Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7/07.7 BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/13/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:CDT PORTUGAL/POLÓNIA
TRABALHO DEPENDENTE
PROVA
DUPLA TRIBUTAÇÃO JURÍDICA
IRS
Sumário:I - A demonstração do pagamento de imposto no estrangeiro não está sujeita a nenhum tipo de formalidade, no sentido de ter de ser feita inexoravelmente através de declaração nos termos em que a AT portuguesa entende serem os necessários.
II - Tendo sido facultados elementos, pela AT polaca, que permitem concluir que o Impugnante foi tributado na Polónia por rendimentos de trabalho dependente e tendo sido explanado e provado o motivo subjacente a discrepâncias entre o valor declarado no Anexo J e o declarado na Polónia, devem ser acionados os mecanismos com vista a eliminar / atenuar a dupla tributação.
III - A CDT Portugal/Polónia consagra mecanismos de troca de informações, a que a AT pode lançar mão, em caso de dúvida.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 03.11.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por L… (doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento tácito da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), atinente ao ano de 2001.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

A. Vem o presente Recurso contra a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” em 03/11/2021, o qual julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada nos autos à margem referenciados e, por consequência, determinou a anulação do ato de indeferimento tácito do procedimento de reclamação graciosa e de liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2005 5004475010, referente ao período de tributação de 2001, condenando a Administração Tributária no pagamento à Impugnante de juros indemnizatórios e no pagamento de uma indemnização pela prestação da garantia bancária no processo de execução fiscal n.º 3336200601003950.

B. Com a devida vénia, a douta Sentença padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto, uma vez que, encontrando-se demonstrados com base na prova documental produzida nos autos de primeira instância, deveriam ter sido considerados provados os seguintes factos:

1. Com a apresentação da declaração de rendimentos, seja junto o referido anexo J, contendo os rendimentos obtidos no estrangeiro, suscetíveis de beneficiarem das normas internas ou convencionais sobre dupla tributação internacional, é exigido documento comprovativo do montante do rendimento, da sua natureza e do pagamento do imposto, o qual deverá ser emitido (original) ou autenticado (fotocópia autenticada) pelas autoridades fiscais do respetivo estado de onde são originários os rendimentos, documento este que deverá ter os rendimentos tributados ilíquidos e os valores do imposto pago.

2. Verificaram-se divergências entre os valores da declaração de rendimentos e retenções na fonte emitida pela mesma entidade pagadora, G…, SA (7.586.000$ 137.838,81€ de rendimentos sujeitos a tributação e 1.912.170$ 19537,86€ de imposto retido), e os inscritos no anexo J (34.595,56€ de rendimentos e 11.502,83€ de imposto pago no estrangeiro), conforme se pode verificar a fls. 37 e 43 do PAT, motivo pelo qual foram solicitados esclarecimentos sobre estas divergências, na qual foram juntos documentos que já constavam nos autos.

3. Por outro lado, e segundo informação da Direção de Serviços das Relações Internacionais, a fls. 110 e 111 do PAT, a declaração emitida pelas autoridades fiscais polacas, não faz prova de que o sujeito passivo permaneceu mais do que 183 dias na Polónia.

4. Assim, porque da análise dos documentos apresentados não se consegue percecionar se o imposto supostamente pago na Polónia coincide com o declarado em Portugal, o que facilmente seria demonstrado, uma vez que, como já se disse, a entidade pagadora é uma só, e salvo prova em contrário, não é possível à Administração Fiscal aferir da legitimidade do crédito de imposto, neste sentido a prova do crédito do imposto não foi realizada, pelo motivo que os elementos não puderam ser aceites.

C. Por outro lado, e sempre com a devida vénia, no ponto 5. da fundamentação de facto, consta a divergência acima referida entre a tributação de rendimentos em Portugal e a tributação de rendimentos na Polónia, constando uma breve explicação do Impugnante no ponto 6. mas sem estar efetuada qualquer referência no Doc. 6, junto com a PI.

D. Acresce ainda salientar, que não ficou demonstrado por parte do Impugnante que os pressupostos estão inequivocamente preenchidos para beneficiar do crédito do imposto pela aplicação do mecanismo da dupla tributação, motivo pelo qual não padece de qualquer ilegalidade o imposto incorporado no ato de liquidação de IRS, ora sindicado nos presentes autos.

E. Por outro lado, tendo o aqui Impugnante auferido rendimentos no estrangeiro, e sendo residente em Portugal, os mesmos encontram-se sujeitos a tributação no território nacional em virtude do princípio da universalidade ou da tributação mundial ínsito no n.º 1 do artigo 15.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), princípio este decorrente também do n.º 2 do artigo 13.º da Lei Geral Tributária (LGT).

F. Contudo, para obviar à dupla tributação dos rendimentos, no país da origem e no país da residência, prevê o CIRS na alínea i) do n.º 1 do artigo 78.º, em conjugação com o n.º 1 do artigo 81.º do CIRS, mecanismo legal reconduzido à dedução à coleta do crédito de imposto por dupla tributação internacional, dedutível até à concorrência da parte da coleta proporcional a tais rendimentos líquidos, considerados nos termos do disposto na alínea b) do n.º 6 do artigo 22.º, crédito esse que corresponderá à menor das seguintes importâncias: imposto pago no estrangeiro ou fração da coleta de IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código.

G. Mais, de acordo com o prescrito no n.º 2 do artigo 81.º do CIRS, existindo convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efetuar não poderá ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela Convenção, mais resultando das aplicáveis no caso sub judice que pode o impugnante deduzir do imposto uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago no Estado da fonte, desde que demonstre o preenchimento dos requisitos para a aplicação da eliminação da dupla tributação.

H. Assim, resultando da legislação aplicável que a dedução à coleta admitida sempre se reconduzirá ao imposto efetivamente pago pelo Impugnante no estrangeiro em virtude dos rendimentos aí auferidos em 2001, essencial seria que o Impugnante tivesse feito prova do imposto efetivamente pago, o que não aconteceu, pois que procede que não se encontram preenchidos os pressupostos para a aplicação do mecanismo de dupla tributação, designadamente por não ter sido feita prova de que o Impugnante permaneceu 183 dias na Polónia e não ser possível percecionar se o imposto pago na Polónia coincide com o declarado em Portugal.

I. Ora, cabendo ao Estado Português, enquanto Estado da residência, eliminar a dupla tributação gerada, através da concessão de um crédito de imposto, para que tal mecanismo possa ser acionado é necessária a apresentação de documento comprovativo do montante do rendimento auferido, natureza do mesmo, e do pagamento do imposto, total e a final, o qual deverá ser emitido ou autenticado pelas autoridades fiscais do respetivo Estado de onde são originários os rendimentos, não devendo esses montantes divergir dos apresentados em Portugal.

J. O erro de julgamento de direito em que incorre a douta sentença decorre do facto de não ter ficado demonstrado por parte do Impugnante, os pressupostos para beneficiar do crédito do imposto para a aplicação do mecanismo da dupla tributação, motivo pelo qual não padece de qualquer ilegalidade o imposto incorporado no ato de liquidação de IRS, ora sindicado nos presentes autos.

K. Pretendendo o Impugnante, ora recorrido, beneficiar do crédito do imposto pago no Estado da Polónia deveria ter efetuado o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito impende sobre si, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT e do n.º 1 do art. 342.º do Código Civil.

L. E, para efeitos de prova do montante de imposto pago no estrangeiro não se configura suficiente um documento, emitido pela entidade fiscal, não atestando ou provando que o imposto foi, de facto, entregue nos cofres do Estado estrangeiro, porquanto diverge do imposto declarado em Portugal.

M. Ora, à luz da CDT celebrada entre Portugal e da Polónia, aplicável internamente por força do disposto no n.º 2 do art. 8.º da Constituição da República Portuguesa, os rendimentos de trabalho dependente obtidos por um residente em Portugal, poderão ser tributados nesse Estado sendo que no Estado de Residência será efetuada a dedução do imposto, sendo necessários elementos comprovativos e demonstrativos dessa tributação.

N. No que concerne à matéria de Direito, com a devida vénia, mal andou o Ilustre Tribunal “a quo” na interpretação das normas, dos artigos 14.º, 15.º, 16.º e 18.º, todos do Código do IRS, bem como das normas dos artigos 15.º e da alínea b) do art. 23.º, ambos da CDT celebrada entre Portugal e a Polónia.

O. Por todo o supra exposto, não se verifica, no caso concreto, a condição legal prevista no nº. 1 do artigo 43.º da LGT, para efeitos do direito a juros indemnizatórios, na medida em que não ocorreu erro imputável aos serviços, quer nos pressupostos de facto quer nos pressupostos de direito que conduziram ao ato de liquidação sindicato nos autos de primeira instância.

P. Além do mais, sobre o pagamento da indemnização pela prestação da garantia bancária no processo de execução fiscal n.º 3336200601003950, a mesma não é devida, porquanto a decisão da oposição apresentada pelo Impugnante, foi de improcedência, no processo de oposição n.º 3188/06.3BELSB.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada

JUSTIÇA!”.

O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“i. A impugnação judicial deduzida, visava a anulação do ato de indeferimento tácito de reclamação graciosa (para a qual foi convolada a declaração de substituição de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), referente ao ano de 2001) relativa à liquidação de IRS n.º 2005 5004475010, do exercício de 2001, no valor de € 16.004 ,53, e bem assim, a indicada liquidação de IRS n.º 2005 5004475010.

ii. Nos presentes autos, o RECORRIDA contesta a referida liquidação de IRS, alegando a falta de fundamentação da liquidação, a duplicação da matéria coletável e a desconsideração do crédito de imposto pago na Polónia, bem como a ilegalidade dos juros compensatórios.

iii. Tendo, também, peticionado que lhe fosse reconhecido o direito a ser ressarcido em juros indemnizatórios, em consequência do pagamento indevido da dívida exequenda, devidos desde a data em que ocorreu o pagamento até à data de emissão da respetiva nota de crédito, acrescidos de indemnização pela garantia bancária prestada indevidamente no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3336200601003950.

iv. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 3 de novembro de 2021, por a Fazenda Pública considerar que a mesma “(...) foi baseada numa errónea subsunção dos factos ao direito aplicável, padecendo de erro de julgamento da matéria de facto e da matéria de direito” (cf. artigo 1.º das alegações de recurso da Fazenda Pública).

v. As alegações de recurso apresentadas pela RECORRENTE não cumprem os ónus a cargo do RECORRENTE que impugne a decisão relativa à matéria de facto consagrados no artig o 640.º, do CPC e, que impõem a indicação, sob pena de rejeição do recurso: a) dos concretos pontos de facto incorretamente julgados; b) dos concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida e, por último, c) da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

vi. Com efeito, a RECORRENTE em nenhum momento das suas alegações de recurso – nem na motivação, nem em sede de conclusões - coloca em causa os concretos factos dados como provados pelo Tribunal a quo nos pontos 1 a 20 dos factos dados como provados (cf. “Ponto C.1. Da Fundamentação de Factos – A) dos Factos Provados” – pág. 2 a 7 da sentença recorrida), nem identifica os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, nem indica a decisão que, no seu entender, devia ter sido proferida pelo Tribunal a quo sobre as questões de facto alegadamente impugnadas na sentença recorrida, apenas vai deixando críticas quanto à interpretação/valoração efetuada pelo Tribunal relativamente a alguns documentos (cf. Acórdão TCA Sul, de 21/03/2012, Proc. n.º 1518/04.1BELSB, www.dgsi .pt ).

vii. Tendo a RECORRENTE interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul de uma decisão de mérito, o que pressupõe a discussão da matéria de facto, nos termos do artigo 280.º, n.º 1, do CPPT, o que implica, ónus específicos de alegação, em conformidade com o artigo 640.º, n.º 1, do CPC, que não foram respeitados, impõe - se a rejeição do recurso, o que se peticiona.

viii. No processo tributário português vigora o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 607. º, n.º 5 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º , alínea e) do CPPT , segundo o qual o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, motivo pelo qual ao tribunal de recurso apenas é permitida a modificação da matéria de facto fixada no tribunal a quo se ocorrer erro manifesto ou grosseiro na sua apreciação , ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente ( cf. Acórdão do TCA Sul, processo n.º 01220/06, 12 de junho de 2014, disponível em www.dgsi.pt ).

ix. O erro de julgamento da matéria de facto, apenas ocorre quanto à fixação da factualidade assente, nas situações em que o Tribunal a quo não tenha adotado um raciocínio crítico, coerente e lógico na apreciação das provas produzidas , o que, conforme ficará demonstrado adiante não se verifica no caso em apreço.

x. Relativamente à matéria de facto, a RECORRENTE considera que a sentença recorrida padece de erro de julgamento por considerar que com base na prova documental produzida nos autos de primeira instância, a matéria de facto deveria ser ampliada, através do aditamento dos factos que indica nas suas alegações de recurso e que adiante analisamos.

xi. Na ampliação da matéria de facto deve-se ponderar a aplicação do disposto no artigo 662.º do CPC, respeitante à modificabilidade pelo Tribunal ad quem da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto.

xii. Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento jurisprudencial de que o tribunal de recurso só deve alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excecionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão (cf. Acórdão do TCAN proferido em 07/03/201 3, no processo n.º 00906/05.0BEPRT disponível in www.dgsi.pt ) e de que a ampliação da matéria de facto só é de admitir se houver sérios motivos para se concluir pela necessidade da sua ampliação, isto é, quando os factos em causa são verdadeiramente relevantes para a solução jurídica do litígio, o que não sucede no caso dos factos a provar em nada alterarem a concreta solução jurídica do litígio como sucede no caso em apreço (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo n.º 3499/11.6TJVNF.G1.S2, de 18 de outubro de 2018).

xiii. A Fazenda Pública pretende que na factualidade assente passe a constar que “1. Com a apresentação da declaração de rendimentos, seja junto o referido anexo J, contendo os rendimentos obtidos no estrangeiro, suscetíveis de beneficiarem das normas internas ou convencionais sobre dupla tributação internacional, é exigido documento comprovativo do montante do rendimento, da sua natureza e do pagamento do imposto, o qual deverá ser emitido (original) ou autenticado (fotocópia autenticada) pelas autoridades fiscais do respetivo estado de onde são originários os rendimentos, documento este que deverá ter os rendimentos tributados ilíquidos e os valores do imposto pago ” (cf. Ponto 1 - pág. 7 das alegações de recurso da Fazenda Pública), quando desta afirmação não resulta qualquer facto e sem que nas suas alegações de recurso identifique os concretos meios probatórios de que decorre o facto que pretende aditar ao probatório da sentença, o que justifica, desde logo, que o mesmo não seja incluído na factualidade dada como assente.

xiv. Acresce que resulta do facto probatório n.º 8 da sentença recorrida que “[o] documento comprovativo dos rendimentos obtidos e do imposto pago pelo Impugnante, no ano de 2001, foi emitido pela Administração Tributária Polaca traduzido para português e certificado pela Embaixada de Portugal em Varsóvia (cfr. prova documental Doc. 6 junto com a petição inicial)”, pelo que não faz sentido que seja aditado ao probatório da sentença recorrida o ponto 1 nos termos em que é requerido pela Recorrida, na medida em que esse aditamento seria inútil e insuscetível de alterar o sentido da decisão proferida pelo Tribunal a quo referente à anulação da liquidação de IRS, com fundamento na verificação dos pressupostos legais de que depende o reconhecimento do direito do RECORRIDO em beneficiar do crédito de imposto pago na Polónia de modo a evitar a dupla tributação.

xv. A Fazenda Pública refere, também, que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado o facto de se verificarem “(...) divergências entre os valores da declaração de rendimentos e retenções na fonte emitida pela mesma entidade pagadora, G…, S.A. (7.586. 00$ 37.838,81€ de rendimentos sujeitos a tributação e 1.912.170$ 19537,86€ de imposto retido), e os inscritos no anexo J (34.595,56€ de rendimentos e 11.502,83€ de imposto pago no estrangeiro) (...)” (cf. Ponto 2 - pág. 7 das alegações de recurso da Fazenda Pública).

xvi. Dos factos n.ºs 2 e 5 do probatório da sentença recorrida resulta provado a existência da divergência entre os valores constantes da declaração emitida sociedade G…, S.A. e os valores inscritos no anexo J da declaração periódica dos rendimentos de substituição do ano de 2001, pelo que é inútil o aditamento requerido pela Fazenda Pública.

xvii. Pretende, ainda, a Fazenda Pública que seja considerado como provado que “3. Por outro lado, e segundo a informação da Direção de Serviços das Relações Internacionais, a fls. 110 e 111 do PAT, a declaração emitida pelas autoridades fiscais polacas, não faz prova de que o sujeito passivo permaneceu mais do que 183 dias na Polónia” (cf. Ponto 3 - pág. 7 das alegações de recurso da Fazenda Pública).

xviii. A introdução deste novo facto não mudaria em nada o sentido da decisão recorrida, na medida em que a prova da residência fiscal na Polónia e da permanência do Recorrido em território polaco por mais de 183 dias no ano de 2001, não resulta da análise isolada da declaração emitida pelas autoridades fiscais polacas, nem da posição que a Direção de Serviços das Relações Internacionais emite sobre a referida declaração.

xix. Com efeito, a prova da residência fiscal do Recorrido na Polónia e de que aí permaneceu mais de 183 dias resulta da análise conjugada dos vários documentos junto aos autos, designadamente das declarações periódicas de rendimentos apresentadas pelo R ECORRIDO nos dois países (cf. pág. 23 da sentença recorrida).

xx. Face ao exposto, não deverá ser promovido o aditamento deste Ponto 3 ao probatório da sentença recorrida.

xxi. A Fazenda Pública peticiona, ainda, que se considere como provado que “4. Assim, porque da análise dos documentos apresentados não se consegue percecionar se o imposto supostamente pago na Polónia coincide com o declarado em Portugal, o que facilmente seria demonstrado, uma vez que, como já se disse, a entidade pagadora é uma só, e salvo prova em contrário, não é possível à Administração Fiscal aferir da legitimidade do crédito de imposto, neste sentido a prova do crédito do imposto não foi realizada, pelo motivo que os elementos não puderam ser aceites.” (cf. pág. 7 das alegações de recurso da Fazenda Pública), quando desta exposição conclusiva não resulta qualquer facto e sem que nas suas alegações de recurso identifique os concretos meios probatórios constantes dos autos e dos quais decorre a afirmação que pretende aditar, o que desde logo, justifica que a mesma não seja introduzida no probatório da sentença recorrida.

xxii. Para além disso, não se consegue vislumbrar em que medida é que a introdução desta consideração alteraria o sentido da decisão proferida, uma vez que na sentença recorrida ficou provado que “[a] diferença entre o valor inscrito no Anexo J da declaração de substituição (€ 34.595,56, que corresponde a PLN 125.585,37) e o valor indicado na declaração de rendimentos entregue como residente na Polónia (€ 50.663,65, que corresponde a PLN 183.914,18), deve-se à não inclusão neste anexo do montante de ajudas de custo pagas pela entidade patronal portuguesa e que não são sujeitas a tributação por se encontrarem dentro do limite legal de exclusão de tributação em Portugal” (cf. Facto n.º 7 do probatório da sentença recorrida) e o Tribunal a quo considera que as referidas divergências não são impeditivas da utilização do mecanismo da eliminação da dupla tributação previsto na CDT celebrada entre Portugal e Polónia.

xxiii. Nas suas alegações de recurso a Fazenda Pública refere, ainda, que “o ponto 5. Da fundamentação de facto, consta a divergência acima referida, entre a tributação de rendimentos em Portugal e a tributação de rendimentos na Polónia, constando uma breve explicação do Impugnante no ponto 6. Mas sem estar efetuada qualquer referência no Doc. 6, junto com a PI” (cf. artigo 5.º das alegações de recurso da Fazenda Pública).

xxiv. Embora não se perceba o alcance desta afirmação, importa esclarecer que no ponto 5 do probatório da sentença apenas está a ser feita referência à declaração periódica de rendimentos Modelo 3 de IRS de substituição apresentada pelo Recorrido em 25.07.2002, referente ao ano de 2001 e que no ponto 6 é dado como provado que o RECORRIDO paralelamente à apresentação d a referida declaração de substituição apresentou à Autoridade Tributária uma exposição em que explicita a sua situação tributária no ano de 2001, indicado detalhadamente a razão da inscrição dos rendimentos na sua declaração de substituição. Esta exposição encontra - se junta aos autos a fls. 210 e seguintes do SITAF, razão pela qual o Tribunal a quo faz referência a estas fls. do SITAF na sua decisão (cf. pág. 5 da sentença recorrida).

xxv. Todos os factos dados como assentes na sentença recorrida estão devidamente fundamentados pelo Tribunal a quo, na medida em que identifica todos os elementos/documentos de onde decorrem esses factos e, por isso, a sentença recorrida não merece qualquer censura.

xxvi. Ainda que o Tribunal a quo tivesse considerado como provados os factos indicados pela Fazenda Pública nas suas alegações de recurso, a subsunção dos factos às normas de direito aplicáveis ao caso sub judice não sofreria qualquer alteração na medida em que não impedem a demonstração do preenchimento dos requisitos de aplicação do crédito de imposto pago na Polónia, pelo que, em virtude da sua manifesta não relevância para a decisão a proferir nos autos, é de rejeitar a peticionada ampliação da matéria de facto .

xxvii. Face ao exposto, deverá concluir-se que a sentença recorrida não padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto e rejeitar-se a ampliação da matéria de facto, devendo, em consequência ser julgado improcedente o recurso da Fazenda Pública.

xxviii. O erro de julgamento de direito ocorre quando o Tribunal a quo faz uma errada subsunção dos factos às normas, ou interpreta erradamente as normas jurídicas aplicáveis. Desde já podemos adiantar que no caso concreto não se verifica tal erro.

xxix. No caso em apreço , está em causa a anulação das liquidações impugnadas com fundamento na duplicação da matéria coletável em virtude de a Administração Tributária não aplicar as orientações de preenchimento das Declarações de IRS em vigor à data dos factos, aprovada pela Portaria n.º 415/2002, de 19 de abril de 2002 e ao proceder à análise da declaração de IRS, por manifesto erro, soma o rendimento indicado na Modelo 3 – rendimento trabalho dependente (categoria A) e no Anexo J, gerando uma situação de excesso de rendimento tributável e com fundamento desconsideração do Crédito de Imposto, por se considerar que a Administração Tributária ignorou e desconsiderou o crédito do imposto pago na Polónia, apesar de ter na sua posse documento emitido pela Administração Tributária polaca, traduzido e certificado pela Embaixada de Portugal na Polónia a comprovar o pagamento do imposto n a Polónia em 2001, violando o disposto no artigo 81.º, n.º 1 do Código do IRS, e no artigo 23.º da CDT Portugal/Polónia, gerando dupla tributação.

xxx. Das alegações de recurso apresentadas pela Fazenda Pública decorre que o erro de julgamento quanto à matéria de direito, por si, imputado à sentença recorrida apenas se verifica quanto à questão da desconsideração do crédito de imposto, nada sendo referido relativamente à questão da duplicação da matéria coletável.

xxxi. São as conclusões apresentadas pela Recorrente que permitem determinar, com precisão, o objeto do recurso não se afigurando possível ao Tribunal de recurso conhecer de qualquer questão que aí não se encontre plasmada, ainda que versada na mesma peça processual (cf. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT e Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 23.11.2017, proferido no processo n.º 0958/2017 e, de 19.05.2016, proferido no processo n.º 0203/16).

xxxii. No caso concreto, não sendo feita qualquer referência à questão da duplicação da matéria coletável nas conclusões das suas alegações de recurso, o presente recurso na parte referente à matéria de direito está limitado à apreciação da questão referente à desconsideração do crédito de imposto pago pelo Recorrido na Polónia.

xxxiii. Em sede de recurso a Fazenda Pública sustenta que o RECORRIDO para beneficiar do crédito de imposto pago na Polónia deveria ter prestado elementos que permitissem retirar essa conclusão e que é sobre este que recai o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito, nos termos do artigo 74.º da LGT e do n.º 1 d o artigo 342.º do Código Civil.

xxxiv. No caso concreto o RECORRIDO cumpriu o ónus da prova que sobre si impendia, através da junção aos autos de diversos elementos que permitem chegar à conclusão de que se encontram verificados os pressupostos legais de que depende a aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação previsto na CDT Portugal/Polónia.

xxxv. A RECORRENTE sustenta, ainda, o seu recurso no entendimento de que “(...) mal andou o Ilustre Tribunal “a quo” na interpretação das normas dos artigos 15.º e 4.º , ambos da CDT, bem como do artigo 15.º, 16.º e 81.º do Código do IRS” (cf. artigo 10.º das alegações de recurso da Fazenda Pública) e que “(...) não se encontram preenchidos os pressupostos para a aplicação do mecanismo de dupla tributação, designadamente por não ter sido feita prova de que o Impugnante permaneceu 183 dias na Polónia e não ser possível percecionar se o imposto pago na Polónia coincide com o declarado em Portugal” (cf. artigo 15.º das alegações de recurso da Fazenda Pública

xxxvi. No que respeita à circunstância de alegadamente não ser possível percecionar se o imposto pago na Polónia coincide com o declarado em Portugal , é de salientar que o RECORRIDO disponibilizou à Administração Tributária portuguesa inúmera documentação comprovativa do rendimento tributado na Polónia e do imposto pago naquele país, designadamente a sua declaração de rendimentos entregue na Polónia, bem como uma certidão emitida pelas autoridades fiscais polacas, cuja tradução foi acreditada pela Embaixada de Portugal em Varsóvia, que certifica a receita, os custos, o lucro e o montante do imposto auferido e pago pelo RECORRENTE na Polónia e que este reside em Poznán.

xxxvii. Na sequência da apresentação da sua declaração de substituição em 25.07.2002, o RECORRIDO apresentou uma exposição, na qual esclarece a sua situação tributária no ano de 2001 e explica detalhadamente quais os rendimentos de trabalho dependente auferidos em Portugal e na Polónia, indicando, também, o motivo para a diferença entre o valor dos rendimentos declarados na declaração Modelo 3 – rendimentos de trabalho dependente e o valor declarado no Anexo J – rendimentos obtidos no estrangeiro (cf. facto n.º 6 do probatório da sentença recorrida).

xxxviii. Os valores de rendimento de trabalho dependente e imposto inscritos no Quadro 12 – campo 201 e 203 da declaração Modelo 3 (rendimentos trabalho dependente) correspondem aos valores pagos, em 2001, pela sociedade G… S.A., ao RECORRIDO, sendo o montante de € 37.838,81 referente aos rendimentos da categoria A sujeitos a tributação e o montante de € 9.537,86 de imposto retido na fonte

xxxix. A diferença de rendimento declarada na Declaração Modelo 3: € 37.838,81 (categoria A) e no Anexo J: € 34.595,56, resulta do facto de o RECORRIDO só ter sido tributado por trabalho prestado na Polónia sobre o valor de € 34.595,56 pago pela entidade patronal portuguesa, o que não inclui o rendimento auferido nos primeiros dias de janeiro (o destacamento ocorreu a 8 de janeiro), nem o valor referente ao subsídio de Natal desse ano, recebido após o seu regresso a Portugal.

xl. Já a diferença entre o valor inscrito no Anexo J à declaração (€ 34.595,56 que corresponde a PLN 125.585,37) e o valor indicado na declaração de rendimentos entregue na Polónia (€ 50.663,65 que corresponde a PLN 183.914,18), deve-se à não inclusão neste anexo do montante de ajudas de custo pagas pela entidade patronal portuguesa e que não são sujeitas a tributação em Portugal por se encontrarem dentro do limite legal de exclusão (cf. facto n.º 7 do probatório da sentença recorrida).

xli. Quanto à diferença dos valores de imposto importa referir que o valor inscrito no Quadro 12 – campo 203 (categoria A) da Modelo 3 respeita ao imposto retido na fonte, e o valor inscrito no Anexo J respeita ao imposto pago na Polónia, pelo que nunca poderiam ser valores iguais, embora incidam sobre o mesmo rendimento (rendimento pago pela entidade portuguesa).

xlii. Com base no acima referido, entende o RECORRIDO que os montantes de rendimento e imposto inscritos n a declaração se encontram devidamente justificados e foram corretamente escrutinados pelo Tribunal a quo.

xliii. Relativamente à prova de que o RECORRIDO permaneceu mais do que 183 dias na Polónia, saliente-se que a mesma resulta da análise crítica dos documentos juntos aos autos.

xliv. Com efeito, decorre da sentença recorrida que “A prova de que residiu na Polónia resulta das declarações de resulta das declarações de rendimento apresentadas, do montante globalmente auferido e imposto retido e do montante auferido na Polónia e o imposto aí pago, resultando claramente que os rendimentos auferidos na Polónia representam mais de 183 dias” (cf. pág. 23 da sentença recorrida).

xlv. Entre Portugal e a Polónia existe uma Convenção para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital (doravante CDT Portugal/Polónia).

xlvi. A Administração Fiscal portuguesa não coloca em causa o facto de o RECORRIDO ser considerado, nos termos do artigo 4.º da Convenção, residente em território português.

xlvii. Sendo considerado residente em Portugal a base de incidência de IRS é a totalidade dos seus rendimentos incluindo os auferidos fora do território português (cf. artigo 15.º, n.º 1 do Código do IRS).

xlviii. Na CDT Portugal/Polónia as regras relativas à distribuição de competência tributária entre os Estados quanto aos rendimentos de profissões dependentes, estão previstas no seu artigo 15.º, sendo nos termos do n.º 1 deste preceito atribuída competência tributária cumulativa ao Estado de Residência (Portugal) e ao Estado Fonte (Polónia), para tributarem os rendimentos auferidos pelo IMPUGNANTE pelo trabalho prestado em território polaco.

xlix. Enquanto Estado de Residência, Portugal apenas teria competência tributária exclusiva para tributar os rendimentos auferidos pelo RECORRIDO pelo trabalho prestado na Polónia, se se verificassem cumulativamente as condições cumulativas previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 15.º da CDT celebrada entre Portugal e a Polónia, designadamente que o RECORRIDO permaneceu em território polaco por um período inferior a 183 dias, o que conforme demonstrado supra não se verifica no caso em apreço.

l. Verificando-se, no caso concreto, uma situação de competência tributária cumulativa em Portugal e na Polónia, impera que seja eliminada a dupla tributação internacional.

li. Na CDT Portugal/ Polónia, o método para a eliminação da dupla tributação consta do artigo 23. º, alínea b), do qual resulta que “Portugal deduzirá do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago na Polónia. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados na Polónia”.

lii. Tendo ficado provado que os rendimentos de trabalho dependente foram obtidos no estrangeiro, in casu na Polónia, onde o imposto foi pago, tem, necessariamente, de relevar o crédito de imposto por dupla tributação internacional, nos termos do disposto no artigo 23.º da CDT Portugal/Polónia, a que se encontra vinculado o Estado Português nos termos do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 81.º do Código do IRS, pelo que não tendo sido esse o entendimento da Administração Tributária, a liquidação impugnada padece, efetivamente, de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

liii. Face ao exposto, a sentença que reconheceu ao RECORRIDO o direito de beneficiar do crédito de imposto pago na Polónia, nos termos da CDT celebrada entre Portugal e a Polónia e nos termos do artigo 81.º do Código do IRS, e em consequência determinou a anulação da liquidação contestada não merece qualquer censura.

liv. Pelo que, atento o supra exposto deverá o ato de liquidação impugnado ser anulado e, manter - se a sentença recorrida, também, na parte em que nos termos dos artigos 43.º e 53.º da LGT reconhecer ao RECORRIDO o direito ao pagamento de juros indemnizatórios e à indemnização devida pelos encargos suportados com a prestação da garantia bancária, no âmbito do processo de execução fiscal instaurado para a cobrança coerciva da liquidação contestada.

lv. Em suma, em face dos motivos supra invocados, o recurso da Recorrente não merece qualquer provimento, devendo em consequência a sentença recorrida, ser mantida, com todas as consequências daí advenientes.

Nestes termos e nos mais de direito, que vossas excelências suprirão deverá o recurso a que se responde improceder na sua totalidade e, em consequência, ser a sentença proferida pelo tribunal a quo mantida na ordem jurídica”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

b) Verifica-se erro de julgamento, porquanto não ficaram cabalmente demonstrados os pressupostos para o Impugnante beneficiar do crédito do imposto pela aplicação do mecanismo da dupla tributação, sendo que, atento o princípio da tributação pelo rendimento global, há sujeição a tributação em território nacional?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. No ano de 2001, o Impugnante foi considerado residente fiscal na Polónia e, simultaneamente, residente fiscal em Portugal, tendo, em ambos os países, apresentado a respetiva declaração periódica de rendimentos, enquanto residente (cfr. prova documental Doc. 2, Doc. 4 e Doc. 6 da petição inicial).

2. Durante o ano de 2001, o Impugnante teve como única entidade empregadora a sociedade G… S.A., que no documento comprovativo entregue ao Impugnante com as importâncias que lhe foram colocadas à disposição nesse ano, reportou um rendimento de trabalho dependente (categoria A) sujeito a tributação no montante de 7.586.000$/€ 37.838,81 e de imposto retido na fonte de 1.912.170$/ € 9.537,86 (cfr. prova documental Doc. 5 da petição inicial).

3. Em 11 de Abril de 2002, o ora Impugnante apresentou em Portugal a sua declaração periódica de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2001, em que:

i) inscreveu como rendimento bruto da categoria A (trabalho dependente) no quadro 12/campo 201 - o montante de € 37.838,81;

ii) apresentou o anexo E (rendimentos de capitais), em que inscreveu o montante de € 31,50, referente a rendimentos de ações no quadro 5/campo 30;

iii) apresentou o anexo H (benefícios fiscais), em que inscreveu o montante de € 2.195,00, no quadro 7 (cfr.prova documental D oc. 2 da petição inicial e acordo ).

4. Da declaração periódica de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2001, apresentada em 11.04.2002, resultou a liquidação de IRS n.º 56035275100, de 10.09.2002, no valor de € 953,93 de reembolso (cfr. prova documental Doc. 3 da petição inicial e artigo 4.º da Informação dos Serviços junta pela Fazenda Pública, constante a fls. 112 do SITAF).

5. No dia 25 de Julho de 2002, o Impugnante apresentou uma declaração periódica de rendimentos Modelo 3 de IRS de substituição, relativa ao ano de 2011, em que:

i) inscreveu como rendimento bruto da categoria A (trabalho dependente) no quadro 12/campo 201 - o montante de € 37.838,81 (igual à primeira declaração);

ii) apresentou o anexo E (rendimentos de capitais), em que inscreveu o montante de € 31,50, referente a rendimentos de a c ções no quadro 5/campo 30 (igual à primeira declaração);

iii) apresentou o anexo H (benefícios fiscais), em que inscreveu o montante de € 2.195,00, no quadro 7 (igual à primeira declaração);

iv) apresentou o anexo J (rendimentos obtidos no estrangeiro), tendo inscrito no quadro 4 – campo 04 como rendimento de trabalho dependente o montante de € 34.595,56 e como imposto pago no estrangeiro – Polónia (país/código 6 16) – o montante de € 11.502.83 (cfr. prova documental Doc. 4 da petição inicial e acordo).

6. Paralelamente, o Impugnante apresentou, uma exposição, à Entidade Demandada explicitando a sua situação tributária no ano de 2001, bem como, a razão da inscrição dos rendimentos na sua declaração de substituição, com o seguinte teor:

“Eu, L…, contribuinte n.º …………, e trabalhador dependente da empresa G…, S.A. (empresa do grupo J…), durante o ano de 2001, estive deslocado noutra empresa do mesmo grupo, a J… D… Sp. Zo.o, sediada na Polónia.

Apesar de estar deslocado na Polónia, durante o ano de 2001, continuei a ser remunerado pela referida empresa G… , recebendo excepcionalmente ajudas de custo sobre as quais não foram efectuadas quaisquer retenções na fonte em Portugal, por se encontrarem dentro dos limites de não sujeição de IRS.

Tendo estado a trabalhar na Polónia entre 8 de Janeiro e 21 de Dezembro de 2001, o que perfez mais do que 183 dias, tive que proceder ao pagamento de imposto polaco sobre as remunerações que auferi em Portugal bem como sobre as ajudas de custo (junto declaração das autoridades fiscais polacas), uma vez que a legislação polaca é diferente da portuguesa.

Saliento, ainda que, para efeitos de imposto polaco não fui tributado na remuneração relativa aos primeiros dias de Janeiro de 2001, nem relativamente ao subsídio de Natal, ou seja do total de remuneração auferida de Euros 37.83 8,81 só foi tributado na Polónia em Euros 34.595,56.

Face a esta situação para efeitos do cálculo do crédito de imposto, desconsiderei o imposto polaco pago sobre as ajudas de custo, uma vez que conforme exposto, estas não são tributadas em Portugal.

Junto discriminação dos cálculos efectuados no quadro como segue:

Valores em PLN Valores em Euros

Rendimentos sujeitos na Polónia e em Portugal 125.585,37 34.595,56

Rendimentos sujeitos na Polónia (Ajudas de Custo) 58.328,81 16.068,10

Total de rendimentos sujeitos na Polónia 183.914,18 50.663,65

Imposto relativo aos rendimentos sujeitos quer na Polónia quer em Portugal

41.756,44 11.502,83

Imposto relativo aos rendimentos sujeitos só na Polónia 19.394,00 5.342,55

Total do imposto pago na Polónia 61.150,40 1 6.845,38

Taxa de Câmbio utilizada: taxa de câmbio médio, EUR/PLN – 0,2755

Desta forma considerei no Anexo J no campo 04 do Q4 os montantes de Euros 34.595,56 e de Euros 11.502,83, que correspondem respectivamente, ao montante do rendimento e imposto pago n o estrangeiro.

Pelas razões acima apresentadas, no Q5 na linha 21, do Anexo J, preenchi somente o código do país e valor de imposto pago na Polónia” (cfr prova documental documente constante a fls. 210 e seguintes do SITAF).

7. A diferença entre o valor inscrito no Anexo J da declaração de substituição (€ 34.595,56, que corresponde a PLN 125.585,37) e o valor indicado na declaração de rendimentos entregue como residente na Polónia (€ 50.663,65, que corresponde a PLN 183.914,18) deve-se à não inclusão neste anexo do montante de ajudas de custo pagas pela entidade patronal portuguesa e que não são sujeitas a tributação por se encontrarem dentro do limite legal de exclusão de tributação em Portugal (cfr. prova documental Doc. 4 e 6 juntos com a petição inicial).

8. O documento comprovativo dos rendimentos obtidos e do imposto pago na Polónia pelo Impugnante, no ano de 2001, foi emitido pela Administração Tributária Polaca traduzido para português e certificado pela Embaixada de Portugal em Varsóvia (cfr. prova documental Doc. 6 junto com a petição inicial).

9. Na sequência da apresentação da declaração de substituição, o Impugnante foi notificado da liquidação de IRS n.º 57139524370, de 04.11.2002, na qual foi apurado um valor total de reembolso de € 8.378,40, em virtude de ter sido concedido o crédito pelo imposto pago na Polónia (cfr. prova documental Doc. 8 da petição inicial).

10. O montante de € 8.378,4 0, foi reembolsado ao Impugnante através do cheque do tesouro n.º 25287 36026, datado de 07.11.2002 (cfr. prova documental Doc. 9 da petição inicial).

11. No dia 27 de Dezembro de 2005, o Impugnante foi notificado dos seguintes documentos:

i) Demonstração de liquidação de juros compensatórios, na qual foi apurado um montante de juros compensatórios devidos de € 3.447,8 8 (cfr. prova documental Doc. 10 da petição inicial);

ii) Liquidação de IRS n.º 2005 5004475010, de 13.12.2005, na qual foi apurado o montante a pagar de € 16.004,53 (cfr. prova documental Doc. 11 da petição inicial);

iii) Demonstração de acerto de contas n.º 200500001283682, de 16.12.2005, na qual foi apurado um saldo a pagar de € 25.336,86, resultante da soma dos valores reembolsados ao Impugnante (€9.332,33), acrescido do montante da liquidação de IRS supra referida (€ 16.004,53) (cfr. prova documental Doc. 12 da petição inicial);

12. Em 31.01.2006, o Impugnante ao abrigo dos artigos 77.º da LGT e 36.º e 37.º do CPPT, requereu a fundamentação das liquidações notificadas em 27.12.2005 (cfr. prova documental Doc. 13 da petição inicial).

13. No dia 23.03.2006, o Impugnante foi citado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3336200601003950, instaurado para a cobrança da quantia exequenda de € 25.336,86, referente ao IRS de 2001 e, resultante da liquidação de IRS impugnada (cfr. prova documental Doc. 14 da petição inicial).

14. Em 21.04.2006, o Impugnante requereu a dispensa de prestação de garantia bancária (cfr. prova documental Doc. 16 da petição inicial).

15. Em 02.06.2006, o Impugnante foi notificado do despacho de 22.05.2006, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - 14, no âmbito do referido processo de execução fiscal com o seguinte teor:

“Face à instauração do processo de reclamação graciosa n.º 3336200694000323, ainda pendente de decisão, notifique-se o contribuinte para prestar garantia bancária no montante de € 30.576,69” (cfr. prova documental Doc. 17 da petição inicial).

16. Em 16.06.2006, o Banco BPI SA, concedeu, em nome e a pedido do Impugnante, a Garantia Bancária n.º ........, no valor máximo de € 30.573,69, com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º 3336200601003950 (cfr. prova documental Doc. 18 da petição inicial).

17. A 29 de Dezembro de 2006, discordando da Liquidação de IRS n.º 20055004475010 e, uma vez que a entrega da declaração de substituição havia sido convolada em reclamação graciosa, presumindo o indeferimento tácito desta, o Impugnante deduziu impugnação judicial contra a mencionada liquidação (cfr. prova documental Doc. 1 e artigo 11.º da Informação dos Serviços junta pela Fazenda Pública, constante a fls. 1 12 do SITAF).

18. Em Dezembro de 2016, o Impugnante aderiu ao Plano Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 67/2016, de 3 de Novembro, tendo promovido o pagamento do imposto em dívida, no montante de € 20.761,67 (cf.r. prova documental Doc. 1 do requerimento apresentado em 16.01.2017 pelo Impugnante , constante a fls. 266 do SITAF).

19. Na sequência do referido pagamento, o Impugnante requereu junto do Serviço de Finanças de Lisboa - 6, o levantamento da Garantia Bancária prestada no Processo de Execução Fiscal n.º 3336200601003950, bem como a extinção do referido processo executivo (cfr. prova documental Doc. 2 do requerimento apresenta do em 16.01.2017 pelo Impugnante, constante a fls. 266 do S ITAF).

20. Com a prestação da Garantia Bancária n.º ........, o Impugnante suportou encargos no montante total de € 11.940,58 (€ 6.567,52 + € 5.373,06) - (cfr. prova documental Doc. 1 do requerimento apresentado pelo Impugnante em 15.07.2021, constante a fls 308 do SITAF)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não se detecta a alegação de factos essenciais relevantes para a decisão da causa que devam ser considerados como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Para convicção do Tribunal, na delimitação da matéria de facto supra provada, foi decisivo o conjunto da prova produzida, analisada individualmente e no seu conjunto.

Designadamente nos documentos não impugnados juntos aos autos, referidos nos “factos provados”, com remissão para as folhas do processo onde se encontram, bem como à posição das partes sobre a matéria alegada”.

II.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Entende, desde logo, a Recorrente, não pondo em causa o que consta da decisão proferida sobre a matéria de facto, que, no entanto, a mesma deveria ser alterada, por aditamento do seguinte:

“1. Com a apresentação da declaração de rendimentos, seja junto o referido anexo J, contendo os rendimentos obtidos no estrangeiro, suscetíveis de beneficiarem das normas internas ou convencionais sobre dupla tributação internacional, é exigido documento comprovativo do montante do rendimento, da sua natureza e do pagamento do imposto, o qual deverá ser emitido (original) ou autenticado (fotocópia autenticada) pelas autoridades fiscais do respetivo estado de onde são originários os rendimentos, documento este que deverá ter os rendimentos tributados ilíquidos e os valores do imposto pago.

2. Verificaram-se divergências entre os valores da declaração de rendimentos e retenções na fonte emitida pela mesma entidade pagadora, G…, SA (7.586.000$ 137.838,81€ de rendimentos sujeitos a tributação e 1.912.170$ 19537,86€ de imposto retido), e os inscritos no anexo J (34.595,56€ de rendimentos e 11.502,83€ de imposto pago no estrangeiro), conforme se pode verificar a fls. 37 e 43 do PAT, motivo pelo qual foram solicitados esclarecimentos sobre estas divergências, na qual foram juntos documentos que já constavam nos autos.

3. Por outro lado, e segundo informação da Direção de Serviços das Relações Internacionais, a fls. 110 e 111 do PAT, a declaração emitida pelas autoridades fiscais polacas, não faz prova de que o sujeito passivo permaneceu mais do que 183 dias na Polónia.

4. Assim, porque da análise dos documentos apresentados não se consegue percecionar se o imposto supostamente pago na Polónia coincide com o declarado em Portugal, o que facilmente seria demonstrado, uma vez que, como já se disse, a entidade pagadora é uma só, e salvo prova em contrário, não é possível à Administração Fiscal aferir da legitimidade do crédito de imposto, neste sentido a prova do crédito do imposto não foi realizada, pelo motivo que os elementos não puderam ser aceites”.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (1).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados (2).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, apreciemos caso a caso o alegado.

Quanto aos designados factos 1 e 4, não se trata de factos, mas de conclusões.

No primeiro caso, trata-se de uma explanação das regras declarativas que a FP considera aplicáveis.

No segundo caso, trata-se de uma conclusão em torno da posição da administração.

Aliás, relativamente a estas propostas de aditamento, nem foram sequer indicados meios de prova que sustentem o requerido – o que bem se compreende, dado não se tratar de factos, como referimos.

Como tal, rejeita-se o recurso nesta parte.

No tocante ao designado facto 2, o mesmo é sugerido com a seguinte formulação:

2. Verificaram-se divergências entre os valores da declaração de rendimentos e retenções na fonte emitida pela mesma entidade pagadora, G…, SA (7.586.000$ 137.838,81€ de rendimentos sujeitos a tributação e 1.912.170$ 19537,86€ de imposto retido), e os inscritos no anexo J (34.595,56€ de rendimentos e 11.502,83€ de imposto pago no estrangeiro), conforme se pode verificar a fls. 37 e 43 do PAT, motivo pelo qual foram solicitados esclarecimentos sobre estas divergências, na qual foram juntos documentos que já constavam nos autos”.

Neste caso, consideramos que as exigências do art.º 640.º do CPC estão minimamente respeitadas, ainda que apenas em parte. Ainda assim, a formulação proposta apresenta-se conclusiva, pelo que analisaremos o proposto discernindo a matéria factual do demais.

Assim, de factual extrai-se:

a) O teor dos valores da declaração de rendimentos e retenções na fonte emitida pela mesma entidade pagadora, G…, SA (7.586.000$ 137.838,81€ de rendimentos sujeitos a tributação e 1.912.170$ 19537,86€ de imposto retido);

b) O teor dos valores inscritos no Anexo J;

c) A realização de um pedido de esclarecimentos;

d) Os termos em que tal pedido de esclarecimentos foi respondido.

No tocante à declaração elaborada pela G…, o seu teor consta já do facto 2. Quanto ao teor dos valores inscritos no Anexo J, os mesmos constam do facto 5.iv). Logo, por já constarem da decisão proferida sobre a matéria de facto, indefere-se o requerido.

Quanto ao demais, a Recorrente não indica os meios probatórios em que sustenta a sua posição, pelo que neste concreto segmento rejeita-se o recurso.

No tocante ao facto proposto 3., o mesmo carece de relevância, porquanto, independentemente do entendimento que os serviços da administração tributária (AT) tenham sobre a suficiência dos meios de prova apresentados, é ao Tribunal que cabe decidir sobre tal. Logo, indefere-se o requerido.

É ainda de referir que, na sua conclusão C., a FP refere que “no ponto 5. da fundamentação de facto, consta a divergência acima referida entre a tributação de rendimentos em Portugal e a tributação de rendimentos na Polónia, constando uma breve explicação do Impugnante no ponto 6. mas sem estar efetuada qualquer referência no Doc. 6, junto com a PI”. Não se consegue alcançar a pretensão da FP, não estando minimamente evidenciada que alteração na decisão proferida sobre a matéria de facto pretende, pelo que se rejeita o recurso nesta parte.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, por falta de demonstração dos pressupostos

Considera a Recorrente que não ficaram cabalmente demonstrados os pressupostos para o Impugnante beneficiar do crédito do imposto pela aplicação do mecanismo da dupla tributação, sendo que, atento o princípio da tributação pelo rendimento global, há sujeição a tributação em território nacional.

Vejamos então.

Antes de mais refira-se que não foi atacada a parte da sentença relativa à duplicação de rendimentos, que o Tribunal a quo entendeu existir, em virtude de a AT ter considerado como sendo rendimentos distintos os declarados no Anexo A e os declarados no Anexo J. Como tal, nesta parte, nada há a decidir em sede de recurso, sendo apenas de apreciar, quanto aos rendimentos que o Impugnante refere terem sido auferidos na Polónia, se há erro de julgamento no tocante à verificação dos pressupostos relativos à atenuação da dupla tributação.

Prosseguindo.

In casu, atendendo à decisão proferida sobre a matéria de facto, temos o seguinte contexto:

a) Em 2001, o Impugnante foi considerado residente fiscal na Polónia e em Portugal, onde apresentou declarações de rendimentos e foi tributado;

b) A G… emitiu declaração, da qual constava, para o mesmo ano, pagamentos de rendimentos ao Impugnante no valor de 37.838,81 Eur. e retenções no valor de 9.537,86 Eur.;

c) Depois de ter apresentado a sua declaração de rendimentos em abril de 2002, o Impugnante apresentou declaração de substituição (acompanhada de exposição explicativa), na qual aditou o Anexo J, onde declarou o valor de 34.595,56 Eur., a título de rendimento obtido no estrangeiro, e o valor de 11.502,83 Eur., como imposto pago no estrangeiro;

d) Ficou provado que a diferença entre o constante do Anexo J e o valor constante da declaração de rendimentos apresentada na Polónia se deve ao facto de as ajudas de custo auferidas serem tributadas neste último país e não o serem em Portugal.

Considerando este contexto factual, cumpre apreciar.

O nosso ordenamento, designadamente ao nível do IRS, consagra o princípio da tributação pelo rendimento mundial.

Assim, nos termos do n.º 2 do art.º 13.º da Lei Geral Tributária:

“A tributação pessoal abrange ainda todos os rendimentos obtidos pelo sujeito passivo com domicílio, sede ou direção efetiva em território português, independentemente do local onde sejam obtidos”.

Tal decorre, igualmente, do disposto no art.º 1.º do Código do IRS (CIRS), em cujo n.º 2 se prevê que “[o]s rendimentos, quer em dinheiro quer em espécie, ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, a moeda e a forma por que sejam auferidos” (sublinhado nosso).

Da mesma forma o então n.º 1 do art.º 15.º do mesmo código previa que, “[s]endo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território”.

Ou seja, para efeitos de IRS, no caso de sujeitos passivos residentes, é irrelevante o estado fonte do rendimento.

Naturalmente que, havendo rendimentos obtidos no estrangeiro, existem mecanismos para evitar ou atenuar situações de dupla tributação, mecanismos esses quer existentes na legislação interna, quer em instrumentos de direito internacional.

A este respeito, dispunha o art.º 22.º, n.º 6, do CIRS:

“Quando o sujeito passivo aufira rendimentos que deem direito a crédito de imposto, observa-se o seguinte: (…)

b) Tratando-se do crédito de imposto por dupla tributação internacional previsto no artigo 81º, os correspondentes rendimentos devem ser considerados pelas respetivas importâncias ilíquidas dos impostos sobre o rendimento pagos no estrangeiro”.

Por seu turno, o então art.º 81.º do CIRS previa que:

“1 - Os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional, dedutível até à concorrência da parte da coleta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos da alínea b) do nº 6 do artigo 22º, que corresponderá à menor das seguintes importâncias:

a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;

b) Fração da coleta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados.

2 - Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efetuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção”.

É ainda de atentar no disposto no art.º 128.º do CIRS, que prevê a obrigação de as pessoas sujeitas a IRS apresentarem, no prazo fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração.

In casu, uma vez que estamos perante rendimentos pagos na Polónia, há também que considerar os instrumentos de direito internacional pertinentes, que prevalecem sobre o direito interno (cfr. art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa).

A Convenção entre a República Portuguesa e a República da Polónia para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento (doravante CDT Portugal/Polónia) foi aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 57/97, de 9 de setembro.

Nos termos do art.º 15.º da mencionada CDT:

“1 — (…) [O]s salários, vencimentos e outras remunerações similares obtidos de um emprego por um residente de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado Contratante. Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado.

2 — Não obstante o disposto no n.º 1, as remunerações obtidas por um residente de um Estado Contratante de um emprego exercido no outro Estado Contratante só podem ser tributadas no Estado primeiramente mencionado se:

a) O beneficiário permanecer no outro Estado durante um período ou períodos que não excedam, no total, 183 dias em qualquer período de 12 meses com início ou termo no ano fiscal em causa; e

b) As remunerações forem pagas por uma entidade patronal ou em nome de uma entidade patronal que não seja residente do outro Estado; e

c) As remunerações não forem suportadas por um estabelecimento estável ou por uma instalação fixa que a entidade patronal tenha no outro Estado”.

Prescreve o art.º 23.º da mesma CDT que:

“A dupla tributação será eliminada do seguinte modo:

(…) b) No caso de um residente de Portugal:

i) Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados na Polónia, Portugal deduzirá do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago na Polónia. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados na Polónia; e

ii) Quando, de acordo com o disposto nesta Convenção, o rendimento obtido por um residente de Portugal for isento de imposto neste Estado, Portugal poderá, não obstante, ao calcular o quantitativo do imposto sobre o resto dos rendimentos desse residente, ter em conta o rendimento isento”.

Considerando este contexto, desde já se refira que não se acompanha o entendimento da Recorrente, no sentido de que não decorre dos autos a permanência do Impugnante por pelo menos 183 dias na Polónia.

Com efeito, como refere o Tribunal a quo, tal extrai-se das declarações mencionadas em 1. do probatório. Está provado que, relativamente a 2001, o Recorrido apresentou declaração de rendimentos na Polónia e que lá foi tributado. Por outro lado, está igualmente provado o valor do imposto pago na Polónia, como se extrai do facto 8. Ora, todo este contexto só poderia existir estando reunidos os pressupostos previstos no art.º 15.º, n.º 2, da CDT Portugal / Polónia (designadamente a permanência por pelo menos 183 dias). Sublinhe-se, aliás, que nunca foi sequer questionada a adequação dessa tributação na Polónia.

É certo que há uma discrepância, entre os rendimentos sujeitos a tributação na Polónia e os declarados no Anexo J, o que, ficou provado (cfr. facto 7), se deve ao valor de ajudas de custo auferido, tributado na Polónia e não tributado cá.

Nesse seguimento, seria aferível o valor de imposto pago correspondente (o que o Recorrido fez, através de aplicação de regra de proporcionalidade direta), cujo cálculo foi explanado pelo Impugnante em sede de reclamação graciosa e que, rigorosamente, não foi posto em causa no procedimento.

Aliás, se a AT tivesse dúvidas sobre a documentação junta pelo Impugnante, tem o poder dever de recorrer ao mecanismo de troca de informações, previsto no art.º 26.º da CDT, não se vislumbrado dos autos que tal tenha sucedido.

Neste sentido, vejam-se os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 23.02.2017 (Processo: 3/13.5BELRS) e de 10.03.2022 (Processo: 1647/10.2BESNT) do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.02.2021 (Processo: 00430/05.1BEVIS) e de 25.05.2018 (Processo: 01079/06.7BEVIS).

Portanto, considera-se que, ao contrário do que defende a Recorrente, se reuniam os pressupostos para o Impugnante beneficiar do mecanismo de atenuação / eliminação da dupla tributação jurídica, previsto na al. b) do art.º 23.º da CDT Portugal/Polónia.

Como tal, não assiste razão à Recorrente, motivo que se estende ao alegado em matéria de juros indemnizatórios, face à sua dependência do apreciado quanto ao erro de julgamento.

Quanto ao alegado no tocante à indemnização por prestação de garantia, carece de razão a Recorrente, porquanto o desfecho dos autos de oposição são, para este efeito, irrelevantes, dada a procedência da presente impugnação (cfr. art.º 53.º, n.º 1, da LGT).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 13 de outubro de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


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(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
(2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.