que o pedido de assistência mútua administrativa efectuado pela administração tributária às autoridades fiscais espanholas suspendeu o prazo para a conclusão do procedimento inspectivo e, consequentemente, o prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto desse ano.
***


III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:

«
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».



B.DE DIREITO

Ø Recurso do impugnante

O impugnante recorre da sentença invocando, desde logo, erro de julgamento na apreciação que a mesma fez da caducidade do direito à liquidação do IVA referenciado aos exercícios de 2014 e 2015, lembrando-se que o impugnante obteve ganho de causa no que respeita às liquidações de IVA referenciadas ao exercício de 2013.

A factualidade que importa reter na apreciação dessa questão é a seguinte:
(i) Em 22/03/2017 teve início o procedimento externo de inspecção tributária aos anos de 2013 e 2014 – ponto 8 do probatório;
(ii) Em 13/09/2017 foi autorizada a primeira prorrogação do prazo do procedimento de inspecção por três meses – ponto 9 do probatório;
(iii) Em 11/12/2017 foi autorizada a segunda prorrogação do prazo do procedimento de inspecção por mais três meses – ponto 11 do probatório;
(iv) Em data não determinada de 2018, foi instaurado o processo de Inquérito-crime n.º 209/18.0IDLSB relativamente a factos de 2013 e 2014 – ponto 30 do probatório;
(v) Em 17/12/2019, o impugnante foi notificado do relatório final de inspecção tributária dos exercícios de 2013 e 2014 – ponto 35 do probatório;
(vi) As liquidações de IVA de 2013 e 2014 foram emitidas em 03/01/2020 e o impugnante delas foi notificado, por via electrónica, em 08/01/2020 – pontos 36, 37 e 53;
(vii) Em 27/04/2018 foi instaurado procedimento externo de inspecção tributária incidente sobre o ano de 2015 – ponto 13 do probatório;
(viii) Em 10/10/2018, foi autorizada a prorrogação do prazo do procedimento de inspecção por três meses – ponto 14 do probatório;
(ix) Em 21/01/2019, foi autorizada a prorrogação do prazo do procedimento de inspecção por mais três meses – ponto 16 do probatório;
(x) Em data não determinada de 2019, foi instaurado o Inquérito-crime n.º 306/19.5IDLSB por factos de 2015 – ponto 47 do probatório;
(xi) O impugnante foi notificado do relatório final de inspecção tributária ao exercício de 2015, em 13/02/2020 – ponto 51 do probatório;
(xii) Foram emitidas as liquidações de IVA referentes ao exercício de 2015 em 09/02/2020 e o impugnante delas foi notificado, por correio electrónico, em 22/02/2020 – pontos 52 e 54 do probatório.

Isso assente, pretende o recorrente que, tendo a sentença concluído – e a seu ver, bem – que não ocorreu a suspensão do prazo de caducidade prevista no art.º 46/1 da Lei Geral Tributária, então, o prazo de quatro anos do direito à liquidação completou-se em 01/01/2019 e 01/01/2020, respectivamente, para as liquidações de 2014 e 2015 (art.º 45.º, nºs 1 e 4 da LGT), tendo a sentença feito errónea aplicação à situação dos autos do alargamento do prazo de caducidade previsto no art.º 45/5 da LGT.

E tem razão, adiantamos já. Vejamos.

Por remissão expressa do art.º 94.º, n.º1, do Código do IVA, «Só pode ser liquidado imposto nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária», sendo que, dispõe o art.º 45.º da LGT, no segmento que importa para os autos:
«Artigo 45.º
Caducidade do direito à liquidação
1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
2 - (…).
3 – (…).
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
5 - Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.».


Como se deixou consignado no ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 12/06/2017, tirado no proc.º 073/16 (sublinhados nossos), «…sem prejuízo da letra da lei, importa atender à teleologia da norma.

Conforme bem referem José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes in Lei Geral Tributária – anotada e comentada, 2015, p. 412, “o nº 5 destina-se a impedir o decurso do prazo de caducidade na pendência do processo criminal por se entender que encontrando-se a liquidação dependente de sentença a proferir no âmbito desse processo tal liquidação não pode ser prejudicada pela demora da decisão judicial. Para o efeito alarga-se o prazo de caducidade até arquivamento do inquérito ou ao trânsito em julgado da sentença acrescido de um ano”.

Assim, a norma prevista no n.º 5 do artigo 45.º da LGT resulta da necessidade de garantir uma boa decisão da causa em matéria fiscal, aguardando-se assim o desfecho dos inquéritos ou dos processos-crime em que o facto tributário se encontra em discussão. Ou seja, o inquérito criminal teve por objecto a averiguação da eventual prática de crimes fiscais relacionados com a matéria objecto da Inspecção Tributária e da liquidação subsequente – independentemente de o agente que praticou o crime ser o sujeito passivo do imposto.

Vai neste sentido, da exigência de uma identidade objectiva – entre os factos tributários e os factos objecto de inquérito criminal –, a jurisprudência deste STA no que respeita à interpretação do n.º 5 do artigo 45.º da LGT.

Assim, o Acórdão do STA de 11 de Maio de 2016, rec. n.º 1071/14, em que se consignou que “A contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45º, nº 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos” e o Acórdão de 3 de Novembro de 2016, rec. n.º 1407/15, onde se consignou, citando jurisprudência anterior, que (…) a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45.º, n.º 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos e, se a sentença não tiver fixado os factos concretos que motivaram a liquidação oficiosa impugnada, nem aqueles que são alvo da investigação criminal a que alude o probatório, verifica-se um défice instrutório que importa colmatar para decidir a questão da caducidade da liquidação face ao que dispõe o referido preceito.

Não é, pois, exigível, para efeitos do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, a par de uma “identidade objectiva” entre facto tributário e facto objecto de inquérito criminal, uma identidade subjectiva, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto.

E não se diga que “Constituindo o prazo de caducidade do direito de liquidação uma garantia do contribuinte, o não preenchimento de tais condições [isto é, identidade do facto e identidade do agente] levaria a que o alargamento do prazo do direito de liquidação ficasse numa situação de indefinição tal que seria atentatória do princípio constitucional da segurança jurídica”.

Com efeito, ainda que não exista uma identidade de sujeitos, o alargamento do prazo de caducidade nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da LGT não conduz, de per se, a uma indefinição do prazo de caducidade, mas apenas ao seu alargamento até ao encerramento do processo-crime, acrescido de um ano.» (fim de cit.).

Pois bem, na linha do que se deixou consignado no ac. deste TCAS, de 11/16/2023, tirado no proc.º 329/14.0BEFUN, em que o Relator é o mesmo deste, se bem interpretamos o art.º 45/5 da LGT, o alargamento do prazo de caducidade só ocorre quando a AT obtenha notícia de factos discutidos em processo-crime e desses factos, dependa a liquidação, ou seja, a liquidação se estruture sobre esses factos apurados em processo-crime.

Mas já não vale para as situações, como a dos autos, em que a AT apurou factos em procedimento de inspecção tributária (deduções de imposto contido em facturas falsas), participou os factos à competente autoridade judiciária e, simultaneamente, efectuou liquidações oficiosas de imposto com base nos factos apurados em sede inspectiva e não com base em quaisquer factos apurados no processo-crime, cujo desfecho, aliás, se encontra a aguardar decisão final no processo de impugnação judicial em que justamente se discute a legalidade das liquidações originadas em factos apurados na acção inspectiva e que motivaram a abertura do Inquérito-crime.

De resto, note-se, é esta leitura que fazemos do citado ac. do Supremo Tribunal Administrativo e da doutrina que refere.

Nem podia ser de outro modo, porque a caducidade da liquidação respeita à garantia dos contribuintes, não podendo assumir interpretações que não caibam minimamente na letra da lei – cf. artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil.

Como bem se salienta no ac. deste TCAS, de 01/31/2019, tirado no proc.º 2724/05.7BELSB, «o prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos».

E a contraprova do que vimos dizendo é exactamente o que se prevê no art.º 47.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, segundo o qual,
«1 - Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças.
2 - Se o processo penal tributário for suspenso, nos termos do número anterior, o processo que deu causa à suspensão tem prioridade sobre todos os outros da mesma espécie».

Este preceito supõe justamente que a liquidação em discussão no processo de impugnação judicial ou de oposição à execução resulte de factos apurados em procedimento tributário, mas não vale para as situações em que a liquidação resulte de factos apurados em processo-crime e só nesta última situação se justifica o alargamento do prazo de caducidade previsto no art.º 45.º, n.º 5 da LGT.

Assim, tendo as liquidações de IVA de 2014 e 2015, originadas em factos apurados nas acções inspectivas, sido emitidas pela administração tributária em 03/01/2020 e 09/02/2020 e notificadas ao impugnante, por correio electrónico, em 08/01/2020 e 22/02/2020, respectivamente, foram-no já depois de completados os respectivos prazos de caducidade de quatro anos a contar da exigibilidade do imposto (cf. artigos 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT e 7.º do CIVA), o que inquina as liquidações, de imposto e juros compensatórios, do vício substantivo de violação de lei por erro nos pressupostos.
A sentença recorrida, validando as liquidações em causa, incorreu no apontado erro de julgamento, não se podendo manter na ordem jurídica.

É, pois, de conceder provimento ao recurso do impugnante, ao que se provirá na parte dispositiva do acórdão, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

Ø Recurso da Exma. Representante da Fazenda Pública

A Exma. Representante da Fazenda Pública restringe expressamente o objecto do seu recurso à parte da sentença que determinou a anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios do ano de 2014, na parte em que se referem à falta de liquidação do imposto nas alegadas transmissões intracomunitárias de bens (cf. ponto 4. das doutas alegações).

Recorda-se que relativamente à liquidação de 2014 a sentença entendeu que a factualidade subjacente à falta de liquidação do IVA, por não ter sido feita prova de que se tratava de operações intracomunitárias, não se encontrava abrangida no objecto do Inquérito-crime e, nessa medida, não fez aplicação a essa parte da liquidação do alargamento do prazo previsto no art.º 45/5 da Lei Geral Tributária.

Consequentemente, concluiu pela caducidade da liquidação na parte assente em correcções de imposto em alegadas operações intracomunitárias e anulou a liquidação desse exercício no montante de € 170.487,26, correspondendo €166.750,00 a imposto e € 3.737,26 a juros compensatórios (vd. alínea b) do dispositivo da sentença).

É contra este segmento da sentença que vem interposto o recurso, porquanto, na óptica da Exma. Representante da Fazenda Pública e, por um lado, não só a liquidação desse ano assenta toda ela em factualidade objecto do Inquérito-crime, como, por outro lado, “por via da norma constante da alínea d) do n.º 5 do art.º 36.º do RCPITA, o prazo para a conclusão do procedimento inspectivo iniciado pela ordem de serviço n.º OI201700432 esteve suspenso durante 12 (doze) meses, suspendendo, igualmente, o prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA do ano de 2014 pelo período de 12 (doze) meses” (vd. conclusão O. do recurso).

Mas, com o devido respeito, não tem razão. Dizemos porquê.

Dispõe o art.º 46.º da LGT, sob a epígrafe «Suspensão do prazo de caducidade», no seu n.º 1: «O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção».

Por outro lado, dispõe o convocado art.º 36.º do RCPITA:

Artigo 36.º
Início e prazo do procedimento de inspecção

1 - O procedimento de inspecção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar.

2 - O procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.

3 - O prazo referido no número anterior poderá ser ampliado por mais dois períodos de três meses, nas seguintes circunstâncias:

a) Situações tributárias de especial complexidade resultante, nomeadamente, do volume de operações, da dispersão geográfica ou da integração em grupos económicos nacionais ou internacionais das entidades inspeccionadas;

b) Quando, na acção de inspecção, se apure ocultação dolosa de factos ou rendimentos;

c) (Revogada);

d) Quando seja necessário realizar novas diligências em resultado de o sujeito passivo apresentar factos novos durante a audição prévia;

e) Outros motivos de natureza excecional, mediante autorização fundamentada do diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.

4 - A prorrogação do prazo do procedimento de inspeção deve ocorrer até ao seu termo, antes da emissão da nota de diligência, e é notificada à entidade inspecionada com a indicação da data previsível do termo do procedimento.

5 - Independentemente do disposto nos números anteriores, o prazo para conclusão do procedimento de inspeção suspende-se quando:

a) Em processo especial de derrogação do segredo bancário, o familiar do contribuinte ou terceiro interponha recurso com efeito suspensivo da decisão da administração tributária que determine o acesso à informação bancária, mantendo-se a suspensão até ao trânsito em julgado da decisão em tribunal;

b) Em caso de oposição às diligências de inspeção pelo sujeito passivo com fundamento em segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, seja solicitada autorização judicial ao tribunal da comarca competente, mantendo-se a suspensão até ao trânsito em julgado da decisão;

c) Seja instaurado processo de inquérito criminal sem que seja feita a liquidação dos impostos em dívida, mantendo-se a suspensão até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença.

d) A administração tributária tenha necessidade de recorrer aos instrumentos de assistência mútua e cooperação administrativa internacional, mantendo-se a suspensão pelo prazo de 12 meses.

e) Seja requerida a regularização da situação tributária pela entidade inspecionada, mantendo-se a suspensão até à data da reunião a que se refere o artigo 58.º-A, ou, caso haja lugar à assinatura de documento de regularização no âmbito do procedimento de inspeção, até ao termo do prazo previsto no n.º 4 do artigo 58.º-A.

6 - Caso se verifique alguma das situações referidas no número anterior, deve o sujeito passivo ser notificado do início da data de suspensão.

7 - O decurso do prazo do procedimento de inspeção determina o fim dos atos externos de inspeção, não afetando, porém, o direito à liquidação dos tributos.».

Ora, como decorre da epígrafe do art.º 36.º do RCPITA e do seu n.º 5, o que neles se prevê é a suspensão do prazo do procedimento de inspecção, mas tal suspensão não se confunde nem tem virtualidade para suspender o prazo de caducidade do direito à liquidação pelo período correspondente.

A suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, matéria sujeita ao princípio da legalidade por respeitar às garantias dos contribuintes, verifica-se unicamente nas condições previstas no art.º 46.º da Lei Geral Tributária.

Tem sido esse o entendimento da jurisprudência deste Tribunal, nomeadamente, o expressado no ac. de 10/28/2021, tirado no proc.º 1659/17.5BELRA, em que se deixou lavrado: «Com efeito, nos termos do art.º 46.º, n.º 1, da LGT, o efeito suspensivo ali previsto só ocorre se a duração da inspecção não ultrapassar os seis meses, o que não foi o caso, dadas as prorrogações de prazo ocorridas».

Na mesma linha já fora decidido no anterior acórdão deste tribunal de 05/12/2009, tirado no proc.º 02961/09, em que se deixou consignado: «Concretizando: -havendo a acção de fiscalização sido iniciada em 05/11/2003 e concluída em 18/08/2004, tendo sido objecto de duas prorrogações, nos termos do art.º 36° do RCPIT e visto que a acção de inspecção externa se prolongou por um período superior a seis meses, inexistiu qualquer causa de suspensão desse prazo tendo em conta o que dispõe o n° 1 do art.º 46° da Lei Geral Tributária».

Não é outro o entendimento da doutrina. Como a este respeito, refere Joaquim Casimiro Gonçalves «A caducidade face ao direito tributário», Problemas Fundamentais do Direito Tributário, VISLIS, Lisboa, 1999, pp. 247 e 248):

“[Q]uer no caso em que a AF faça uso da faculdade de prorrogação do prazo de procedimento de inspecção, quer no caso em que haja lugar à suspensão do procedimento nos termos do n°4 do art.º 57° da LGT, a AF apenas poderá proceder à liquidação dentro do prazo normal de caducidade, visto que a ultrapassagem do prazo de seis meses determina a inutilização, para efeitos de caducidade, do prazo de suspensão e a contagem do prazo de caducidade desde o seu início”.

Verifica-se, pois, que ocorreu cessação do efeito suspensivo do prazo de caducidade em virtude de o procedimento de inspecção tributária incidente sobre o exercício de 2014 se ter iniciado em 22/03/2017 (cf. ponto 8 do probatório) e terminado em 17/12/2019 (cf. ponto 35 do probatório) e ter sido objecto de duas prorrogações por períodos de três meses, sendo inútil indagar, para este efeito, como pretende a recorrente, se se manteve a suspensão do prazo do procedimento de inspecção ao abrigo do art.º 36.º, n.º5 alínea d) do RCPITA, “por a administração tributária ter tido necessidade de recorrer a instrumentos de assistência mútua e cooperação administrativa internacional”.

No que em particular se refere ao alargamento do prazo de caducidade da liquidação, previsto no n.º 5 do art.º 45.º da LGT, segundo o qual, «Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano», já sobre o tema nos pronunciamos no recurso do impugnante.

Como ali sustamos, em síntese, na interpretação que fazemos do art.º 45/5 da LGT, o alargamento do prazo de caducidade só ocorre quando a AT obtenha notícia de factos discutidos em processo-crime e desses factos, dependa a liquidação. Mas já não vale para as situações, como a dos autos, em que a AT apurou factos em procedimento de inspecção tributária (deduções de imposto contido em facturas falsas), participou os factos à competente autoridade judiciária e, simultaneamente, efectuou liquidações oficiosas de imposto com base nos factos apurados em sede inspectiva e não com base em quaisquer factos apurados no processo-crime, cujo desfecho, aliás, aguarda decisão final na impugnação judicial dessas liquidações, nos termos do art.º 47.º do Regime Geral das Infracções Tributárias.

Tudo visto, não relevando no cômputo do prazo de caducidade qualquer causa de suspensão ou alargamento desse prazo, é manifesto que ocorre caducidade do direito à liquidação do IVA e juros compensatórios do ano de 2014, cujo prazo de quatro anos se iniciou em 01/01/2015 e se completou em 01/01/2019 (cf. art.º 45.º, nºs 1 e 4, da Lei Geral Tributária). Tendo a liquidação desse ano sido emitida em 03/01/2020 e notificada ao impugnante, por correio electrónico, em 08/01/2020, ocorre caducidade da liquidação, vício gerador de anulabilidade do acto.

A sentença recorrida é, pois, de confirmar embora com a presente fundamentação.

O recurso não merece provimento.

Atendendo aos valores dos recursos a considerar, não há lugar a dispensa de remanescente de taxa de justiça no recurso do impugnante, por não concorrerem razões de proporcionalidade e de justiça que a justifique, ponderado o volume das alegações e a complexidade das questões colocadas.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
(i) Conceder provimento ao recurso do impugnante, revogar a sentença recorrida na parte impugnada, julgar totalmente procedente a impugnação judicial e anular as liquidações de IVA e juros compensatórios dos anos de 2014 e 2015;
(ii) Negar provimento ao recurso da Fazenda Pública.

Recurso do impugnante: Custas a cargo da Recorrida Fazenda Pública, que não são devidas no recurso por não ter contra-alegado. Valor do recurso: o atribuído de EUR.340.951,49.

Recurso da Fazenda Pública: Custas a seu cargo, em ambas as instâncias. Valor do recurso: EUR. 170.487,26 (valor da liquidação de 2014, na parte impugnada).

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2024


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Vital Lopes



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Ana Cristina de Carvalho



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Luísa Soares