Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:34/24.0BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/11/2024
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO
PRESUNÇÃO DE VERACIDADE
PRINCÍPIOS DA CULPA, PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E IN DUBIO PRO REO VIOLAÇÃO DE DEVERES
Sumário:I– A presunção de veracidade dos elementos reportados pela equipa de arbitragem e delegados da Liga prevista no artigo 13º, alínea f), do Regulamento Disciplinar das competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP), não contende com os princípios da presunção de inocência e do “in dubio pro reo”, posto que se permite ao arguido a contraprova dos factos presumidos.
II– A norma em causa limita-se a atribuir um valor probatório aos factos presenciados pelas autoridades desportivas e estabelece a base fáctica que pode eventualmente consubstanciar a prática da infracção, passando a caber ao arguido colocar fundadamente em causa o que dali consta.
III– Competirá então ao julgador analisar os elementos que forem carreados para os autos pelo arguido e decidir se colocam em causa a prova já existente e ilidem a presunção de veracidade daqueles elementos.
IV– Perante a prova de condutas desportivamente incorrectas de sócios e/ou simpatizantes do clube, a condenação da SAD arguida pela prática de infracções disciplinares terá de assentar na sua responsabilização pela violação de deveres a que se encontrava vinculado, o que não constitui uma responsabilidade objectiva violadora dos princípios da culpa e da presunção de inocência.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL – SUBSECÇÃO SOCIAL


I. RELATÓRIO
1. A F……., SAD, inconformada com o acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol em 10 de Outubro de 2023, no âmbito do Processo Disciplinar nº ….-2023/2024, que a sancionou pela prática do ilícito disciplinar p. e p. pelo artigo 118º, alínea a) do RDLPFP, por inobservância dos deveres previstos no artigo 35º, nº 1, alíneas a), b), c), f) e o) e nº 2, alínea f) do RCLPFF, bem como uma pena de multa no valor de € 3.060,00 pela prática do ilícito disciplinar p. e p. pelo artigo 182º, nº 2, também do RDLPFP, daí resultando, em cúmulo material, numa sanção de interdição do recinto desportivo por um jogo e uma sanção de multa no montante de € 6.670,00, impugnou tal decisão junto do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD).
2. O TAD, por acórdão arbitral datado de 2-1-2024, decidiu por maioria julgar procedente a impugnação, anulando o acórdão recorrido e as sanções aplicadas pela demandada à demandante em sede disciplinar.
3. Inconformada, a Federação Portuguesa de Futebol interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objecto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, tirado no processo nº ……../2023, que declarou procedente a acção interposta pela ora recorrida e determinou a revogação do acórdão de 10 de Outubro de 2023, proferido pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol – Secção Profissional, através do qual, para o que ora interessa, se decidiu aplicar à ora recorrida a sanção de interdição do recinto desportivo por um jogo e multa por aplicação do artigo 118º do RD da LPFP por referência ao artigo 35º, nº 1, alíneas b), c) e o) e nº 2, alínea f) do RCLPFP, e bem assim, a sanção de multa no montante de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), pela prática de uma infracção disciplinar p. e p. no artigo 182º, nº 2 [Agressões graves a espectadores e outros intervenientes] do RDLPFP, por incumprimento dos deveres inscritos nos artigos 35º, nº 1, alíneas b), c) e o), do RCLPFP, e artigos 4º e 10º, nº 1, alíneas a), b), j) e o), estes do Regulamento da Prevenção da Violência, constante do Anexo VI do RCLPFP.
2. Em concreto, a recorrida sido punida pelo Conselho de Disciplina por, sinteticamente, por os adeptos a si afectos, identificados através da cor das suas vestes e cachecóis, situados na Bancada Topo Norte – Sectores 2/3, afecta exclusivamente aos mesmos, deflagraram três petardos [um, ao minuto 37 e dois, ao minuto 67], dois potes de fumo [um, ao minuto 67 e outro, ao minuto 74], e ainda um Flash light imediatamente após o final do jogo, e bem assim, por o segundo petardo deflagrado no decurso da segunda parte do jogo [minuto 67], ter sido lançado para uma zona da Bancada Topo Norte, tendo atingido duas crianças, uma de 10 anos que ficou temporariamente sem audição em virtude do barulho do rebentamento do petardo e manifestou tonturas e vómitos, tendo sido assistida no Hospital de Guimarães, e outra de 17 anos, que ficou com uma queimadura superficial na perna, mercê de ter sido atingida por partes do referido petardo, tendo sido assistida pela equipa médica presente no estádio, factos de que resultou uma situação de perigo concreto.
3. A recorrida foi ainda sancionada por, durante o intervalo do jogo, um grupo de adeptos da F……., SAD, entre os quais alguns “Casuais", alocados na Bancada Topo Norte, segregada exclusivamente aos adeptos daquela sociedade desportiva, junto do corredor da referida bancada, no espaço entre o bar e a casa de banho feminina, se terem envolvido em agressões, sendo que um dos adeptos aí presentes desferiu um murro violento na face de outro adepto, que ao tentar fugir do local foi ainda agredido por mais dois adeptos da F…..SAD, que o agrediram mais uma vez com murros na nuca e nas costas, agressões que apenas cessaram após a intervenção da Guarda Nacional Republicana.
4. A decisão que ora se impugna é passível de censura, porquanto existem erros de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado, designadamente na aplicação do artigo 13º, alínea f), 118º, 182º e 183º do RDLPFP, e bem assim, quando se entende existir violação dos princípios da culpa e da presunção de inocência da recorrida, para além de se verificar o vício de falta de fundamentação, devendo por isso ser anulado.
5. O acórdão proferido pelo Colégio Arbitral é, nos seus diversos segmentos, contraditório entre si e, por essa via, de impossível compreensão. A nulidade do acórdão recorrido, sustentada na contradição entre os seus fundamentos e decisão, pressupõe um erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adoptada, ou seja, apenas ocorre, quando os fundamentos invocados pelo Tribunal deviam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que veio expresso no dispositivo do dito acórdão, nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
6. Os factos dados como provados pelo Tribunal Arbitral levariam à conclusão de que andou bem o Conselho de Disciplina ao punir a recorrida. Porém, como explanaremos infra, o Colégio de Árbitros faz uma errada aplicação do direito, fazendo completa tábua rasa de tudo quanto havia dado como factualidade provada anteriormente.
7. A questão essencial trazida ao crivo deste TCA – responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorrectos dos seus adeptos – revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito.
8. Assume especial relevância social a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol – seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios dirigentes dos clubes.
9. Resulta do quadro normativo nacional desportivo nas últimas décadas, que a prevenção e combate à violência no desporto tem sido nas últimas décadas um valor bem impressivo acautelado juridicamente por várias entidades, sejam elas públicas ou privadas, pelo que, Portugal ao ter recolhido firmemente este valor nas suas normas constitucionais e infraconstitucionais, assumiu o dever da prevenção e combate à violência associado ao desporto – a denominada violência exógena, para além da inerente à prática desportiva presente em algumas modalidades – de forma categórica, implicando que cada entidade assuma e operacionalize cabalmente as suas atribuições e incumbências legais. Assim o tem feito o Conselho de Disciplina da FPF da recorrente.
10. Em causa nos presentes autos estão, essencialmente, comportamentos dos adeptos relacionados com o arremesso de objectos pirotécnicos na direcção de adeptos, tendo designadamente tais objectos atingido e ferido duas crianças, obrigando à assistência médica de uma delas no local e ao transporte de outra para uma unidade hospitalar.
11. São deveres dos clubes, assegurar que os seus adeptos não têm comportamentos incorrectos, o que decorre dos regulamentos federativos, é certo, mas também da Lei e da Constituição.
12. Atendendo à matéria de facto dada como provada, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que não se encontram preenchidos os elementos do tipo do artigo 118º do RDLPFP.
13. Os Delegados da Liga e as Forças Policiais são absolutamente claros ao afirmar que as condutas sub judice foram, sem deixar qualquer margem para dúvidas, perpetradas pelos adeptos da F……., SAD – cfr. Relatório dos Delegados da LPFP a fls. 11 e 12 e Relatório de Segurança a fls. 13 a 18.
14. De acordo com o artigo 65º do Regulamento de Competições da LPFP, concretamente o seu nº 2, alínea i), compete aos Delegados indicados pela LPFP para cada jogo "elaborar e remeter à Liga um relatório circunstanciado de todas as ocorrências relativas ao normal decurso do jogo, incluindo quaisquer comportamentos dos agentes desportivos findo o jogo, na flash interview".
15. Tais relatórios gozam de presunção de veracidade nos termos do disposto nos artigos 363º, nº 2 e 369º do Código Civil, e nos termos do disposto no artigo 13º, alínea f) do RDLPFP, no caso dos relatórios dos delegados da LPFP.
16. Para abalar essa convicção cabia ao FCP, apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346º do Código Civil. E com o devido respeito, a recorrida não o fez.
17. Posto isto, nada mais caberia ao Conselho de Disciplina da demandada provar, designadamente fazer prova de conduta omissiva da recorrida, porquanto tal seria exigir prova de facto negativo, exigência que tem sido afastada pela jurisprudência dos tribunais superiores.
18. Como tem vindo a ser sublinhado, os clubes, consabidamente, têm que cumprir um conjunto de deveres, legais e regulamentares, enquanto participantes em espectáculos desportivos no âmbito das competições em que estão envolvidos, quer como visitantes quer como visitados, visando prevenir a violência e promover o fair-play, os quais encontramos consignados, desde logo, no artigo 35º, nºs 1, 3 e 6, do RCLPFP2018, e no artigo 6º do respectivo Anexo VI (Regulamento de Prevenção da Violência) e, de um modo mais abrangente, nos artigos 8º e 9º da Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, que estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança (na redacção que lhe foi dada e pela Lei nº 40/2023, de 10 de Agosto); os clubes devem, ainda, zelar activamente pelo cumprimento do estatuído no artigo 35º, nº 2 do RCLPFP2018, nos artigos 9º, 10º e 11º do respectivo Anexo VI, e nos artigos 22º, 23º, 24º e 25º da Lei nº 39/2009, de 30 de Julho.
19. Do conteúdo dos Relatórios dos Delegados da LPFP e das Forças de Segurança, é possível desde logo, extrair directamente duas conclusões: (i) que o F……. incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os seus adeptos perpetrado condutas ilícitas (violação do dever de formação); (ii) que os adeptos que levaram a cabo tais comportamentos eram apoiantes do F……., o que se depreendeu por manifestações externas dos mesmos (única forma de os Delegados e as Forças de Segurança identificarem os espectadores) e pelo facto de se tratar de bancada exclusiva a adeptos da recorrida.
20. Os valores protegidos pela norma constante no artigo 118º do RDLPFP são valores como a tranquilidade e a segurança públicas – designadamente dos agentes desportivos e espectadores –, evitando a lesão dos princípios da ética desportiva ou da verdade desportiva ou a existência de um grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol, sendo que, a par disso, visa evitar-se que se verifiquem actos de violência, racismo, xenofobia, intolerância nos espectáculos desportivos, ou qualquer outra forma de discriminação, tudo isto, sob o "chapéu" da prevenção e combate aos fenómenos de violência no desporto.
21. Neste conspecto, as situações a que a referida norma alude, remetem para os valores superiores que o legislador pretende proteger quando prevê a sanção de certas condutas – como as que estão em crise nos presentes autos – e surgem como o expoente máximo do combate aos fenómenos de violência no desporto em geral e em recintos desportivos.
22. No que respeita ao preenchimento dos elementos da norma em crise – artigo 118º do RD da LPFP –, esta refere expressamente que, desde que da conduta levada a cabo pelo agente resulte, "ainda que não intencionalmente" ou "a título de negligência", certo tipo de situações, ali elencadas, que colocam em causa o espectáculo ou a competição desportiva, deve haver lugar à sanção nos termos da referida norma regulamentar, não se exigindo qualquer intensidade de culpa para a aplicação da norma em questão, sendo sim relevante, que o clube tenha incumprido os seus deveres de forma culposa e que desse incumprimento resulte uma situação de perigo.
23. Aquele ilícito disciplinar apresenta-se com os seguintes elementos constitutivos: a) a provocação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial ou de risco para a tranquilidade e a segurança públicas; b) cometida com dolo ou por negligência.
24. O ilícito tipificado no artigo 118º, nº 1, alínea a) do RDLPFP configura-se como um ilícito de perigo concreto, ou seja, caracterizado pela exigência de verificação de um concreto pôr-em-perigo, face à previsão no tipo de ilícito da criação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial ou de risco para a tranquilidade e a segurança públicas.
25. Nos presentes autos, mostra-se claro e evidente que o deflagrar de dois potes de fumo, um Flash light e três petardos, dos quais dois atingiram duas crianças de molde a que uma tenha ficado temporariamente sem audição em virtude do barulho do rebentamento do petardo e tenha manifestado tonturas e vómitos, o que motivou que tenha recebido assistência hospitalar, e que outra de 17 anos, tenha ficado com uma queimadura superficial na perna, mercê de ter sido atingida por partes do referido petardo, tendo sido assistida pela equipa médica presente no estádio, criou uma situação perigosa e de alto risco, para a saúde, a segurança e a tranquilidade daqueles adeptos em especial e do público em geral.
26. De acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do ilícito em causa, o clube que incumpra os deveres que lhe são impostos pelos regulamentos e demais legislação aplicável, como acima vimos, sempre que da sua conduta resultar uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores ou de risco para a tranquilidade e a segurança públicas, são punidos com as sanções de multa e com a interdição do seu recinto desportivo.
27. É incontestável que a conduta da recorrida, conforme era seu dever, nos termos e circunstâncias em que se verificou, é objectiva e subjectivamente ilícita, por omissiva e violadora dos deveres que sobre si impendiam, pois não acautelou, precaveu, preveniu, formou, zelou e incentivou o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, concretamente ao não evitar que os seus adeptos e simpatizantes, alocados nas bancadas exclusivas aos seus sócios e simpatizantes, deflagrassem três petardos [um, ao minuto 37 e dois, ao minuto 67], dois potes de fumo [um, ao minuto 67 e outro, ao minuto 74], e ainda um Flash light imediatamente após o final do jogo e que dois desses petardos atingissem duas crianças que se encontravam noutra bancada, dessa forma tendo resultado em concreto uma situação de perigo para a segurança dos espectadores presentes no jogo em apreço e, bem assim, para a tranquilidade e segurança públicas, com claros e graves prejuízos para a imagem das competições de futebol profissional – incumprindo assim os deveres previstos no artigo 35º, nº 1, alíneas b), c) e o) e nº 2, alínea f) do RCLPFP.
28. Aliás, a recorrida bem sabe quais os deveres a que se encontra adstrita porquanto o RC e o RD da LPFP são aprovados em Assembleia Geral da LPFP, de que faz parte a recorrida, assim como todos os outros clubes que integram as ligas profissionais.
29. Com a sua conduta omissiva, a recorrida criou uma situação de perigo para a segurança do público presente, isto é, esse perigo tornou-se concreto e manifesto em consequência do comportamento omissivo referido, designadamente dos espectadores adeptos, com o deflagrar dos referidos artefactos pirotécnicos, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar acima aludidas, apta a criar uma tragédia de consequências imprevisíveis, designadamente, ferindo uma criança e provocando problemas auditivos noutra, o que implicou inclusivamente que a mesma tivesse recebido assistência hospitalar.
30. No que se refere à criação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores do jogo sub judice, não temos dúvidas de que o facto de terem sido atingidas duas crianças por artefactos pirotécnicos arremessados da bancada onde se situavam adeptos da recorrida constitui uma situação de perigo real, fazendo perigar os espectadores instalados nessa mesma bancada – e noutras –, podendo produzir resultados ainda mais graves se levarmos em conta as deflagrações de pirotecnia que ocorreram no jogo em crise nos autos e em vários em que a recorrida participou – cfr. cadastro disciplinar da recorrida – fls. 43 a 72.
31. As medidas in formando e in vigilando dos adeptos aptas para prevenir o mau comportamento dos mesmos são aquelas que, in casu, são aptas a produzir o resultado.
32. Resulta demonstrado que se mostram inteiramente preenchidos os elementos objectivos e subjectivos da infracção disciplinar p. e p. pelo artigo 118º do RDLPFP2018.
33. Razão porque deve ser considerada provada a seguinte factualidade que o Tribunal a quo considerou não provada: "A arguida não tem suficiente e eficazmente adoptado e/ou promovido acções de sensibilização e prevenção socioeducativas contra práticas violentas, ofensivas ou perturbadoras da ordem pública junto dos seus sócios, adeptos e simpatizantes", factualidade que deve ser aditada à matéria de facto dada como provada.
34. E o mesmo se diga quanto seguinte ao excerto da matéria de facto dada como não provada: "A arguida agiu, assim, de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento (omissivo), ao não cumprir com o seu dever de acautelar, precaver, formar, zelar e incentivar o espírito ético e desportivo junto dos seus sócios/adeptos e simpatizantes constituía comportamento previsto e punido pelo ordenamento jusdisciplinar desportivo, de que resultou perigo para a vida e segurança dos espectadores e para a tranquilidade e a segurança públicas, bem como prejuízo para a imagem e bom nome das competições de futebol, não se abstendo, porém, de o realizar", factualidade que deve ser aditada à matéria de facto dada como provada.
35. A tese sufragada pelo Tribunal a quo, a vingar, é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espectáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em quem serão efectivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em que pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés, mais preocupante, afastando dos eventos desportivos, quem não o pretende fazer, em virtude do receio da ocorrência de episódios de violência, sendo que, com o devido respeito, a posição perfilhada pelo Tribunal a quo, a ser acolhida por este Tribunal, levará a uma crescente desresponsabilização por este tipo de actos. 
36. Não há lugar à aplicação do artigo 187º do RDLPFP no caso dos presentes autos, porquanto: a) a norma em crise remete especificamente para os casos em que "o clube cujos sócios ou simpatizantes adoptem comportamento social ou desportivamente incorrecto, designadamente através do arremesso de objectos para o terreno de jogo", o que no caso concreto não se verificou, porquanto os artefactos pirotécnicos foram arremessados para outra bancada; b) a referida norma aplicar-se-á quando não se verifique que "da sua conduta resulte uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial ou de risco para a tranquilidade e a segurança públicas", conforme previsão do artigo 118º do RDLPFP, como acontece nos presentes autos, o que supra se demonstra com clareza.
37. Tudo o supra exposto vale naturalmente para a sanção da demandante pela prática de uma infracção disciplinar p. e p. no artigo 182º, nº 2 do RDLPFP [Agressões graves a espectadores e outros intervenientes], por referência aos deveres ínsitos nos artigos 35º, nº 1, alíneas b), c) e o), do RCLPFP, e artigos 4º e 10º, nº 1, alíneas a), b), j) e o), estes do Regulamento da Prevenção da Violência, constante do Anexo VI do RCLPFP.
38. Para que se possa verificar o tipo disciplinar resultante da conjugação dos nºs 1 e 2 do artigo 182º do RDLPFP [Agressões graves a espectadores e outros intervenientes], é necessário que, voluntariamente e ainda que de forma meramente culposa, (i) um clube cujo sócio ou simpatizante, designadamente sob a forma colectiva ou organizada (ii) agrida fisicamente (iii) um espectador ou elemento da comunicação social ou pessoa (iv) presente dentro dos limites do recinto desportivo (v) sem provocar lesão de especial gravidade.
39. Resulta do ponto 6º dos factos dados como provados que durante o intervalo do jogo, um grupo de adeptos da F……., SAD, entre os quais alguns "Casuais", alocados na Bancada Topo Norte, segregada exclusivamente aos adeptos daquela sociedade desportiva, junto do corredor da referida bancada, no espaço entre o bar e a casa de banho feminina, envolveram-se em agressões, sendo que um dos adeptos aí presentes desferiu um murro violento na face de outro adepto, que ao tentar fugir do local foi ainda agredido por mais dois adeptos da F…..SAD, que o agrediram mais uma vez com murros na nuca e nas costas.
40. Mais resulta do ponto 7º dos factos dados como provados, que as agressões só cessaram após a intervenção da GNR, com a detenção de um dos agressores, não havendo notícia de que de tal actuação tenha resultado a necessidade de cuidados médicos ou mesmo ferimentos no visado.
41. A recorrida cumpriu assim de forma negligente o dever de adoptar as medidas preventivas necessárias para evitar comportamentos contrários à ética desportiva e ao fair play e susceptíveis de comprometer o prestígio a credibilidade das competições profissionais de futebol, até porque, também nesta sede, nada prova quanto a acções de prevenção socioeducativa que vem desenvolvendo junto dos seus adeptos, sobre as medidas que vem adoptando no sentido de impedir os Grupos Organizados de Adeptos ou "Casuais" de assumirem condutas violentas, ou sobre as sanções disciplinares aplicadas aos adeptos prevaricadores, inclusivamente sobre o adepto que foi detido pelas forças de segurança e, por isso mesmo, devidamente identificado, demonstrando-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos de que está dependente a responsabilidade disciplinar da recorrida à luz do disposto no artigo 182º, nº 2 do RDLPFP [Agressões graves a espectadores e outros intervenientes].
42. Em suma, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do disposto dos artigo 13º, alínea f), 118º, 182º, nº 2 e 187º, nº 1 do RDLPFP, e bem assim, dos princípios da culpa, da presunção de inocência da recorrida e de proibição da inversão do ónus da prova, cuja violação não se verifica, devendo o Acórdão proferido ser substituído por outro que reconheça a legalidade e acerto das decisões proferidas pelo Conselho de Disciplina, mantendo, pois, as sanções aplicadas à recorrida.
43. Assim, não existindo nenhum vício que possa ser imputado ao acórdão do Conselho de Disciplina que levasse à aplicação da sanção da anulabilidade por parte do Tribunal Arbitral, andou mal o Colégio de Árbitros ao decidir anular a condenação da recorrida, devendo o mesmo ser revogado”.
4. A F……., SAD contra-alegou, tendo para o efeito formulado as seguintes conclusões:

-I-
A. Inconformada com o acórdão absolutório do Tribunal Arbitral, datado 2-1-2024, veio agora a recorrente interpor recurso, considerando, em suma, que "existem erros de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado, designadamente na aplicação do artigo 13º, alínea f), 118º, 182º e 183º do RDLPFP, e bem assim, quando se entende existir violação dos princípios da culpa e da presunção de inocência da recorrida, para além de se verificar o vício de falta de fundamentação".
B. Afigura-se, porém, que nenhuma razão assiste à ora recorrente, devendo improceder na íntegra o recuso apresentado aos autos, porquanto bem andou o Tribunal a quo ao proferir uma decisão devidamente fundamentada, tendo crítica e livremente analisado e apreciado as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto e especificado os demais fundamentos decisivos para a formação da sua convicção.
-II-
C. Está em causa nos presentes autos a deflagração de engenhos pirotécnicos por parte, alegadamente, de adeptos/simpatizantes da recorrida no decurso do jogo disputado em 14-8-2023. Trata-se de comportamentos (social e desportivamente incorrectos) perpetrados por terceiros alheios (no sentido funcional) ao Clube.
D. Se o que está em causa é a suposta violação por parte da sociedade arguida dos seus deveres in formando em relação aos seus adeptos, por comportamentos censuráveis por estes praticados, então sempre haveria de se qualificar jurídico-disciplinarmente as condutas em causa à luz das infracções dos espectadores previstas na subsecção IV da Secção VI do Regulamento, nomeadamente à luz do disposto no artigo 187º do referido diploma.
E. O artigo 118º constitui uma norma disciplinar "incriminatória" que prevê uma infracção do próprio Clube. Nada que se assemelhe, portanto, à concreta factualidade imputada à recorrida a qual diz respeito a comportamentos incorrectos de adeptos.
F. Pelo que, existindo uma norma específica que tutela precisamente situações [disciplinarmente relevantes] de comportamentos social e desportivamente incorrectos de adeptos, não pode, sob pena de violação do principio da tipicidade, chamar-se à colação uma norma subsidiária como a prevista no artigo 118º do RD.
G. Ficando assim irremediavelmente prejudicada, como bem decidiu o Tribunal a quo, a condenação da recorrida nos termos sufragados no recurso ora em resposta, o qual deve, desde logo por esta razão, improceder.
-III-
H. Uma leitura objectiva do disposto no artigo 118º do RD revela, desde logo, a necessidade de verificação de duas premissas essenciais para a sua consumação: uma situação de incumprimento de deveres impostos por Lei ou Regulamentos ao clube; e que desse incumprimento resulte a criação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores ou de risco para a tranquilidade e a segurança públicas; ou uma situação de lesão dos princípios da ética desportiva, da verdade desportiva ou grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol.
I. Acontece que, o acervo probatório existente nos presentes autos não permite a constatação de qualquer situação de incumprimento de deveres a que está adstrita a recorrida – especialmente dos deveres consagrados nas alíneas a), b), c), j) e o) do artigo 35º do RC.
J. Não tendo a recorrente logrado demonstrar a existência de qualquer nexo causal entre a alegada conduta omissiva da recorrida e os comportamentos censurados perpetrados pelos seus adeptos/simpatizantes.
K. Em primeiro lugar, e ao contrário daquilo que parece resultar do recurso interposto, sempre estaria em causa a responsabilização da recorrida centrada unicamente na alegada violação dos deveres in formando dos seus adeptos, uma vez que a SAD arguida não foi responsável pela organização e promoção do espectáculo desportivo em causa (a cargo da M………..SAD), pelo que nunca lhe poderiam ser imputáveis eventuais falhas (de segurança) na organização do mesmo.
L. Sucede que. neste específico jogo, à semelhança do que faz habitualmente, a recorrida teve o cuidado de, em reunião prévia ao evento desportivo, e precisamente por estar ciente do fervor e rivalidade que se fazem sentir nas bancadas neste tipo de jogos, sensibilizar os representantes dos Grupos Organizados de Adeptos para a expressa proibição de utilização de material pirotécnico, bem como para a necessidade dos adeptos se absterem da prática de comportamentos desconformes às regras e princípios desportivos e sociais.
M. Com efeito, como entidade desportiva que é, e que partilha com os demais intervenientes o dever de prevenção e combate à violência associado ao desporto, a arguida zelou pela adopção de comportamentos adequados, de moderação e respeito, como ainda pelo curso normal do espectáculo desportivo junto dos seus adeptos, a fim de evitar qualquer tipo de conduta incorrecta, fosse por que adepto fosse.
N. Aliás, assim que tomou conhecimento do ocorrido, a recorrida levou, de imediato, a cabo, através do seu Oficial de Ligação aos Adeptos (OLA), F…….., uma actuação repressiva.
O. Tendo, designadamente, convocado os representantes dos Grupos Organizados de Adeptos para uma reunião com o fito de repudiar os comportamentos levados a cabo e, bem assim, identificar os concretos adeptos infractores (com vista à ulterior aplicação de medidas sancionatórias).
P. A recorrida mantém, uma postura de permanente vigilância sobre os seus adeptos, maxime sobre os grupos mais organizados, de modo a poder conhecê-los e assim, por um lado, antecipar condutas ou actuações ilícitas e dissuadi-las, e, por outro, induzir posturas correctas e socialmente adequadas.
Q. Para tanto, promove amiúde, através da relação de proximidade estabelecida com os "líderes" dos ditos grupos, seja em reuniões conjuntas ou separadas, a sensibilização em prol do comportamento responsável e ordeiro de todos quantos assistem aos jogos do Clube, havendo confiança de que a mensagem é transmitida pelos ditos "líderes’' aos demais membros.
R. Publicando, além do mais, antes de todos os jogos que disputa, nas suas redes socais (instagram e twitter) apelos aos adeptos para que, concretamente, não procedam à deflagração de pirotécnica e lançamento de objectos.
S. Tudo de molde a promover e garantir que todos os adeptos (e aqueles em especial!) participam no espectáculo desportivo sem recurso a práticos violentas, racistas, xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a sua envolvência.
T. Pelo que, como é bom de ver, a recorrida não só não contribuiu para a prática dos comportamentos de terceiros aqui em discussão, como tudo faz para evitá-los e reprimi-los!
U. Ao contrário do que pugna a recorrente, não basta que se reconheça e identifique um comportamento menos próprio de determinados adeptos para que se possa, automática e legitimamente, responsabilizar o respectivo Clube.
V. A sua responsabilização por factos de terceiros supõe, pois, a violação dos deveres gerais de cuidado, lealdade e boa conduta que directamente impendem sobre o(s) próprio(s) Clube(s), como e enquanto agentes desportivos.
W. Como também supõe e exige que tais comportamentos sejam previsíveis, antecipáveis e de algum modo controláveis!
X. Estando embora legalmente prevista a responsabilidade do Clube por factos de terceiros, ela não deixa de ser excepcional no direito sancionatório e não pode desligar-se do princípio jurídico-constitucional da culpa. O que implica que a responsabilização do Clube por um facto de um terceiro deva depender de algum comportamento que ao próprio Clube possa ser pessoalmente assacado.
Y. Motivo pelo qual, nessa medida, não se pode tolerar, sem mais, imputações de condutas de terceiros sem qualquer nexo de dependência ou causalidade, mais ou menos directo, com o comportamento do próprio Clube!!
Z. No caso dos autos, o que a recorrente pretende é que se prossiga com a condenação da sociedade arguida sem que, em momento algum, se tenha verdadeiramente avaliado a sua concreta conduta enquanto agente desportivo, ou mesmo sem que sequer se tenha posto em evidência qualquer acto ou omissão que possa ter contribuído para aquela pretensa actuação, objecto de censura disciplinar.
AA. Sendo certo que era à recorrente FPF que incumbia o ónus de carrear aos autos prova suficiente da prática das infracções pela recorrida. Até porque, aliado ao ónus da prova que recai sobre o titular da acção disciplinar, vigora ainda o princípio da presunção de inocência.
BB. E, também no que concerne ao ilícito previsto no artigo 182º, nº 2, cumpre não esquecer que, por mais acções pedagógicas e de incentivo à boa educação e ao fair-play que o Clube leve a cabo, é impossível prever e controlar acções destemperadas de adeptos que assistem ao jogo.
CC. Para além de ser completamente impossível impedir manifestações inopinadas como as que estão aqui em causa nos presentes autos, infelizmente está igualmente por demonstrar a efectividade de qualquer possível esforço pedagógico nesse sentido.
DD. Havendo, como tal, uma impossibilidade de controlo por parte do Clube relativamente a acções imprevisíveis levadas a cabo por um grupo circunscrito de adeptos no âmbito da sua liberdade de acção!!
EE. E, se assim é, está em falta um elemento imprescindível para a imputação da infracção: a capacidade de agir para dar cumprimento ao dever que impende sobre o agente. 
FF. Pelo que, por nenhuma responsabilidade disciplinar poder ser assacada à recorrida, impõe-se, assim, manter na íntegra o teor e o sentido do acórdão recorrido”.
5. Remetidos os autos a este TCA Sul, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 146º do CPTA, tendo o Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitido douto parecer, no qual sustenta que o recurso merece provimento.
6. Sem vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR
7. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, todos do CPCivil, “ex vi” artigo 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
8. E, face ao teor das conclusões do recurso apresentado pela FPF, impõe-se apreciar no presente recurso se o acórdão arbitral é nulo, por contradição entre os respectivos fundamentos e a decisão, nulidade essa prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPCivil, e se o mesmo enferma de erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13º, alínea f), 118º, 182º, nº 2 e 187º, nº 1 do RDLPFP, devendo ser substituído por outro que reconheça a legalidade e acerto das decisões proferidas pelo Conselho de Disciplina da FP, mantendo, pois, as sanções aplicadas à SAD recorrida.


III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
9. O acórdão arbitral considerou assente a seguinte factualidade:
i. No dia 14 de Agosto de 2023, realizou-se o jogo oficial nº 203.01.006.0, disputado entre a M….., SAD e a F……., SAD, a contar para a 1ª jornada da Liga …….
ii. Aos minutos 37, 67 e 74 do jogo, os adeptos afectos à F…..SAD, identificados através das suas vestes, cachecóis e cânticos alusivos à mesma, situados na Bancada Topo Norte – Sectores 2/3, afecta exclusivamente aos mesmos, deflagraram três petardos [um, ao minuto 37 e dois, ao minuto 67], dois potes de fumo [um, ao minuto 67 e outro, ao minuto 74], e ainda um Flash light imediatamente após o final do jogo.
iii. Sucede, ainda, que o segundo petardo deflagrado no decurso da segunda parte do jogo [minuto 67], foi lançado para uma zona da Bancada Topo Norte, tendo atingido duas crianças, uma de 10 anos que ficou temporariamente sem audição em virtude do barulho do rebentamento do petardo e manifestou tonturas e vómitos, tendo sido assistida no Hospital de Guimarães, e outra de 17 anos, que ficou com uma queimadura superficial na perna, mercê de ter sido atingida por partes do referido petardo, tendo sido assistida pela equipa médica presente no estádio.
iv. Da referida actuação, concretamente do arremesso de artigos pirotécnicos, resultou uma situação de perigo grave para a segurança dos espectadores que se encontravam nas bancadas para onde os referidos artefactos foram lançados, situação de perigo essa que se materializou em lesões da saúde e da integridade física das duas crianças atingidas coma deflagração dos dois petardos.
v. A deflagração de artefactos pirotécnicos e o seu arremesso para as bancadas onde se encontravam adeptos, designadamente crianças, enquanto decorria o jogo e os espectadores se encontravam concentrados na sua dinâmica e, por isso, abstraídos do contexto envolvente e com menores possibilidades de se desviarem e defenderem, representa, ademais, uma situação de risco para a tranquilidade e a segurança públicas.
vi. Acresce, que durante o intervalo do jogo, um grupo de adeptos do F……., SAD, entre os quais alguns "Casuais", alocados na Bancada Topo Norte, segregada exclusivamente aos adeptos daquela sociedade desportiva, junto do corredor da referida bancada, no espaço entre o bar e a casa de banho feminina, envolveram-se em agressões, sendo que um dos adeptos aí presentes desferiu um murro violento na face de outro adepto, que ao tentar fugir do local foi ainda agredido por mais dois adeptos do F……., SAD, que o agrediram mais uma vez com murros na nuca e nas costas.
vii. As referidas agressões apenas cessaram após a intervenção dos militares da Guarda Nacional Republicana presentes no local, tendo um dos adeptos (o agressor inicial) sido detido.
viii. Dos comportamentos descritos sob vi. e vii., não são conhecidos, nem foram reportados quaisquer ferimentos dos ofendidos, não tendo sido ainda necessária a prestação de quaisquer cuidados médicos aos adeptos envolvidos.
ix. O jogo em apreço nos autos foi transmitido em directo e teve ampla repercussão mediática, resultando ainda dos comportamentos supra descritos, grave prejuízo para a imagem e bom nome das competições profissionais de futebol.
x. Compulsado o extracto disciplinar da arguida F…..SAD, ao longo das diferentes épocas desportivas, ressalta que existem ocorrências respeitantes a actos de violência perpetrados pelos seus sócios/adeptos e simpatizantes, com alguma regularidade, evidenciando várias condenações disciplinares:
(ver imagem no texto original).
xi. À data dos factos, respeitantes à 1ª jornada da Liga ……., a arguida tinha antecedentes disciplinares averbados há menos de um ano.
xii. A demandante efectua antes de todos os jogos apelo aos adeptos para a não deflagração de pirotecnia através das suas redes sociais e tem reuniões semanais com os directores dos GOA (Grupos Organizados de Adeptos).
10. O acórdão arbitral impugnado considerou ainda como não provados os seguintes factos:
a. A arguida não tem suficientemente e eficazmente adoptado e/ou promovido acções de sensibilização e prevenção socioeducativas contra práticas violentas, ofensivas ou perturbadoras da ordem pública juntos dos seus sócios, adeptos e simpatizantes.
b. A arguida agiu, assim, de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento (omissivo), ao não cumprir com o seu dever de acautelar, precaver, formar, zelar e incentivar o espírito ético e desportivo juntos dos seus sócios/adeptos e simpatizantes constituía comportamento previsto e punido pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, de que resultou perigo para a vida e segurança dos espectadores e para a tranquilidade e a segurança públicas, bem como prejuízo para a imagem e bom nome das competições de futebol, não se abstendo, porém, de o realizar.

B – DE DIREITO
11. Como decorre dos autos, o acórdão arbitral recorrido considerou que faltava o preenchimento dos elementos objectivos do tipo do artigo 118º do RDLPFP, afastando desse modo a aplicação das normas em questão no processo disciplinar, para a final concluir que a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol no processo disciplinar em causa padecia do vício de violação de lei. No que aqui releva, o acórdão arbitral recorrido expendeu as seguintes considerações:
"(…)
A F…..SAD vem acusada por não ter adoptado (nem tem vindo a adoptar) junto dos seus sócios e simpatizantes, por todos e através dos mais diversos meios disponíveis e ao seu alcance, acções de sensibilização e prevenção socioeducativas contra práticas violentas, ofensivas ou perturbadoras da ordem pública e para o cumprimento de deveres de respeito para com os diversos agentes desportivos. Ou seja, de não ter feito tudo o que estava ao seu alcance para garantir, como era seu dever, que os seus adeptos se abstivessem de comportamentos violentos, causadores de danos físicos, para com os demais adeptos ou espectadores do espectáculo desportivo" (Ponto 38 do acórdão disciplinar, nosso destaque).
No que concerne aos deveres in formando, in vigilando cumpre verificar se a demandante efectuou as suas "obrigações".
Recordando e conforme consta no acórdão disciplinar supra a demandada subentendeu que a demandante não cumpriu os deveres por ter sucedido os incidentes (deflagraram três petardos, dois potes de fumo e ainda um flashlight) causando lesões em adeptos.
O que se constata assim é que a decisão nunca identifica qual a conduta omissiva, ou se se quiser, qual o comportamento alternativo lícito (segundo a acusação), que a demandante deveria ter tido, limitando-se tais decisões, verdadeiramente, a referir que a demandante está obrigada aos deveres de vigilância e de formação, pelo que a conduta prevaricadora dos adeptos só pode ficar a dever-se à inobservância de tais deveres ou ao seu cumprimento insuficiente/defeituoso.
Estas decisões partem do principio de que tais deveres estão instituídos de forma genérica, em ordem a que os adeptos participem do espectáculo desportivo sem recurso a práticas violentas, racistas, xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição, cabendo aos clubes definir as acções concretas a adoptar em função das situações com que se deparem. Assim, compreensivelmente, alcançam a conclusão de que se o resultado ocorreu foi porque c clube não foi eficaz na prossecução dos seus deveres de formação e vigilância.
E é esta concepção que permite, mesmo, afirmar a responsabilidade dos clubes quando os mesmos não são organizadores do espectáculo, ou se trata de actos de adeptos dos clubes visitantes como é o caso.
É altamente discutível que os clubes tenham uma real e efectiva capacidade de controlo sobre as claques (quod erat demonstratum), mas ainda que assim fosse, não se vê que capacidade de controlo têm os clubes sobre os seus adeptos (realidade muito diferente, e muito mais abrangente, do que as claques ou grupos organizados de adeptos), pelo que tais deveres sempre estariam limitados à relação com as claques e não com os adeptos.
(…)”.
Comecemos pela invocada nulidade do acórdão arbitral recorrido, por contradição entre os seus fundamentos e a decisão.
12. Com efeito, nas conclusões 5. e 6. da sua alegação de recurso, vem a recorrente FPF sustentar que o acórdão proferido pelo colégio arbitral é, nos seus diversos segmentos, contraditório entre si e, por essa via, de impossível compreensão. Daí que considere ser o mesmo nulo, nos termos previstos na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPCivil, por existir contradição entre os seus fundamentos e decisão, o que pressupõe um erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adoptada, ou seja, por os fundamentos invocados pelo tribunal deverem logicamente conduzir ao resultado oposto ao que veio expresso no dispositivo do dito acórdão.
13. Porém, se atentarmos no teor das restantes conclusões da alegação da FPF, é possível concluir que as razões da sua discordância com o decidido têm mais a ver com o enquadramento jurídico da factualidade dada como assente pelo acórdão arbitral recorrido do que com a aparente contradição existente entre os seus fundamentos e o dispositivo. E tal ainda é mais patente, bastando para tanto percorrer a decisão arbitral recorrida, para perceber que o que aí se considerou foi que a factualidade dada como assente não era apta a preencher os elementos constitutivos do ilícito disciplinar p. e p. pelo artigo 118º, alínea a) do RDLPFP. Ora, como é bom de ver, a abordagem seguida no acórdão arbitral subsume-se antes a erro de julgamento de direito, que não à invocada nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, o que permite considerar inverificada a apontada nulidade.
Isto dito, resta analisar o mérito do recurso.
14. As questões que constituem o objecto do presente recurso jurisdicional já foram tratadas por este TCA Sul em vários arestos, destacando-se, neste particular, o acórdão
de 6-1-2022, proferido no âmbito do processo nº 146/21.1BCLSB, cujos fundamentos seguiremos de muito perto.
Vejamos então.
15. Como é consabido, a prova dos elementos subjectivos do tipo de ilícito é sempre realizada por via indirecta, devendo ser extraída dos elementos constantes nos autos, com recurso às regras de bom senso e experiência comum, o que, em contrário do decidido, se mostra efectuado.
16. Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 13º, alínea f) do RD, vigora o princípio geral da presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da Liga, e por eles percepcionado no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posto em causa, inscrevendo-se esta presunção nos princípios fundamentais do procedimento disciplinar, e conferindo um valor probatório reforçado àqueles elementos (vd., em lugar paralelo, o disposto no artigo 169º do Código de Processo Penal, que considera provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa, e o artigo 170º, nº 3 do Código da Estrada, onde se prevê que “[o] auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário).
17. Destes preceitos não decorre qualquer presunção de culpabilidade ou inversão do ónus da prova, posto que as normas em causa se limitam a atribuir um valor probatório reforçado relativamente a factos presenciados pelas autoridades, policiais neste caso, desportivas no caso dos autos, sendo que os relatórios e declarações a que alude o artigo 13º, alínea f) do RD, estabelecem, caso dos mesmos isso expressamente decorra, a base fáctica que pode eventualmente consubstanciar a prática da infracção.
18. Estabelecida esta base fáctica, passa a caber ao eventual agente da infracção colocar fundadamente em causa o que dali consta. Competindo ao julgador analisar os elementos que forem carreados para os autos pelo eventual agente da infracção, decidindo se colocam em causa a prova já existente, ilidindo a presunção de veracidade daqueles elementos.
19. Por outro lado, a utilização de presunções judiciais no direito e processo sancionatórios não contraria os princípios estruturantes da culpa e da presunção de inocência, já que as presunções judiciais, tal como definidas no artigo 349º do Cód. Civil, são as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Além do mais, acresce que na prova por utilização de presunção judicial, como já analisado pelo Tribunal Constitucional (cfr. acórdão nº 391/2015, de 12-8-2015, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), “intervêm juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais que permitem fundadamente afirmar, segundo as regras da normalidade, que determinado facto, que não está directamente provado é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido. Quando o valor da credibilidade do id quod e a consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma directa atinge um determinado grau que permite ao julgador inferir este último elemento, com o grau de probabilidade exigível em processo penal, a presunção de inocência resulta ilidida por uma presunção de significado contrário, pelo que não é possível dizer que a utilização deste meio de prova atenta contra a presunção de inocência ou contra o princípio in dubio pro reo. O que sucede é que a presunção de inocência é superada por uma presunção de sinal oposto prevalecente, não havendo lugar a uma situação de dúvida que deva ser resolvida a favor do réu”.
20. Tal orientação, longe de ser inovadora, ancora-se antes num historial de decisões do Tribunal Constitucional, no sentido da compatibilidade com a presunção geral de inocência e com o princípio “in dubio pro reo” da prova de um facto poder resultar do funcionamento de uma presunção, conforme ali enunciadas, podendo para o efeito confrontarem-se os seguintes acórdãos daquele Tribunal:
- o acórdão nº 38/86, que decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 169º, § 1º, e 557º do Código de Processo Penal (de 1929) e as do artigo 2º, nº 2 e seu § único, do Decreto-Lei nº 35.007, de 13 de Outubro de 1948, que se referiam à “fé em juízo” do auto de notícia em processo sumário;
- o acórdão nº 448/87, que decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 26º, nº 3 do Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro (Lei de Imprensa), que havia considerado como autor do escrito ou imagem o director da publicação e o responsabilizava como autor do crime;
- o acórdão nº 246/96, que decidiu não julgar inconstitucionais as normas do artigo 22º, nºs 1 e 2, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Aduaneiras, quanto a presumir não nacionais as mercadorias detidas sem os documentos e selos legalmente exigíveis;
- o acórdão nº 276/2004, que decidiu interpretar, nos termos do disposto no artigo 80º, nº 3 da Lei do Tribunal Constitucional, o artigo 152º, nº 1 do Código da Estrada (com correspondência nos actuais nºs 2 e 3 do artigo 171º), que estabelecia a presunção ilidível do proprietário ou possuidor do veículo ser o seu condutor.
21. Em face do exposto, é lícito concluir que a indiciação, com base em relatórios do jogo, de que sócios ou simpatizantes de um clube praticaram condutas social ou desportivamente incorrectas, é suficiente para dar como provado que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parte desse clube, e bem assim no sentido de se dar como assente a violação de deveres quando se prove, com base no artigo 13º, alínea f) do RD, que sócios/simpatizantes adoptaram comportamento social ou desportivamente incorrecto.
22. Além do mais, decorre do disposto nos artigos 222º, nº 2 e 250º, nº 1 do RDLPFP, a necessidade de fundamentação de facto e de direito dos acórdãos da Secção Disciplinar, com enunciação clara e sintética da sua motivação, e que os mesmos se devem fundar na prova produzida durante a instrução e no decurso da audiência disciplinar. O que foi cumprido.
23. E igualmente, também não decorre da decisão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, e bem assim do acórdão recorrido, que a comprovação de elemento constitutivo de uma infracção disciplinar esteja sujeita a um ónus da prova imposto ao arguido. Conforme já sublinhado, os relatórios e declarações a que alude o artigo 13º, alínea f) do RD, limitam-se a estabelecer uma base fáctica que pode eventualmente consubstanciar a prática da infracção. E caso isso suceda, a partir daí passa a caber ao arguido colocar em causa o que dali resulta.
24. Por outro lado, como igualmente se aponta no citado acórdão nº 391/2015, a utilização da prova indirecta ou por presunções “assenta num processo lógico de inferência” e numa “valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos e proceder a uma efectiva motivação da decisão”, como tal compatível com o dever de fundamentação.
25. Os invocados normativos do RDLPFP dispõem como segue:

Artigo 127º
Inobservância de outros deveres
1. Em todos os outros casos não expressamente previstos em que os clubes deixem de cumprir os deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação desportiva aplicável são punidos com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 10 UC e o máximo de 50 UC.
2. Na determinação da medida da pena prevista no nº 1 do presente artigo, salvo se cometer a violação do mesmo dever violado na mesma época desportiva, não será considerada a circunstância agravante da reincidência prevista nos artigos 52º e 53º, nº 1, alínea a) do presente regulamento.
Artigo 172º
Princípio geral
1. Os clubes são responsáveis pelas alterações da ordem e da disciplina provocadas pelos seus sócios ou simpatizantes nos complexos, recintos desportivos e áreas de competição, por ocasião de qualquer jogo oficial.
Artigo 182º
Agressões graves a espectadores e outros intervenientes
1. O clube cujo sócio ou simpatizante, designadamente sob a forma colectiva ou organizada, agrida fisicamente espectador ou elemento da comunicação social ou pessoa presente dentro dos limites do recinto desportivo, antes, durante ou depois da realização do jogo, de forma a causar lesão de especial gravidade, quer pela sua natureza, quer pelo tempo de incapacidade é punido com a sanção de realização de jogos à porta fechada a fixar entre o mínimo de um e o máximo de dois jogos e, acessoriamente, na sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 100 UC.
2. Se a agressão prevista no número anterior não causar lesão de especial gravidade, o clube é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 100 UC.
Artigo 183º
Arremesso de objectos com reflexo no jogo
1. O clube cujos sócios ou simpatizantes arremessem para dentro do terreno de jogo objectos, líquidos ou quaisquer outros materiais que pela sua própria natureza sejam idóneos a provocar lesão de especial gravidade aos elementos da equipa de arbitragem, agentes de autoridade em serviço, delegados e observadores da Liga, dirigentes, jogadores e treinadores e demais agentes desportivos ou qualquer pessoa autorizada por lei ou regulamento a permanecer no terreno de jogo e que, dessa forma, determinem que o árbitro, justificadamente, atrase o início ou reinício do jogo ou levem à sua interrupção não definitiva é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 100 UC.
2. Em caso de reincidência o clube infractor é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 100 UC e o máximo de 200 UC.
Artigo 187º
Comportamento incorrecto do público
1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, o clube cujos sócios ou simpatizantes adoptem comportamento social ou desportivamente incorrecto, designadamente através do arremesso de objectos para o terreno de jogo, de insultos ou de actuação da qual resultem danos patrimoniais ou pratiquem comportamentos não previstos nos artigos anteriores que perturbem ou ameacem perturbar a ordem e a disciplina é punido nos seguintes termos:
a) o simples comportamento social ou desportivamente incorrecto, com a sanção de multa a fixar entre o mínimo de 5 UC e o máximo de 15 UC;
b) o comportamento não previsto nos artigos anteriores que perturbe ou ameace a ordem e a disciplina, designadamente mediante o arremesso de petardos e tochas, é punido com a sanção de multa a fixar entre o mínimo de 15 UC e o máximo de 75 UC”.
26. Por outro lado, importa aqui conjugar a presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga e dos autos de flagrante delito lavrados pelos membros da Comissão de Instrutores, e por eles percepcionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa, tal como prevista no artigo 13º, alínea f), do RDLPFP.
27. Deste modo, tendo em conta o teor do artigo 17º do RDLPFP, que considera infracção disciplinar “o facto voluntário, por acção ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável”, e o disposto no artigo 35º do aludido Regulamento, em matéria de prevenção de violência e promoção do fair-play, que considera deveres dos clubes, designadamente, (i) assumir a responsabilidade pela segurança do recinto desportivo e anéis de segurança [cfr. alínea a)], (ii) incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados [cfr. alínea b)], (iii) aplicar medidas sancionatórias aos seus associados envolvidos em perturbações da ordem pública, impedindo o acesso aos recintos desportivos nos termos e condições do respectivo regulamento ou promovendo a sua expulsão do recinto [cfr. alínea c)] e (iv) zelar por que os grupos organizados de adeptos apoiados pelo clube participem do espectáculo desportivo sem recurso a práticas violentas, racistas, xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a sua envolvência, nomeadamente, no curso das suas deslocações e nas manifestações que realizem dentro e fora de recintos [cfr. alínea l)], há que compatibilizar tais normas regulamentares com a matéria de facto constante dos autos.
28. Ora, compulsada aquela, aí ficou assente que:
- No jogo em questão, adeptos afectos à SAD recorrida procederam, durante o jogo, à deflagração de três petardos, dois potes de fumo e de um flashlight, tendo o segundo petardo, lançado ao minuto 69’, atingido duas crianças de 10 e 17 anos, respectivamente, que tiveram de ser assistidas no local (a primeira, por perda momentânea de audição, e a segunda por queimadura ligeira numa perna);
- Vários adeptos afectos à SAD recorrida envolveram-se em agressões no intervalo do jogo, tendo um deles desferido um murro violento na face de outro adepto;
- A SAD recorrida nada fez, no que estava ao seu alcance, para que aqueles actos não se concretizassem, não podendo deste modo manter-se a conclusão constante da alínea K. do acórdão arbitral recorrido.
29. Assim, a condenação da SAD recorrida em sede disciplinar não assentou numa presunção de culpa ou em responsabilidade objectiva, mas antes na responsabilização do clube por violação de deveres a que se encontrava vinculado, em função do decidido em sede de matéria de facto, resultante da prova produzida e da utilização de presunções, a que nada obstam os preceitos da Lei Fundamental invocados.
30. Os adeptos que lançaram petardos, tochas ou flashlights, bem como os adeptos que perpetraram as agressões descritas nos autos, encontravam-se em locais destinados aos adeptos da SAD recorrida, estavam identificados com cachecóis, bandeiras, camisolas e entoavam cânticos de apoio ao clube, pelo que é lícito presumir que os mesmos eram seus adeptos de facto, conforme atestado no relatório de jogo, pelo que competia então à SAD infirmar tal factualidade, o que manifestamente não fez, pelo que
não tendo evitado o cometimento destes factos, omitiu o cumprimento dos deveres legalmente impostos, incorrendo na prática das sobreditas infracções.
31. Atente-se que, em sede de fiscalização da constitucionalidade de normas do DL nº 270/89, de 18/8, que estabeleceu medidas preventivas e punitivas de violência associada ao desporto, e do anterior Regulamento Disciplinar, aprovado na assembleia geral extraordinária da FPF de 18-8-1984, com alterações introduzidas na assembleia geral extraordinária de 4-8-1990, o TC pronunciou-se quanto a tais questões (cfr. acórdão nº 730/95, de 14-12-1995, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/), não discernindo em normas paralelas às que agora estão em causa uma ideia de responsabilidade objectiva, mas sim de responsabilidade por violação de deveres, desde logo por se exigir para a aplicação da sanção da interdição dos recintos desportivos, que as faltas praticadas pelos espectadores nos recintos desportivos possam ser imputadas aos clubes, servindo o processo disciplinar para “averiguar todos os elementos da infracção, sendo que, por esta via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube). Com o que não pode dar-se como verificada a tese sustentada pelo requerente da violação do princípio da culpa”.
32. É ainda de acolher aqui a orientação consensual da jurisprudência do STA, de que são exemplos os acórdãos de 21-2-2019, proferido no âmbito do processo nº 33/18.0BCLSB, de 4-4-2019, proferido no âmbito do processo nº 030/18.6BCLSB, de 4-4-2019, proferido no âmbito do processo nº 040/18.3BCLSB, de 2-5-2019, proferido no âmbito do processo nº 073/18.0BCLSB, e de 11-3-2021, proferido no âmbito do processo nº 089/19.9BCLSB (todos disponíveis para consulta em http://www.dgsi.pt).
33. Conforme lapidarmente sumariado no primeiro dos citados arestos, “a presunção de veracidade dos factos constantes dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP que tenham sido por eles percepcionados, estabelecida pelo artigo 13º, alínea f) do RD/LPFP, conferindo ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que ela se sustenta mediante a mera contraprova dos factos presumidos, não infringe os comandos constitucionais insertos nos artigos 2º, 20º, nº 4, e 32º, nºs 2 e 10, da CRP e os princípios da presunção de inocência e do «in dubio pro reo»; a responsabilidade disciplinar dos clubes e sociedades desportivas prevista no artigo 187º do referido RD/LPFP pelas condutas ou os comportamentos social ou desportivamente incorrectos que nele se mostram descritos e que foram tidos pelos sócios ou simpatizantes de um clube ou de uma sociedade desportiva e pelos quais estes respondem não constitui uma responsabilidade objectiva violadora dos princípios da culpa e da presunção de inocência; a responsabilidade desportiva disciplinar ali prevista mostra-se ser, in casu, subjectiva, já que estribada numa violação dos deveres legais e regulamentares que sobre clubes e sociedades desportivas impendem neste domínio e em que o critério de delimitação da autoria do ilícito surge recortado com apelo não ao do domínio do facto, mas sim ao da titularidade do dever que foi omitido ou preterido”.
34. Procedem, nestes termos, as críticas assacadas pela recorrente FPF ao acórdão arbitral recorrido, razão pela qual o mesmo não pode manter-se.


IV. DECISÃO
35. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso interposto, revogar o acórdão arbitral impugnado, e manter as sanções aplicadas à F…..SAD pelo acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, de 10-10-2023, proferido no âmbito do Processo Disciplinar nº …….-2023/2024, que sancionou aquela SAD pela prática do ilícito disciplinar p. e p. pelo artigo 113º, alínea a) do RDLPFP, por inobservância dos deveres previstos no artigo 35º, nº 1, alíneas a), b), c), f) e o) e nº 2, alínea f) do RCLPFF, bem como uma pena de multa no valor de € 3.060,00 pela prática do ilícito disciplinar p. e p. pelo artigo 182º, nº 2, também do RDLPFP, daí resultando, em cúmulo material, numa sanção de interdição do recinto desportivo por um jogo e uma sanção de multa no montante de € 6.670,00.
36. Custas a cargo da recorrida F…..SAD.

Lisboa, 11 de Abril de 2024

(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)

(Frederico Macedo Branco – 1º adjunto)

(Maria Julieta França – 2ª adjunta)