Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09052/15
Secção:CT
Data do Acordão:04/28/2016
Relator:BÁRBARA TAVARES TELES
Descritores:EXCEPÇÃO DILATÓRIA DE PRETERIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL
Sumário:I. A possibilidade de determinado litígio ser submetido à apreciação de tribunal arbitral, dependia, sob pena de nulidade (v. art. 1º e 3º da LAV 86), da verificação das seguintes condições e requisitos: Estar em causa litígio que não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária (v. art. 1º/1 da LAV 86; cfr. art. 1º/1 da NLAV); O litígio não respeitar a direitos indisponíveis (art. 1º/1 da LAV 86); Existir lei especial que permita a celebração de convenção de arbitragem (v. art. 1º/3 da LAV 86 e art. 1º/1 da NLAV) ou - o processo tenha simplesmente por objecto litígios respeitantes a relações de direito privado (v. art. 1º/3 da LAV 86 e art. 1º/1 da NLAV);
II. Em matéria tributária, só após a aprovação e entrada em vigor do Regulamento Jurídico da Arbitragem Tributária pelo DL 10/2011, de 20 de Janeiro, que veio estabelecer inovatoriamente o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária , passou a ser possível a submissão a Tribunal Arbitral de pretensões que tenham por objecto a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:G., dizendo-se inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, por julgar verificada a invocada excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, absolveu o Município de Loures na presente instância de impugnação judicial que a impugnante/ recorrente deduziu contra o indeferimento das reclamações graciosas das liquidações das taxas urbanísticas, relativas aos anos de 2002 e de 2007, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«IV - CONCLUSÕES
Do exposto resultam as seguintes conclusões:

A - DA ARBITRAGEM EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

. Até à entrada em vigor do RJAT, em 2011.01.25, aprovado pelo DL 10/2011, de 20 de Janeiro, a impugnação de actos tributários de liquidação, que integra o objecto do presente processo judicial, não era litígio arbitrável, constituindo matéria da exclusiva competência dos Tribunais Tributários (v. arts. 202° e 212°/3 da CRP, arts. 1° e 62° do ETAF 84, arts. 1°, 4°, 5° e 49°/1/a) do ETAF 2002, art. 97° do CPPT e art.118°do CPT) - cfr. texto n°1;

2ª. A douta sentença recorrida enferma assim de manifestos erros de julgamento, pois as pretensas convenções arbitrais celebradas pelas partes, em 1988 e em 2008-2009, não abrangeram e nunca poderiam ter abrangido a presente impugnação judicial e sempre seriam nulas (v. arts. 119°, 165°/l/p), 198°/1/b) e 268° da CRP, arts. 1° e 3° da LAV86, arts. 1° e 3° da NLAV, art.118° do RJUE, arts. 180° e segs. do CPTA, arts. 4°, 8°, 29°, 30°, 36° e 37° da LGT e arts. 9°, 12°, 236°, 237°, 286°, 292° e 294° do C. Civil) - cfr. texto n.° 1;

AA- DA INARBITRABILIDADE DE LITÍGIOS TRIBUTÁRIOS NA VIGÊNCIA DOS REGIMES DA LAV 86 E DA NLAV:

3ª. A LAV 86, em vigor à data da celebração das pretensas convenções arbitrais, de 1988 e de 2008-2009 (v. art. 119° da CRP e art. 12° do C. Civil) não permitia a celebração de qualquer pacto privativo de jurisdição, para apreciação da impugnação de actos tributários de liquidação, que constituía litígio da exclusiva competência dos Tribunais Tributários (v. arts. 202° e 212°/3 da CRP, arts. 1° e 62° do ETAF 84, arts. 1°, 4°, 5° e 49°/1/a) do ETAF 2002, art. 118° do CPT e art. 97° do CPPT), estando em causa relações jurídicas tributárias relativas a direitos indisponíveis (v. arts. 103° e 266° da CRP, arts. 1°/1 e 3° da LAV 86 e arts. 4°, 8°, 29°, 30°, 36° e 37° da LGT: cfr. arts. 1° e 3° da NLAV e art. 12° do C. Civil) - cfr. texto n.° s 2 a 5;

4ª. A NLAV, aprovada pela Lei 63/2011, de 14 de Dezembro, também nunca seria aplicável (i) às pretensas convenções arbitrais de 1988 e de 2008-2009, (ii) ao processo no qual foi proferido acórdão arbitral, em 2011.01.06 (v. alínea oo) dos FP), e (c) ao presente processo judicial, instaurado em 2009.03.11. ou seja, em data muito anterior à da entrada em vigor daquele novo regime legal (2012.03.14), sob pena de violação do disposto no art.119° da CRP, no art.12° do C. Civil e no art.5° do ETAF (v. Ac. STA de 2010.01.13, Proc. 1148/09, in www.dgsi.pt - cfr. texto n°s 5 e 7;

AB - DO ALCANCE DO ART. 118° DO RJUE

5ª. O art. 118° do RJUE veio permitir a intervenção de uma comissão arbitral "para a resolução de conflitos na aplicação de regulamentos municipais", não abrangendo a impugnação de actos tributários de liquidação (v. arts. 9° e 10° do C. Civil), que constituía matéria da exclusiva competência dos Tribunais Tributários (v. arts. 202° e 212°/3 da CRP, arts. 1° e 62° do ETAF 84, arts. 1°, 4° e 49°/1/a) do ETAF 2002, art. 118° do CPT e art. 97° do CPPT) - cfr. texto n.°8;

6ª. A Lei 110/99, de 3 de Agosto, não autorizou o Governo a alterar as competências dos Tribunais Tributários ou a regular o regime da arbitragem tributária e a sua aplicação à impugnação de actos tributários de liquidação, pelo que o art. 118° do RJUE sempre constituiria norma claramente inconstitucional, com o alcance e sentido normativo que lhe foram inovatoriamente atribuídos na douta sentença recorrida (v. arts. 165°/l/p), 198°/l/b) e 204° da CRP) - cfr. texto n.° s 9 e 10;

AC - DA INAPLICABILIDADE DO CPTA E DO RJAT

7ª. As normas dos arts. 180° e segs. do CPTA, referentes à arbitragem em matéria administrativa, também não possibilitavam a celebração de convenções arbitrais relativamente à impugnação judicial de actos tributários de liquidação, que apenas veio a ser permitida pelo RJAT (v. art. 119° da CRP e arts. 12° e segs. do C. Civil; cfr. José Casalta Nabais, Reflexão breve sobre a introdução da Arbitragem Tributária, in Mais Justiça Administrativa e Fiscal,2010, p.p. 92-93; Aroso de Almeida e Fernandes Cadilhe, Comentário ao CPTA, 2ª ed., p.p. 1010, nota 4) - cfr. texto n.°s 11 e 12;

8ª. A arbitrabilidade da impugnação de actos tributários só veio a ser permitida pelo RJAT, aprovado pelo DL 10/2011, de 20 de Janeiro, que apenas entrou em vigor, em 2011.01.25, pelo que também nunca seria aplicável às pretensas convenções arbitrais de 1988 e de 2008-2009, ao processo arbitral no qual foi proferido acórdão arbitral, em 2011.01.06 (v. alínea oo) dos FP), ou ao presente processo judicial, instaurado em 2009.03.11, sob pena de violação do disposto no art. 119° da CRP, no art. 12° do C. Civil e no art. 5° do ETAF - cfr. texto n.° s 13 a 15;

B - DAS PRETENSAS CONVENÇÕES ARBITRALS CELEBRADAS PELAS PARTES

9ª. Como resulta do respectivo teor verbal (v. arts. 236° e segs. do C. Civil), e das normas legais em vigor e aplicáveis na data da sua celebração - 1988 e 2008-2009 -, as convenções outorgadas pelas partes nunca poderiam ter por objecto a atribuição a Tribunais Arbitrais de competências ou poderes para apreciarem e decidirem a impugnação de actos tributários de liquidação, sob pena de nulidade (v. arts. 1° e 3° da LAV 86 e arts. 1° e 3° da NLAV 2011: cfr. arts. 286° e 294° do C.Civil) - cfr. texto n °s 16 a 18;

BA-DA CLÁUSULA NONA DO CONTRATO, DE 1988.06.21

10ª. Como resulta do teor verbal do negócio jurídico formal celebrado pelas partes, em 1988.06.21 (v. arts. 236° e segs. do C. Civil), e das normas legais então em vigor (v. art. 119° da CRP e art. 12° do C. Civil), a convenção constante da respectiva cláusula nona respeitava apenas a litígios que pudessem vir a surgir pelo incumprimento da obrigação assumida pela CML, no sentido de elaborar um estudo urbanístico no prazo de três meses (v. cláusulas 1ª e 2ª do acordo, a fls. 112 e segs. dos autos), respeitando os índices e parâmetros que então foram genericamente definidos (v. cláusulas 3ª e 4ª), comprometendo-se ainda aquela autarquia a aprovar os "pedidos de loteamento... que se conformem com os parâmetros urbanísticos fixados no presente acordo" (v. cláusula 5ª) - cfr. texto nºs 19 a 21;

11ª. Como resulta do seu teor literal (v. arts. 236° e 237° do C. Civil) e contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, a referida convenção não abrangeu e nunca poderia ter por objecto a impugnação de actos tributários de liquidação, a que em absoluto não se refere, sendo inexistentes nas suas cláusulas (v. fls. 112 e segs. dos autos; cfr. art. 238°/l do C. Civil, e que não constituía então litígio arbitrável, integrando matéria da exclusiva competência dos Tribunais Tributários (v. arts. 202° e 212°/2 da CRP, arts. 1° e 62° do ETAF 84, arts. 1° e 49°/2/a) do ETAF 2002, art. 97° do CPPT e art. 118° do CPT) - cfr. texto n.° s 21 e 22;

BB- DA CONVENÇÃO, DE 2009.02.26. E DO RESPECTIVO PROCESSO ARBITRAL 12ª. A Convenção celebrada em 2008-2009 e o processo decidido pela Comissão Arbitral tiveram por objecto a apreciação e decisão do conflito sobre a aplicação temporal de regulamentos municipais (v. art. 118° do RJUE: cfr. Acta da Comissão Arbitral, de 2009.10.14, e primeiro parágrafo de fls. 308 do SITAF), face à consideração de factos e normas de direito constitucional, administrativo, processual e procedimental que regularam sucessivamente as operações urbanísticas promovidas pela ora recorrente durante mais de trinta anos (causa de Pedir) - cfr. texto n°s 23 e 24;

13ª. No litígio que foi apreciado pela Comissão Arbitral não foi peticionada, nem decidida a anulação ou a declaração de nulidade de qualquer acto tributário de liquidação, que integra o objecto do presente processo, mas apenas a "resolução de conflito na aplicação de regulamentos municipais" (v. art. 118° do RJUE), como consta do acórdão arbitral, de 2011.01.06, já transitado em julgado (v. fls. 306 e segs. e 1680 e segs. do SITAF: Calvão da Silva, Expropriação, Declaração de Inconstitucionalidade, Caso Julgado e Situações Exauridas, CJ, 1994, Tomo II, p.p. 5 e segs.; José Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, 1997, p.p. 382) - cfr. texto n° 25;

14ª. A convenção celebrada, em 2008-2009, e o processo arbitral no qual foi proferido o acórdão arbitral, de 2011.01.06 (V. fls. 307 e segs. e 1680 e segs. do SITAF) não abrangeram e nunca poderiam assim ter por objecto a impugnação de actos tributários de liquidação, que nem sequer constituía então litígio arbitrável integrando matéria da exclusiva competência dos Tribunais Tributários (v. arts. 202° e 212°/2 da CRP, arts. 1° e 62° do ETAF 84, arts. 1° e 49°/2/a) do ETAF 2002, art. 97° do CPPT e art. 118° do CPT) - cfr. texto n.° s 24 a 26;

C- DA APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES PREJUDICADAS (ART. 665°/2 DO NCPC)

15ª. Não se tendo verificado in casu qualquer preterição do Tribunal Arbitral, conforme se demonstrou, este Venerando Tribunal deve, ex vi do art.665°/2 do NCPC, apreciar e decidir as questões de mérito suscitadas pela ora recorrente na presente impugnação de actos tributários, que foram consideradas prejudicadas na douta sentença recorrida (v. fls. 19 da sentença),

CA - DA INAPLICABILIDADE DOS REGULAMENTOS DE 2002 E 2007

16ª. Os regulamentos municipais de 2002 e de 2007 são inaplicáveis in casu, como decidiu o douto Acórdão Arbitral, de 2011.01.06, já transitado em julgado (v. fls. 307 e segs. e 1680 e segs. do SITAF: art. 205°/2 da CRP, arts. 619° e segs. do NCPC e arts. 666° e segs. do CPC, art. 42°/7 da LAV 2011 e art. 26° da LAV86), que apreciou e decidiu definitivamente o litígio relativo a conflito sobre a aplicação temporal de regulamentos municipais, reguladores das operações urbanísticas realizadas pela ora recorrente (v. arts. 3° e 118°/1 do RJUE) - cfr. texto n°s 30 e 31;

17ª. As normas regulamentares confessadamente aplicadas nos actos tributários de liquidação sub judice - regulamentos de 2002 e 2007, v. arts. 52° e segs. da contestação do ML, a fls. 142 e segs. do SITAF - nunca seriam convocáveis in casu, pelo que não pode deixar de se concluir que “o(s) acto(s) impugnado(s), ao fundar (em) a liquidação nesse Regulamento, enferma(m) de erro sobre os pressupostos de direito, que constitui vício de violação de lei e justifica a sua anulação (arts.99ºdo CPPTe 135ºdo CPA)” (v. Ac. STA de 2009.07.08, Proc. 964/08: cfr., no mesmo sentido, Acs. STA de 2012.06.06, Proc. a64/11; de 2010.12.07, Proc. 1075/09: e de 2003.12.17, Proc.1492/03. todos in www.dgsi.pt)- cfr. texto n.º 30 a 32;

CB- OUTRAS ILEGALIDADES DOS ACTOS IMPUGNADOS

18ª Os actos tributários sub iudice sempre terão ser declarados nulos ou anulados, pois violaram frontalmente o disposto nos arts. 2º, 9º, 1º, 62º, 103º, 119º, 165º/1/i), 266º, 267º e 268º/3 da CRP, nos arts. nºs, 59º, 60º e º da LGT, nos arts. 2º e 45º do CPPT, nos arts. nº, 100º e segs., 124º, 125º e 13a' e segs. do CPA, nos arts. 207º e 2 do DL 2a9/73, de 6 de Junho, nos arts. 49º, SÓ9 e a1- do DL 400/84, de 31 de Dezembro, nos arts. 30º e 67º do DL 441/91, de 29 de Novembro, nos arts. 24º, 74º e 767º e 5 do DL 555/99, de 16 de Dezembro e no art. S' do C. Civil - cfr. texto n°33.

NESTES TERMOS,

Deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e, em consequência, julgar-se procedente a impugnação judicial, ex vi do art. 665°/2 do NCPC.
SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ
CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA»


*

A Recorrida apresentou contra-alegações que concluiu nos seguintes termos:

«CONCLUSÕES

1ª. a douta sentença recorrida ajuizou e decidiu a questão "sub judice" de acordo com a lei e a CRP.

2ª. As partes convencionaram submeter a presente questão a uma comissão arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 3º e 118º do Decreto - Lei n.º555/99, de 16/12 (RJUE) e do artigo 180º do CPTA, e, ainda dos artigos 1º, n.ºs l e 4, da LAV, conforme alíneas ii) e jj) dos factos provados, pelo que ao pretender que a convenção arbitral não é válida para decidir sobre as questões supramencionadas, a Recorrente incorre em "venire contra factum próprio", o que constitui abuso de direito, nos termos do artigo 334º do Código Civil, devendo ser condenada como litigante de má fé, em multa e numa indemnização à Recorrida, a fixar de acordo com o prudente arbítrio de V. Exas., nos termos dos arts. 542° a 545° do NCPC.

3ª. A CRP, no seu artigo 209º, n.º2 prevê a existência de tribunais arbitrals e a LAV de 1986 permite no seu artigo lº que o o litígio em apreço seja submetido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros, sendo que o n.º 2 estipula que a convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que se encontre afecto a tribunal judicial, ou litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória).

4ª. Nos termos do n.º l, do art.º 118º, do RJUE, que remete para o seu artigo 3º, é possível a convenção de arbitragem relativamente a questões relacionadas com regulamentos relativos ao lançamento e liquidação das taxas e prestação de caução, que, nos termos da lei sejam devidas pela realização de operações urbanísticas, o que engloba, seguramente, a situação dos autos.

5ª. Assim, ao contrário do pretendido pela Recorrente, que os actos tributários de liquidação emergentes dos referidos Regulamentos estariam fora da possibilidade de serem abrangidos por convenções arbitrais e, face aos princípios da economia processual e da celeridade processual, ficar-se-ia perante o absurdo de que os Regulamentos sobre liquidação de taxas urbanísticas pudessem ser submetidos ao tribunal arbitral e os actos de liquidação deles directamente emergentes não o pudessem ser e fosse necessário, para tal desiderato, propor uma nova acção noutro tribunal, com duplicação de processos e com a morosidade daí decorrente, frustrando-se, em absoluto, o motivo que levou à constituição do tribunal arbitral, o que seguramente não foi o pretendido pela lei e pelas partes, pelo que a convenção arbitral celebrada não padece de qualquer nulidade, já que não integra a previsão do art.º3.º da LAV86.

6ª. Aliás, a P. I. da presente Impugnação é praticamente igual à petição apresentada na comissão arbitral, e os pedidos sendo apenas literalmente diferentes, reconduzem-se a um mesmo pedido, ao que acresce o facto de a ambas as acções ter sido atribuído o mesmo valor.

7ª. Finalmente, sempre se dirá que inexiste violação da CRP e, designadamente, os dispositivos invocados pela Recorrente (artigos 119º, 165º, n° l, al. p), 198º, nº l, al. b), 202º, 212º, nº3 e 268º), já que, se nos filiássemos apenas nestas disposições constitucionais, chegar-se-ia à conclusão simples de que não eram possíveis tribunais arbitrais, incluindo para as matérias "sub judice", quando tal é permitido pelo art.º209º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa.

8ª. A propositura da acção no tribunal recorrido mais não é do que a duplicação da acção proposta no tribunal arbitral, tendo a Recorrente violado o pacto privativo de jurisdição, sendo procedente a excepção dilatória invocada pelo Impugnado/Recorrido de preterição de tribunal arbitral, com a consequente sua absolvição da instância, nos termos do disposto nos artigos 494º, al. j) e 493º, n.º 1, ambos do CPC.

9ª. As duas acções são a repetição uma da outra, pois em ambas se pretende obter o mesmo efeito jurídico, pelo que, resulta do princípio da concentração da defesa, expressamente definido no artigo 489º, n.ºl que o trânsito em julgado de uma decisão de mérito preclude a possibilidade de noutra acção poderem ser utilizadas questões que poderiam ter sido invocadas como meios de defesa naquela, e que, como tal, não podem servir de causa de pedir em acções cujo desfecho possa conduzir a contradição (cfr. Ac. STJ de 08/04/2010, proc.º n.º2294/06.TVPRT.S1, in www.dgsi.pt).

13ª. A regulamentação em que se baseou a liquidação das taxas aplicadas fundamentou-se nas tabelas constantes dos Regulamentos Municipais vigentes à data contemporânea da prática do acto de liquidação das mesmas, sendo, pois, os aplicáveis "in casu", não se verificando qualquer retroactividade nem qualquer licenciamento concedido em sede de execução de sentença, mas sim novos requerimentos que consubstanciam novas realidades, não se verificando qualquer violação dos artigos 103º, n.º3 da CRP e dos artigos 12º e 13º do Código Civil.

14ª. E, conforme Jurisprudência unânime, a liquidação das taxas é legal porque baseada nas disposições constantes da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Assembleia da República, que autoriza os Municípios a cobrar taxas, designadamente, as referentes a obras de urbanização, e, sendo a Lei das Finanças Locais a Lei Habilitante para a aprovação dos Regulamentos da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Loures que sucessivamente vêm vigorando, são perfeitamente legais e constitucionais os Regulamentos em causa, não se verificando qualquer violação dos artigos 103º, n.ºs 2 e 3, 112º e 165º, da CRP, nem dos artigos 4º, n.º 3 e 8º, da LGT, nem do artigo 123º do CPA.

15ª. Acresce que, não se trata de impostos ou contribuições especiais, mas sim de "taxas", como a Lei das Finanças Locais assim as classifica, porquanto, têm natureza sinalagmática, sendo tal "sinalagmaticidade construída juridicamente" (cfr. Ac. Tribunal Constitucional de 3/10/2000, publicado no D. R., 2ª Série, nº 270, de 22/11/2000, ainda que esta relação sinalagmática entre benefício recebido e a quantia paga não implique uma equivalência rigorosa entre ambos.

16ª. Ora, no caso da taxa de realização de infra-estruturas urbanísticas está em causa a compensação das despesas efectuadas, ou a efectuar pela Autarquia, directa ou indirectamente causadas pelas obras sobre que incide esse tributo, sendo que o aumento da construção urbana implica a necessidade presente ou futura de criação ou reforço das infra-estruturas urbanísticas, que é um encargo para os Municípios, pelo que esta prestação a cargo dos Municípios é a contraprestação da taxa em causa, podendo ver-se neste sentido os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 357/99 e 410/00, publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional, respectivamente, 44º volume, pág. 251 e 489, pág. 141.

17ª. Refira-se que os Regulamentos da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Loures que vigoraram nos anos de 2002 e 2007, foram objecto de todas as publicações legalmente exigidas, não padecendo de qualquer inconstitucionalidade.

18ª. Como já se referiu, são várias as operações urbanísticas sucessivamente requeridas pela Impugnante/Recorrente e não uma só, sendo que os actos de liquidação resultaram de pedidos distintos de aprovação feitos pela Impugnante/Recorrente das várias e sucessivas alterações substanciais ao alvará de loteamento, que implicaram obras de urbanização, o que aconteceu para a realização das obras de urbanização referentes à 4§ fase de loteamento, por um lado, e das 5ª e 6ª fases, por outro, com a emissão, respectivamente, dos aditamentos n.º 2 e n. 4.

19ª. Ora, é com a emissão da licença para a realização das obras de urbanização que nasce a obrigação de pagamento de taxas de urbanização, conforme estatuem os artigos 116º e 117º do RJUE, o normativo regulamentar a aplicar, não padecendo os Regulamentos nem os actos de liquidação de qualquer vício.

20ª. Os Regulamentos em apreço são os aplicáveis "in casu", pois os factos que deram causa à liquidação das taxas não se inserem na execução da sentença, mas sim numa nova realidade subjacente aos novos pedidos de alteração e aditamento formulados pela G. ao longo dos anos, dos quais emergiram licenciamentos e operações urbanísticas que não se compaginam com a aplicação dos regulamentos que remontam à fase inicial.

21ª. No caso em apreço não estamos estamos perante a criação de impostos ou contribuições especiais, mas de taxas, existindo o nexo sinalagmático entre o pagamento dos montantes em apreço e a contraprestação por parte do Município de Loures, sendo que os aditamentos em questão constituem verdadeiros novos pedidos, inexistindo qualquer violação do artigo 103º, n.º2 da CRP e dos artigos 4º, n.º3 e 8º das LGT.

22ª. Inexiste qualquer violação dos artigos 100º e seguintes do CPA, bem como inexiste qualquer manifesta falta de fundamentação de facto e de direito dos actos "sub judice", que se encontram devidamente fundamentados, não havendo qualquer violação dos artigos 268º, n.º3 da CRP e 124º e 125º do CPA e 77º e seguintes da LGT.

23ª. Também não estamos perante qualquer erro de facto ou de direito nem perante qualquer violação do artigo 61º, n.º2 do PDM de Loures, do artigo 1º da Portaria 698/73, de 9/10, do artigo 1º da Portaria 1182/92, de 22/12 e do artigo 1º da Portaria 1136/2001, de 25/09.

24ª. Igualmente, não se verifica qualquer violação dos artigos 2º, 9º, 17º, 18º, 103º e 266º da CRP, dos artigos 4º e 8ºda LGT e dos artigos 3º, 5º e 6º do CPA, inexistindo, consequentemente, qualquer violação dos princípios da legalidade, da justiça, da proporcionalidade, da imparcialidade, da confiança e da boa fé, pois os actos em apreço foram praticados em conformidade com a lei.

25ª. Os actos em apreço também não violam os artigos 68º e seguintes da CPPT e o artigo 78º da LGT, nem padecem de qualquer vício de incompetência, pois foram praticados ao abrigo de delegação de competências, devidamente publicada, não se verificando qualquer violação dos artigos 122º, 266º da CRP e dos artigos 35º e seguintes do CPA.

26ª. Em conclusão, sempre se dirá que os actos em apreço, praticados pela Impugnada/Recorrida são legais, e não se encontram enfermos dos vícios invocados pela Impugnante/Recorrente, inexistindo qualquer nulidade ou anulabilidade.

Nestes termos e nos mais de direito, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve:
A) O presente recurso ser considerado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se a douta sentença recorrida na Ordem Jurídica; ou
B) Se assim não se entender, serem consideradas improcedentes as questões cuja apreciação ficou prejudicada na douta sentença recorrida;
C) Ser a Recorrente condenada como litigante de má fé em multa e indemnização à Recorrida, segundo o prudente arbítrio de V. Exas., nos termos dos artigos 542º a 545ºdo NCPC.

Com o que se fará a costumada e inteira

JUSTIÇA


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Neste Tribunal Central Administrativo, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso (cf. fls. 899 a 900 dos autos).
*

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
*
Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
A questão suscitada pelos Recorrentes consiste em apreciar se a sentença a quo errou ao julgar procedente a excepção dilatória de preterição do Tribunal arbitral, e em consequência absolveu o Município de Loures da instância.
*
II.FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. Da Matéria de Facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
«Factos provados
De acordo com os elementos existentes nos autos, apurou-se a seguinte matéria de facto:

a) No início da década de setenta foi requerido na Câmara Municipal de Loures o licenciamento de uma operação de loteamento da urbanização da Quinta do Infantado (cfr. artigos 4° da p.i. e 6° da contestação; e processo camário);

b) O requerimento referido na alínea anterior deu lugar à instauração do processo n°/U na Câmara Municipal de Loures (cfr. processo camarário apenso);

c) Em 31/12/1979 foi emitido o Alvará de Loteamento n°/79 que titula a aprovação do loteamento, dos prédios denominados Olival da Quinta Nova, Marmotas, Casal da Dona Josefa. Quinta do Infantado e Lezíria do Infantado, a que se refere o processo n°/U que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 285 a 309 dos presentes autos);

d) Em 31/05/1983, a Câmara Municipal de Loures declarou a caducidade do Alvará n°/79 (cfr. processo n°/U, fls. 913 e segs.);

e) A declaração de caducidade foi oficiada à Conservatória do Registo Predial de Loures (cfr. fls. 1031 do processo n°/U);

f) Em 31/05/1983, a Câmara Municipal de Loures aprovou o loteamento requerida pela impugnante, na sequência do que foi emitido o Alvará de Loteamento n°/83, em 09/06/1083, restrito à parcela célula I, do prédio sito no Olival da Quinta Nova, no qual se refere que «os projectos de infra-estruturas são os que instruíram o processo que deu origem ao Alvará de loteamento número dezasseis barra setenta e nove, já caducado» (cfr. 932 , 944 e segs do processo 12.331/U);

g) Em 16/04/1984, a Impugnante requereu à Câmara Municipal de Loures licença para o loteamento das Células II a IX da Urbanização da Quinta do Infantado, cujo pedido deu origem ao processo camarário n°/L (cfr. processo n°/L);

h) O pedido de licenciamento referido na alínea anterior veio a ser indeferido em reunião da Câmara Municipal de Loures de 24/03/1987 (cfr. fls. 220 do processo n°/L);

i) A impugnante apresentou novo pedido de licenciamento que foi indeferido por despacho de 19/10/1987 (cfr. fls. 235 do processo camarário n°/L);

j) Em 21/06/1988 foi celebrado o acordo que consta de fls. 112 a 121 dos autos, entre a Câmara Municipal de Loures e a Impugnante, relativo à urbanização da Quinta do Infantado, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

k) No contrato referido na alínea anterior, as partes acordaram que os litígios relativos à interpretação, execução ou extinção do contrato seriam decididos por um Tribunal Arbitral (cfr. cláusula nona);

l) Em 28/06/1988, a Câmara Municipal de Loures aprovou a alteração ao loteamento requerida pela impugnante (cfr. processo n°/L);

m) Em 15/11/1988, a Câmara Municipal de Loures emitiu o aditamento ao Alvará n°/79 (cfr. fls. 409 do processo n°/L; e fls. 150 a 152 dos presentes autos);

n) Na sequência da aprovação em reunião de Câmara Municipal de Loures de 24/04/1991, foi emitida rectificação ao Alvará de licença de loteamento n°/79 (cfr. fls. 155 a 161 e 162 a 164 dos presentes autos);

o) Em 24/07/2001 a Impugnante apresentou mais um estudo de loteamento, o qual foi aprovado em reunião de Câmara de 09/12/2002, que deu lugar à aprovação do aditamento n°2 ao alvará de loteamento n°/79, o qual titula o licenciamento do loteamento 4.ª, 5.ª e 6.ª fases da Quinta do Infantado e o licenciamento das obras de urbanização referentes à 4.ª fase (cfr. fls. 6210 e segs., 6415 e segs do processo n°/L);

p) Na informação n.° /DAU/2003, datada de 01/07/2003 consta que para efeitos da emissão de alvará que titule o licenciamento do loteamento das 4.a, 5.a e 6.a fases da Quinta do Infantado e o licenciamento das obras de urbanização referentes à 4.a fase, deverá a aqui Impugnante proceder ao pagamento das taxas devidas, no valor de € 12.016.131,97 (cfr. processo /L);

q) Sobre a informação referida na alínea anterior recaiu a proposta do Director do Departamento de Administração Urbanística, de fixação das taxas municipais devidas pelo licenciamento apresentado em 09/02/2002, no montante de €24.716.795,21 (cfr. processo n°/L);

r) Em 02/07/2003, foi exarado sobre a Informação n°/DAU/JCT/2003, despacho «Concordo. Informe-se o requerente", pelo Vereador J. (cfr. processo n°/L);

s) Em 11/09/2003, a Impugnante pagou a taxa geral de infra-estrutura s, no valor de €12.016.131,97 (cfr. fls. 38 dos presentes autos);

t) Em 11/09/2003, a Câmara Municipal emitiu o aditamento n°2 ao alvará de loteamento n°/79 (cfr. processo n°45.355/L);

u) Em 11/09/2003 a Impugnante apresentou reclamação contra os actos de liquidação e cobrança da taxa geral de infra-estruturas, no valor de €12.016.131,97 (cfr. fls. 41 e 46 dos presentes autos);

v) Em 09/09/2005, a Impugnante requereu à Câmara Municipal de Loures a aprovação dos projectos de infra-estruturas das 5.ª e 6.ª fases da urbanização do Infantado e a emissão de novo aditamento ao alvará n°/79 (cfr. processo camarário);

w) Em 24/11/2005, a Câmara Municipal de Loures aprovou o aditamento ao alvará de loteamento n°/79, requerido pela Impugnante em 09/09/2005 (cfr. processo camarário);

x) Em 14/02/2006, a Câmara Municipal de Loures emitiu o Aditamento n°3 ao alvará de loteamento n°/79);

z) A informação n°/DGU/DGPE/RQ, datada de 07/11/2007 propôs a emissão de novo aditamento ao alvará n°/79 relativo às obras de urbanização requeridos em 09/09/2005 pela Impugnante para lotes das 5.ª e 6.ª fases da Quinta do Infantado (cfr. processo camarário);

aa) Sobre a informação referida na alínea anterior recaiu a proposta da Directora do Departamento de Administração Urbanística, de «aferição do valor das taxas a liquidar aquando da emissão do alvará de loteamento - Tabela de 2007 (em vigor)», no montante de € 18.218.699,78 (cfr. processo camário);

bb) Em 07/11/2003, foi exarado sobre a Informação n°/DAU/JCT/2003, despacho «Concordo", pelo Vereador J. (cfr. processo camarário);

cc) Em 14/11/2007, a Câmara Municipal de Loures aprovou os projectos das obras de urbanização relativas às 5.ª e 6.ª fases e a «aferição do valor a liquidar quando da emissão do alvará de loteamento", fixando o respectivo montante em€ 18.218.699,78 (cfr. processo camarário);

dd) Em 12/12/2007, a Câmara Municipal de Loures aprovou o pedido da Impugnante de pagamento do valor de €18.218.699,78, relativo a taxa, em quatro prestações (cfr. processo camário);

ee) Em 28/12/2007, a Impugnante procedeu ao pagamento das duas primeiras prestações da taxa, no valor de € 9.109.349,89 (cfr. fls. 39 dos presentes autos);

ff) Em 27/12/2007 a Impugnante apresentou reclamação contra o acto de liquidação e cobrança da taxa fixada na reunião da Câmara Municipal de 14/11/2007 (cfr. fls. 43 e 47 dos presentes autos);

gg) Em 16/04/2008, a Câmara Municipal emitiu o aditamento n°4 ao alvará de loteamento n°/79 (cfr. processo camarário);

hh) Em 30/06/2008, a Impugnante procedeu ao pagamento da terceira prestação da taxa exigida pela emissão do aditamento n°4 ao alvará de loteamento n°/79 (cfr. fls. 40 dos presentes autos);

ii) Em 30/09/2008, a Impugnante requereu à Câmara Municipal de Loures a constituição de uma comissão arbitral, para decidir da inaplicabilidade dos Regulamentos de Taxas de 2002 e 2007 e sobre o montante das taxas a pagar pela Impugnante (cfr. fls. 625 a 633 do processo camarário n°/AA-4.º volume);

jj) Em 26/02/2009, o Presidente da Câmara Municipal de Loures determinou a constituição da Comissão Arbitral requerida pela Impugnante (cfr. processo camarário);

kk) As reclamações apresentadas pela Impugnante, referidas nas alíneas u) e ff) supra, foram indeferidas por despacho do Vereador J. de 19/02/2009 e com a fundamentação constante na informação data da de 14/02/2009 e parecer na mesma exarado (cfr. fls. 26 a 30 dos presentes autos);

ll) A decisão de indeferimento das reclamações foi notificada à impugnante através do oficio /2009, datado de 20/02/2009 (cfr. fls. 25 dos presentes autos);

mm) Em 16/03/2009 a Impugnante deduziu a presente Impugnação (cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos);

nn) Em 05/11/2009 a Impugnante apresentou petição inicial dirigida à Comissão Arbitral(cfr. fls. 313 a 339 dos autos);

oo) Em 02/01/2003 a Comissão Arbitral proferiu acórdão sobre o caso da Urbanização de Quinta do Infantado, já transitado em julgado, de fls. 413 a 505, que aqui dá por integralmente reproduzido, proferido no âmbito do processo n°/2009/AHC/AVS.


Factos não provados
Não se provou a concreta data da recepção do ofício identificado na alínea l) do probatório.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
As demais asserções da douta petição constituem conclusões de facto e/ou direito.

Motivação
Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, bem como nos processos camarários apensos, que não foram impugnados e na matéria aceite por acordo pelas partes, atenta a posição vertida nos respectivos articulados».

Ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1, do CPC, aditam-se ao probatório os seguintes factos, os quais resultam provados por documentos juntos aos autos:
PP) O Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças para o Município de Loures para o ano 2002 foi publicado no Diário da Republica, apêndice nº 162, 2ª Serie nº 288, de 13/12/2002, de 5 de Março, cf. processo camarário junto aos autos.
QQ) O Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Loures para o ano 2007 foi publicado no Diário da Republica, 2ª Serie, nº 121, de 26/06/2007, cf. processo camarário junto aos autos.

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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para a questão que nos vem colocada.
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II.2. Do Direito
Conforme resulta dos autos, constitui objecto do presente recurso a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que perante a impugnação judicial intentada pela sociedade G., S.A., aqui Recorrente, contra os actos de liquidação e cobrança de taxas urbanísticas liquidadas pela Camara Municipal de Loures, absolveu a entidade demandada da instância face á procedência da excepção da preterição de decisão arbitral.
A sentença a quo pronunciou-se nos seguintes termos:
“ (…) a lei admite que as partes, através da convenção de arbitragem, renunciem ao princípio do juiz natural, isto é, à jurisdição pública.
Assim, in casu, importa verificar a existência de uma convenção arbitral susceptível de aplicação ao litígio que foi trazido perante este Tribunal, e se a resposta for positiva, é quanto basta para concluir que a propositura da presente impugnação constitui violação da convenção de arbitragem ou preterição do tribunal arbitral.
A preterição do tribunal arbitral é uma excepção dilatória, que só o réu pode, querendo, invocar (artigo 495.º do CPC) e que determina a absolvição do réu da instância (cfr. artigo 493.º, n.º 2, do CPC).
Ora, não temos dúvidas que as partes celebraram convenção de arbitragem relativa à Urbanização do Infantado, em data anterior à dedução da presente impugnação. Primeiro no contrato celebrado em 21/06/1988, conforme decorre das alíneas j) e k) do probatório e, posteriormente, por iniciativa da Impugnante foi acordado a constituição de uma comissão arbitral para decidir quais os regulamentos aplicáveis às taxas liquidadas pelo Município de Loures (cfr. alíneas ii) e jj))
Quer a cláusula nona do Contrato celebrado em 21/06/1988, quer o requerimento da Impugnante de 30/09/2008, depois de ter obtido a concordância do Município de Loures, configuram pactos atributivos (e simultaneamente privativo) de jurisdição a um tribunal arbitral.
Tal convenção de arbitragem não é inválida ou ineficaz, visto que houve lugar a pronuncia pelo Tribunal Arbitral e é aplicável ao caso dos presentes autos.
Aliás, conforme decorre do exposto, as questões relativas à validade, à eficácia e à aplicabilidade da convenção de arbitragem ao litígio submetido ao Tribunal Tributário estão subtraídas à jurisdição do juiz.
Por outro lado, se para julgar alguma das questões o Tribunal Tributário tiver de julgar a relação das partes ou o acto gerador dela, estará, também nesse julgamento, a autorizar a violação da convenção de arbitragem.
(…)
Importa concluir que a propositura da presente impugnação, cuja petição inicial é praticamente igual à apresentada na Comissão Arbitral, embora os pedidos formulados sejam literalmente diferentes, acabam por reconduzem-se ao mesmo pedido, configura violação de pacto privativo de jurisdição.
Face ao supra exposto, tendo as partes estipulado a competência de um tribunal arbitral para dirimir as questões objecto dos presentes autos, concluiu-se pela violação do pacto privativo de jurisdição, julgando-se procedente a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral.

Perante o decidido, veio agora o Recorrente, nas suas alegações e conclusões de recurso, invocar que até à entrada em vigor do RJAT, em 25/01/2011, aprovado pelo DL 10/2011, de 20 de Janeiro, a impugnação de actos tributários de liquidação, que integra o objecto do presente processo judicial, não era litígio arbitrável, constituindo matéria da exclusiva competência dos Tribunais Tributários; Diz ainda que a douta sentença recorrida enferma de manifesto erro de julgamento, pois as pretensas convenções arbitrais celebradas pelas partes, em 1988 e em 2008-2009, não abrangeram e nunca poderiam ter abrangido a presente impugnação judicial e sempre seriam nulas.

Vejamos.
Conforme resulta do probatório a Impugnante e a entidade demandada celebraram em 21/06/1998, um contrato relativo à urbanização da Quinta do Infantado, no âmbito do processo n.º /L, tenho expressamente convencionado que quaisquer litígios relativos à interpretação, execução ou extinção do contrato seriam decididos por um Tribunal Arbitral composto por três árbitros, cabendo a cada outorgante designar um árbitro e sendo o terceiro escolhido por estes. A constituição e funcionamento do Tribunal arbitral serão regulados pelo disposto na Lei n.º 31 /86, de 29 de Agosto e demais legislação aplicável (cfr. alíneas j) e k) do probatório e fls. 112 e segs.)
O artigo 212º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, na versão de 1982, tal como na de hoje (art. 209º, n.º 2), previa a existência de tribunais arbitrais.
A Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, (Lei de Bases da Arbitragem Voluntária - LAV), materializou o quadro normativo de afirmação desta nova realidade jurisdicional.
O artigo 1º desse diploma dispõe:
“ (Convenção de Arbitragem)
1 – Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial
ou a arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros.
2 – A convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que se
encontre afecto a tribunal judicial (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória).
3 – As partes podem acordar em considerar abrangidas no conceito de litígio, para além das questões de natureza contenciosa em sentido estrito, quaisquer outras, designadamente as relacionadas com a necessidade de precisar, completar, actualizar ou
mesmo rever os contratos ou as relações jurídicas que estão na origem da convenção de
arbitragem.
4 – O Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, se para tanto forem autorizados por lei especial ou se elas tiverem por objecto litígios respeitantes a relações de direito privado.
Artigo 3.º
(Nulidade da convenção)
É nula a convenção de arbitragem celebrada com violação do disposto nos artigos 1º,
nºs 1 e 4, e 2º, nºs 1 e 2.
Por sua vez, o n.º 1, do artigo 118.º do Dec.-Lei n.º 555, de 16 de Dezembro, dispõe que “para a resolução de conflitos na aplicação dos regulamentos municipais previstos no artigo 3,º podem os interessados requerer a intervenção de uma comissão arbitral

A Jurisprudência, nomeadamente o STA no douto Ac. de 0296/09 de 25/06/2009, pronunciou-se sobre a competência dos tribunais da seguinte forma:
“Os tribunais arbitrais são, actualmente, uma categoria de tribunais expressamente prevista na Constituição, como vimos, “Podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz” – art. 209º, 2 da CRP.
O art. 205º, 4, da CRP permite que a lei possa “institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos”, desde que, como sublinham GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª Edição, Coimbra, 1993, pág. 793, “não estejam em causa bens indisponíveis, ou direitos liberdades e garantias”.
A Lei da Arbitragem Voluntária – Lei 31/86, de 29 de Agosto – vem permitir em termos genéricos a “convenção de arbitragem” de “qualquer litígio” que “não respeite a direitos indisponíveis.” – art. 1º, n.º 1. O mesmo art. 1º, n.º 4 permite, literalmente, que o Estado e outras pessoas colectivas de direito público possam celebrar convenções de arbitragem desde que a lei o autorize.
O ETAF de 1984 e 2002 permite, de resto, “tribunais arbitrais no domínio do contencioso dos contratos administrativos” – art. 2º, n.º 2 do ETAF. Entendimento sufragado no Código de Procedimento Administrativo, em termos muito amplos: “É válida a cláusula compromissória pela qual se disponha que devem ser decididas por árbitros as questões que venham a suscitar-se entre as partes num contrato administrativo”. – art. 188º do CPA.
E se é verdade que nos termos do art. 212º, 3 da CRP compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais “o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”, o certo é que se tem entendido que esta reserva não é absoluta – cfr. Acórdão do Tribunal de Conflitos de 23-1-2008, proc. 017/07: “é dominante a interpretação com o sentido de que a cláusula consagra uma reserva relativa, um modelo típico, que deixa à liberdade do poder legislativo a introdução de alguns desvios, aditivos ou subtractivos, desde que preserve o núcleo essencial do modelo de acordo com o qual o âmbito regra da jurisdição administrativa corresponde à justiça administrativa em sentido material.
Neste sentido, por exemplo: VIEIRA DE ANDRADE, in “ A Justiça Administrativa”, 4ª ed., p. 107 e segs. SÉRVULO CORREIA, in “Estudos em Memória do Prof. Castro Mendes, “ 1995, p. 254 RUI MEDEIROS, “Brevíssimos tópicos para uma reforma do contencioso de responsabilidade”, in CJA, nº 16, pp. 35 e 36. JORGE MIRANDA, “Os parâmetros constitucionais da reforma do contencioso administrativo”, in CJA, nº 24, p. 3 e segs.”
Note-se, finalmente, que a arbitragem tem vindo a ser “crescentemente encarada como um instrumento apto à resolução de litígios relativos a actos administrativos, nos domínios em que a Administração não esteja vinculada e, portanto, em que o objecto do litígio se encontre em maior ou menor medida, na sua disponibilidade” – AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHE, C.P.T.A, anotado, Coimbra (Almedina), 2005, pág. 884. Tanto assim que o actual CPTA vem permitir, agora expressamente, no art. 180º, 1, a), que pode ser constituído tribunal arbitral para dirimir “questões respeitantes a contratos, incluindo a apreciação de actos administrativos relativos à sua execução”.
Contudo, mesmo antes da aceitação expressa pelo actual CPTA, julgamos acertada a tese que permitia a sujeição de alguns litígios sobre relações jurídicas administrativas – mais concretamente os litígios relativos à execução dos contratos administrativos e à responsabilidade civil extracontratual – não descaracteriza a regra de que a jurisdição administrativa corresponde à justiça administrativa em sentido material.
Havia, dado o disposto no art. 2º, 2 do ETAF, lei expressa que autorizava a sujeição de tais litígios a tribunais arbitrais – que a própria CRP previa como meio de resolução de litígios.
Deste modo, e sendo certo que – no presente caso – as questões a dirimir dizem respeito á execução do contrato, versa sobre direitos disponíveis e não se insere em actividade da Administração estritamente vinculada, nada obsta a que a mesma deva ser submetida a julgamento nos tribunais arbitrais, pois é esse o “foro” acolhido nas Bases da Concessão.”

Como vimos, a LAV de 86, em vigor à data da celebração das convenções arbitrais, aqui em causa, de 1988 e de 2008-2009 não permitia a celebração de qualquer pacto privativo de jurisdição, para apreciação de qualquer matéria em que estivesse em causa direitos indisponíveis. Adiante-se desde já que, a possibilidade de determinado litígio ser submetido à apreciação de tribunal arbitral, dependia, sob pena de nulidade (v. art. 1º e 3º da LAV 86), da verificação das seguintes condições e requisitos:
- Estar em causa litígio que não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária (v. art. 1º/1 da LAV 86; cfr. art. 1º/1 da NLAV);
- O litígio não respeitar a direitos indisponíveis (art. 1º/1 da LAV 86);
- Existir lei especial que permita a celebração de convenção de arbitragem (v. art. 1º/3 da LAV 86 e art. 1º/1 da NLAV); ou
- O processo tenha simplesmente por objecto litígios respeitantes a relações dedireito privado (v. art. 1º/3 da LAV 86 e art. 1º/1 da NLAV);
Ora, a matéria tributária, mais concretamente a impugnação de actos de liquidação de tributos, não se enquadra em nenhumas das previsões supra referidas, com efeito, só após a aprovação e entrada em vigor do Regulamento Jurídico da Arbitragem Tributária pelo DL 10/2011, de 20 de Janeiro, que veio estabelecer inovatoriamente o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária e passou a ser possível a submissão a Tribunal Arbitral de pretensões que tenham por objecto a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, cfr. Jorge Lopes de Sousa, Algumas notas sobre o regime da arbitragem tributária, in A Arbitragem Administrativa (e Tributária), 2011, p.p. 63 e segs.).
Leia-se o preambulo do referido RJAT:
“Em terceiro lugar, fixam-se com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral. Assim, encontram-se abrangidas pela competência dos tribunais arbitrais apreciação da declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e os de pagamento por conta, a declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais e, bem assim, a apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão anteriormente referida.”

Voltado ao caso que aqui nos ocupa, importa referir que conforme consta do teor das alíneas j) e k) dos factos provados, a matéria do acordo arbitral celebrado na cláusula nona do contrato entre a Recorrente e a Camara Municipal de Loures relativo à urbanização da Quinta do Infantado, os litígios relativos à interpretação, execução ou extinção do contrato seriam decididos por um Tribunal Arbitral. Como resulta do teor verbal do negócio jurídico formal celebrado a convenção constante da respectiva cláusula nona respeitava apenas a litígios que pudessem vir a surgir pelo incumprimento da obrigação assumida pelo Município de Loures naquele contrato, no sentido de elaborar, no prazo de três meses, um “estudo de expansão urbana da Vila de Loures, de forma a dar orientações gerais para a urbanização da Quinta do Infantado” (v. cláusulas 1ª e 2ª do acordo) respeitando os índices e parâmetros urbanísticos genericamente definidos nas respectivas (cláusulas 3ª e 4ª) comprometendo-se aquela autarquia a aprovar os “pedidos de loteamento...que se conformem com os parâmetros urbanísticos fixados no presente acordo” (cláusula 5ª);
Assim sendo, estando o contrato referido celebrado entre ambas as partes relativo à urbanização em causa entre os direitos disponíveis é, como tal, passível de convenções arbitrais quanto à sua interpretação, execução e extinção.

Por outro lado, a impugnação intentada pela Recorrente versa sobre o indeferimento das reclamações graciosas por si deduzidas contra os actos de liquidação e cobrança de taxas urbanísticas aplicadas pelo Município de Loures nos processos nºs e , no valor de €30.234.831,75. Invoca o Recorrente como causas de pedir: “Da inconstitucionalidade dos regulamentos de Taxas da CML de 2002 e de 2007” e “Da Invalidade e inexigibilidade das taxas em causa”. Termina pedindo a nulidade e anulação das liquidações e cobrança dos tributos exigidos e pagos e a condenação do Município de Loures à devolução das quantias acrescidas de juros indemnizatórios.
Perante o pedido e a causa de pedir da presente impugnação judicial e após leitura atenta de todo o seu articulado, conclui-se que o seu objecto é a impugnação de actos tributários de liquidação que, face a tudo que foi dito, à data da sua propositura não era litígio arbitrável, constituindo matéria da exclusiva competência dos Tribunais Tributários e não versa sobre a interpretação, execução ou extinção do referido contrato.
Assim, sendo, e não se tendo verificado, in casu, qualquer preterição do Tribunal Arbitral, conforme se demonstrou, procede o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida.

DO CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO
Haverá, agora, que saber se, de acordo com o art. 665º, do CPC, se pode aplicar no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, tudo ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, no caso concreto, se sobrepõem à eventual preocupação de supressão de um grau de jurisdição. A competência conferida à 2ª Instância para reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar, em via de substituição, o julgado em 1ª Instância, apenas é possível se do processo constarem todos os elementos de prova - cf. art. 665º n° 2 do CPC.

Vejamos,
Na pi da presente impugnação foram suscitadas varias questões pela Impugnante, a saber, a inconstitucionalidade dos regulamentos de Taxas da CML de 2002 e de 2007 e a invalidade e inexigibilidade das taxas em causa, por entender que consubstanciam verdadeiros impostos (ou contribuições especiais) violando os artigos 103º nº 2 e 165º nº 1 alínea i) e 112º nº 7 da CRP e 4º nº 4 da LGT. Mais invoca a ilegalidade e inaplicabilidade dos referidos regulamentos por não conterem a indicação de quaisquer normas de habilitação, uma vez que não indicam a respectiva lei habilitante. Finalmente entende que foram violados os princípios constitucionais da proporcionalidade, confiança e boa-fé e que foram preteridas formalidades essenciais como a falta de fundamentação e audiência prévia.
Termina pedindo a nulidade e anulação das liquidações e cobrança dos tributos exigidos e pagos e a condenação do Município de Loures à devolução das quantias acrescidas de juros indemnizatórios.
Ora, no caso concreto, estamos na posse de todos os elementos não se alcançando necessidade de a prova ser acrescida com qualquer uma outra.

Ouvidas as partes nos termos do artigo 665º nº 3 do CPC, ex vi artigo 2º do CPPT, cumpre conhecer.

DA INAPLICABILIDADE DOS REGULAMENTOS DA TABELA DE TAXAS E LICENÇAS DO MUNICIPIO DE LOURES DE 2002 A 2007
A impugnante, G., SA, alega que os regulamentos de taxas e licenças do Município de Loures de 2002 e 2007 não são aplicáveis ao caso sub judice por serem inconstitucionais uma vez que as taxas por eles criadas consubstanciam verdadeiros impostos (contribuições especiais) violando assim a Constituição da Republica Portuguesa, nomeadamente o artigo 103º nº 2, 112º nº 7 e 165º nº 1 da CRP e artigo 4º nº 3 da LGT.
Ora, sobre este assunto pronunciou-se este TCA Sul, no douto acórdão nº 2174/08 de 17/02/2009, onde se analisa a impugnação de tributos liquidados pela Camara Municipal de Loures relativa a taxas de realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas (vulgarmente conhecida como taxa de urbanização), tal como está em causa nos presentes autos, pelo que ao mesmo aderimos e aqui reproduzimos na parte relativa à apreciação da ilegalidade.
“(…)
3. Está desde logo em causa saber se estamos perante uma taxa ou perante um imposto.
Tratamos a questão no acórdão de 26/6/2002 (rec. nº. 25809), em termos que obviamente merecem a nossa concordância, e que não foram contraditados em sede de apreciação de constitucionalidade.
Diremos desde já, e encurtando razões, que a denominada taxa de urbanização, prevista no art. 1º da Taxa Municipal de Infra-Estruturas Urbanísticas da CML, é uma taxa e não um imposto.
O que distingue a taxa do imposto?
Vejamos então.
A definição de imposto é pacífica. Teixeira Ribeiro, in Lições de Finanças Públicas, 5ª Edição, a págs. 258, define-o como uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem o carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos.
Diogo Leite de Campos, no seu Direito Tributário, a págs. 22, define-o como uma prestação patrimonial, integrada numa relação obrigacional, imposta por lei a um sujeito, a favor de uma entidade que exerça funções públicas, com o fim de satisfazer os seus objectivos próprios, e sem carácter de sanção.
Nuno de Sá Gomes, no seu Manual de Direito Fiscal, Volume I, 1995, a págs. 59, define-o como prestação patrimonial definitiva positiva e independente de qualquer vínculo anterior, definitiva e unilateralmente ou não sinalagmática, estabelecida pela lei a favor de entidades que exerçam funções públicas e para satisfação de fins públicos, que não constituam sanção de actos ilícitos.
Com este último Autor, podemos dizer que se trata de:
a) uma prestação patrimonial positiva;
b) independente de qualquer vínculo anterior;
c) definitiva;
d) unilateral ou não sinalagmática;
e) estabelecida por lei;
f) a favor de entidade que exerça funções públicas;
g) para satisfação de fins públicos;
h) que não constitua sanção ou prevenção de actos ilícitos.
E como definir a taxa?
O conceito de taxa tem sido objecto de longa elaboração doutrinal e jurisprudencial Teixeira Ribeiro, na Revista de Legislação e Jurisprudência, nº. 112, pág. 294, define-a como a quantia coactivamente paga pela utilização individualizada de bens semi-públicos, ou como o preço autoritariamente fixado de tal utilização.
E o parecer da Procuradoria Geral da República, de 15 de Dezembro de 1992, in Diário da República, 2ª Série, de 4/6/93, reproduzindo o Parecer nº. 64/80, bem como o Acórdão deste STA, de 10/2/83 (in Acórdãos Doutrinais, nº. 257, pág. 579), defendem ser a taxa o preço autoritariamente estabelecido, pago pela utilização individual de bens semi-públicos, tendo a sua contrapartida numa actividade do Estado ou de outro ente público, especialmente dirigida ao obrigado ao pagamento.
Segundo Alberto Xavier, in Manual de Direito Fiscal, págs. 42 e 43, as taxas individualizam-se, no terreno mais vasto dos tributos, por revestirem carácter sinalagmático, não unilateral, o qual, por seu turno, deriva funcionalmente da natureza do acto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública, ou na utilização de bens do domínio público, ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares.
Para Sousa Franco, in Finanças Públicas e Direito Financeiro, págs. 491 e ss., a taxa é uma prestação tributária (ou tributo) que pressupõe ou dá origem a uma contraprestação específica, resultante de uma relação concreta (que pode ser ou não de benefício) entre o contribuinte e um bem ou serviço público.
Em suma, temos como elementos essenciais do conceito de taxa: prestação pecuniária imposta coactiva ou autoritariamente; pelo Estado ou outro ente público; sem carácter sancionatório; utilização individualizada, pelo contribuinte, solicitada ou não; de bens públicos ou semi-públicos; com contrapartida numa actividade do credor especialmente dirigida ao mesmo contribuinte - Acórdão do STA de 2/3/94 - rec. 17.363 - in Ap. DR de 28/11/96, págs. 794 e ss..
Descendo agora ao caso concreto, podemos dizer o seguinte:
A taxa em questão tem previsão no art. 1º da Taxa Municipal de Infra-Estruturas Urbanísticas, que dispõe
:"É estabelecida a taxa Municipal pela Realização de Infra-estruturas Urbanísticas, que constitui a contrapartida, devida ao Município, pelas utilidades prestadas aos particulares pelas infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias, cuja realização, remodelação, reforço, ou sobrecarga seja consequência de operações de construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou de alterações na forma de utilização destes".
Aqui há – reconheça-se uma contrapartida para o particular, como claramente se prevê no texto legal.
Daí pois a possibilidade de estarmos perante uma taxa, pois que aqui há um verdadeiro sinalagma.
É certo que no caso concreto não vem provado que a Câmara tenha executado ou suportado financeiramente a instalação ou reforço de quaisquer infra-estruturas urbanísticas que se tivesse tornado necessária em consequência do licenciamento e construção da obra da ora impugnante.
Mas uma construção, para mais do volume da considerada nos autos, provoca eventual e previsivelmente a necessidade do reforço de determinadas infra-estruturas (actuais ou futuras), mas exige sempre a sua manutenção (actual e futura), pelo que se é levado à conclusão necessária que o não suporte actual de financiamento, por parte da Câmara Municipal, com a instalação e reforço de infra-estruturas, não significa que quer o reforço das infra-estruturas, quer a sua manutenção, não tenham necessariamente lugar no futuro.
E a sobrecarga das infra-estruturas não deixa de ser uma consequência directa da realização de obra de tal envergadura.
Traz-se, a propósito, à colação o acórdão do Tribunal Constitucional de 15/06/99 ( Acórdão n. 357/99/T. Const. - Proc. nº. 1005/98, in DR. II Série, n. 52, de 2/3/2000).
Aí se escreveu:
"Na verdade, afastada a exigência de uma absoluta correspondência económica entre as prestações do ente público e do utente, o critério adoptado fundamentalmente pela ponderação da área de construção - índice quer da utilidade retirada pelo obrigado quer do grau de exigência na realização, reforço, manutenção ou funcionamento de obras de infra-estruturas urbanísticas - não deixa de ser ditado por uma preocupação de proximidade entre o custo e a utilidade da prestação do serviço e o montante da taxa.
"E também não contradiz a bilateralidade da taxa a eventualidade de a prestação do serviço não implicar vantagens ou benefícios para quem é obrigado ao pagamento, muito embora seja considerável, no caso, a probabilidade dessas vantagens ou benefícios em qualquer das modalidades de obras de infra-estruturas urbanísticas (realização, reparação, manutenção e funcionamento) em geral exigíveis, ou convenientes, quando se efectuam as construções ou operações de loteamento referidas nos artºs. 2º e 3º do Regulamento, o que do mesmo modo retira o carácter presuntivo, em abstracto, das maiores despesas ou encargos por parte da pessoa pública que é próprio das contribuições especiais por maiores despesas.
"Por outro lado, a circunstância de aquelas obras poderem gerar utilidade para a generalidade da população não contende com o facto de elas serem efectuadas no interesse do onerado, que delas retira, ou pode retirar, uma utilidade própria (o serviço prestado é, nesta dimensão, específico e divisível)".

Estas considerações, feitas a propósito do "Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização de Amarante", têm evidente similitude, a nosso ver, com a hipótese normativa em apreciação”.
Assim sendo, como julgamos que é, não se pode dizer que a denominada taxa de urbanização, liquidada pela Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo da referida norma legal, ora em apreciação, não seja uma taxa.
É efectivamente uma taxa.
E como tal não enferma da invocada inconstitucionalidade.
Ora, posto isto, e pondo em cotejo as definições atrás expostas, devemos concluir que a denominada taxa municipal de realização de infra-estruturas urbanísticas é uma verdadeira taxa.

Muito recentemente, o TC foi chamado a pronunciar-se sobre a natureza do tributo em causa, tendo concluído pela sua natureza de taxa (vide acórdão n. 258/2008, de 30/4/2008 – Proc. nº. 258/2008 – vide DR; II Série, nº. 108, de 5/6/2008).
Remetemos para os termos do citado aresto, que, no tocante ao juízo de constitucionalidade – aqui em causa – merece a nossa inteira concordância.

Escreveu-se nomeadamente no citado aresto:
“2.6 –Da qualificação da TRIU.
“Após estes longos considerandos, cabe agora perguntar se é possível … atribuir a natureza de imposto ou de contribuição especial ao tributo sub judice, com todas as consequências daí advenientes, nomeadamente a inconstitucionalidade orgânica das normas do Regulamento Municipal que foram aplicadas no caso concreto ou se estamos perante uma verdadeira taxa, tal como ela foi rotulada e o acórdão recorrido sustenta”.
E depois de abundante argumentação, o aresto em causa conclui assim:
“Perante a análise efectuada, concluiu-se que o regime da TRIU, con­sagrado no RTRIU, na versão aqui apreciada, cria uma verdadeira taxa e não um imposto, pelo que não está sujeita à regra da reserva de lei para a sua criação e determinação dos elementos essenciais, podendo a sua previsão constar de simples regulamento municipal, aprovado pela assembleia municipal, nos termos das leis das Finanças Locais e das Autarquias Locais então em vigor.
“O recorrente alega ainda que as normas do RTRIU violam "os princípios constitucionais da igualdade, justiça, proporcionalidade, iniciativa privada, segurança, confiança e boa fé (v. artigos 2.°, 9.°, 13.°, 18.°,61.°, 103.° e 266.° da CRP)", repetindo os argumentos que, na sua óptica, exigiriam que a TRIU só pudesse ser criada através de lei aprovada pela Assembleia da República, isto é que o referido Regulamento não assegurava nem uma equivalência económica entre o valor da taxa paga e a prestação pública com ela conexionada, nem sequer a existência da própria prestação pública.

“Como acima se verificou nenhuma destas acusações ao RTRIU pro­cede, não se mostrando, pois, que o analisado regime viole qualquer um dos citados parâmetros constitucionais, pelo que o recurso interposto deve ser julgado improcedente”.
É este um entendimento que merece a nossa inteira concordância, e que subscrevemos sem reserva.

E no tocante à referida violação dos princípios constitucionais dos princípios da justiça e proporcionalidade, e para além dos considerandos e decisão (sobre o ponto) do Tribunal Constitucional, poderemos referir a argumentação que sobre a questão produziu o EPGA no seu douto parecer, e que merece igualmente a nossa concordância.
Escreveu o distinto Magistrado:
“O sujeito passivo não demonstrou:
a) um valor intrínseco da taxa manifestamente excessivo em relação ao custo da contrapartida a prestar pelo município, em termos de rotura inequívoca da correspectividade pressuposta na relação sinalagmática
b) o manifesto desequilíbrio da equação económica estabelecida entre o montante da taxa paga e o valor do benefício que retira das infra-estruturas urbanísticas realizadas ou a realizar pela autarquia, em consequência da operação de construção aprovada (cf. art.1 ° Regulamento da TRIU Lisboa)” .
Concluímos assim que estamos perante uma taxa, que não sofre de qualquer desvio constitucional.
Assim, as conclusões que versam a alegada inconstitucionalidade das normas da TRIU não sofrem de qualquer inconstitucionalidade, pelo que tais conclusões improcedem necessariamente.”

Cfr. no mesmo sentido, entre muitos, os Acórdãos do TCA de 29-05-2007, do TCAS- Secção CT-1.ºJUÍZO LIQUIDATÁRIO, Recurso nº 05306/01, 01241/06, 07-11-2006, Secção: CT - 2.º JUÍZO, Recurso nº 01241/06, de 27-04-2006, Secção: CT - 2.º Juízo Liquidatário, Recurso nº 00497/05 e de 20-04-2006, Secção: CT - 1.º Juízo Liquidatário, Recurso nº 02552/99.
Todos eles perfilham o entendimento de que a taxa municipal de urbanização constitui a contrapartida pela manutenção e reforço das infra-estruturas urbanísticas decorrentes de construções e operações de loteamento e obras de urbanização. Esta taxa destina-se a financiar os encargos suportados pelo município na realização de obras, ainda que esta decorram em zonas contíguas às urbanizações a que se destinam e não no interior do loteamento.
E em todos esses arestos se acentua que a referida taxa não implica a afectação financeira das receitas provenientes da sua cobrança à compensação de concretas despesas efectuadas podendo respeitar a despesas já efectuadas ou a efectuar, pela autarquia, directa ou indirectamente causadas pelas obras de urbanização não tendo aquela taxa que funcionar sincronicamente com estas despesas de urbanização.
A essa luz, a não realização imediata dessas infra-estruturas que constitui a contraprestação da autarquia, não constitui pressuposto da incidência objectiva daquela taxa, na medida em que essa contraprestação se pode também projectar no futuro.
Acresce que o artº 13º, nº 1, alínea e) do DL nº 448/91, de 29 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo DL nº 334/97, de 28 de Dezembro, favorece este entendimento, já que permite ao município indeferir um pedido de loteamento quando esse:
a) constituir comprovadamente uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas ou serviços gerais existentes;
b) implicar, para o município, a construção ou mautenção de equipamentos, a realização de trabalhos ou a prestação de serviços por ele não previstos” (V. Acórdão do STA (1ª Secção – 2ª Subsecção), de 30.05.06 – Recurso nº 407/05).
Um exemplo poderá servir para distinguir esta matéria.

Assim, um particular efectua um pedido de loteamento que necessita, obviamente, de instalação de água, saneamento básico, electricidade, etc. Por força do alvará de loteamento cabe a esse loteador realizar, dentro do loteamento, essas obras de urbanização. Porém, dado que na zona existem outros loteamentos, o respectivo município teve de reforçar as condutas de água, de aumentar a potência eléctrica, de ampliar os serviços de recolha de resíduos sólidos e do tratamento das águas residuais e de abastecimento.
Ora, como está bem de ver, estas são despesas gerais do município a que o loteamento (ou loteamentos) obrig(ou)aram. Daí que a exigência da taxa de urbanização a que nos vimos referindo constitua a contraprestação pelas obras que o município, ou de imediato ou no futuro, está obrigado a realizar devido à aprovação do loteamento.”
Face ao exposto, resta concluir pela improcedência do vício invocado.

DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DOS REGULAMENTOS DOS REGULAMENTOS DA TABELA DE TAXAS E LICENÇAS DO MUNICIPIO DE LOURES DE 2002 A 2007, POR FALTA DE INDICAÇÃO DA LEI HABILITANTE.
A impugnante invoca ainda a inconstitucionalidade formal e a ilegalidade dos referidos Regulamentos por não conterem a indicação da respectiva Lei Habilitante. Por seu turno o Município de Loures fundamenta que a Lei das Finanças Locais, aprovada pela Assembleia da Republica, que autoriza os municípios a cobrarem taxas, designadamente as referentes a obras de urbanização, é a lei habilitantes para os respectivos regulamentos.
Vejamos, fazendo apelo ao douto Acórdão do STA, proferido no processo 964/08 de 08/07/2009, ao qual aderimos por se tratar de um assunto em tudo idêntico ao dos presentes autos eno qual se pode ler o seguinte:
“Vem interposto recurso do acórdão do TCAS que confirmou a sentença do Mmo. Juiz do TAF do Funchal que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pelo ora recorrente contra a liquidação, em 16/12/1994, pelo Município do Funchal de uma Taxa Municipal Urbanística relativa a infraestruturas prevista no Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças Municipais da Câmara Municipal do Funchal.
Suscita, desde logo, o recorrente a inconstitucionalidade das normas de tal Regulamento, porquanto o referido regulamento não contem a indicação de normas de habilitação e os elementos essenciais do tributo em causa nunca poderiam ser objecto de simples regulamento municipal.
Vejamos.
O acto impugnado foi praticado ao abrigo do Regulamento de Taxas e Licenças do Município do Funchal, aprovado pela Assembleia Municipal do Funchal em 9/5/1994, e publicitado pelo Edital da Assembleia Municipal do Funchal n.º 11/94, de 10/5/1994.
Quer o citado regulamento quer o edital que lhe confere publicidade não contêm a indicação da lei habilitante (v. docs. de fls. 736/742).
Nos termos do artigo 115.º, n.º 7 da CRP (actual artigo 112.º, n.º 7), os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão.
Se tal não acontecer, como é o caso, padece tal regulamento de inconstitucionalidade formal (v., neste sentido, acórdãos do TC n.º 220/2001, de 2002.05.22, e do STA de 2/11/06, no recurso n.º 516/06).
Por outro lado, os regulamentos municipais que tenham por objecto a fixação de regras relativas à construção, fiscalização e taxas de operações de loteamento e de obras de urbanização, com excepção dos previstos no Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, são obrigatoriamente submetidos a inquérito público, pelo prazo de 30 dias, antes da sua aprovação pelos órgãos municipais competentes, e são publicados no Diário da República (artigo 68.º-B do DL n.º 448/91, de 29 de Novembro).
A falta de publicação destes regulamentos nos termos sobreditos implica a sua ineficácia jurídica (v. artigo 122.º, n.º 2 da CRP (92), em vigor à data da aprovação e publicação da deliberação da AMF de 9/5/94, actual artigo 119.º, n.º 2 da CRP/04).
O princípio da publicidade dos actos com conteúdo genérico dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local é uma exigência lógica do princípio do estado de direito democrático (v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP anotada, págs. 547/548).
Sem a publicação das normas regulamentares nos termos e com o conteúdo assinalado, não é possível determinar ou exigir dos particulares as
taxas urbanísticas em causa.
Do exposto, resulta, assim, claramente que as normas do RTLMF são manifestamente inconstitucionais e inaplicáveis neste caso.

Consequentemente, o acto impugnado, ao fundar a liquidação nesse Regulamento, enferma de erro sobre os pressupostos de direito, que constitui vício de violação de lei e justifica a sua anulação (arts. 99.º do CPPT e 135.º do CPA).
A solução jurídica desta questão prejudica a apreciação das demais questões suscitadas respeitantes à legalidade do acto tributário de liquidação impugnado, praticado com fundamento em normas regulamentares inquinadas de inconstitucionalidade formal (artigo 660.º, n.º 2 do CPC).”


Ora, após compulsado o teor dos referidos regulamentos e das respectivas publicações verifica-se que ambos indicam, no artigo 1º, as respectivas leis habilitantes, nos seguintes termos:
Artigo 1.º
Lei habilitante
O presente Regulamento é elaborado ao abrigo e nos termos dos artigos 238.º e 241.º da Constituição da República Portuguesa, artigos 4.º, 16.º e 19.º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, alterada pelas Leis n.ºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 3-B/2000, de 4 de Abril, 15/2001, de 5 de Junho, e 94/2001, de 20 de Agosto, artigos 114.º a 119.º do Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Agosto, e alíneas a) e e) do n.º 2 do artigo 53.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, e rectificada pelas Declarações de Rectificação n.º 4/2002, de 6 de Fevereiro, e n.º 9/2002.”
e
Artigo 1.º
Lei habilitante
O presente Regulamento é elaborado ao abrigo e nos termos dos artigos 238.º e 241.º da Constituição da República Portuguesa, dos artigos 4.º, 16.º e 19.o da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, e alterada pelas Leis n.os 87-B/98, de 31 de Dezembro,3-B/2000, de 4 de Abril, 15/2001, de 5 de Junho, e 94/2001, de 20 de Agosto, e pela Lei Orgânica n.º 2/2002,de 28 de Agosto, dos artigos 114.o a 119.o do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Agosto, das alíneas a) e e) do n.º 2do artigo 53.o da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, e esta rectificada pelas Declarações de Rectificação n.ºs 4/2002, de 6 de Fevereiro, e 9/2002, de 5 de Março, da lei geral tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, com as alterações subsequentes, e do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 435/99, de 26 de Outubro, com as alterações que lhe foram posteriormente introduzidas.”
Assim sendo, e sem necessidade de mais delongas por razões óbvias, resta concluir pela improcedência desta alegação.

DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO E COBRANÇA DAS TAXAS DE URBANIZAÇÃO.
A Impugnante alega ainda na sua pi que o acto de liquidação das taxas, aqui em causa, apresenta fundamentação insuficiente, obscura e incongruente violando os artigos 268º da CRP, art.s 124º e 125º do CPA e arts. 77º e seguintes da LGT.
Ora, conforme resulta do probatório, nomeadamente alíneas aa) a cc), a liquidação da taxa resultou de:
i) informação n°/DGU/DGPE/RQ, datada de 07/11/2007 propôs a emissão de novo aditamento ao alvará n°/79 relativo às obras de urbanização requeridos em 09/09/2005 pela Impugnante para lotes das 5.ª e 6.ª fases da Quinta do Infantado;
ii) Sobre a informação referida na alínea anterior recaiu a proposta da Directora do Departamento de Administração Urbanística, de «aferição do valor das taxas a liquidar aquando da emissão do alvará de loteamento - Tabela de 2007 (em vigor)», no montante de € 18.218.699,78 (cfr. processo camário);
iii) Em 07/11/2003, foi exarado sobre a Informação n°/DAU/JCT/2003, despacho «Concordo", pelo Vereador J. (cfr. processo camarário); I
iv) Em 14/11/2007, a Câmara Municipal de Loures aprovou os projectos das obras de urbanização relativas às 5.ª e 6.ª fases e a «aferição do valor a liquidar quando da emissão do alvará de loteamento", fixando o respectivo montante em€ 18.218.699,78 (cfr. processo camarário);

A fundamentação dos actos em matéria tributária é configurada como uma garantia dos contribuintes, sendo certo que, nos termos do artigo 21°, n° 1 do referido Código, “as decisões em matéria tributária que afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes conterão os respectivos fundamentos de facto e de direito.”
A fundamentação deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, sendo certo que é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de acto, devendo permitir ao seu destinatário conhecer o iter cognoscitivo do autor do acto e conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro.
Aliás basta os factos supra mencionados e as respectivas fundamentações para se perceber a sem-razão da Impugnante.
A liquidação da taxa em causa está fundamentada, de facto e de direito, e foi levado ao conhecimento da Impugnante todo o percurso cognoscitivo, que, como imediatamente acima dissemos é um destinatário diligente, de modo a que esta entendesse os motivos que no caso concreto levaram à liquidação e cobrança de uma taxa urbanística.
Pelo que um acto está fundamentado sempre que o administrado, como destinatário normal, ficar devidamente esclarecido acerca das razões que o determinaram estando, consequentemente, habilitado a impugná-lo convenientemente, não tendo, todavia, a fundamentação de ser exaustiva mas acessível Acórdão do STA de 2/2/2006, rec. n. 1114/05, cfr., por todos, o Ac. do STA de 26/05/2004 rec. 742/03.
Dito isto, logo concluímos, como atrás dissemos, que, em função do circunstancialismo concreto, já descrito, a fundamentação do acto é expressa, clara, suficiente e congruente.
Perante esta argumentação, e bem assim, o arrazoado de factos levados ao probatório da sentença recorrida, nomeadamente aqueles atrás indicados, são manifestamente suficientes para fundamentar a liquidação impugnada, improcedendo mais este argumento.

DA FALTA DE AUDIENCIA PRÉVIA
Invoca também a Impugnante, embora sem concretizar especificamente, a liquidação aqui em causa viola o artigo 60º da LGT porque não foi precedida da respectiva audiência prévia.
Sobre este assunto recorremos uma vez mais à douta Jurisprudência do STA mais concretamente ao Acórdão de 29/10/2013, proferido no processo nº 1242/13 onde se lê o seguinte.
Por fim, quanto à falta de audiência prévia, importa ter presente, em primeiro lugar, que o CPT não continha norma idêntica à do artigo 60° da LGT, configurando o direito de audição como uma garantia dos contribuintes.
No entanto, atendendo a que o princípio da participação dos interessados é consagrado a nível constitucional e que o CPT configurava o direito de audição como uma garantia dos contribuintes, era de aplicar ao procedimento tributário o disposto no artigo 100º do CPA, enquanto norma geral do procedimento administrativo [neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Novembro de 2005, Processo n°0622/05].
Não obstante, coloca-se a questão de saber se antes de ser efectuada a liquidação da TRIU deveria ter tido lugar a audiência da impugnante.

Em primeiro lugar, importa ter presente que a liquidação da TRIU não tem lugar em procedimento próprio, uma vez que é efectuada no âmbito do procedimento de licenciamento e com base nos elementos constantes deste.
Por esta razão, não há lugar à elaboração do relatório do instrutor a que se refere o artigo 105º do CPA, na medida em que inexiste, para efeitos de liquidação, qualquer actividade instrutória distinta da que tem lugar no procedimento de licenciamento, sendo certo que, neste, deve realizar-se a audiência dos interessados, nos termos do artigo 100º do CPA.
Assim, considerando que o acto de liquidação da TRIU se traduz numa operação aritmética que tem por base os elementos constantes do processo de licenciamento, a audiência dos interessados apenas assume relevância, como refere o Exmo. Senhor Representante da Fazenda Pública, em caso de erro de cálculo.”.
Esta argumentação expendida na sentença recorrida é certeira e foca o ponto nevrálgico da questão.
A liquidação da taxa de urbanização mais não é do que uma operação aritmética subsequente ao deferimento de um pedido de licenciamento.
Ou seja, neste caso concreto a liquidação da taxa não comporta qualquer definição do direito do particular; essa definição já ocorreu com o acto de licenciamento que lhe serve de pressuposto.
Trata-se, assim, de um acto estritamente vinculado que se conforma ao anterior acto de deferimento do licenciamento e aos preceitos legais que definem o modo pelo qual deve ser calculada a taxa devida.
Assim sendo, não se impõe a audiência prévia do interessado, já que apenas se justifica para que o mesmo possa participar na decisão, e neste caso concreto a entidade recorrida nada decide, trata-se apenas de um acto material, prévio, conducente à emissão do título que comprova o deferimento da pretensão.” (destaque nosso)
Face ao exposto, improcede, assim, também esta questão.

DA VIOLAÇÃO DOS PRINCIPIOS DA PROPORCIONALIDADE, CONFIANÇA E BOA - FÉ
A este propósito diz a Impugnante que tais princípios foram frontalmente violados pois a liquidação das taxas impôs o pagamento de tributos não previstos na lei e que a impugnante não podia antecipadamente prever, por valor manifestamente superior à vantagem decorrente do licenciamento dos loteamentos e da emissão dos aditamentos ao alvará de loteamento em causa, causando desta forma prejuízos absolutamente desproporcionados e injustificados – nomeadamente os derivados da mobilização de capital que não teriam sido causados se os órgãos do Município de Loures tivesse adoptado uma conduta conforme à lei.
Ora, também não merece igualmente provimento o recurso quanto à violação dos princípios referidos por inexistência de contrapartida proporcional do serviço prestado, pois a Recorrente não demonstra minimamente a invocada desproporcionalidade, que deverá ser intolerável.
Dito de outro modo, entre a quantia a pagar e, o benefício (utilidade do serviço) que a Recorrente retira deve existir uma desproporcionalidade tal que ponha em causa a referida o carácter sinalagmático da taxa, o que manifestamente não resulta dos autos, pelo que não se verifica a violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, boa-fé e confiança. (nesse sentido, cfr. por todos, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 365/03, de 14/07/2003).

Face a tudo que vem exposto improcede a presente impugnação.

III. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar improcedente a impugnação.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 28 de Abril de 2016.


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(Barbara Tavares Teles)



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(Pereira Gameiro)


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(Anabela Russo)