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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:6297/13.9BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRC;
AMORTIZAÇÕES;
OBRA EM EDIFÍCIO ALHEIO;
FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:I. Na apreciação da (i)legalidade de liquidação emitida pela AT há que atentar nos fundamentos que conduziram à sua emissão.
II. Sendo admissível a amortização de custos relacionados com obras em edifícios alheios, por definição a propriedade desses mesmos edifícios não é requisito de admissibilidade fiscal de tal amortização.
III. A titularidade do direito de propriedade de um imóvel não é requisito essencial para a admissibilidade de amortizações relativas a obras nele realizadas, refletindo, pois, a prevalência da realidade económica face à jurídica.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

M…….., Lda (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 11.10.2012, no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), relativa ao exercício de 1998.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“a) A Administração Tributária nunca sustentou, nem invocou a existência da liquidação adicional na falta de titulo legítimo de ocupação e gozo do imóvel, nomeadamente de um arrendamento, ora utilizada pelo Tribunal Tributário de Primeira Instância, na douta sentença recorrida.

b) A Administração Tributária limitou-se às razões supra expostas, que basicamente foram a de ser o edifício propriedade de terceiros, neste caso dos sócios da Impugnante, sem mais nenhuma consideração!

c) É insustentável a posição tomada pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo'', que acabou por sustentar a sua decisão em factos que não foram considerados à discussão e pertinência pelas partes.

d) O Meritíssimo Juiz devia ter-se cingido às circunstâncias trazidas pelas partes para o processo, porque foi nestas que ambas as partes de debruçaram-se, nomeadamente averiguar se as razões consideradas pela Administração Tributária (e somente estas) à liquidação adicional em discussão são ou não legalmente válidas e não encontrar outras que justifiquem ou tentem tomar legalizar a conduta adoptada pela mesma Administração Tributária.

e) Ficou demonstrado e provado documentalmente que a Impugnante tem título legítimo de ocupação e gozo do imóvel, neste caso de arrendamento, desde 1986.

f) A Impugnante demonstrou e provou que, mesmo assim, cumpriu com a fundamentação e entendimento invocados na douta sentença - de que a Impugnante era titular à data das obras de título legitimo de ocupação e gozo.

g) A Administração Tributária, apesar de apresentar um vasto enunciado de detalhes inerentes ao caso, sem integral rigor, limitou-se ao facto de que a contabilização adoptada efectuada pelo sujeito passivo, ora impugnante, está errada e os custos daí resultantes não podem ser aceites fiscalmente nos termos do artigo 23° do CIRC, uma vez que a obra e o edifício não eram propriedades do sujeito passivo, ora impugnante, mas sim dos sócios, ou seja, uma vez que a impugnante não é proprietária da obra, não pode registar como um activo e proceder ao registo numa conta de custos de uma forma balanceada.

h) Nem tão pouco invoca a questão de ausência de título legítimo de gozo e ocupação.

i) Um activo é definido como um recurso controlado pela empresa como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que para a mesma fluam benefícios futuros.

j) A Impugnante, embora não tivesse a propriedade, tinha o controlo do imóvel.

k) Não é indispensável que haja posse jurídica para que uma empresa considere como fazendo parte do seu activo em determinado item.

l) As obras realizadas, devem figurar como um activo da sociedade M...... R...... Lda.

m) É que aquelas resultam de acontecimentos passados e controladas pela empresa, e delas vão resultar claramente benefícios futuros (via desenvolvimento da sua actividade), os quais, inclusive, foram, são e serão passíveis de tributação como resultados operacionais daquela sociedade.

n) Ficou também demonstrado e provado que a empresa M...... R...... Lda., ora Impugnante, sempre controlou o edifício como as respectivas obras desde o início, deslocando-se, controlando e assumindo todas as reuniões e encontros inerentes a toda a obra, quer com entidades privadas, nomeadamente empreiteiros, ou públicas, nomeadamente o município competente.

o) Refira-se ainda, conforme já exposto, que a Impugnante, já em 1986 era arrendatária do referido imóvel, conforme cópia da declaração de prédio urbano arrendado para efeitos de contribuição predial junta aos presentes autos.

p) Nos termos do CIRC e do Decreto Regulamentar n.º 2/ 90 de 12 de Janeiro, a Impugnante adoptou o procedimento tributário e contabilístico correcto”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não contra-alegou.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Há erro de julgamento, na medida em que o Tribunal a quo considerou elementos que não integram a fundamentação do ato impugnado e na medida em que foram demonstrados os pressupostos inerentes à amortização de obras em edifícios alheios?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. A impugnante tem como actividade principal o comércio por grosso de combustíveis líquidos gasosos, essencialmente gás da marca "Galp" para uso doméstico e industrial (fls.37 do apenso instrutor);

2. No seguimento de um procedimento de análise interna da declaração mod.22 de IRC relativa ao exercício de 1998, foram detectadas pela inspecção tributárias situações passíveis de correcção, nomeadamente, com custos de Esc.5.471.612$00 contabilizados pela impugnante na conta 69... - Amortizações da Nova Sede, referente à amortização de 1/10 do valor das obras efectuadas no edifício sede e consideradas como de beneficiação em edifícios alheios, de acordo com o Decreto Regulamentar n°2/90 (relatório, fls. 19 do apenso instrutor);

3. Da factualidade descrita no anexo 3 ao relatório de inspecção, a fls.27 do apenso e que damos aqui por integralmente reproduzida, salienta-se a seguinte:

a) A empresa tinha as suas instalações na Rua da R………, 84, em L……;

b) Em Janeiro de 1997 mudou as suas instalações para o edifício em reconstrução que passou então a ocupar;

c) As obras de reconstrução do edifício iniciaram-se em 1994 e prolongaram-se até ao ano de 1997;

d) Em Junho de 1997 a impugnante celebrou com os usufrutuários e também sócios dela um contrato de arrendamento por um prazo de dez anos e renda mensal de Esc.600.000$00;

e) As facturas das obras foram emitidas em nome da impugnante e os pagamentos por ela efectuados;

f) Os proprietários do edifício em reconstrução eram os sócios da impugnante e o projecto de reconstrução, o alvará de licença de construção e de utilização, foram todos emitidos em nome de um dos sócios da impugnante;

g) A impugnante contabilizou no exercício de 1998 como amortizações da nova sede o correspondente a 1110 do valor das obras efectuadas no edifício B…… de Resende, nº …, como obras de beneficiação em edifícios alheios.

4. Como ainda se refere no relatório de inspecção a fls.38 do apenso, «A empresa M….. R….., Lda., construiu um edifício na morada indicada, mantendo apenas as quatro paredes exteriores de um antigo celeiro que se encontrava devoluto e bastante degradado, propriedade de uma das sócias da empresa...e seu marido e sócio da mesma empresa...; O valor total da obra, inteiramente suportado pela empresa cifrou-se em Esc.61.256.659$ (52.356.119$ + IVA - 8.900.540$)...»;

5. As correcções levadas a efeito, nomeadamente aos custos contabilizados com amortizações da nova sede, originaram para o exercício em causa de 1998 a liquidação adicional de IRC nº2001 831002….., de 30/11/2001, no valor de Esc.3.324.515$00 (€16.582,61), com data limite de pagamento em 16/01/2002 (documento de cobrança a fls. 62 e informação a fls. 121, ambas do apenso);

6. A impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação adicional em 22/01/2002 (fls.46 do apenso);

7. A reclamação foi indeferida por despacho de 05/06/2002, da Sra. Directora de Finanças Adjunta, exarado sobre informação dos serviços de 27/05/2002, a fls. 89 do apenso e que se dá por integralmente reproduzida;

8. A impugnante foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em 25/06/2002 (fls.40/41 do apenso);

9. Apresentou impugnação judicial em 09/07/2002, conforme carimbo de entrada aposto pela repartição de finanças a fls.2.”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante”.


II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se em aditar a seguinte matéria de facto provada:

10. Foi elaborado, no âmbito do procedimento mencionado em 2., relatório de inspeção tributária (RIT), datado de 20.07.2011, do qual consta designadamente o seguinte:

“Fundamentação das Correcções Efectuadas (…)

3 – Conta de Custos e Perdas Extraordinárias

3.1. Aumentos de Amortizações

O sujeito passivo contabilizou na conta 69… - Amortizações da Nova Sede, a quantia de 5.471.612$00, referente à amortização de 1/10 do valor das obras efectuadas no edifício sede, considerando essas obras como de beneficiação em edifícios alheios, de acordo com o D.R. 2/90.

De acordo com a fiscalização efectuada, por estes Serviços de Inspecção, aos exercícios de 1995, 1996 e 1997 - ordens de serviço n°s 275, 99…. e 99…., o valor contabilizado na conta 69… - Amortizações da Nova Sede, não foi aceite como custo fiscal dos citados exercícios.

Do relatório de inspecção, referente às ordens de serviço mencionadas, concluíu-se que as obras efectuadas não poderiam ser enquadradas em obras em edifícios alheios, assumindo o sujeito passivo a mera figura de agente financiador da construção do edifício da nova sede (ver anexo n° 3 ).

Assim, tendo em consideração a fundamentação apresentada para a correcção efectuada à amortização do edifício da sede, para os exercícios mencionados, o valor de 5.471.612$00 deverá ser acrescido ao lucro tributável do ano de 1998, por não se tratarem de obras em edifícios alheios, por força do art° 23° do CIRC” (cfr. fls. 16 a 20 do processo administrativo).

11. Do anexo 3 mencionado em 3. e referido no RIT aludido em 10, consubstanciado em parte do RIT relativo aos exercícios de 1995 a 1997, consta designadamente o seguinte:

IV. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTO DAS CORRECÇÕES MERAMENTA ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL

1.1. Edifício na Rua B…….. de Resende nº …

(…) 1.1.3. Descrição sucinta dos pontos relevantes

• A empresa" M...... R......", construiu um edifício, mantendo apenas as quatro paredes exteriores de um antigo celeiro.

• O antigo celeiro era propriedade de uma das sócias da empresa " M….. R….." e do seu marido e sócio da mesma empresa.

• As obras de reconstrução tiveram inicio ainda no ano de 1994 e prolongaram-se até ao ano de 1997.

• O valor da obra totalmente pago pela empresa, contabilizado na conta 27 Custos Diferidos, depois de deduzido o IVA é Esc: 52.356.119$. A empresa tem vindo a amortizar aquele valor anualmente, à taxa de 10%. A primeira amortização foi efectuada em 1996, antes da ocupação das instalações.

• Já depois de iniciadas as obras de reconstrução, o edifício foi doado (escritura de doação com data de 03/07/96) pelos pais, aos seus filhos também sócios da referida empresa, reservando porém, para eles o usufruto.

• Em Janeiro de 1997, a empresa mudou as suas instalações para o novo edificio.

• Em Junho do mesmo ano de 1997, seis meses depois da ocupação das instalações dos usufrutuários do imóvel e em simultâneo sócios da empresa M...... R......arrendam à mesma, por um período de 10 anos, o novo edifício de escritórios, por Esc: 600.000$ mensais.

• Em Maio de 1998, a usufrutuária do imóvel, C….. T…. R… Moreira Vicente declarou na Repartição de Finanças de Loures, através da entrega da Mod. 129, as alterações efectuadas no imóvel.

Na mesma mod. 129, é declarado como titular do rendimento, C…. T…. Moreira Vicente" usufrutuária"

• O projecto de reconstrução do antigo celeiro, deu entrada na Câmara Municipal de Loures, em nome do titular da obra, C….. T…. R… Moreira Vicente.

• O Alvará de Licença de Construção, bem como o Alvará de Licença de Habitação, foram emitidos pela Câmara Municipal de Loures, em nome de, C….. T…. R… Moreira Vicente.

Tendo em atenção o que foi referido anteriormente, podemos concluir que o antigo celeiro, bem como o actual edifício de escritórios sito na Rua B….. de Resende n° …, nunca foi nem é propriedade da empresa "M…… R….., Lda", mas sim propriedade dos sócios, cujo financiamento para as obras de reconstrução foi obtido através da empresa. De facto, neste esquema a empresa funcionou como uma entidade financeira, tendo pago todas as despesas de reconstrução do edifício, cuja propriedade é dos sócios.

1.1.4 Procedimento contabilístico adoptado na empresa

As facturas dos fornecimentos de materiais e serviços, respeitantes à obra de reconstrução do edifício, foram emitidas em nome da empresa" M……. R….., Ldª"

A empresa contabilizou as despesas respeitantes à obra, na conta 44 (Imobilizações em Curso) e na conta 27 ( Custos Diferidos ). A conta 44, foi utilizada em 1995 e parte do ano de 1996, como conta de passagem, uma vez que no final destes exercícios, esta conta foi saldada por contrapartida da conta 2… (Custos Diferidos). No ano de 1997, apenas foi utilizada a conta 2… (Custos Diferidos).

Como já foi demonstrado anteriormente, esta obra é propriedade dos sócios, e, assim sendo, a empresa contabilizou erradamente a conta 2… (Custos Diferidos), desviando desta forma os factos reais.

O custo da obra deveria ter sido debitado na conta de terceiros apropriada, neste caso, conta 25 ... Sócios.

(…) O custo da obra, debitado na conta 2… (Custos Diferidos), Esc: 52.356.119$, vem sendo amortizado todos os anos à taxa de 10%.

Pela mesma razão já apontada, ou seja, o edifício, assim como as obras de reconstrução do mesmo, são propriedade dos sócios e não da empresa, também, não são aceites as amortizações anuais do custo da obra.

Constitui esta falta infracção ao art° 23° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas” (cfr. fls. 27 a 31 do processo administrativo).

12. Foi apresentada declaração, junto dos serviços da administração tributária, de prédio urbano total ou parcialmente arrendado, por M……….. Feijão, relativa ao ano de 1986, na qual consta como arrendatário, de parte do imóvel sito da Rua B……. de Resende, n.º 13, relativa a barracão, a sociedade M…… R….., Lda. (cfr. fls. 174).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que a decisão recorrida padece de erro de julgamento, na medida em que o Tribunal a quo considerou elementos que não integram a fundamentação do ato impugnado e na medida em que foram demonstrados os pressupostos inerentes à amortização de obras em edifícios alheios

Vejamos então.

Nos termos do art.º 23.º do Código do IRC (CIRC), na redação então em vigor:

“1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

(…) g) Reintegrações e amortizações”.

Ou seja, globalmente o art.º 23.º do CIRC aceita como custo (atualmente gasto e perda) fiscalmente relevante o com amortizações e reintegrações.

Nos art.ºs 27.º e seguintes, do mesmo código, estava previsto o regime das reintegrações e amortizações, objeto de regulamentação no Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro.

Assim, nos termos do n.º 1 do art.º 27.º do CIRC, “[s]ão aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando­-se como tais os elementos do ativo imobilizado que, com caráter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas”.

Nesta mesma linha, dispunha o art.º 1.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro que “… [p]odem ser objeto de reintegração e amortização os elementos do ativo imobilizado sujeitos a deperecimento”.

Por elementos do ativo imobilizado entendem-se os bens que se destinam a permanecer na empresa de maneira duradoura[1], que esta utiliza para a realização dos seus objetivos, sendo, neste contexto, de atentar na circunstância de o legislador ter dado uma prevalência à utilização económica do bem e não à respetiva propriedade.

Genericamente, pois, são amortizações fiscalmente relevantes as relativas a elementos do ativo imobilizado sujeitos a deperecimento.

No que respeita às obras em edifícios alheios, é de chamar à colação o disposto no art.º 5.º, n.º 5, al. b), do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, no qual as mesmas se definem, para efeitos de reintegrações e amortizações, como “… as que, tendo sido realizadas em edifícios de propriedade alheia e não sendo de manutenção, reparação ou conservação, ainda que de caráter plurianual, não deem origem a elementos removíveis ou, dando-o, estes percam então a sua função instrumental”.

Assim, resulta desta noção que não são suscetíveis de amortização ou reintegração as obras em edifício alheio que sejam de manutenção, reparação ou conservação[2], não havendo outra restrição quanto à tipologia das obras.

Decorre, pois, do regime descrito a admissibilidade fiscal de amortizações ou reintegrações relativas a obras em edifícios alheios, desde que naturalmente estejam reunidos os requisitos previstos no art.º 23.º do CIRC, no tocante à respetiva indispensabilidade para a manutenção da força produtora.

Portanto, a titularidade do direito de propriedade de um imóvel não é requisito essencial para a admissibilidade de amortizações relativas a obras nele realizadas, refletindo, pois, a prevalência da realidade económica face à jurídica[3].

Em consonância com o que se referiu supra, as obras efetuadas em imóvel da propriedade de terceiros que esteja arrendado ao sujeito passivo pode ser considerado como um ativo[4], reunidos que estejam os requisitos a que nos referimos[5].

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, cumpre, antes de mais, atentar na fundamentação constante do RIT atinente aos exercícios de 1995-1997, para a qual remete o procedimento relativo ao exercício de 1998.

Considerando tal fundamentação, resulta que a correção efetuada se baseou no facto de a Recorrente não ser proprietária do imóvel em causa (invocando-se ainda erros de contabilização, que, per se, nunca poderiam justificar a correção).

Com efeito, a existência de arrendamentos (nem o mencionado no RIT nem o referido no facto 12., ora aditado) não foi apreciada nem analisada para efeitos de correção, sendo apenas elencada parcialmente a situação a este respeito, a título de descrição da situação fática. Não foi igualmente considerada a eventual consunção da amortização na renda.

Refere-se no mencionado RIT: “[t]endo em atenção o que foi referido anteriormente, podemos concluir que o antigo celeiro, bem como o actual edifício de escritórios sito na Rua B……. de Resende n° …, nunca foi nem é propriedade da empresa "M….. R…., Lda", mas sim propriedade dos sócios, cujo financiamento para as obras de reconstrução foi obtido através da empresa. De facto, neste esquema a empresa funcionou como uma entidade financeira, tendo pago todas as despesas de reconstrução do edifício, cuja propriedade é dos sócios”.

Nunca foi analisado ou posto em causa o controlo do imóvel, sendo aliás aceite que as obras foram feitas pela Recorrente e que o edifício passou a ser a sua sede.

Feito este enquadramento, desde já se refira que assiste razão à Recorrente.

Com efeito, para efeitos de apreciação da (i)legalidade de uma liquidação adicional que seja emitida pela administração tributária (AT), há que considerar a sua fundamentação.

Tal fundamentação radica, em situações como a dos autos, no relatório efetuado no âmbito do procedimento de análise interna da declaração modelo 22 de IRC, cujo Anexo 3 se consubstancia em parte do teor do RIT atinente aos exercícios de 1995-1997. Assim, a fundamentação tem de ser contemporânea do ato, não sendo admissível qualquer fundamentação a posteriori.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.06.2019 (Processo: 0313/04.2BEPRT 01109/16), “… é exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário, não podendo o tribunal substituir-se à AT na escolha de outros fundamentos que porventura entenda que justificariam o acto impugnado”.

Compulsada a sentença recorrida resulta que a mesma se fundou na inexistência dos pressupostos de que depende a aceitação como custo de amortização dos encargos incorridos com obras em edifícios alheios, em virtude de ter entendido que, uma vez que o arrendamento ocorreu na fase de finalização da obra, não se pode considerar que as mesmas tenham sido efetuadas num bem de cujo gozo dispunha a esse título, nem que tais obras se explicam em razão das suas necessidades operacionais e tiveram um fim exclusivamente empresarial. Considera, ademais, que sendo a renda paga um custo para a Recorrente, onde já estaria refletido o valor da amortização das obras, não seria por essa via de admitir a amortização nos termos efetuados.

Ora, na fundamentação da liquidação em causa, a AT cingiu-se à circunstância de a Recorrente não ser proprietária do imóvel em causa, não resultando da mesma qualquer análise do ponto de vista dos pressupostos inerentes à obra em edifício alheio. Tendo a AT cingido a sua análise nesse pressuposto, a apreciação do Tribunal a quo não poderia ter considerado elementos não considerados no RIT como fundamento da não aceitação da amortização, sob pena de fundamentação a posteriori do ato.

Assim, nesta parte, assiste razão à Recorrente.

Ademais, como a própria Recorrente refere e como já deixamos explanado, não é indispensável que o sujeito passivo seja proprietário do imóvel para efeitos de amortização das obras em causa, o que implicaria, desde logo, a procedência da pretensão da Recorrente, por vício de erro nos pressupostos de direito.

É ainda de ter em consideração que a Recorrente demonstrou a existência de um contrato de arrendamento desde 1986 relativo ao prédio em causa na parte que foi objeto de obras. Não é controvertido que a mesma realizou as obras em causa, não sendo igualmente controvertido não se tratarem de meras obras de manutenção, reparação ou conservação. Não é de igual modo controvertido que o contrato de arrendamento que teve por objeto o edifício depois de efetuadas as obras foi celebrado por um período de 10 anos, evidenciando, pois, racionalidade económica pela utilização das instalações em causa por um período longo.

Ou seja, não só a AT não invocou nem considerou a inexistência dos pressupostos legalmente exigidos para a admissibilidade da amortização de obras em imóveis alheios, centrando-se na mera propriedade do mesmo e extraindo daí uma conclusão, não sustentada, de que se tratou de financiamento feito aos sócios, como, atenta a factualidade provada, se considera que esta foi pelo menos suficiente para criar fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, o que conduz, nos termos consignados no n.º 1 do art.º 100.º do CPPT, à anulação do ato.

Como tal, assiste razão à Recorrente.

Vencida a Recorrida seria a mesma responsável pelas custas do recurso. No entanto, há que ter em conta que, nos processos instaurados até 01.01.2004 (como é o caso), a FP se encontrava isenta do pagamento de custas, atento o disposto no art.º 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de fevereiro (cfr. os art.ºs 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o art.º 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar procedente a impugnação, anulando-se o ato impugnado;

b) Sem custas;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 16 de setembro de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Patrícia Manuel Pires)


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[1] Cfr. Rui Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 103.

[2] V. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22.09.1999 (Processo: 023864).

[3] Cfr. Rui Morais, ob. cit., p. 106.

[4] V., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.11.2001 (Processo: 020197) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22.11.2011 (Processo: 05007/11).

[5] Sobre a contabilização das despesas relativas a obras executadas em edifícios alheios, v. a resposta a consulta feita à Comissão de Normalização Contabilística, de 20.11.2000 (http://www.cnc.min-financas.pt/_siteantigo/Entendimentos/obras%20edificio%20alheio_of_151_00.pdf ).