Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:812/18.9BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:05/23/2019
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:DECISÃO SURPRESA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
DECLARAÇÃO DE IMPACTE AMBIENTAL
PUBLICAÇÃO
DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA
Sumário:I - A sentença proferida no âmbito de processo cautelar, que julga não verificado o requisito do fumus boni iuris devido à intempestividade da ação principal, não configura uma decisão surpresa, se tal questão foi suscitada pelos oponentes e a requerente teve oportunidade se pronunciar sobre a mesma.
II - A divulgação obrigatória da Declaração de Impacte Ambiental no balcão único eletrónico, prevista no artigo 30.º, n.º 1, al. i), do Regime Jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental (RJAIA), tem o mesmo sentido da publicação prevista no artigo 59.º, n.º 3, do CPTA, qual seja, o de tornar público o ato em causa.
III - A intempestividade da ação principal constitui matéria de exceção específica desta ação e não do processo cautelar, implicando aqui um juízo de não verificação do requisito fumus boni iuris.
IV - Os debates e consultas públicas que antecedem a Declaração de Impacte Ambiental e o subsequente contrato de empreitada não substituem o direito de audiência prévia previsto no artigo 4.º da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, caso se mostrem reunidos os pressupostos aí definidos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
Clube da .... instaurou ação cautelar, ao abrigo do direito de ação popular, tramitada sob a forma de processo urgente, contra a Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., a Administração dos Portos de….., S.A., a Sociedade ….e…., S.A., e, na qualidade de contrainteressados, o Município de Setúbal, o Turismo de Portugal, I.P., a Autoridade Marítima Nacional, e as Sociedades…., Unipessoal, Lda., P…, …, SA., T…. Lda., M…. & A…, Lda., H…., Lda., e T…., Lda., todos melhor identificados nos autos, na qual requereu a suspensão da eficácia da «Declaração de Impacto Ambiental emitida para efeitos do projecto de execução para a “Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal» e de «todos os actos de licenciamento da competência da APA, na qualidade de entidade licenciadora, que dependam da existência e validade da DIA», a suspensão da «execução do contrato para os trabalhos de execução de empreitada de “Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal” celebrado entre a APSS e a sociedade ….. Lda.» e o decretamento provisório das medidas cautelares requeridas, ao abrigo do disposto no artigo 131.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Alega, em síntese, que a execução do contrato cuja suspensão requer conduzirá à degradação de elementos que são essenciais para a preservação do ambiente, da qualidade de vida e do património natural na área do Parque Natural da Arrábida e das várias zonas sensíveis próximas da área de intervenção do projecto, tão próximas que em rigor se encontram dentro dos limites do Parque, incluindo-se a defesa desses bens fundamentais na zona do Parque Natural da Arrábida e do Parque Marinho Luiz Saldanha nos fins da Requerente.
Citada, a Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., apresentou oposição, em que suscitou a caducidade do direito de ação.
Citada, a Administração dos …. S.A., apresentou oposição, em que defendeu não estarem reunidos os pressupostos legais de concessão de medidas cautelares.
Citado, o Município de Setúbal apresentou oposição, em que defendeu não estar preenchido o requisito do fumus boni iuris.
Citada, a Sociedade M…., S.A., apresentou oposição, em que sustentou a intempestividade da ação principal.
Por sentença datada de 15/02/2019, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou improcedente a presente ação cautelar e recusou o decretamento das providências cautelares requeridas.
Não se conformando com tal decisão, o Clube da …. interpôs recurso da mesma, pugnando pela respetiva revogação, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“a) O que está em causa neste recurso é apelar à sindicância uma Sentença que se afasta claramente daquele que deve o silogismo judiciário, e a promoção do acesso à Justiça e ao Direito.
b) A Sentença recorrida julga improcedente um pedido de decretamento de duas providências cautelares, respectivamente, de suspensão de eficácia de acto (Declaração de Impacto Ambiental) e suspensão de execução de contrato de obra de melhoria das acessibilidades ao porto de Setúbal.
c) A Sentença recorrida é, em termos práticos, uma decisão surpresa, na medida em que apesar de várias decisões intercalares que pressuponham para o conhecimento do mérito da causa, com seja a possibilidade de realização de audiência de julgamento, a verdade é que, só ao fim de 6 meses se conclui pela improcedência de uma das providências, por alegada intempestividade da acção principal, e de outra por não se verificar o requisito de “fumus boni iuris”.
d) Ao considerar que a expressão constante do art.º 30º, n.º 1, alínea j), do RJAIA, que determina a “divulgação obrigatória” da DIA, através do site de internet da APA, tem o mesmo significado que “publicação obrigatória” do acto, e, nesse medida, o prazo para a sua impugnação era o que decorria do disposto no art.º 59º, n.º 3, alínea a), e 58º, n.º 1, alínea a), ambos do CPA, ou seja, 3 meses a contar da sua divulgação na internet, a Sentença recorrida comete um manifesto erro de julgamento quanto ao Direito aplicável.
e) Quer os princípios da segurança jurídica quer, essencialmente, as normas imperativas que determinam a forma como se devem interpretar as normas jurídicas, impedem que se equipare a expressão ”divulgação obrigatória” através de site de internet, ao conceito jurídico de “publicação obrigatória”, previsto no art.º 159º, n.º 1, do CPA, e por arrasto ao que vai dito na lei em matéria de prazo de impugnação.
f) Em todos os casos em que o legislador pretende que se verifiquem os efeitos decorrentes da publicação obrigatória, não só o diz expressamente, como determina que tal publicação haja de ser feita através do jornal oficial (v.g. DR, Boletim Municipal etc..), e não por um meio tão pouco seguro, que não reveste as características de órgão oficial, pode ser objecto de subscrição particular, e suscetível de manipulação como são sites da internet.
g) É assim para os actos administrativos, por força do art.º 159º, do CPA; é assim para os Regulamentos por força do art.º 139º, do CPA, é assim para os anúncios de contratação pública, por força do art.º 130º e 131º, do CCP, só para dar alguns exemplos mais expressivos, mas que seguramente são acompanhados por tantos outros em matéria fiscal e laboral;
h) A lei (RJAIA) não refere publicação, mas sim “divulgação” (obrigatória) no balcão único… e só isso, seria o bastante para afastar a interpretação que a Sentença faz da norma, equiparando-a às normas em que se impõem a publicação obrigatória dos actos;
i) A divulgação através da internet é sempre tida pelo legislador como um ”plus” relativamente à publicação obrigatória em jornal oficial, e não, ao contrário do que parece decorrer da Sentença, a forma de publicação obrigatória em si mesma;
j) A DIA até pode ser de “divulgação obrigatória” através do site da APA, mas não é acto de “publicação obrigatória” para efeito s de contagem de prazo de impugnação ou para qualquer outro efeito decorrente do acto de publicar.
k) Ao contrário do que diz a Sentença recorrida, que percebendo a fragilidade do argumento da equiparação de divulgação obrigatória ao de publicação obrigatória, vem, depois, equiparar o conceito de divulgação ao de publicação, quer seja ou não obrigatória, de forma a afastar a regra do conhecimento do acto prevista no art.º 59º, n.º 3, alínea b), do CPA, os termos “divulgação” e “publicação” não são sinónimos para efeitos de aplicação da lei.
l) De forma alguma se pode considerar que a expressão “divulgação”, quer seja obrigatória ou não, através de site da Internet, possa ser considerada como sinónimo de publicação oficial.
m) O conceito publicação tem associado um conjunto de efeitos jurídicos típicos, que o legislador conhece e utiliza sempre que pretende que os mesmos se produzam, não sendo permitido, pelas regras da interpretação normativa, presumir que o legislador, ao utilizar o termo “divulgação”, pretendia dizer “publicação”, mas sabe-se lá porquê, não o disse.
n) A Sentença não podia atribuir ao conceito de divulgação os efeitos típicos do conceito legal de publicação, sem que com isso violasse a lei e as regras de interpretação normativa que impõem que o intérprete se atenha sempre à letra da lei antes de qualquer outro juízo interpretativo, não podendo fazer interpretações que não tenham nessa letra o mínimo de apoio.
o) O que é inequívoco e devia valer para efeitos de tempestividade de impugnação do acto devia ser o estabelecido no art.º 59º, n.º 3, alínea b), do CPTA, ou seja o conhecimento do acto, tratando-se de acto que nem foi nem tinha de ser notificado, nem foi nem tinha de ser publicado.
p) Ficou indiciariamente provado que o Recorrente consultou a base de contratos públicos online no dia 19 de Junho de 2018.
q) Foi após essa consulta que pela primeira vez se tomou conhecimento da DIA e do contrato que havia sido assinado no dia 12 de Junho de 2018, conforme foi alegado .
r) A Sentença recorrida devia ter dado como indiciariamente provados dois factos, a saber: a) Que conforme documentos n.º 6, junto com o R.I., a a APA conhecia o ora Recorrente tende existido contacto entre ambas; b) Que conforme resulta de certidão emitida pela APA, em 18 de Julho de 2018, o Recorrente não consta da entidades convidadas em sede de consulta pública do procedimento de AIA.
s) A DIA foi impugnada atempadamente pelo Recorrente, e a Sentença recorrida devia ter conhecido, perfunctoriamente, das invalidades que eram imputadas para efeitos também da invalidade (própria) do contrato, cuja suspensão se solicitava, ao nível do seu conteúdo e objecto.
t) No limite, deixar-se-ia para a acção principal a prova cabal desse conhecimento por parte do Requerente, pois a isso obrigavam as normas que disciplinam o conhecimento dos factos e da prova dos mesmos em sede de providências cautelares.
u) Para além de determinar, erradamente, a improcedência da primeira providência, a Sentença renova o erro de julgamento na interpretação da matéria de direito aplicável, no que se refere ao segundo dos pedidos de decretamento de providência cautelar, ali onde se alegava a invalidade do contrato por desrespeito do disposto no art.º 4, da Lei 83/95, de 31 de Agosto, e ao que lá vai dito em matéria de audiência sobre obras desta dimensão e custo.
v) Mal andou a Sentença recorrida ao decidir que não se verificava um “fumus boni iuris” relativamente à invalidade do contrato por desrespeito ao normativo supra citado, desrespeito esse que é confessado ter existido pela APSS, e que a Sentença acaba por reconhecer que existiu.
w) A Sentença recorrida, “a reboque” da APSS, e sem qualquer juízo crítico, toma por boa a tese de que tendo existido uma consulta pública em 2014, no âmbito de um Plano Estratégico dos Transportes e Infra-Estrururas PETI3+”, que é um plano nacional de políticas públicas, não se verificava a necessidade, nem a obrigatoriedade, de dar cumprimento ao estabelecido na norma do art.º 4º, da Lei 83/95, de 31 de Agosto, pois a essa consulta de 2014 anula a necessidade da segunda aqui referida!
x) Sem prejuízo da impossibilidade legal dessa tese vingar, sempre teria sido bom a Sentença avaliar criticamente o que é que em tal Plano Estratégico consta acerca da obra a levar a cabo pela APSS, com a aprovação da APA…
y) Olvida por completo a Sentença recorrida, que o princípio da participação, constante do artº 12º do CPA, tributário do direito à participação na vida política que emana do art.º 48º da Constituição da República Portuguesa, implica vários níveis de participação, níveis esses que não se anulam ou se substituem, mas que, no limite, se complementam, já que têm conteúdos e objectivos diversos.
z) A jurisprudência e a doutrina já indicaram o quão obrigatória e necessária é a audiência que decorre da norma do art.º 4º, da Lei 83/95, de 31 de Agosto, principalmente quando está em causa o direito fundamental ao ambiente, demonstrado também que a existência de outras audiências ou consultas públicas não supre a obrigatoriedade desta.
aa) Não se alcança como é que perante a manifesta e evidente necessidade tal audiência, prevista no art.º 4º, da Lei 83/95, de 31 de Agosto, que ninguém, nem a Sentença, nega ter sido preterida, pode a Sentença recorrida vir dizer que não existe, sumária e perfuntoriamente, como exige a lei, o “fumus boni iuris” relativamente à invalidade do contrato que permita decretar a providência de suspensão do contrato.
bb) Mesmo numa análise meramente perfuntória, não podem resultar dúvidas quanto à invalidade do contrato cuja suspensão se requereu, nos termos do art.º 284º do CCP, e, portanto, só por manifesto erro de julgamento do direito aplicável, se pode determinar a inexistência do requisito do “fumus boni iuris” não conhecer, de todo, do pedido cautelar apresentado.
cc) A Sentença é, pois, uma Sentença que não pode vingar nem fazer caso julgado, e que deve ser objecto de rigoroso escrutínio desta douta e superior Instância, dando-se assim cumprimento ao direito a uma tutela jurisdicional efectiva e ao princípio da promoção e do acesso à justiça.”
A recorrida Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“a) Vem o Recorrente Clube da A…., em suma, por meio do presente recurso:
i) Imputar à sentença erro de julgamento, por errada aplicação do direito, na parte em que considerou a impugnação contenciosa da Declaração de Impacte Ambiental (DIA) intempestiva e, nessa medida, considerou não se encontrar preenchido o requisito fumus boni iuris;
ii) Requerer a alteração da matéria de facto dada como provada, através da adição de dois novos factos;
iii) Imputar à sentença erro de julgamento por errada determinação do direito, em concreto, por violação do artigo 4º da Lei 83/95, de 31 de Agosto, entendendo que tal norma impunha a realização de audiência prévia do projeto, distinta da realizada em sede de AIA, a qual, no seu entender, não se realizou.
b) Não nos debruçaremos sobre o erro de julgamento indicado em iii) unicamente porque tal afeta apenas o contrato de empreitada de que a APA, IP não é parte.
c) No que respeita à intempestividade da impugnação contenciosa da DIA entende o Recorrente, em primeiro lugar, que a divulgação obrigatória da DIA no balcão único eletrónico imposta pelo artigo 30º, n.º 1, alínea i) do RJAIA não é equiparável à publicação obrigatória prevista nos artigos 158º e 159º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
d) E, como tal, no seu entender, não seria aplicável o artigo 59º, n.º 3 alínea a), por não se tratar de ato que tenha de ser publicado.
e) Vejamos o que rege o artigo 159º do Novo CPA:
“Artigo 159º
Termos da publicação obrigatória
Quando a lei impuser a publicação do ato, mas não regular os respetivos termos, deve a mesma ser feita no Diário da República ou na publicação oficial da entidade pública, e na Internet, no sítio institucional da entidade em causa, no prazo de 30 dias, e conter todos os elementos referidos no n.º 1 do artigo 151.º.”. (negrito e sublinhado nossos)
f) Assim, cumpre esclarecer desde já que a norma transcrita é uma norma supletiva e, como tal, admite que a lei que impõe a publicação do ato regule os respetivos termos, e, deste modo, permite que seja a lei a determinar onde deve ser efetuada a publicação.
g) É o que sucede no presente caso, a lei, no caso, o RJAIA, impõe a divulgação obrigatória no balcão único eletrónico, determinando o seu artigo 30º o seguinte:
“Artigo 30.º Divulgação
1 - São de divulgação obrigatória no balcão único eletrónico, logo que disponíveis ou no prazo máximo de 15 dias, os seguintes documentos:
(…)
i) A DIA;”
h) Neste sentido veja-se Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim in Código de Procedimento Administrativo comentado, 2ª edição, junho 2010 (8ª reimpressão da edição de 1997), Almedina, em anotação ao artigo 131º do CPA (atual 159º do Novo CPA aprovado pelo DL 4/2015, de 7 de janeiro), pg. 633, quando referem o seguinte:
“VII – Quando a lei fixe outro meio de publicidade (ou local de publicação) do ato administrativo, que não a sua publicação em jornal oficial, devem ser observados, em tudo quanto não se mostrem incompatíveis, os outros “termos” (tempo e conteúdo) deste art. 131.º.”
i) No caso da DIA, esta deve ser obrigatoriamente divulgada no balcão único eletrónico, acessível através do link siaia.apambiente.pt.
j) Divulgação e publicação têm aqui o mesmo significado.
k) Veja-se a definição de publicar no Priberam:
pu•bli•car - Conjugar
(público + -ar)
verbo transitivo
1. Tornar público e notório. = DIVULGAR, ESPALHAR
2. Afixar, apregoar.
3. Inserir numa publicação periódica.
4. Utilizar a impressão ou outra forma de reprodução para colocar (geralmente obras literárias) à disposição de um público. = EDITAR
5. [Figurado] Afirmar publicamente. = MANIFESTAR
"publicar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/publicar [consultado em 12-03-2019].
l) Por constar de uma lei (artigo 30º, n.º 1 alínea i) do RJAIA), a divulgação obrigatória é a publicação obrigatória para efeitos do disposto no artigo 158º e 159º do CPA e, consequentemente, para efeitos do disposto no artigo 59º, n.º 3, alínea a) do CPTA.
m) Mais, a publicação obrigatória da DIA cumpre-se com a divulgação no balcão único eletrónico, porquanto o artigo 30º, n.º 1 alínea i) do RJAIA afasta a aplicação dos meios de publicação supletivamente previstos no artigo 159º do CPA.
n) Pelo que, bem andou o tribunal ao concluir como concluiu, não merecendo a douta sentença qualquer reparo.
o) Em segundo lugar, entende o recorrente que “a mera divulgação no site não pode, por razões de segurança jurídica, e de transparência, ser considerado como publicação” para efeitos do artigo 59º, n.º 1 alíneas a) e b).
p) Mencionando, na página 11 das suas alegações, relativamente ao disposto no artigo 159º do CPA, o seguinte:
“ (…) a «divulgação» por internet é um «plus» relativamente ao meio oficialmente aceite e legalmente determinado”.
q) Sucede que, nos casos em que a lei não regula o meio de publicação, e se aplicam os meios previstos no artigo 159º do CPA, exige este artigo que a publicação se faça por DR ou publicação oficial da entidade pública e na internet.
r) Ou seja, nos casos em que não haja lei que afaste os meios supletivos previstos no artigo 159º do CPA, a publicação na internet é hoje um meio obrigatório de publicação, motivo pelo que não é apenas um plus relativamente ao papel, é antes uma imposição legal.
s) Reconhecendo deste modo o CPA que o meio mais imediato de divulgar atos administrativos é, cada vez mais, precisamente a internet.
t) Vem o Recorrente mencionar não ter sido chamado à fase de consulta pública promovida pela APA em sede de procedimento de AIA.
u) O que, em seu entender, foi desconsiderado pelo tribunal.
v) Motivo pelo que, entende o Recorrente, que deviam ter sido dados como provados os seguintes factos:
i) Que conforme documentos n.º 6, junto com o R.I., a APA conhecia o Clube da Arrábida, ora Recorrente, tendo existido contacto entre ambas as entidade em 2015;
ii) Que conforme resulta de certidão emitida pela APA, em 18 de Julho de 2018, o Recorrente não consta das entidades convidadas em sede de consulta pública do procedimento de AIA.
w) Tal alegação constava já dos artigos 44º a 46º e 55º a 66º do Requerimento Inicial.
x) Sublinhe-se que o facto de o Clube da A…. não constar da “Lista de Entidades Convidadas a Participar na Consulta Pública” foi invocado pelo Requerente apenas para reforçar, no seu entender, a premência de vir a juízo suscitar os pedidos cautelares efetuados na presente ação (cfr. artigo 65º do RI).
y) Não tendo com tais factos invocado qualquer vício do ato administrativo.
z) Pelo que não se tratam de factos (essenciais, instrumentais, complementares ou notórios) que integrem a causa de pedir (artigos 5º e 607º do CPCiv.).
aa) Motivo pelo que não constam, nem deveriam, da matéria de facto dada como provada.
bb) Acresce que, ainda que constassem da sentença, em nada seria afetada a decisão proferida.
cc) Veja-se que, mesmo em sede de recurso, o Recorrente pretende que os factos sejam aditados aos dados como provados, mas daí não retira qualquer ilação.
dd) Ou seja, não vem pedir que por via da introdução de tais factos seja alterada a decisão.
ee) O que sucede porque, conforme já mencionado, tais factos não integram a causa de pedir da presente ação.
ff) Cumpre referir que, ainda assim, a aqui Recorrida APA, IP, nos artigos 38º a 46º da sua Oposição entregue em 08/10/2018, veio impugnar os supramencionados factos.
gg) Tendo explicado nos mencionados artigos da sua Oposição, em síntese, que a APA, IP convidou determinadas entidades a participar na consulta pública por serem Organizações Não-governamentais de Ambiente (ONGA), sendo que a ora Requerente não é uma ONGA, nos termos previstos da Lei n.º 35/98, de 18 de Julho, motivo pelo que não foi uma das entidades diretamente convidadas a participar em sede de consulta pública.
hh) Acresce que a consulta pública é aberta à participação de qualquer pessoa ou entidade (artigos 15º, 28º e 29º do RJAIA)!
ii) Sendo que a consulta pública foi divulgada por meio de afixação de anúncio no Município de Setúbal, no site da APA, www.apambiente.pt e no site www.participa.pt, assim cumprindo o vertido no artigo 31º do RJAIA.
jj) Em face do exposto, é manifesto que os factos que a recorrente pretende aditar não integram a causa de pedir, pelo que, não merece reparo a douta sentença no que respeita aos factos que selecionou e considerou como provados.
kk) Assim, considerando que os factos que a Recorrente pretende aditar foram impugnados pela Requerida APA, IP, nunca poderão ser aditados sem que se tenha em consideração o vertido nos artigos 38º a 46º da Oposição da APA, IP entregue em 08/10/2018.
ll) Mais, ainda que os mencionados factos sejam aditados, em nada alterará o sentido da decisão final, precisamente por não integrarem a causa de pedir.”
A recorrida M…. e C…, SA., apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“A. Não se conformando com a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada veio o Requerente Clube da A….. (de ora em diante apenas Recorrente), no dia 15/02/2019, interpor recurso daquela decisão jurisdicional a que a Recorrida M…. e C…, S.A. (agora apenas Recorrida) de ora em diante passará a responder.
B. Com efeito funda o Recorrente a sua apelação em dois erros de julgamento, desde logo e a saber: i) por um lado, alega existir na Sentença recorrida um manifesto erro de Direito quanto à matéria de exceção julgada procedente (caducidade do direito de ação), na medida em que entende o Recorrente que a expressão "divulgação obrigatória" constante no artigo 30º nº 1 alínea j) do DL 151-B/2013, de 31 de Outubro (de ora em diante RJAIA) não corresponde ao conceito de publicação obrigatória a que alude o artigo 59º nº 3 do CPTA para efeitos impugnatórios; ii) por outro lado, alega ainda o ora Recorrente existir na douta Sentença recorrida um outro manifesto erro de Direito, dado que entende não ter sido cumprido o "direito de audiência" a que alude o artigo 4º nº 1da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto (de ora em diante Lei de Ação Popular ou simplesmente LAP), o qual, alega, se imporia no caso em apreço;
C. Quanto ao primeiro dos fundamentos de apelação do Recorrente, importa referir que foi bem julgada a matéria de excepção invocada pela Recorrida na sua Oposição, dado que, sendo o ato impugnado (DIA) um ato administrativo, praticado no âmbito de um procedimento administrativo (procedimento de AIA), a sua não impugnação no prazo de 3 meses (estando em causa meras anulabilidades) tem como cominação a caducidade do direito de ação principal, da qual sempre dependeria a providência cautelar em apreço, nos termos do artigo 123º nº 1 do CPTA.
D. Entendimento esse que é devidamente acolhido pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores e que não merece qualquer dúvida de maior.
E. Quanto ao início do prazo de impugnação, máxime, saber se o conceito de "divulgação obrigatória" corresponde ou não ao conceito de "publicação obrigatória" a que se refere o artigo 59º nº 3 do CPTA, a douta sentença foi clara ao referir que ''a interpretação que se colhe da norma do artigo 30º nº 1, alínea i) do Decreto nº 151º-B/ 2013, de 31 de Outubro, olhando ao seu teor e ao seu espírito, é no sentido de que a declaração de impacte ambiental está sujeita a publicação, que é uma forma de divulgação "
F. Pelo que :”A exigência de divulgação das declarações de impacte ambiental no balcão único eletrónico, logo que disponível ou no prazo máximo de 15 dias, visa, designadamente, possibilitar o conhecimento público do ato e o início dos seus efeitos para que os titulares dos interesses em causa, possam, querendo, acionar os mecanismos que a lei põe à sua disposição para defesa desses interesses, interesses da comunidade globalmente considerada, designadamente no domínio do ambiente. "
G. O que bem se compreende, já que estando em causa um procedimento administrativo com inúmeros administrados envolvidos, o Legislador (e bem) optou, não pelo regime regra em matéria de eficácia do ato (a notificação), mas sim, pela regra supletiva (publicação/ divulgação, pouco importa a literalidade do termo) para que à impossibilidade de notificação de todos e cada um dos potenciais interessados, todos os administrados potencialmente interessados no conhecimento do ato dele pudessem ter conhecimento para os efeitos tidos por convenientes, nomeadamente impugnatórios.
H. A manifesta desconsideração e desconhecimento pelo Recorrente da utilização de meios eletrónicos por parte da Administração é bem demonstrativa da forma pouco séria como o Recorrente se apresentou a juízo na presente lide, já que como este deveria saber, umas das mais paradigmáticas inovações do CPA de 2015 foi a consagração daquilo que há muito vinha sendo tradição nos procedimentos administrativos portugueses: a chamada "tramitação desmaterializada dos procedimentos”, a qual, por manifesta influência do Direito da União Europeia foi sendo estabelecida em inúmeras disposições normativas especiais e que, em 2015, foi finalmente consagrada pelo Legislador Português no âmbito da revisão do CPA em 2015.
I. Neste sentido, veja-se, desde logo, o artigo 14º do CPA que sob a epígrafe "Princípios aplicáveis à administração eletrónica" dispõe de forma clara no seu nº 1 "Os serviços administrativos devem disponibilizar meios eletrónicos de relacionamento com a Administração Pública e divulgá-los de forma adequada, de modo a que os interessados os possam utilizar no exercício dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, designadamente para formular as suas pretensões, obter e prestar informações, realizar consultas, apresentar alegações, efetuar pagamentos e impugnar atos administrativos. " ou ainda no seu nº 4 “Os serviços administrativos devem disponibilizar meios eletrónicos de relacionamento com a Administração Pública e divulgá-los deforma adequada, de modo a que os interessados os possam utilizar no exercício dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, designadamente para formular as suas pretensões, obter e prestar informações, realizar consultas, apresentar alegações, efetuar pagamentos e impugnar atos administrativos. ".
J. Deste modo, existindo uma previsão legal de "divulgação obrigatória no balcão único eletrónico" no artigo 30 nº 1 do RJAIA (órgão administrativo hoje expressamente previsto no CPA no artigo 62º por exigência da Diretiva 2006/123/CE, Diretiva Serviços) e, ainda, que tal divulgação "é feita através de um anúncio no balcão único eletrónico e no sítio na Internet da autoridade de AIA" nos termos do artigo 31 nº 1 do RJAIA, não há como infirmar que o prazo de impugnação do ato em causa teria que ser sempre feito num prazo máximo de 3 meses contados desde aquela data, como bem refere a douta sentença recorrida e nunca a partir do conhecimento do ato como defende o Recorrente.
K. Aliás, caso procedesse a tese do Recorrente de que o prazo para impugnação da DIA contar-se-ia a partir do conhecimento do ato, tal levaria ao absurdo de que qualquer Administrado, anos e anos depois da pratica de um determinado ato, pudesse ulteriormente impugnar um qualquer ato praticado num dado procedimento administrativo a todo o tempo (como se de uma nulidade se tratasse), desde que, como a Recorrente pretende fazer crer, o impugnante alegasse o desconhecimento do ato para dar inicio ao prazo da sua impugnação contenciosa, o que, precisamente, a regra da publicação do ato ínsita no artigo 30º do RJAIA vem salvaguardar, em nome do principio da estabilidade e segurança das relações jurídicas constituídas e de presunção e legalidade do Ato suspendendo/impugnado.
L. Já quanto ao segundo dos fundamentos de apelação do Recorrente, o mesmo prende-se com uma alegada invalidade do contrato por desrespeito ao artigo 4º da Lei 83/95, de 31 de Agosto, alegando o Recorrente que, no âmbito do procedimento administrativo em causa nos autos, não teria sido cumprido o dever de audiência a que alude o normativo acima citado, o que implicaria a invalidade do contrato celebrado.
M. Novamente não assiste razão ao Recorrente por dois motivos fundamentais.
N. Em primeiro lugar pela manifesta caducidade do direito de ação do Recorrente pelo facto de, como se viu, o alegado vicio a proceder (o que de todo se concede e apenas se equaciona enquanto mero exercício teórico), constituindo apenas uma mera anulabilidade nos termos do artigo 163º do CPA, apenas poderia ser impugnado no prazo máximo de 3 meses, nos termos do artigo 58º nº1 b) do CPTA, neste sentido, a Jurisprudência dos Tribunais superiores (Acórdão do STA de 21-11-2012, proc. 0210/12), segundo a qual: "A falta de audição do interessado em procedimento administrativo não sancionatório, não implica nulidade, podendo apenas gerar mera anulabilidade da respectiva decisão.”
O. Pelo que a alegada invalidade derivada do contrato (e não original como defende o Recorrente) jamais poderia ser suscitada nos termos do artigo 283º nº 2 do CCP, o que sempre levaria à improcedência da referida Alegação de Recurso.
P. Por outro lado, é inegável a inexistência de preterição do direito de audiência prévia, tal como defendido na Oposição, na medida em que o direito a que à Recorrente foi dada possibilidade de se pronunciar na Consulta Pública do procedimento de AIA, já que o artigo 4º da Lei 83/95, de 31 de Agosto é claro na formulação dos termos em que deve ser feita a audiência em causa: “A adopção de planos de desenvolvimento das actividades da Administração Pública, de planos de urbanismo, de planos directores e de ordenamento do território e a decisão sobre a localização e a realização de obras públicas ou de outros investimentos públicos com impacte relevante no ambiente ou nas condições económicas e sociais e da vida em geral das populações ou agregados populacionais de certa área do território nacional devem ser precedidos, na fàse de instrução dos respectivos procedimentos da audição dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses que possam vir a ser afectados por aqueles planos ou decisões."
Q. Ora, o procedimento a que neste caso se refere a Lei de Ação Popular é, sem dúvida, o procedimento de AIA, procedimento esse que, nos termos do artigo 29º do RJAIA, foi sujeito a Consulta Pública de todos os interessados na fase de instrução do procedimento, conforme ficou demonstrado na Oposição e na douta Sentença recorrida.
R. E caso dúvidas existissem, a Lei não é claríssima a este respeito ao estabelecer nos termos do artigo 2º alínea e) do RJAIA que se entende por Consulta Pública: a “forma de participação pública destinada à recolha de opiniões, sugestões e outros contributos do público interessado sobre cada projeto sujeito a AIA".
S. Mais se entendendo, nos termos da alínea r) do mesmo artigo 2º, por Público Interessado, "os titulares de direitos subjetivos ou de interesses legalmente protegidos, no âmbito das decisões tomadas no procedimento administrativo de AIA, bem como o público afetado ou suscetível de ser afetado por essa decisão, designadamente as Organizações Não-Govemamentais de Ambiente (ONGA).”
T. Pelo que, assim, estabelecendo deste modo o nº 2 do supra referido artigo 29º do RJAIA que "O público interessado é titular do direito de participação no âmbito da consulta pública” e, tendo sido provado na douta Sentença recorrida que a mesma foi escrupulosamente cumprida, conclui-se que o direito de audiência da Recorrente foi rigorosamente cumprido nos exatos termos legais.
U. Não só, para efeitos do RJAIA enquanto procedimento administrativo que é, como também para efeitos da Lei de Ação Popular.
V. Improcedendo assim toda e qualquer argumentação que o Recorrente pudesse formular contra a douta Sentença recorrida quanto a alegados erros de julgamento da mesma.
W. Devendo-se manter na íntegra nos exatos termos em que foi proferida pelo Tribunal a quo no dia 15-02-2019.”
A recorrida APSS – Administração dos de …e…, S.A., apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“I. O presente recurso é totalmente improcedente, não enfermando a douta Sentença recorrida de qualquer erro de julgamento – cfr. n.ºs 1 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
II. A improcedência do presente recurso resulta, desde logo, do necessário enquadramento do Projeto em apreço e da apresentação do presente processo cautelar, quer quanto aos verdadeiros interesses do Requerente; quer quanto a ser um Projeto conhecido há muito, que, além do mais, foi objeto de inúmeros Estudos e Pareceres favoráveis, de processo de AIA e emissão de DIA; quer quanto a ter sido amplamente divulgado em RCMs de 2015 e 2017 e em várias apresentações públicas; quer quanto a ter sido objeto de duas Consultas Públicas, tudo conformo consta dos factos considerados provados na douta Sentença recorrida, não impugnados pelo requerente – cfr. n.ºs 3 a 6 do texto das presentes Contra-Alegações;
III. No presente processo encontra-se provada a matéria de facto das págs. 21 a 29 da douta Sentença recorrida, não impugnada pelo Recorrente, sendo que o alegado na al. r) das Conclusões das Alegações do Recorrente, é totalmente improcedente, pois, além de ser matéria conclusiva e/ou não está provada, sempre seria irrelevante para a decisão da causa e, em concreto, do presente recurso, face à decisão proferida – cfr. n.ºs 7 a 9 do texto das presentes Contra-Alegações;
IV. É absolutamente manifesta a improcedência e, salvo o devido respeito, desprovida de sentido, a alegação da existência de uma pretensa “decisão surpresa”, como afirmado na Conclusão c) das Alegações do Recorrente, pois, não é por terem decorrido 6 meses da propositura do processo cautelar ou ter sido proferido despacho de gestão processual a convidar as partes para indicarem os factos a que pretendem inquirir as testemunhas indicada, a fim de aferir da eventual necessidade de prova testemunhal, que se poderia qualificar a douta Sentença recorrida como “decisão surpresa”, com algum efeito jurídico relevante – cfr. n.ºs 10 a 15 do texto das presentes Contra-Alegações;
V. As decisões surpresa apenas se verificam em caso de não cumprimento do contraditório, quando legalmente exigido, o que, no caso em apreço, claramente não foi o caso (antes pelo contrário), nem foi invocado pelo Recorrente – cfr. n.ºs 10 a 15 do texto das presentes Contra-Alegações;
VI. Porque julgou não verificado o requisito do fumus boni iuris, a douta Sentença recorrida não chegou a apreciar, por prejudicado, o requisito do periculum in mora nem a efetuar a ponderação de interesses, que também determinariam a improcedência do presente processo cautelar, conforme demonstrado, além do mais, na Oposição da APSS, ora Recorrida – cfr. n.ºs 16 a 20 do texto das presentes Contra-Alegações;
VII. No que respeita à Conclusões d) a t), conforme resulta dos factos provados, não impugnados pelo Recorrente, a DIA foi objeto de divulgação / publicação, nos termos legalmente estabelecidos no art. 30.º/1/i) do RJAIA, pelo menos desde agosto de 2017, pelo que, quando a ação principal foi intentada, em 19.09.2018 (al. AA dos factos provados), já há muito tinha decorrido o prazo legal para o efeito, previsto no art. 58.º/1/a) do CPTA, contado nos termos do art. 59.º/3 do CPTA – cfr. n.ºs 21 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
VIII. A divulgação obrigatória da DIA, referida no art. 30.º/1/i) do RJAIA consubstancia, efetivamente, publicação, para os efeitos do disposto no art. 59.º/3 do CPTA, sendo que o art. 159.º do CPA (com referência a publicação no Diário da República), é uma norma de cariz supletivo ou subsidiário, a qual é aplicável apenas, naqueles caos em que a lei não prescreva outro modo de publicação (“regule os respetivos termos”) de atos administrativos, o que não é o caso, como previsto naquele art. 30.º/1/i) do RJAIA – cfr. n.ºs 25 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
IX. As observações do Recorrente sobre supostas diferenças decorrentes das palavras “publicação” e “divulgação” são totalmente improcedentes, sendo que quanto à publicação de documentos na Internet, não só esta permite o acesso permanente, como, note-se, atualmente o próprio Diário da República é “exclusivamente editado por via eletrónica” e “disponibilizado no sítio da Internet gerido pela INCM”, conforme expressamente determinado no art. 2.º/1 e 2 do Decreto-Lei n.º 83/2016, de 16 de dezembro – cfr. n.ºs 25 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
X. O presente recurso é, assim, totalmente improcedente, não enfermando a douta Sentença recorrida de qualquer erro de julgamento ao considerar decorrido o prazo para intentar a ação principal, sendo que a alegação do Recorrente, fundamenta-se, exclusivamente, na questão do início do cômputo desse prazo – cfr. n.ºs 30 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XI. É também totalmente improcedente o alegado nas Conclusões u) a cc) do Recorrente relativamente a alegada “invalidade do contrato” por pretensa não observação do disposto no art. 4.º da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto – cfr. n.ºs 35 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XII. O Projeto foi objeto de duas Consultas Públicas, conforme resulta das als. W) a Y e E) a F) dos factos considerados provados na douta Sentença recorrida, não impugnados pelo Recorrente – cfr. n.ºs 37 e segs. do texto das presentes Contra- Alegações;
XIII. A segunda Consulta Pública, em 2017, em sede de AIA, teve, aliás, especial enfoque na componente ambiental, que, supostamente, seria o que estava aqui em causa – cfr. n.ºs 37 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XIV. Note-se, aliás, sem prejuízo do acima referido - e sem conceder minimamente quanto ao alegado pelo Recorrente -, que o Acórdão do STA, citado nas Alegações do Recorrente, apenas considerou verificada a nulidade no específico caso concreto analisado no mesmo, em que não tinha existido qualquer consulta pública – o que não é o caso –, em virtude do direito fundamental ao ambiente, pois, já no que respeita à audiência prévia, considerou-se, expressamente, naquele Acórdão citado pelo Recorrente, que, “por via de regra, a falta de audiência dos interessados antes da decisão final do procedimento constitui vício gerador de mera anulabilidade dessa decisão (art. 135 CPA)” (sublinhado nosso) - cfr. n.ºs 38 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XV. No mesmo sentido, veja-se o atual art. 161.º do CPA que nunca permitiria concluir que, no caso concreto em apreço (em que existiram duas Consultas Públicas, uma com especial enfoque na componente ambiental), existiria qualquer nulidade, mas apenas mera anulabilidade, o que, de qualquer forma, não se concede - cfr. n.ºs 38 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XVI. Assim, sem conceder minimamente, sublinhe-se que, mesmo atendendo ao invocado pelo Recorrente – o que, repita-se, não se concede –, sempre teria, também aqui, teria decorrido o prazo de impugnação - cfr. n.ºs 38 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XVII. Com efeito, no que respeita à pretensa (mas inexistente) falta de audiência prévia –o que não se concede minimamente –, estaríamos perante uma anulabilidade, como resulta do Acórdão STA, acima referido, citado pelo Recorrente nas suas Alegações, efetuando-se a necessária adaptação ao caso concreto, em que existiram duas consultas públicas, nomeadamente uma com enfoque específico na componente ambiental - cfr. n.ºs 38 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XVIII. Ora, conforme Doc. 3 também junto pelo próprio Recorrente com o R.I. (al. L dos factos provados, não impugnados pelo Recorrente), o Concurso para a celebração do referido Contrato foi publicitado nos termos legais, no Diário da República (DR), II Série, de 03.08.2017, ou seja, mais de um ano antes da propositura do presente processo cautelar, sendo que, nesse anúncio consta expressamente a designação do Contrato “Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal”, a tratar-se de um contrato de Empreitada e ao preço base de 25.000.000€ (v. Doc. 3 do R.I. – al L dos factos provados, não impugnados pelo Recorrente) - cfr. n.ºs 42 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XIX. E o Contrato foi publicado na base.gov em 12.06.2018 (al. O dos factos provados), sendo que o Requerente tinha pleno conhecimento do mesmo, pois juntou-o com o R.I., além de ter também junto o anúncio do Concurso, acima referido - cfr. n.ºs 42 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XX. Ora, quer consideremos o prazo de um mês previsto no art. 101.º do CPTA, quer o prazo de três meses previsto no art. 58.º/1/b) do CPTA, o mesmo já havia decorrido quando foi intentada a ação principal, em 19.09.2018 (al AA dos factos provados) - cfr. n.ºs 42 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XXI. Assim, para além de terem existido duas Consultas Públicas, com referência específica ao presente Projeto, âmbito e valor, o que, por si só determina a total improcedência do invocado pelo Recorrente, sempre se verificaria a caducidade do direito de ação relativamente a ambos os pedidos do R.I., o que determina a absolvição das RR., aqui Recorridas (v. art. 576.º/3 do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA), e, também por esta razão, a consequente inexistência do requisito do fumus boni iuris - cfr. n.ºs 42 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações.
XXII. Fica, pois, também nesta sede, inteiramente demonstrada a ausência de fumus boni iuris, motivo esse pelo qual deve a sentença recorrida ser mantida e o recurso julgado inteiramente improcedente.”
O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela improcedência do recurso apresentado, sustentando ter decorrido mais de um ano entre a emissão da DIA e a propositura da ação principal, donde resulta a caducidade do direito de ação principal e da qual sempre dependeria a respetiva providência cautelar, pelo que se mostram manifestamente prejudicadas outras considerações relevadas pelo recorrente na presente fase impugnatória.
*

Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, as questões a decidir serão as seguintes:
- aferir se a sentença recorrida configura uma decisão surpresa;
- aferir do erro de julgamento da sentença recorrida, ao decidir pela ausência de fumus boni iuris, atenta a intempestividade da propositura da ação;
- aferir do erro de julgamento da decisão da matéria de facto;
- aferir do erro de julgamento da sentença recorrida, ao decidir pela ausência de fumus boni iuris, relativamente à invalidade do contrato por falta de audiência prévia.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A. A Requerente é uma associação, sem fins lucrativos, com sede no Portinho da Arrábida, que tem como fins, entre outros, “- A promoção, contributo ou cooperação no debate e no apoio ao desenvolvimento da investigação científica nos domínios relacionados com o Parque Natural da Arrábida e o Parque Marinho Luís Saldanha; - A promoção, contributo ou cooperação em iniciativas do interesse dos utentes e habitantes do Parque Natural da Arrábida junto da autoridades com competência sobre esta área do território nacional, nomeadamente no que concerne às acessibilidades, estacionamento e respectivo ordenamento, à protecção do ambiente, à limpeza e ordenamento das praias, florestas e demais zonas públicas de interesse e à utilização do Parque Marinho Luís Saldanha; - O estudo e desenvolvimento de iniciativas que combatam as principais ameaças existentes para o Parque Natural da Arrábida, nomeadamente: o desassoreamento das praias, limpeza de florestas, prevenção de fogos, a indústria extractiva, a poluição, as dragagens realizadas no canal de acesso ao Porto de Setúbal e os animais abandonados no Parque Natural” (documento nº 1, junto com o Requerimento Inicial, que aqui dá por integralmente reproduzido).
B. Entre Setembro de 2015 e Julho de 2016, foi realizado o Estudo de Impacte Ambiental (EIA) do Projecto de Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal em causa nos presentes autos (documento n.º 11, junto com o Requerimento Inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
C. Em 29 de Novembro de 2016, iniciou-se o procedimento de avaliação de impacte ambiental (AIA) do referido Projecto, em que é entidade proponente a Requerida Administração dos Portos de…., S.A. (documento n.º 5, junto com o Requerimento Inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
D. No âmbito deste procedimento de AIA, ao qual foi atribuído o n.º 2942, a Requerida Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. (APA, IP), na qualidade de autoridade de AIA, nomeou a respectiva Comissão de Avaliação (CA), constituída por representantes da APA, IP, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), da Direcção-Geral dos Recursos Marinhos (DGRM), da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCRLVT), do Laboratório Nacional de Energia e Geologia, IP (LNEG), e do Centro de Ecologia Aplicada Prof. Baeta Neves/Instituto Superior de Agronomia (CEABN/ISA) (documento n.º 5, junto com o Requerimento Inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
E. Entre 22 de Março e 19 de Abril de 2017, decorreu o período de consulta pública, que foi divulgado mediante afixação de anúncio no Município de Setúbal, no site da APA, IP, www.apambiente.pt, e no portal participa.pt (documento n.º 9, junto com o Requerimento Inicial e documento junto pela APSS, SA a fls. 1474, - data de registo: 24-09-2018 23:28:59 -, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
F. Em Maio de 2017, foi produzido o Relatório da Consulta Pública, que aqui se dá por integralmente reproduzido (documento n.º 9, junto com o Requerimento Inicial/documento n.º 4, junto com a Oposição da M…, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
G. Em Junho de 2017, foi elaborado o Parecer da Comissão de Avaliação, que aqui se dá por integralmente reproduzido (documento constante do Processo Administrativo apensado aos autos).
H. Em 20 de Julho de 2017, a APA, IP emitiu a Declaração de Impacte Ambiental favorável condicionada, cuja suspensão da eficácia vem requerida (DIA), anexa ao Título Único Ambiental (TUA), emitido em 27 de Julho de 2017, que aqui se dá por integralmente reproduzida (documento n.º 5, junto com o Requerimento Inicial e documento n.º 1, junto com a Oposição da M….).
I. Em Agosto de 2017, a DIA foi colocada no SIAIA - Sistema de Informação sobre Avaliação de Impacte Ambiental, acessível em http://siaia.apambiente.pt/AIA.aspx?ID=2942 e http://siaia.apambiente.pt/AIADOC/AIA2942/tua-dia_aia29422018817143640.pdf (documento de fls. 373, junto com o requerimento apresentado pela APA, IP a fls. 371 [data de registo: 24-09-2018 15:58:48], e documentos 1, 2 e 3, juntos com a Oposição da M…).
J. Foram também disponibilizados no SIAIA, entre outros documentos relativos ao Procedimento de AIA n.º 2942, o EIA, incluído o Resumo Não Técnico, o Relatório da Consulta Pública e o Parecer da Comissão de Avaliação, todos disponíveis em http://siaia.apambiente.pt/AIA.aspx?ID=2942
K. Em 22 de Agosto de 2017, ocorreram os três primeiros acessos (downloads) ao documento DIA do Procedimento de AIA n.º 2942, através do link http://siaia.apambiente.pt/AIA.aspx?ID=2942 (documento de fls. 373, pg. 310, junto com o requerimento apresentado pela APA, IP a fls. 371 - data de registo: 24-09-2018 15:58:48).
L. Pelo Anúncio 6717/2017, publicado no Diário da República, II Série, n.º 149, de 3 de Agosto de 2017, a Requerida APSS, SA lançou o procedimento concursal para adjudicação da Empreitada Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal, com o preço base de 25 000000,00 EUR, e o prazo contratual de 180 dias (documento n.º 3, junto com o Requerimento Inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzidos).
M. A Declaração de Impacte Ambiental (DIA) integra as peças do procedimento concursal para adjudicação da Empreitada Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal, aberto pelo Anúncio mencionado na Alínea anterior (documento n.º 3, junto com a Oposição da APSS, IP).
N. Em 08 de Junho de 2018, as Requeridas…., S.A. e M….., S.A. assinaram o contrato para execução dos trabalhos que constituem a Empreitada Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal, que que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual faz parte integrante a Declaração de Impacte Ambiental (documento n.º 4, junto com o Requerimento Inicial).
O. Em 12 de Junho de 2018, o Contrato foi publicado na Base: Contratos Públicos online (documento n.º 6, junto com a Oposição da…., S.A. e documento n.º 2, junto com o requerimento apresentado pela Requerente a fls. 2240 - data de registo: 22-10-2018 18:04:28).
P. Em 19 de Junho de 2018, a Requerente consultou a Base: Contratos Públicos online (documento n.º 2, junto com o requerimento apresentado pela Requerente a fls. 2240 - data de registo: 22-10-2018 18:04:28).
Q. Em 2 de Julho de 2018, a Requerente dirigiu ao Presidente do Conselho Directivo da APA, IP pedido de emissão de certidão do “Anúncio da consulta pública prevista no art.º 15º do Dec. Lei n.º 151-B/2013, de 31 de Outubro, relativamente ao projecto de melhoria da acessibilidade marítima ao porto de Setúbal, promovido pela APSS” e “Relatório completo dos resultados da consulta pública ao projecto de melhoria da acessibilidade marítima ao porto de Setúbal, promovido pela APSS.” (documento n.º 7, junto com o Requerimento Inicial).
R. Em 2 de Julho de 2018, a Requerente dirigiu à Presidente do Conselho de Administração da …, S.A. pedido de emissão de certidão do “Anúncio da audiência dos interessados, prevista no art.º 4°, n.º 1 do Lei 83/95, de 31 de Agosto, relativamente ao projecto de melhoria da acessibilidade marítima ao porto de Setúbal” e “Relatório completo dos resultados da audiência dos interessados, prevista no art.º 40.º, n.º 1 da Lei 83/95, de 31 de Agosto, do projecto de melhoria da acessibilidade marítima ao porto de Setúbal” (documento n.º 8, junto com o Requerimento Inicial).
S. Por ofício de 09 de Junho de 2018, a Requerida …., S.A., reportando-se ao pedido de certidão referido na Alínea anterior, informou a Requerente de que “a mencionada audiência dos interessados foi realizada pela Agência Portuguesa do Ambiente (…) a quem deverá assim endereçar o pretendido.” (documento n.º 10, junto com o Requerimento Inicial).
T. A coberto de ofício de 18 de Julho de 2018, a Requerida APA, I.P. remeteu à Requerente certidão do Anúncio e do Relatório da Consulta Pública do Procedimento de AIA n.º 2942 (documento n.º 9, junto com o Requerimento Inicial).
U. Em 12 de Setembro de 2018, foi lavrado o Auto de Consignação da Obra (documento n.º 8, junto com a Oposição da APSS, IP, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
V. O Projecto de Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal foi alvo de notícias na comunicação social, antes e depois da conclusão do procedimento de AIA que culminou com a AIA suspendenda, tendo sido publicadas no mês de Agosto de 2017, notícias referentes a um comunicado do Ministério do Mar, de 08 de Agosto de 2017, dando nota de que foi aberto o concurso público para adjudicação da Empreitada de Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal, após conclusão do procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental (documento de fls. 366 - data de registo: 21-09-2018 18:02:02; documentos de fls. 1483, juntos com o requerimento da APSS, IP de fls. 1444 - data de registo 24-09-2018 23:28:59; documento n.º 10, junto com a Oposição da…, SA; notícias de 23 e 25 de Agosto de 2017, disponíveis em https://www.diariodaregiao.pt/.../governo-lanca-concurso-para- aprofundamento-do-canal-do-porto-de- setubal/ e setubalmais.pt/ampliacao-do-molhe-leste-do-porto-de-sines-investimento-de- 88-milhoes/ ).
W. O Projecto de Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal integra o Plano Estratégico dos Transportes e Infra-estruturas - PETI3+, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 61-A/2015, de 20 de Agosto, publicada no Diário da República, 1ª Série, n.º 162, de 20 de Agosto de 2015, que aqui se dá por integralmente reproduzida (documento n.º 1, junto com a Oposição da…, S.A.).
X. A aprovação do Plano Estratégico dos Transportes e Infra-estruturas - PETI3+, mencionado na Alínea anterior, foi precedida de debate e consulta pública, referindo-se na Resolução do Conselho de Ministros que o aprovou, designadamente, que “foram recebidos e acolhidos mais de 400 contributos e mais de 1200 participantes por todo o país até ao dia 1 de abril de 2014, cujo resumo é apresentado no Anexo II” (documento n.º 1, junto com a Oposição da…., S.A., que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Y. Na mesma Resolução n.º 61-A/2015, refere-se que o Plano Estratégico dos Transportes e Infra-estruturas – PETI3+, que dela faz parte integrante, incorpora os resultados da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), cujo processo foi conduzido pelo LNEC - Laboratório Nacional de Engenharia Civil (documento n.º 1, junto com a Oposição da…., S.A., que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Z. Pela Resolução n.º 175/2017, publicada no Diário da República de, 1ª Série, n.º 227, de 24 de Novembro de 2017, o Conselho de Ministros aprovou a “Estratégia para o Aumento da Competitividade da Rede de Portos Comerciais do Continente”, aí se referindo, no que respeita à melhoria das acessibilidades marítimas ao Porto de Setúbal, designadamente, que o “projeto visa a adaptar o acesso marítimo aos terminais do Porto de Setúbal à evolução da procura de tráfego contentorizado esperada no hinterland, tendo em conta a evolução qualitativa e quantitativa dos navios utilizados nos diversos tráfegos marítimos e das novas exigências em termos de segurança. Envolve a execução de um programa de dragagens de aprofundamento que permitirá, nesta fase, oferecer aos navios um acesso permanente nos canais de navegação de: -15 m (ZH) no Canal da Barra, sendo atualmente de -12,8 m (ZH) e -13,5 m (ZH) no Canal Norte, sendo atualmente de -11,8 m (ZH). O valor total do projeto está estimado em 25,2 M(euro) e as suas fontes de financiamento passam por Fundos Europeus ao abrigo do Programa COMPETE 2020/POCI (Eixo IV) e Fundos Nacionais da responsabilidade da APSS” (documento n.º 5, junto com a Oposição da…., SA, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
AA. Em 19 de Setembro de 2018, foi apresentada em juízo a petição inicial que deu origem à Acção Administrativa n.º 827/18.7BEALM, de que depende o presente processo cautelar (documento n.º 1, junto com o requerimento de fls. 2240, e seguintes/fls. 1 da Acção Administrativa n.º 827/18.7BEALM).
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir neste processo cingem-se a saber:
- se a sentença recorrida configura uma decisão surpresa;
- se ocorre erro de julgamento da sentença recorrida, ao decidir pela ausência de fumus boni iuris, atenta a intempestividade da propositura da ação;
- se ocorre erro de julgamento da decisão da matéria de facto;
- se ocorre erro de julgamento da sentença recorrida, ao decidir pela ausência de fumus boni iuris, relativamente à invalidade do contrato por falta de audiência prévia.


a) da decisão surpresa

Defende o recorrente que a sentença recorrida configura uma decisão surpresa, na medida em que apesar de várias decisões intercalares que pressupunham o conhecimento do mérito da causa, como seja a possibilidade de realização de audiência de julgamento, a verdade é que, só ao fim de 6 meses se conclui pela improcedência de uma das providências, por alegada intempestividade da ação principal, e de outra por não se verificar o requisito de fumus boni iuris.
Vejamos se lhe assiste razão.
É proferida decisão surpresa se a mesma se baseia em fundamento jurídico que não foi previamente abordado pelas partes, e às mesmas não foi dada possibilidade de se pronunciarem sobre esta questão, assim configurando uma violação do princípio do contraditório, plasmado no artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
No caso vertente:
Conforme assinalado no ponto I que antecede, foi suscitada pelos oponentes Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., e M…. -, S.A., a intempestividade da ação.
E a recorrente pronunciou-se atempadamente sobre esta questão prévia.
É, pois, evidente a falta de razão da recorrente, não configurando a sentença sob recurso uma decisão surpresa.

b) do erro de julgamento da decisão da matéria de facto

Uma vez que o recorrente sustenta que deviam ter sido dados como indiciariamente provados dois factos, em abono da sua tese de verificação dos requisitos da providência cautelar, cumpre iniciar por aqui a respetiva análise.
Segundo o recorrente, deve considerar-se indiciariamente assente que:
- conforme documento n.º 6 do requerimento inicial, a APA conhecia o recorrente, tendo existido contacto entre ambos;
- conforme resulta de certidão emitida pela APA em 18/07/2018, o recorrente não consta das entidades convidadas em sede de consulta pública do procedimento de AIA.
Quanto a esta questão, pronunciou-se a recorrida APA, defendendo que daqueles factos não resulta invocado qualquer vício do ato administrativo, pelo que não integram a causa de pedir, sendo certo que os mesmos foram impugnados na sua oposição.
No que concerne ao primeiro facto, o que consta do documento n.º 6 são duas comunicações eletrónicas, datadas de 14/05/2015 e de 16/05/2016, relativas ao desassoreamento do Portinho da Arrábida, dirigidas pelo Presidente do Clube da Arrábida, ora recorrente, a diversos endereços eletrónicos, entre os quais quatro com o servidor @apambiente.pt, n…., a…, j…., e s….
Quanto ao segundo facto, ao contrário do que refere a oponente APA, foi o mesmo expressamente admitido na respetiva oposição, artigo 46.º, onde se refere que a requerente não é uma ONGA, nos termos previstos da Lei n.º 35/98, de 18 de Julho, motivo pelo que não foi uma das entidades diretamente convidadas a participar em sede de consulta pública.
Estão em causa factos que, na perspetiva da recorrente, relevam para a análise do vício de falta de audiência prévia.
Como tal, procede a impugnação da decisão da matéria de facto e vão aditados ao probatório os seguintes factos:
BB. Nos dias 14/05/2015 e de 16/05/2016, o Presidente do Clube da…., através do endereço eletrónico carrabida@gmail.com, remeteu duas comunicações eletrónicas, relativas ao desassoreamento do Portinho da Arrábida, a diversos endereços eletrónicos, entre os quais quatro com o servidor @apambiente.pt, n…., a…., j…., e s….
CC. O requerente não foi uma das entidades diretamente convidadas pela oponente APA a participar em sede de consulta pública.


c) da verificação do fumus boni iuris - tempestividade da propositura da ação

Convoca o recorrente nesta sede, em síntese, a seguinte argumentação:
- a expressão constante do artigo 30.º, n.º 1, al. j), do RJAIA, que determina a “divulgação obrigatória” da DIA, não se equipara ao conceito jurídico de “publicação obrigatória”, previsto no artigo 159.º, n.º 1, do CPA, e por arrasto ao que vai dito na lei em matéria de prazo de impugnação;
- quando o legislador pretende que se verifiquem os efeitos decorrentes da publicação obrigatória, não só o diz expressamente, como determina que tal publicação haja de ser feita através do jornal oficial e não por um meio tão pouco seguro, como são os sites da internet;
- deve contar-se do conhecimento do ato o início do prazo da sua impugnação, nos termos do artigo 59.º, n.º 3, al. b), do CPTA;
- o recorrente tomou conhecimento do ato ao consultar a base de contratos públicos online no dia 19/07/2018, pelo que a ação é tempestiva.

Da sentença sob recurso consta o seguinte discurso fundamentador:
A impugnação contenciosa da Declaração de Impacte Ambiental suspendenda (DIA), impugnada na acção principal de que depende o presente processo cautelar, está sujeita aos prazos gerais fixados no n.º 1, do artigo 58.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
De acordo com o disposto neste preceito legal, a impugnação de actos administrativos expressos anuláveis deve ter lugar no prazo de um ano, se promovida pelo Ministério Público, e no prazo de três meses, nos restantes casos, não se encontrando a sua impugnação sujeita a qualquer prazo se padecerem de vícios geradores de nulidade.
A nulidade dos actos administrativos ilegais é sempre excepcional, pois a forma de invalidade que normalmente lhes corresponde é a mera anulabilidade (artigos 161.º, n.º 1, e 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).
A Requerente alega que a DIA padece de vício de forma, por falta de fundamentação, e vícios de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e ofensa dos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da transparência e da prevenção; sustenta a invalidade dos actos de licenciamento do projecto e do contrato celebrado com fundamento na alegada ilegalidade da DIA; defende que o contrato sempre terá de considerar-se inválido, por não ter sido precedido da audiência prevista no artigo 4.º, da Lei 83/95, de 31 de Agosto.
Sendo os vícios arguidos geradores de mera anulabilidade, temos de concordar com os Requeridos quando defendem que o prazo de que a Requerente dispunha para impugnar a DIA é o prazo de três meses estabelecido na alínea b), do n.º 1, do artigo 58.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que se conta nos termos do artigo 279.º, do Código Civil (cfr. artigo 58.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), o que, de resto, a Requerente não questiona, conforme decorre da sua pronúncia sobre a alegada caducidade do direito de acção/intempestividade da acção principal e, desde logo, da acção principal, em que peticiona a anulação da DIA, não deduzindo qualquer pedido de declaração de nulidade deste acto. (…)
Ao contrário do defendido pela Requerente, a interpretação que se colhe da norma do artigo 30.º, n.º 1, alínea i), do Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, olhando ao seu teor e ao seu espírito, é no sentido de que a declaração de impacte ambiental está sujeita a publicação, que é uma forma de divulgação.
A norma em questão, de cuja redacção resulta inequívoco que a declaração e impacte ambiental é de publicitação obrigatória no balcão único electrónico, tem como finalidade garantir a publicidade a que estão sujeitos os actos administrativos.
A publicidade pode envolver diversos graus e envolver diferentes modalidades, vg. publicação em jornal oficial, publicação na internet usando-se o site institucional da entidade administrativa, notificação por meios tradicionais, afixação em locais de estilo (artigo 159.º, do Código do Procedimento Administrativo). Enquanto a notificação dos actos administrativos respeita ao seu conhecimento pelo respectivo destinatário ou destinatários, a publicação dos actos administrativos respeita à sua divulgação ou difusão junto do público, sem cuidar de saber quem soube dessa divulgação - Mário Esteves de Oliveira, Código do Procedimento Administrativo Comentado, Almedina, pág. 627; Paulo Otero, Direito do Procedimento Administrativo, Vol. I, Almedina, 2016, pág. 581, e segs.
A exigência de divulgação das declarações de impacte ambiental no balcão único electrónico, logo que disponível ou no prazo máximo de 15 dias, visa, designadamente, possibilitar o conhecimento público do acto e o início dos seus efeitos para que os titulares dos interesses em causa, possam, querendo, accionar os mecanismos que a lei põe à sua disposição para defesa desses interesses, interesses da comunidade globalmente considerada, designadamente no domínio do ambiente.
Ademais, tendo ficado demonstrado que a DIA impugnada foi colocada no Sistema de Informação sobre Avaliação de Impacte Ambiental (SIAIA), da Autoridade de AIA, acessível ao público desde 22 de Agosto de 2017, pelo menos (cf. Alíneas I) e K), da Matéria de Facto), ainda que pudéssemos concluir que as declarações de impacte ambiental não estão sujeitas a publicação obrigatória, não poderíamos concordar com a Requerente quando defende que o prazo de três meses previsto na lei para a respectiva impugnação começou a correr a partir da data em que a DIA alegadamente chegou ao seu conhecimento (19.06.2018).
Ao contrário do que parece defender a Requerente, o momento a quo da contagem do prazo de impugnação dos actos administrativos que não tenham de ser publicados apenas coincide com o momento do seu conhecimento quando este seja anterior à notificação (quando tenha lugar) ou à publicação (quando tenha sido promovida).
De acordo com o disposto na alínea b), do n.º 3, do artigo 59.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, invocada pela Requerente, quando os actos administrativos não tenham de ser publicados, o prazo da respectiva impugnação contenciosa para quaisquer interessados a quem o acto não tenha de ser notificado (aqueles que possam ser lesados pelo acto administrativo apesar de não terem tido intervenção no respectivo procedimento), começa a correr a partir da notificação, da publicação, ou do conhecimento do acto ou da sua execução, consoante o que ocorra em primeiro lugar.
Perante o exposto, forçoso é concluir que a contagem do prazo de três meses que a Requerente dispunha para impugnar contenciosamente a DIA impugnada iniciou-se no dia 23 de Agosto de 2017, pelo que terminou no dia 23 de Novembro de 2017, tendo a Acção Administrativa n.º 827/18.7BEALM, de que é instrumental o presente processo cautelar, sido intentada apenas no dia 19 de Setembro de 2018 (cf. Alínea AA), da Matéria de Facto), pelo que a Requerente já não poderá obter a anulação da DIA, na acção principal e, consequentemente, a suspensão da respectiva eficácia, no presente processo cautelar (artigos 89.º, n.ºs 2, e 4, alínea k), e 120.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
É patente que o Tribunal a quo decidiu com acerto.
Consta da factualidade indiciariamente assente que a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) foi emitida no dia 20/07/2017, e anexada ao Título Único Ambiental (TUA), emitido em 27/07/2017 – ponto H do probatório.
Já no mês de agosto de 2017, a DIA foi colocada no Sistema de Informação sobre Avaliação de Impacte Ambiental, passando a estar acessível no respetivo sítio eletrónico, onde foram igualmente disponibilizados outros documentos relativos ao procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) n.º 2942 – pontos I e J do probatório.
E ainda nesse mês ocorreram os três primeiros acessos (downloads) ao documento DIA do referido Procedimento – ponto K do probatório.
Constam da Secção VII do Regime Jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental (RJAIA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 outubro (entretanto alterado pelos seguintes diplomas: Decreto-Lei n.º 47/2014, de 24 de março, Decreto-Lei n.º 179/2015, de 27 de agosto, e Lei n.º 37/2017, de 2 de junho), os normativos que regulam o acesso à informação e participação pública, no âmbito da Avaliação de Impacte Ambiental (AIA).
Assim, o artigo 28.º estabelece o princípio geral da publicidade dos procedimentos de AIA, de verificação da conformidade ambiental do projeto de execução e de pós-avaliação, encontrando-se todos os seus elementos e peças processuais disponíveis na autoridade de AIA.
Prevê o artigo 29.º a consulta pública da proposta de definição de âmbito do EIA, do procedimento de AIA e do RECAPE, atribuindo ao público interessado a titularidade do direito de participação no âmbito da consulta pública (n.º 2). Competindo à autoridade de AIA decidir, em função da natureza e complexidade do projeto, dos seus impactes ambientais previsíveis, ou do grau de conflitualidade potencial da sua execução, a forma de concretização adequada da consulta pública que permita uma efetiva auscultação do público interessado (n.º 3).
Consta do artigo 30.º como deve ser efetuada a divulgação dos elementos do procedimento:
“1 - São de divulgação obrigatória no balcão único eletrónico, no prazo de cinco dias, os seguintes documentos:
a) A decisão sobre a sujeição a AIA nas análises caso a caso referidas no artigo 3.º;
b) A decisão de dispensa de procedimento de AIA;
c) A PDA, nos casos em que a mesma seja objeto de consulta pública;
d) A deliberação sobre a PDA;
e) O EIA e respetivo RNT;
f) A decisão de desconformidade do EIA;
g) Os relatórios da consulta pública;
h) Os pareceres emitidos e estudos realizados no âmbito do procedimento de AIA;
i) A DIA;
j) O RECAPE e respetivo RNT;
l) A decisão sobre a verificação da conformidade ambiental do projeto de execução;
m) A decisão proferida no âmbito do licenciamento ou da autorização;
n) Os relatórios da monitorização.
2 - A divulgação dos documentos referidos no número anterior cabe à autoridade de AIA, à exceção da publicitação do documento mencionado na alínea m) do número anterior, que é da responsabilidade da entidade licenciadora ou competente para a autorização do projeto.
3 - Sem prejuízo da obrigação de divulgação prevista nos números anteriores, após o termo dos procedimentos de definição de âmbito, de AIA e de verificação da conformidade ambiental do projeto de execução, os documentos estão disponíveis para consulta na autoridade de AIA ou na autoridade nacional de AIA.
4 - Após o termo dos respetivos procedimentos, os documentos referidos nas alíneas c) a e) e nas alíneas g) a j) do n.º 1 estão igualmente disponíveis para consulta nas CCDR e nas câmaras municipais da área de localização do projeto.
5 - Os documentos elaborados no decurso do procedimento de pós-avaliação encontram-se disponíveis para consulta na autoridade de AIA.”
O Balcão Único Eletrónico (criado pela Portaria n.º 131/2011, de 4 de abril) é desenvolvido e gerido pela Agência para a Modernização Administrativa, I.P., através do portal de serviços públicos ePortugal, que nas questões de impacte ambiental reencaminha para o sítio da Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., http://siaia.apambiente.pt/.
Ora, foi aqui efetivamente divulgada a Declaração de Impacte Ambiental em questão, assim se dando cumprimento ao citado artigo 30.º, n.º 1, al. i), da RJAIA.
A partir deste momento, a DIA em causa passou a estar livremente acessível a quem pretendesse realizar a sua consulta.
Na presente providência, a requerente invoca que a DIA padece de vício de forma, por falta de fundamentação, e vícios de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e ofensa dos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da transparência e da prevenção, vícios geradores de mera anulabilidade
Nos termos previstos no artigo 58.º, n.º 1, do CPTA, a impugnação de atos administrativos anuláveis tem lugar no prazo de (a) um ano, se promovida pelo Ministério Público; ou (b) três meses, nos restantes casos.
E segundo o artigo 59.º, n.º 3, do CPTA, o prazo para a impugnação por quaisquer outros interessados começa a correr a partir de um dos seguintes factos:
a) Quando os atos tenham de ser publicados, da data em que o ato publicado deva produzir efeitos;
b) Quando os atos não tenham de ser publicados, da data da notificação, da publicação, ou do conhecimento do ato ou da sua execução, consoante o que ocorra em primeiro lugar.
Pretende a requerente que a contagem do prazo se tenha iniciado com o conhecimento do ato, em junho de 2018, quando na verdade tem aplicação aquela alínea a), conjugada com o artigo 155.º do CPA, reportando-se o início do prazo à data em que foi praticado.
Como assinalam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, o critério de contagem deste prazo de impugnação “reporta-se a quaisquer outros interessados, isto é, a quaisquer particulares, associações cívicas ou sindicais e entidades públicas que possam ser afetados pelo ato administrativo, mas que não devam ser qualificados como seus destinatários, pelo que, relativamente a eles, não é obrigatório o cumprimento da formalidade da notificação”, começando a correr o prazo de impugnação “a partir da data em que o ato publicado deva produzir efeitos, quando houver preceito expresso a estabelecer obrigatoriamente a publicação”, como acontece no “caso das deliberações dos órgãos autárquicos, que devem ser publicitadas em boletim da autarquia ou no sítio da internet ou em edital” (CPTA anotado, 2017, p. 410).
É precisamente este o caso dos autos, posto que a ‘divulgação obrigatória’ a que se reporta o citado artigo 30.º, n.º 1, da RJAIA, tem precisamente o mesmo sentido da publicação prevista no artigo 59.º, n.º 3, do CPTA, qual seja, o de tornar público o ato em causa.
Entendimento contrário atentaria contra o principio da estabilidade e segurança das relações jurídicas constituídas e de presunção e legalidade do ato, como nota a recorrida M…., posto que se permitiria a impugnação do ato sem limites temporais, como se estivesse em causa a sua nulidade, desde que o administrado alegasse em qualquer altura o desconhecimento do ato para dar início ao prazo da sua impugnação contenciosa.
Veja-se também como o Novo Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, privilegia o acesso à internet como meio do cidadão conhecer as decisões da Administração, cf. artigos 82.º, n.º 4, 98.º, n.º 1, 101.º, n.º 1, 112.º, n.º 3, 113.º, n. 8, 122.º, n.º 3, 139.º e 159.º.
Perante o que fica dito, afigura-se inelutável a caducidade do direito de ação do recorrente, uma vez que, como consta do ponto AA do probatório, apenas em setembro de 2018 apresentou em juízo a petição inicial que deu origem à ação administrativa n.º 827/18.7BEALM, de que é instrumental o presente processo cautelar, cf. artigo 123.º do CPTA.
Tal caducidade, como referido na sentença sob recurso, constitui matéria de exceção específica da ação principal e não do processo cautelar.
Nesta sede, cabe apreciar as pretensões da recorrente através da sua sujeição ao crivo do artigo 120.º, n.os 1 e 2, do CPTA, que exige a verificação cumulativa do fumus boni iuris (ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente), do periculum in mora (fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal), e de um juízo positivo na ponderação dos interesses públicos e privados em presença.
Aqui implicando a caducidade do direito de ação a verificação do requisito fumus boni iuris, posto que não é provável a procedência da pretensão formulada.


d) da verificação do fumus boni iuris – invalidade do contrato

Sustenta aqui o recorrente, em síntese, ser manifesta e evidente a necessidade da audiência prevista no artigo 4.º da Lei 83/95, de 31 de agosto, não se podendo vir dizer que não existe, sumária e perfuntoriamente, como exige a lei, o fumus boni iuris relativamente à invalidade do contrato que permita decretar a providência de suspensão do contrato.

Na sentença sob recurso trilhou-se o seguinte caminho:
Alega, ainda, a Requerente que o contrato sempre terá de considerar-se inválido, por não ter sido precedido da audiência prevista no artigo 4.º, da Lei 83/95, de 31 de Agosto, a qual, como também refere, não se confunde com a consulta pública realizada no âmbito do procedimento de AIA que culminou com a DIA impugnada. (…)
Face à matéria de facto indiciariamente provada nas Alíneas W) a Z), da qual resulta, além do mais, que o Projecto de Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal em causa nos presentes autos integra o Plano Estratégico dos Transportes e Infra-estruturas - PETI3+, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 61-A/2015, de 20 de Agosto, publicada no Diário da República, 1ª Série, n.º 162, de 20 de Agosto de 2015, que foi precedida de debate e consulta pública e incorpora os resultados da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), cujo processo foi conduzido pelo LNEC - Laboratório Nacional de Engenharia Civil, é improvável que o pedido de declaração de nulidade do contrato venha a ser julgado procedente com fundamento na alegada violação do dever de audiência prévia na preparação de planos ou na localização e realização de obras e investimentos públicos estabelecido no artigo 4.º, da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto.
Não se podendo concluir, numa apreciação sumária e perfunctória, imposta pela natureza da tutela cautelar, pela verificação do requisito do fumus boni iuris, estabelecido no n.º 1, do artigo 120.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, as medidas cautelares requeridas têm de ser recusadas, ficando, assim, prejudicada a apreciação do preenchimento do requisito do periculum in mora e a ponderação de interesses a que alude o n.º 2, do artigo 120.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Considerando que o decretamento provisório de providências cautelares, previsto no artigo 131.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, visa assegurar a efectividade do processo cautelar e do eventual decretamento da(s) providência(s), evitando o perigo no retardamento do próprio processo cautelar, mostra-se, igualmente, prejudicado o conhecimento do pedido de decretamento provisório das providências requeridas formulado pela Requerente a fls. 2309, e seguintes.

Vejamos então.
Está indiciariamente assente que:
- a requerente é uma associação sem fins lucrativos, com sede no Portinho da Arrábida, que tem como fins, entre outros, a promoção, contributo ou cooperação no debate e no apoio ao desenvolvimento da investigação científica nos domínios relacionados com o Parque Natural da Arrábida e o Parque Marinho Luís Saldanha, a promoção, contributo ou cooperação em iniciativas do interesse dos utentes e habitantes do Parque Natural da Arrábida junto da autoridades com competência sobre esta área do território nacional, nomeadamente no que concerne às acessibilidades, estacionamento e respectivo ordenamento, à proteção do ambiente, à limpeza e ordenamento das praias, florestas e demais zonas públicas de interesse e à utilização do Parque Marinho Luís Saldanha; o estudo e desenvolvimento de iniciativas que combatam as principais ameaças existentes para o Parque Natural da Arrábida, nomeadamente: o desassoreamento das praias, limpeza de florestas, prevenção de fogos, a indústria extractiva, a poluição, as dragagens realizadas no canal de acesso ao Porto de Setúbal e os animais abandonados no Parque Natural;
- entre 22/03 e 19/04/2017, decorreu o período de consulta pública do procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental, divulgado mediante afixação de anúncio no Município de Setúbal, no site da APA, IP, e no portal participa.pt;
- através do anúncio 6717/2017, publicado no Diário da República, II Série, n.º 149, de 3 de agosto de 2017, a…., SA, lançou o procedimento concursal para adjudicação da Empreitada Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal, com o preço base de € 25.000.000,00, e o prazo contratual de 180 dias;
- no dia 08/06/2018, a A…., SA, e a M…. assinaram o contrato para execução dos trabalhos que constituem a Empreitada Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal, que que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual faz parte integrante a Declaração de Impacte Ambiental, publicado em 12/06/2018 na Base Contratos Públicos online, e consultado pela recorrente em 19/06/2018;
- no dia 02/07/2018, a requerente dirigiu à Presidente do Conselho de Administração da A…, SA, pedido de emissão de certidão do “Anúncio da audiência dos interessados, prevista no art.º 4°, n.º 1 do Lei 83/95, de 31 de Agosto, relativamente ao projecto de melhoria da acessibilidade marítima ao porto de Setúbal” e “Relatório completo dos resultados da audiência dos interessados, prevista no art.º 40.º, n.º 1 da Lei 83/95, de 31 de Agosto, do projecto de melhoria da acessibilidade marítima ao porto de Setúbal”;
- por ofício de 09/06/2018, a A…, SA, informou a requerente que “a mencionada audiência dos interessados foi realizada pela Agência Portuguesa do Ambiente (…) a quem deverá assim endereçar o pretendido”;
- o Projeto de Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal foi alvo de notícias na comunicação social, antes e depois da conclusão do procedimento de AIA que culminou com a AIA suspendenda, tendo sido publicadas no mês de agosto de 2017, notícias referentes a um comunicado do Ministério do Mar, de 8 de agosto de 2017, dando nota de que foi aberto o concurso público para adjudicação da Empreitada de Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal, após conclusão do procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental;
- o Projeto de Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal integra o Plano Estratégico dos Transportes e Infra-estruturas - PETI3+, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 61-A/2015, de 20 de Agosto, publicada no Diário da República, 1ª Série, n.º 162, de 20 de Agosto de 2015;
- a aprovação do Plano Estratégico dos Transportes e Infra-estruturas - PETI3+, mencionado na Alínea anterior, foi precedida de debate e consulta pública, referindo-se na Resolução do Conselho de Ministros que o aprovou, designadamente, que “foram recebidos e acolhidos mais de 400 contributos e mais de 1200 participantes por todo o país até ao dia 1 de abril de 2014;
- na mesma Resolução n.º 61-A/2015, refere-se que o Plano Estratégico dos Transportes e Infra-estruturas – PETI3+, que dela faz parte integrante, incorpora os resultados da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), cujo processo foi conduzido pelo LNEC - Laboratório Nacional de Engenharia Civil;
- pela Resolução n.º 175/2017, publicada no Diário da República de, 1ª Série, n.º 227, de 24 de Novembro de 2017, o Conselho de Ministros aprovou a “Estratégia para o Aumento da Competitividade da Rede de Portos Comerciais do Continente”, aí se referindo, no que respeita à melhoria das acessibilidades marítimas ao Porto de Setúbal, designadamente, que o “projeto visa a adaptar o acesso marítimo aos terminais do Porto de Setúbal à evolução da procura de tráfego contentorizado esperada no hinterland, tendo em conta a evolução qualitativa e quantitativa dos navios utilizados nos diversos tráfegos marítimos e das novas exigências em termos de segurança. Envolve a execução de um programa de dragagens de aprofundamento que permitirá, nesta fase, oferecer aos navios um acesso permanente nos canais de navegação de: -15 m (ZH) no Canal da Barra, sendo atualmente de -12,8 m (ZH) e -13,5 m (ZH) no Canal Norte, sendo atualmente de -11,8 m (ZH). O valor total do projeto está estimado em 25,2 M(euro) e as suas fontes de financiamento passam por Fundos Europeus ao abrigo do Programa COMPETE 2020/POCI (Eixo IV) e Fundos Nacionais da responsabilidade da APSS”.

Está em causa saber se, em função do relevante impacte no ambiente da obra em causa (trabalhos de execução de empreitada de “Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal”), existia um dever de prévia audiência dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses que possam vir a ser afectados pela decisão, conforme previsto no artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto.
Este artigo prevê:
“1 – A adopção de planos de desenvolvimento das atividades da Administração Pública, de planos de urbanismo, de planos diretores e de ordenamento do território e a decisão sobre a localização e a realização de obras públicas ou de outros investimentos públicos com impacte relevante no ambiente ou nas condições económicas e sociais e de vida em geral das populações ou agregados populacionais de certa área do território nacional devem ser precedidos, na fase de instrução dos respectivos procedimentos, da audição dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses que possam vir a ser afectados por aqueles planos ou decisões.
2 – Para efeitos desta lei, considera-se equivalente aos planos a preparação de atividades coordenadas da Administração a desenvolver com vista à obtenção de resultados com impacte relevante.
3 – São consideradas como obras públicas ou investimentos públicos com impacte relevante para efeitos deste artigo os que se traduzam em custos superiores a um milhão de contos ou que, sendo de valor inferior, influenciem significativamente as condições de vida das populações de determinada área, quer sejam executados diretamente por pessoas colectivas públicas quer por concessionários.”
Já se viu que na sentença recorrida se entendeu ser improvável que o pedido de declaração de nulidade do contrato venha a ser julgado procedente com fundamento na alegada violação do dever de audiência prévia, pelo que não se verificava o requisito fumus boni iuris.
Nesta sede cautelar, para a verificação do requisito fumus boni iuris requer-se que haja uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal, dada a aparência do bom direito, devendo esta apreciação ser feita em termos de summario cognitio, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações (indiciários) que são trazidos pelo Requerente para os autos.
Releva que a recorrente é uma associação sem fins lucrativos, com sede no Portinho da Arrábida, que tem como fins, entre outros, a proteção do ambiente, a limpeza e ordenamento das praias, florestas e demais zonas públicas de interesse, o estudo e desenvolvimento de iniciativas que combatam as principais ameaças existentes para o Parque Natural da Arrábida, nomeadamente o desassoreamento das praias, a poluição, e as dragagens realizadas no canal de acesso ao Porto de Setúbal.
Por outro lado, a relevância da obra é inequívoca, bem como o seu potencial impacte no ambiente e nas condições de vida em geral da população da área em causa, tratando-se de um contrato de Empreitada anunciado com o preço base de € 25.000.000, estando em causa dragagens que preveem a retirada de milhões de metros cúbicos de areia do estuário do Sado para que navios de grande porte possam entrar no Porto de Setúbal.
No acórdão do STA de 22/01/2004 (proc. n.º 0429/02, disponível em http://www.dgsi.pt), concluiu-se estar aí em causa obra [instalação de um aterro controlado para deposição de resíduos sólidos urbanos provenientes de diversos municípios] com impacte relevante no ambiente e nas condições económicas e sociais e de vida em geral das populações, para efeito do disposto no aludido art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 83/95, notando-se que “o direito constitucional de audiência tem natureza instrumental, assumindo a configuração de direito fundamental apenas quando for esta a natureza do direito dominante” e “será gerador de nulidade da decisão com a qual está instrumentalmente conexionada quando esta ponha em causa o conteúdo essencial de um direito fundamental”, como se verifica com o direito ao ambiente, consagrado no artigo 66.º da CRP.
Perante a factualidade indiciariamente assente e as considerações que se deixaram expostas, na situação dos autos é de afastar, como se entendeu na sentença sob recurso, a improbabilidade da aplicação ao caso do citado artigo 4.º da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto.
Com efeito, ao contrário do vertido na decisão sob recurso, não vemos que a circunstância do Plano Estratégico dos Transportes e Infra-estruturas aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 61-A/2015, de 20 de agosto, ter sido precedido de debate e consulta pública surja como factor determinante no juízo de improbabilidade que ali se faz quanto ao pedido de declaração de nulidade do contrato vir a ser julgado procedente com fundamento na alegada violação do dever de audiência prévia.
Nem que tal debate e consulta pública, tal como as consultas que antecederam a Declaração de Impacte Ambiental, se substituam ao direito de audiência prévia estabelecido naquele artigo 4.º.
Nas palavras do Provedor de Justiça (Recomendação n.º 6-A/99, de 02/03/1999, disponível em https://www.provedor-jus.pt/site/public/?action=5&idc=67&idi=2271), “pese embora a similitude de expressões utilizadas nos textos legais que preveem os regimes jurídicos da avaliação do impacto ambiental (A.I.A.) e da participação procedimental poder induzir a ideia de que se trata de procedimentos alternativos e não cumulativos, o facto é que a consulta do público (da A.I.A.) e a audição dos interessados (da Lei de Participação Procedimental) constituem realidades, jurídica e conceptualmente, não sobreponíveis”.
Entendimento que aqui sufragamos, levando a concluir, com os considerandos já expostos, pela previsível aplicação ao caso do citado artigo 4.º da Lei nº 83/95.
Temos, assim, por verificado o requisito fumus boni iuris, dada a aparência do bom direito, consubstanciada na provável violação do direito de audiência prévia.
Em suma, o recurso procede quanto a esta questão.


A apreciação dos demais requisitos implica a produção de prova, que foi dispensada em primeira instância, pelo que se impõe ordenar a baixa dos autos para o seu prosseguimento.

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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, e determinar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que aí prossigam os seus termos, se a tanto nada mais obstar.
Custas na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 40% para a recorrente e 60% para os recorridos, sem prejuízo da isenção prevista no artigo 4.º, n.º 1, al. b), do RCP.
Lisboa, 23 de maio de 2019


(Pedro Nuno Figueiredo)


(Carlos Araújo)


(Paulo Pereira Gouveia)