Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10333/13
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/12/2015
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL; PETIÇÃO INICIAL; JUIZ SINGULAR; RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA; CONVOLAÇÃO
Sumário:i) De acordo com o artigo 40º, nº 3, do ETAF “nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito”.

ii) Por seu turno, o artigo 27º, nº 1, do CPTA, determina que são competências do relator as que estão enumeradas nas várias alíneas daquele nº 1 e ainda todos os “demais poderes que lhe são conferidos” pelo CPTA.

iii) Entre estes poderes estão, v.g, os indicados nos artigos 87º, nº 1, 88º a 91º do CPTA, de proferir despacho saneador, julgando de facto e de direito, de suprir excepções dilatórias, de determinar o aperfeiçoamento de articulados, de determinar a absolvição da instância, de ordenar diligências de prova ou de indeferir requerimentos para a sua produção e de ordenar a realização de uma audiência pública.

iv)Interposto recurso da decisão que exigia reclamação para a conferência não pode este Tribunal ad quem conhecer do seu objecto.

v) Mostrando-se possível o aproveitamento do requerimento de interposição de recurso em reclamação para a conferência, devem os autos para tanto baixar ao Tribunal a quo, a quem compete verificar se estão reunidos os pressupostos adjectivos para a convolação para este meio processual
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Lina ……………….., intentou contra o Instituto dos Registos e do Notariado, acção administrativa especial na qual peticionou a anulação do acto que não lhe concedeu a nacionalidade portuguesa e a condenação daquela a conceder-lhe a nacionalidade por naturalização.

No TAC de Lisboa foi em 31.05.2012 proferida decisão que, com invocação dos art.s 494.º, al. b) e 493.º, n.º 2, do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA determinou o desentranhamento da petição inicial, absolvendo a Demandada da instância, por nulidade de todo o processo.

Inconformada, a Autora interpôs dessa decisão recurso jurisdicional (cfr. 110 e s.).

Na sequência de despacho da Mma. Juiz a quo de fls. 148, que admitiu o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Central Administrativo Sul.



O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, tendo vista nos autos, pugnou pela improcedência do recurso.


Após vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. Fundamentação

Antes de entrar na análise do mérito do recurso, importa conhecer de questão prévia que obsta à sua apreciação, isto porquanto a decisão que admite o recurso, fixa a sua espécie e determina o efeito que lhe compete, não vincula este TCA Sul (art. 641.º, nº 5, do CPC, ex vi art. 1º do CPTA).

A questão prioritária que importa apreciar e decidir é a de saber se das decisões proferidas nos presentes autos cabe recurso jurisdicional, como entendeu o Tribunal a quo, ou reclamação para a conferência. Questão esta que se apresenta como manifesta e cuja resolução assenta na jurisprudência uniforme que entretanto se sedimentou.

Com interesse para a decisão, é o seguinte o circunstancialismo processual relevante:

1. A Autora intentou no TAC de Lisboa acção administrativa especial na qual peticionou a anulação do acto praticado pela Conservadora-Auxiliar da Conservatória dos Registos Centrais que não lhe concedeu a nacionalidade portuguesa e a condenação daquela a conceder-lhe a nacionalidade por naturalização (cfr. fls. 2 e s.).

2. Em 31.05.2012 foi proferida decisão que determinou o desentranhamento da petição inicial, absolvendo a Demandada da instância, por nulidade de todo o processo. (cfr. fls. 97 e s.).

3. O valor da presente acção é de EUR 30.000,01.

4. A decisão descrita em 2. supra foi notificada à Autora por ofício de 4.06.2012 (cfr. doc. de fls. 106).

5. A Autora veio interpor recurso jurisdicional da mesma por req. de 21.06.2012, apresentado sob registo postal (cfr. fls. 110 e s., fls. 137).

6. Recurso que foi admitido no Tribunal a quo por despacho de 11.07.2012 (cfr. fls. 148).



Assente a factualidade relevante, vejamos então do acerto do despacho que admitiu o presente recurso.

Estamos perante uma acção administrativa especial de valor indeterminável e portanto necessariamente de valor superior à alçada do Tribunal a quo (nos termos do disposto no art. 34.º, n.º 2, quando o valor da causa seja indeterminável, considera-se superior ao da alçada do TCA).

De acordo com o artigo 40º, n.º 3 do ETAF “nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito”.

É esta competência originária do colectivo de juízes que justifica a reclamação para a conferência das decisões proferidas pelo juiz relator.

Por seu turno, o artigo 27º do CPTA determina que são competências do relator as que se mostram enumeradas nas várias alíneas do n.º 1, “sem prejuízo dos demais poderes que lhe são conferidos neste Código”.

Assim, no âmbito de uma acção administrativa especial de valor superior à alçada do tribunal, o juiz de 1ª instância tem poderes para proferir todas as decisões elencadas no n.º 1 do artigo 27º do CPTA e ainda todos os “demais poderes que lhe são conferidos” pelo mesmo diploma.

Deste modo, além dos poderes para proferir simples despachos, incluindo despachos de mero expediente, o juiz de 1ª instância tem também poder para proferir sentenças e despachos saneadores, julgando de facto e de direito (cfr. artigos 27º, n.º 1, als. e), h) e i) e 87º, n.º 1, als. a) e b) do CPTA).

E certo é que na sequência do Acórdão uniformizador de jurisprudência do Pleno do STA de 05.06.2012, proc. n.º 420/12, publicado na I Série do Diário da República de 19.09.2012, foram proferidos inúmeros acórdãos do STA no mesmo sentido de que das decisões do relator cabe reclamação para a conferência. Entre outros, pelos acórdãos de 22.05.2014, proc. n.º 1627/13; de 05.12.2013, proc. n.º 1360/13 (este tirado em formação alargada, ao abrigo do art. 148.º, publicado em Diário da República, 1ª Série, de 30-01-2014, sob o n.º 1/2014); de 18.12.2013, proc. n.º 1135/13; de 19.03.2013, proc. n.º 12/2013, foi considerado que aquele acórdão uniformizador valia também para os casos em que não tivesse sido invocada a alínea i) do nº 1 do artigo 27º do CPTA. E em sede de contencioso pré-contratual o STA tem seguido reiteradamente a mesma linha de entendimento, como resulta evidente dos acórdãos de 10.05.2013, proc. n.º 1064/13, e , muito recentemente, de 24.06.2014, proc. n.º 643/14.

Estipula o artigo 27.º nº 1 do CPTA, que são competências do relator as que estão enumeradas nas várias alíneas daquele nº 1, e ainda, todos os “demais poderes que lhe são conferidos” pelo CPTA. Entre estes poderes estão, v.g, os indicados nos artigos 87º nº 1 e 88º a 91º do CPTA, de proferir despacho saneador, julgando de facto e de direito, de suprir excepções dilatórias, de determinar o aperfeiçoamento de articulados, de determinar a absolvição da instância, de ordenar diligências de prova ou de indeferir requerimentos para a sua produção e de ordenar a realização de uma audiência pública.

O artigo 92º nº 1 do CPTA, enuncia que “concluso o processo ao relator, quando não deva ser julgado por juiz singular”, só nestes casos é que haverá “lugar a vista simultânea aos juízes-adjuntos”.

Retira-se, assim, das disposições conjugadas do nº 1 do artigo 92º, dos artigos 87º nº 1 e 88º a 91º e do artigo 27º nº 1 alíneas a) a j), todos do CPTA, que só nas situações ali não previstas, e verificado que seja o pressuposto do artigo 40º, nº 3, do ETAF (acções administrativas especiais de valor superior à alçada do Tribunal), é que se exige necessariamente a formação de três juízes. Assim, nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada do Tribunal de 1ª instância o relator do processo, juiz titular do processo em 1º instância, tem poderes para proferir todas as decisões que estão enumeradas no nº 1 do artigo 27º do CPTA, e ainda detém todos os “demais poderes que lhe são conferidos” pelo CPTA, aqui se incluindo quer poderes para proferir simples despachos (cfr. artigos 27º nº 1 alíneas a) a d), f), g) e j), 87º nº 1 alíneas a), b), c), 88º e 90º do CPTA), quer para proferir sentenças, as decisões que julgam causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa (cfr. artigos 27º, nº 1 alíneas e), h), e i), 87º nº 1 alíneas a) e b), 89º nº 1 e 91º do CPTA). E de todas essas decisões cabe reclamação para a conferência nos termos do nº 2 do artigo 27º do CPTA, o qual determina que “dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência, com excepção dos de mero expediente, dos que recebam recursos de acórdãos do tribunal e dos proferidos no Tribunal Central Administrativo que não recebam recursos de acórdãos desse tribunal”.

De regresso ao caso dos autos, temos que se trata de uma acção administrativa especial (impugnação de acto administrativo e condenação na prática do acto devido, como expressamente vem indicado pela A.), com o valor superior à alçada do Tribunal a quo, pelo que o julgamento de facto e de direito cabia a uma formação de três juízes, nos termos do disposto no artigo 40.º n.º 3 do ETAF.

Assim, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 27.º do CPTA, da decisão proferida cabia reclamação para a conferência do tribunal a quo, a interpor no prazo de 10 dias previsto no artigo 29.º do CPTA, e não recurso jurisdicional.

Ainda neste domínio, terá que referir-se que, tal como decorre do acórdão do Pleno do STA, de 5.06.2012 (recurso para uniformização de jurisprudência, proferido no âmbito do processo nº 420/12), nada disto redunda em prejuízo dos princípios pro actione e da tutela jurisdicional efectiva, na medida em que esses princípios só saem honrados quando se exige que, antes de se recorrer de uma decisão singular, se reclame para uma conferência de juízes, nem tal exigência é susceptível de acarretar a inconstitucionalidade do artigo 27º, nº 2 do CPTA, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, pois que maximiza essa tutela, por acrescentar mais um grau de apreciação (v. neste sentido o ac. deste TCAS de 26.09.2013, proc. n.º 10361/13).

Consequentemente, não é possível conhecer do recurso.

Assim sendo, atendendo à factualidade por nós fixada e considerando que nos termos do disposto no artigo 29º, n.º 1 do CPTA, o prazo para reclamar da decisão é de 10 dias (cujo termo inicial se sujeita à presunção do art. 254.º, n.º 3, do CPC na redacção aplicável), aos quais acrescia o prazo para a prática do acto com pagamento da respectiva multa processual de acordo com o disposto no art. 145.º, n.º 5, do CPC (actualmente o art. 139.º, n.º 5), devem os autos baixar ao TAC de Lisboa, para aí ser promovida a convolação do requerimento de recurso em reclamação para a conferência. Determinação esta que assenta na doutrina que emana do acórdão do STA de 26.06.2014, no proc. n.º 1831/13.



III. Conclusões

Sumariando:

i) De acordo com o artigo 40º, nº 3, do ETAF “nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito”.

ii) Por seu turno, o artigo 27º, nº 1, do CPTA, determina que são competências do relator as que estão enumeradas nas várias alíneas daquele nº 1 e ainda todos os “demais poderes que lhe são conferidos” pelo CPTA.

iii) Entre estes poderes estão, v.g, os indicados nos artigos 87º, nº 1, 88º a 91º do CPTA, de proferir despacho saneador, julgando de facto e de direito, de suprir excepções dilatórias, de determinar o aperfeiçoamento de articulados, de determinar a absolvição da instância, de ordenar diligências de prova ou de indeferir requerimentos para a sua produção e de ordenar a realização de uma audiência pública.

iv) Interposto recurso da decisão que exigia reclamação para a conferência não pode este Tribunal ad quem conhecer do seu objecto.

v) Mostrando-se possível o aproveitamento do requerimento de interposição de recurso em reclamação para a conferência, devem os autos para tanto baixar ao Tribunal a quo, a quem compete verificar se estão reunidos os pressupostos adjectivos para a convolação para este meio processual.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em não conhecer do recurso interposto e ordenar a baixa dos autos ao TAC de Lisboa para que aí seja proferido despacho sobre o requerimento de recurso interposto, enquanto reclamação para a conferência.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2015

Pedro Marchão Marques
Conceição Silvestre

Cristina Santos