Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:483/20.2BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:02/18/2021
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:ART. 114º, Nº 2 DO RJUE;
INTIMAÇÃO CERTIDÃO;
NULIDADE ACTO ADMINISTRATIVO.
Sumário:i) A intimação para passagem de certidão, prestação de informações prevista nos artigos 104.º e segs. do CPTA, não pode ser usada para obter a “condenação” da entidade administrativa a criar ou a produzir o “acto” ou o “documento” destinado a satisfazer qualquer pretensão do interessado que a ela lhe foi dirigida.

ii) Tendo sido proferidas pela Entidade Intimada decisões expressas denegatórias quer sobre o pedido de declaração de nulidade, assim como da sua intervenção como contrainteressada, o que a Recorrente visa obter através do presente meio processual é que a entidade administrativa emita certidões de sentido contrário aos actos administrativos por si prolatados.

iii) Tendo sido expressamente indeferido o pedido de declaração de nulidade do PIP (pedido de informação prévia) da moradia contígua, o silêncio da edilidade sobre a impugnação administrativa, previsto no art. 114º, nº 2 do RJUE, é insusceptível de alcançar (tacitamente) essa declaração.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul



I. RELATÓRIO


A F..........., LDA, intentou contra o Município de Albufeira, indicando como contra-interessados, J........... e A..........., a presente acção de Intimação para prestação de informações e passagem de certidões, pedindo a emissão de certidão de declaração de nulidade do Pedido de Informação Prévia (PIP) e certidão de constituição da Requerente como interessada nos procedimentos administrativos relativos ao Lote 2.
Requerendo resposta ao esclarecimento pedido à Câmara Municipal de Albufeira relativo a “assunto urbanísticos” melhor descritos no art. 33° da sua p.i e que até agora, não obteve.
Alegou ainda que a deliberação de 31/10/2016 proferida pela Câmara Municipal de Albufeira, que viabilizou o PIP apresentado pelos contra-interessados, é nula.

Por Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 2020.11.18, foi a intimação julgada improcedente.

Inconformada a Recorrente, F..........., LDA., interpôs o presente recurso, terminando as Alegações com a formulação das conclusões que, de seguida, se transcrevem:

“A. O Tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos, impondo-se a revogação da decisão recorrida.
B. À data em que a sentença foi proferida os contrainteressados os contrainteressados não tinham contestado, nem havia decorrido o respetivo prazo para o efeito, tendo sido violado, por isso, o artigo 107.°, n.° 2 do CPTA.
C. O tribunal cometeu uma nulidade processual por praticar um acto não permitido por lei, que impõe a anulação de todo o processado desde a formalidade incumprida.
D. A decisão a quo declarou a ação improcedente por entender que a certidão e os documentos peticionados incluem “juízos de valor”, não se integrando no conceito de direito à informação; no entanto, esta questão não foi discutida nos articulados e as partes não tiveram oportunidade de se pronunciar sobre a mesma, tendo sido violado o artigo 3.°, n.° 3 do Código de Processo Civil (ex vi artigo 1.° do CPTA), impondo-se a respetiva revogação da sentença proferida por esta razão.
E. A “resolução tomada” sobre um assunto (seja ela através de um acto expresso ou tácito - dado que a lei não distingue) ou até a “falta de resolução” podem ser objecto de certidão a emitir pelos serviços competentes, que estão “obrigados” a passá-las quando os interessados o requeiram - é o que decorre do artigo 84.° do CPA.
F. O MUNICÍPIO DE ALBUFEIRA não decidiu a reclamação administrativa no prazo de 30 dias previsto para o efeito (cfr. artigo 114.°, n.° 2 do RJUE), o que significa que o pedido da aqui Recorrente foi tacitamente deferido pelo MUNICÍPIO DE ALBUFEIRA, tendo o acto de aprovação do PIP sido, por conseguinte, declarado nulo por esse mesmo Município.
G. O acto de declaração de nulidade do PIP pode ser objecto de certidão, como qualquer outro acto administrativo.
H. O pedido de certidão requerido pela Recorrente é estritamente objectivo e não depende da formulação de quaisquer “juízos de valor”; trata-se, somente, de certificar um acto administrativo com um conteúdo totalmente definido, estabilizado e indiscutível.
I. Errou o tribunal a quo ao ter indeferido este pedido e, com isso, violou o artigo 84.° do CPA, que prevê que os interessados têm direito a obter certidão de actos administrativos quando o requeiram.
J. No dia 21 de setembro de 2020, a Recorrente enviou ao MUNICÍPIO DE ALBUFEIRA um requerimento (junto à p.i. Documento n.° 2 à p.i.) no qual solicitou, nos termos e com os fundamentos aí apresentados, a sua constituição como «interessada» nos procedimentos urbanísticos relacionados como o Lote 72, inserido no Alvará de Loteamento n.° 15/84, requerendo que fosse emitida certidão que comprovasse tal qualidade.
K. Deveria o Município ter sido condenado a emitir a respetiva certidão, pois trata-se de um pedido de certidão que visa atestar uma realidade objectiva, de modo estritamente vinculado.
L. Errou o tribunal a quo a não ter condenado o Município a emitir a indicada certidão, assim violando o artigo 62.° n.° 2 e o artigo 84.° do CPA.
M. A Recorrente solicitou ao MUNICÍPIO DE ALBUFEIRA que lhe entregasse documentação relacionada com os assuntos que identificou no requerimento administrativo que enviou ao Município; este pedido não foi satisfeito pelo MUNICÍPIO DE ALBUFEIRA, que não disponibilizou os documentos, nem nada respondeu à Recorrente.
N. Tal pretensão informativa, como expressamente indicado no requerimento, foi feita ao abrigo do artigo 110.°, n.° 1, alínea b) do RJUE e do artigo 5.° Lei n.° 26/2016, de 22 de agosto («Lei de Acesso aos Documentos Administrativos»).
O. Esta pretensão informativa, baseada em documentos existentes nos arquivos do Município, nada tem de subjectivo, nem se encontra dependente de “juízos de valor ”, como entendeu erradamente o tribunal a quo.
P. Ao tribunal a quo cabia, tão-só, atestar que os documentos peticionados não foram disponibilizados à ora Recorrente - o que, aliás, ficou provado - e condenar o Município a entregá-los, sem para o efeito necessitar de emitir juízos de valor ou outras operações análogas.
Q. O Tribunal a quo violou, assim, designadamente, o artigo 110.°, n.° 2 do RJUE e o artigo 5.° da LADA. 
R. Impõe-se, por tudo o exposto, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que reconheça o direito subjectivo da Recorrente à obtenção das certidões e dos documentos que peticionou, com a consequente condenação do Município a disponibilizar os ditos elementos.”.

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A Entidade, ora Recorrida, não apresentou contra-alegações.

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O DMMP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, foi regularmente notificado.
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Dispensados os vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

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II – Fundamentação
II. 1 - De facto:

Na decisão recorrida foi fixada a seguinte factualidade, que se reproduz, destacando-se:
“A) Em 21/09/2020, a Requerente enviou requerimentos à Entidade Requerida por email, a pedir a emissão de certidão e pedido de informações (cfr. doc. 1 junto com a p.i.); do qual se destaca:

B) A Requerente, no prazo de 10 dias, não obteve resposta ou pronúncia por parte da Entidade Requerida (por acordo, na falta de impugnação);
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Nos termos do art. 662.º, n.º 1 do CPC adita-se a seguinte matéria de facto relevante para a decisão:

C) Na mesma data, 21 de Setembro de 2020, a Requerente dirigiu ao requerido o requerimento junto como doc. 2 ao r.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, destacando-se o pedido a final:



D) Por ofício de 18.02.2020, (enviado através de correio registado) a CMA notificou a Intimante do despacho de 17.02.2020, da Vice-Presidente daquele órgão, no uso de competência delegada pelo Presidente do mesmo, sobre o pedido da Intimante de 21.04.2017, mandando proceder em conformidade com parecer jurídico anexo emitido pela DPUAI, no qual se concluiu inexistir qualquer nulidade e não se verificar sustento para que aquela, reclamante, fosse ouvida no âmbito de qualquer iniciativa ou procedimento relativo ao lote 72,
Destacando-se do aludido Parecer o seguinte:
“… Quanto a esta matéria em concreto, dúvidas não restam pois de que esta autarquia deu assim integral cumprimento ao disposto na supra citada disposição legal, ou seja, o nº 1 do artigo 15º do Regime Jurídico do Urbanização e da Edificaçao, tendo, pois, ambas as entidades externas sido auscultadas e, nesse sentido, emitiram Parecer que consideraram por bem emitir no âmbito das suas competências específicas.
Nesse sentido não se vislumbra a existência de qualquer nulidade como alega a reclamante na sua exposição, sendo certo que nem chega a identificar, qual a norma legal violada, bem como a norma que prevê essa sanção.
Sem prejuízo, sempre se dirá ainda que, entretanto, após a apresentação da reclamação ora em análise, voltaram aquelas duas entidades externas a ser auscultadas, cfr. ofícios com as referências 1128 e 1129, datados de 16 de Junho de 2017, sendo que a CCDR Algarve emitiu a sua pronúncia, através do ofício cujo registo de entrada nesta autarquia ocorreu em 10.07.2017 (regs. Nº 32147), cujo teor da mesma aqui se considera integralmente reproduzido para os devidos efeitos.
No que se reporta ao pedido que formula no sentido de que possa “ ser ouvida no âmbito de qualquer iniciativa/procedimento que tenha por objecto o referido lote 72” somos de parecer que tal pedido não tem qualquer sustentabilidade, de facto e/ou direito, sendo pois totalmente infundado, Acresce, por outro lado que no âmbito do Proc. 29CP/2017 – titulado em nome da ora requerente, a reclamante também já tem apresentado diversas exposições / requerimentos pelo que, ressalvando sempre uma melhor e superior opinião, somos de parecer que tal pedido não deverá merecer acolhimento” -

– cf. doc. 10 junto à Oposição;

E) Em 02.07.2020, a Intimante apresentou na CMA, o requerimento que apelidou de recurso hierárquico do despacho de 17.02.2020, acabado de referir, pugnando por que fosse ele julgado (sic) extemporâneo e ilegal, e tacitamente deferida a reclamação de 13.04.2017 (doc. 11 junto à Oposição – no qual concluiu: que dever ser “ provado o presente recurso hierárquico e, em consequência, extemporâneo e ilegal o Despacho recorrido [em 17.02.2020] porquanto tacitamente deferida, nos termos do disposto no art. 114º, nº 2 do RJUE, a referida reclamação apresentada pela ora recorrente, com as necessárias consequências legais, nomeadamente no que respeita à declaração de inviabilidade construtiva no lote 72 e comunicação prévia (Proc. 29CPl20l7) fundamentada no acto nulo que determinou a viabilidade do aludido PIP.

F) Em 18.08.2020, a Câmara Municipal deliberou rejeitar aquele pedido, nos termos e com os fundamento expressos em parecer jurídico, de 31.07.2020, disso notificando a aqui I. – cf. doc. 12 junto à Oposição;

G) Sobre o indeferimento de tal pedido (constituição de contrainteressada) se pronunciou de modo expresso a deliberação de 18.08.2020 que, louvando-se no parecer anexo (cf.., por ambos, o doc. 12), desconsiderou assistir à aqui A. a qualidade de interessada, rejeitando, no elenco de pedidos ali em análise, também o da sua constituição nessa qualidade nos procedimentos visados.

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II.2 De Direito


Em conformidade com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

As questões a decidir neste recurso residem em aferir do erro de julgamento da matéria de direito:

- da alegada nulidade (por preterição de contraditório (art. 3.º, n.º 3 do CPC);

- do dever de informação a cargo da entidade Requerida Município de Albufeira (aos pedidos formulados em 21.09.2020).

ü Da nulidade por preterição do contraditório

Quanto à nulidade por não ter ainda alegadamente decorrido o prazo de resposta por parte dos contrainteressados, não se alcança como poderia a Recorrente /Intimante ficar prejudicada com tal “omissão”, sendo que as nulidades processuais só subsistem se tiverem influência no desfecho da solução para o recorrente jurisdicional (cf. 195º, nº 1 do CPC). E decerto que a posição dos contrainteressados seria contraposta à da Recorrente.

No que respeita à alegada nulidade por preterição do contraditório.

Desde logo, decorre do art. 5.º, n.º 3, do CPC, o princípio de jura novit curia segundo o qual o juiz não está vinculado às alegações das partes no tocante à interpretação e aplicação das regras do direito. Sendo que a efectiva pronúncia da parte não impõe a todo o tempo a prolação de um projecto de decisão para audição das partes quanto ao sentido da decisão final.

Na medida em que as partes devem assumir com diligência a defesa dos seus interesses e cooperar entre si e com o tribunal em ordem à tempestividade da composição judicial do conflito que as separa, o que implica que sobre elas impenda o dever de se pronunciarem nas peças processuais admissíveis quanto aos seus requerimentos e aos da parte contrária, bem como quanto ao direito aplicável, nomeadamente no confronto das várias teses doutrinais e jurisprudenciais, sem que seja imperiosa intervenção autónoma do juiz promovendo essa pronúncia.

Cremos não haver divergência sobre o alcance do contraditório exigível, quando no campo das decisões surpresa. Veja-se, por todos, o recente acórdão do Tribunal Constitucional, de 10 de Julho de 2019, n.º 426/2019 (Joana Fernandes Costa), que apreciou em conferência a Decisão Sumária n.º 365/2019, onde se lê:

“Têm sido repetidamente assinaladas na jurisprudência constitucional, as condições para que assim seja. Nas palavras do Acórdão n.º 173/2016, na linha de muitos outros: «Como o Tribunal Constitucional vem reiteradamente decidindo, «recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adotar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica (…)». Cabe-lhes, assim, «a formulação de um juízo de prognose, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocáveis para a sua dirimição, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que – na sua ótica – poderão inquinar tais normas ou interpretações normativas» (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, janeiro de 2010, pp. 81-82)».

Assim, o respeito pelo contraditório não implica que haja que apresentar às partes um projecto de decisão para que sobre ele se pronunciem ou que devam ser ouvidas fora dos momentos processuais previstos sobre questões que as suas pretensões coloquem habitualmente na jurisprudência e sejam por isso conhecidas na comunidade jurídica – vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2018, proferido no processo 2057/11.0TVLSB.L1.S2 (TÁVORA VICTOR) e de 12 de Julho de 2018, proferido no processo 177/15.0T8CPV-A.P1.S1 (HELDER ROQUE) ou o desta Relação e Secção de 10 de Maio de 2018, proferido no processo 16173/17.0T8LSB.L1 (NUNO SAMPAIO).

Termos em que improcede.

ü Do Direito à informação


O objecto da presente acção de intimação para a prestação de informações está delimitada nos termos do disposto no art. 104º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ao pedido formulado no exercício do direito de acesso à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos.
O direito à informação procedimental está tipificado através das condutas pelas quais a Administração satisfaz o direito e que são, a informação directa (a que se refere o nº 2 do art. 82º), a consulta do processo (art. 83º) e a passagem de certidão, reprodução ou declaração autenticada de documentos (arts. 82º e 83º), e o princípio da administração aberta consagrado no artigo 17º, todos do Código do Procedimento Administrativo (CPA), e ainda a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), aprovada pela Lei nº 26/2016, de 22.08.

Atentemos nos pedidos de intimação formulados pela Recorrente:
1) Emitir certidão de declaração de nulidade do PIP, nos termos requeridos no requerimento de 21 de Setembro de 2020 (alínea a) do probatório);
2) Emitir certidão comprovativa da constituição da Recorrente como interessada nos procedimentos administrativos relacionados com o lote 72, nos termos peticionados no requerimento de 21 de Setembro de 2020 (alínea c) do probatório).

Atentemos no discurso fundamentador da sentença recorrida.

“ (…) Os arts. 82º a 84º, do CPA, tipificam as várias modalidades deste direito, desdobrando-o em três vertentes: o direito à prestação de informações directas - art. 82º; o direito à consulta de processos – art. 83º; e o direito à passagem de certidão, reprodução ou declaração autenticada de documentos - art. 84º do C.P.A.

Assim, por um lado, existe o direito à informação procedimental, que visa a tutela de interesses e posições jurídicas directas dos administrados, que participam num concreto procedimento, permitindo-lhes melhor conhecer e controlar a actividade da Administração e por outro lado, o direito à informação não procedimental, ou seja, o direito à informação administrativa por parte de todo e qualquer cidadão, independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo.
No caso sub judice verifica-se que a informação pretendida é de âmbito não procedimental e é requerida por quem tem legitimidade, uma vez que a Requerente se considera prejudicada no que diz respeito ao procedimento de informação prévia e outros procedimentos administrativos quanto às operações urbanísticas pretendidas para o lote 72 a que faz referência.
Quanto ao pressuposto da legitimidade passiva, o mesmo também se mostra preenchido, já que, está em causa procedimentos que correm termos na Câmara Municipal de Albufeira.
Mostra-se preenchido o pressuposto da legitimidade, tal como, se verifica o decurso do prazo legalmente estabelecido sem que a Entidade Requerida tenha satisfeito o pedido - cfr. art. 82º nº 3 do CPTA.
Resta aferir se o pedido se encontra dentro do conceito de direito à informação previsto no art. 82º do CPA.
Este normativo indica como informações a serem prestadas as seguintes:
o andamento dos procedimentos que lhes digam directamente respeito;

o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas;

o indicação do serviço onde o procedimento se encontra:

o actos e diligências praticados;

o deficiências a suprir pelos interessados;

o decisões adoptadas e quaisquer outros elementos solicitados;

Por sua vez, o art. 85º do CPA determina a aplicabilidade do mesmo a pessoas que provem ter interesse legítimo no conhecimento desses elementos.
O art. 82º atribui uma faculdade ampla, já que, é extensiva a “quaisquer outros elementos solicitados”, no entanto, há que verificar em concreto, atento o pedido, se aí se integram informações de natureza jurídica.
A este propósito já se pronunciou o TCA Sul, no seu acórdão de 15-04-2010, proc. nº 06023/10, do qual não se vê razões para discordar, e onde se decidiu que: “este meio processual não é idóneo a requerer certidão que contenha juízos de valor ou de ciência (ainda que tais juízos resultem de elementos preexistentes), ou para obter pareceres, opiniões, instruções, ou qualquer outro esclarecimento, que não constem do procedimento"; “De facto, o dever de satisfazer as pretensões dos administrados no meio processual em causa respeita, apenas, ao elementos que estejam em poder da Administração, não podendo esta ser compelida a praticar outros actos e operações materiais que não aqueles estritamente necessários ao preenchimento de tal dever, muito menos a prestar informações sobre a interpretação de normas legais e ou a responder a consultas de natureza técnico-científica.”; “O direito de acesso a documentos administrativos ao abrigo da LADA não é exercitável para a obtenção de explicações, justificações, conclusões ou juízos de valor.”

Bem como, o recente Acórdão do STA, de 18-05-2017, proc. nº 0470/17, onde se decidiu que “Este meio processual não consente que se requeira intimação à passagem de certidão que contenha juízos de valor e ou de ciência (ainda que tais juízos resultem de elementos preexistentes), ou para obter pareceres, opiniões, instruções ou qualquer outro esclarecimento que não constem do procedimento.”

Compulsados os autos, verifica-se que os pedidos de emissão de certidão e o próprio pedido de informação constante do art. 33º da p.i., incluem juízos de valor, apreciações jurídicas, opiniões técnicas e razões de ciência, pelo que, não se integram no conceito do direito à informação.

Acresce que não se aplica, tal como defendido pela Entidade Demandada o direito à informação reconhecida na LADA e no CPA, aos processos de contra-ordenação.

Termos em que tem de improceder a presente intimação.”

Haverá então que apurar se assiste à Recorrente o direito de acesso às informações / certidões por si peticionadas (cf. alíneas a) e c) do probatório).

O princípio estruturante do regime legal de acesso a documentos elaborados ou na posse da administração haverá de ser encontrado desde logo na nossa lei fundamental.

Assim, consagra o artigo 268.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), o princípio da administração aberta, erigindo como direito dos administrados o de serem informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas, bem como terem acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.

Por aqui se vê que temos constitucionalmente consagrados dois direitos de acesso à informação distintos: o direito à informação procedimental, n.º 1 do referido preceito, e o direito à informação não procedimental, n.º 2 do referido preceito.

Pressupondo naturalmente o primeiro que exista um procedimento administrativo em curso, o que não ocorre no segundo.

Nas palavras de Raquel Carvalho, “o direito à informação administrativa procedimental visa a tutela de interesses e posições subjetivas diretas, enquanto o direito de acesso a arquivos e registos administrativos está configurado como um dos instrumentos de proteção de interesses mais objetivos partilhados pela comunidade jurídica, designadamente o da transparência da ação administrativa” (O direito à informação administrativa procedimental, Porto, 1999, págs. 160 e 161).

Concretizando tais direitos e o apontado princípio da administração aberta, o artigo 17.º, n.º 1, do CPA, prevê que todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas. Já o n.º 2 prevê, quanto ao direito de acesso à informação não procedimental, que o acesso aos arquivos e registos administrativos é regulado por lei própria.

Este propósito é presentemente concretizado através da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa (LADA).

O artigo 5.º, n.º 1, da LADA, reforça o assinalado princípio da administração aberta, prevendo que todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.

As restrições ao direito de acesso encontram-se previstas no artigo 6.º da LADA, relevando aqui essencialmente o respetivo n.º 6: “[u]m terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.”

O artigo 82° do CPA sob a epígrafe “Direito dos interessados à Administração”, tem o seguinte teor: "1. Os particulares têm o direito de ser informados pelos responsáveis pela direcção do procedimento, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos em que sejam directamente interessados, bem como o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.

2. As informações a prestar abrangem a indicação do serviço onde o procedimento se encontra, os actos e diligências praticados, as deficiências a suprir pelos interessados, as decisões adoptadas e quaisquer outros elementos solicitados. (s/n).

O meio processual utilizado pela Recorrente previsto nos artigos 104.º e seguintes do CPTA, surge justamente para tutelar o direito à informação dos administrados, destinando-se “a efetivar jurisdicionalmente, quer o direito à informação sobre o andamento dos procedimentos e o conhecimento das decisões, que integra o direito à informação procedimental, quer o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, que corresponde a um direito à informação não procedimental”, concretizando, no plano processual, os direitos e garantias consagrados nos artigos da CRP e do CPA acima transcritos (cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 4.ª Edição, 2017, pág. 855).

Porém, o direito à informação procedimental não se confunde com a instrução procedimental, uma vez que tal direito visa reflectir a “realidade procedimental existente” e não a emissão de decisões, realização de diligências, etc, pelo que não pode estar em causa no presente meio processual discutir o mérito da pretensão formulada pela Requerente junto da Administração.

Segundo a Recorrente o Tribunal a quo errou ao não ter condenado o Município a emitir a indicada certidão, assim violando o artigo 62.º n.º 2 (??) – querendo certamente referir artigo 65º, nº 2 e o artigo 84.º do CPA.

Ora, ao contrário do que quer fazer crer do seu recurso, o que a Recorrente pretende é que sejam emitidas certidões não de quaisquer actos ou elementos que constem dos procedimentos administrativos relativos ao Lote 72, mas sim que através deste meio sejam proferidas pela entidade administrativas as decisões que a Recorrente entende que deveriam ter sido proferidas.

Tal como resulta quanto ao pedido de certidão do alegado acto (tácito) de declaração de nulidade do PIP (pedido de informação prévia). Sendo que embora não careça de ser declarada (cf. art. 162º do CPA), inexiste qualquer norma que preveja o deferimento tácito do pedido de declaração de nulidade.

Por outro lado, quanto à sua (não) constituição como interessada, formula em simultâneo o pedido que seja reconhecida e emitida a respectiva certidão. O que revela a inexistência de acto nesse sentido.

Aliás, foram proferidas pela Entidade Intimada decisões expressas quer sobre o pedido de declaração de nulidade, assim como da sua intervenção como contrainteressada – vide pontos D), F) e G) do probatório.

O que a Recorrente visa é pôr em causa tais decisões de modo a que a entidade administrativa emita certidões de sentido contrário às por si prolatadas.

Ora, o presente meio processual não pode ser usado para obter a “condenação” da entidade administrativa a criar ou a produzir o “acto” ou o “documento” para satisfazer qualquer pretensão do interessado que a ela lhe foi dirigida, nem é essa a finalidade visada com o pedido de certidão indicado em b, do probatório. Como foi decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12.03.2009, rec. 4867/09, e jurisprudência aí citada (a propósito do art. 61º, nº 2 do CPA/91, mas que mantém plena actualidade:

“de acordo com o disposto no artigo 61º nº 2 do CPA, o direito à informaçãopressupõe a existência de elementos préconstituídos existentes no procedimento, e não a prática de actos visando uma informação com o conteúdo de parecer, opinião, instrução ou qualquer outra forma de elucidação que é o que, no fundo, o requerente, ora recorrido, pretende.

Como se escreve no Parecer da Procuradoria Geral da República, “o direito de ser informado, inscrito no artigo 37º da C.R.P. pressupõe o acesso a elementos de informação em poder da Administração Pública (cfr. Parecer da P.G.R., de 7.11.91, in D.R., II Série, de 14.05.92.
Ou seja, e como é obvio, a Administração não está obrigada a fornecer elementos que não existam, mas tão somente os já constituídos ou materializados no processo (cfr. o Ac. STA de 6.12.96, Rec. 039418; Ac. TCA Norte de 13.08.07).”

Ou como se decidiu no Ac. TCA SUL, de 15.04.2010, rec. 6023710:

“o dever de satisfazer as pretensões dos administrados no meio processual em causa respeita, apenas, ao elementos que estejam em poder da Administração, não podendo esta ser compelida a praticar outros actos e operações materiais que não aqueles estritamente necessários ao preenchimento de tal dever, muito menos a prestar informações sobre a interpretação de normas legais e ou a responder a consultas de natureza técnico-científica.”.

Neste sentido e a propósito da distinção do processo de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões do pedido dirigido à prática de actos administrativos, cfr. Mário Aroso de Almeida, in Manual de Processo Administrativo, actualizado em conformidade com o regime do decreto-lei nº 214-G/2015, de 2.10, 2016, 2ª edição, p. 135.
Assinala, a profunda diferença que separa os dois pedido e respectivos processos judiciais, "(…) nem o pedido de informação, de acesso a documentos ou passagens de certidão é objecto da apresentação de um requerimento dirigido à prática de um acto administrativo, já que o interessado não pretende, nesse contexto, a tomada de uma decisão definitiva da sua situação jurídica, mas a obtenção de uma simples prestação que se cifra numa informação, numa certidão ou no acesso a documentos; nem a satisfação do pedido envolve o exercício de qualquer poder de autoridade, mas apenas a realização de actos internos e operações materiais, pelo que a pronúncia através da qual o órgão requerido defira ou indefira o pedido não é um acto administrativo, que exprima o exercício de um poder de decisão concreta da Administração." – cf. a propósito Raquel Carvalho, “O direito à informação procedimental”, Porto, pp. 256 segs. .

Pois que, para o que nos importa, o interessado não pode pedir mais do que aquilo que a Administração dispõe.

Se a Recorrente entende que os actos administrativos praticados pelo Município padecem de ilegalidades, deverá intentar as respectivas acções judiciais de impugnação, não sendo este o meio processual adequado e legítimo para afastar o decidido nos pontos D), E) e F) do probatório, onde foram negados à Recorrente o pedido de declaração de nulidade e de intervenção como interessada nos procedimentos de licenciamento, embargo e de contraordenação, nos termos por si invocados.

Tudo sopeado carece a Recorrente de razão no seu ataque à sentença recorrida, que se confirma, ainda que por fundamentos não integralmente coincidentes. Negando-se, assim, provimento ao presente recurso.


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III. Decisão

Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a sentença recorrida, ainda que com fundamentação não integralmente coincidente.

Custas pela Recorrente (cf. arts. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Registe e notifique.

Lisboa, 18 de Fevereiro 2021.

(A Relatora consigna e atesta, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, que as Juízes Desembargadoras Catarina Vasconcelos e Sofia David (em substituição do 2ª adjunto, Paulo Pereira Gouveia), que integram a presente formação de julgamento, têm voto de conformidade com o presente acórdão).


Ana Cristina Lameira