Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:945/18.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/08/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores: ASILO E PROTEÇÃO SUBSIDIÁRIA
RETOMA A CARGO DO BRASIL
FARC
Sumário:I. A Lei n.º 27/2008, de 30/06, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, prevê no artigo 19.º-A, n.º 1, a), que o pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV;
II. Sendo outro Estado o primeiro país de asilo, está o Estado português dispensado de analisar da pretensão do interessado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

E...., devidamente identificado nos autos de ação administrativa urgente instaurada contra o Ministério da Administração Interna, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 26/06/2018, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a ação improcedente, relativa ao pedido de impugnação da decisão de 13/04/2018 que considerou o pedido de asilo inadmissível, assim como o pedido de proteção subsidiária.


*

Formula o Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1. O ato proferido pelo Senhor Diretor Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em 13.04.2018, indeferiu o pedido de Asilo ao Recorrente.

2. Confrontada com esta ordem, a ora recorrente propôs competente acção administrativa especial, na pugnou, além do mais, pela verificação da falta de fundamentação do respectivo acto, requerendo ao tribunal a quo que declarasse o seu direito de proteção internacional em território nacional (conforme, o a Lei do Asilo), com todas as legais consequências.

3. Apesar de toda a factualidade alegada pela recorrente na sua p.i., a O Sentença recorrida, sem proceder a audiência de julgamento, decidiu improcedente com assentes argumentações que:

(a) Um país que não Estado Membro considerado primeiro país de asilo;

(b) Que o pedido da recorrente é inadmissível com base no art.19-A da lei do Asilo;

(c) Que o recorrente não comprovar ter ameaças a sua vida ou a sua integridade física directamente;

(d) E por estes argumentos, atestar não ser considerável membro da família e por turno, não pode beneficiar do direito de proteção internacional;

(e) E afirmar que o Estado Brasileiro constitui capacidade de oferecer a todos da família em especial, a L…, a sua enteada pelos mecanismos administrativos e judiciais da justiça brasileira proteção contra o sequestrado do grupo FARC, bem como, solicitado pela Defensoria Pública da União brasileira por meio de ofício à Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho, Justiça e Direitos Humanos o respectivo Programa Estadual de Proteção, Auxílio e Assistência a Testemunhas Ameaçadas – PROTEGE, que embora se contradiz ao afirmar até a presente data não existir qualquer resposta do judiciário brasileiro.

(f) E concluir que as alegações proferidas pelo recorrente são meramente hipotéticas, mesmo diante do histórico comprovado através de relatórios da CONARE e ACNUR.

(g) E logra que não se verifica qualquer ilegalidade da decisão proferida pelo Recorrido, concluindo-se, como tal, pela improcedência da presente acção.

4. Com base nesta factualidade, o Tribunal a quo considerou a inexistência de qualquer ilegalidade proferida pelo recorrido, em decidiu indeferir o pedido de proteção internacional ao recorrente.

5. Com todo o respeito, parece-nos que a D. Sentença ora recorrida assentou em erro nos pressupostos de facto e de direito.

6. Com efeito, à luz do disposto alínea z), do nº1, do artigo 2º, da Lei nº27/08, de 30/06 que entende prevalecerá o direito de asilo ao primeiro país que lhe concedeu quanto preencher os seguintes requisitos cumulativamente, caso não prevaleça qualquer item dos requisitos, o Recorrente tem direito a buscar proteção internacional em outro país;

7. Facto ocorrido neste caso presente, a medida que faltar preenche requisito (iii), já citado acima, “Onde, comprovadamente, o requerente não seja objeto de ameaças à sua vida e liberdade”.

8. A circunstância de todos da família ficarem impedidos de trabalhar e se locomover com tranquilidade e segurança, atingindo o poder de liberdade, á medida que ameaça promovida pelo sequestrador do Grupo da FARC atingir a todos, ao se demonstra capaz de coagir qualquer pessoa da família para captura a L....ou um dos seus irmãos rapazes, assim como fez agressão a esposa do Recorrente a tempos atrás.

9. E independente, do MM. Juiz no Tribunal a quo considera que o Recorrente não faz parte do membro da família, mesmo sem analisa a união de facto que possui com D...., conforme documentos comprobatórios em anexo nos autos e o próprio status de refugiado concedido pelo Estado Brasileiro por ser companheiro de D.....

10. E menção a questão de o recorrente nunca ter sido sequestrado ou sofrido alguma integridade física, não lhe faz perde o direito de solicitar proteção internacional, afinal, a família luta em conjunto, e a concessão de proteção internacional a um membro da família e não a outros, caracterizar acto contraditório o princípio da discriminação e a separação dos membros da família.

11. E encontra-se presente provas suficientes que o grupo da FARC concretizou ameaças a família, além de ferir a integridade física da sua enteada L…, através de relatórios da CONARE e ACNUR na Colômbia e no Equador.

12. E a respostas negativa por parte da ACNUR em deferir o pedido de reinstalação da família em outro país, não configura prova suficiente pela desnecessidade da família ter buscado um país com mais segurança, e que na prática efetivasse a proteção internacional. Além do mais, a concessão do estatuto de refugiado e concretizar proteção internacional a todos os membros da família trata-se de fatores diferentes.

13. E por estas razões, que o Recorrente e sua família teve que buscar um país que não se encontra em localidade de fácil acesso aos membros do grupo FARC. Escolhendo o continente Europeu, em que não tem a livre circulação de fronteiras que nacionais do MERCOSUL usufruir, assim como, os membros da FARC.

14. Quanto as vias administrativas e judiciais que o recorrente e os demais membros da família buscaram antes de se pensar em emigrar do Brasil, não se obteve quaisquer respostas referente a qualquer efetivo auxilio de proteção a todos da família.

15. Embora, estamos a falar de órgãos judiciais do Estado Brasileiro, infelizmente se comprovar facilmente a falta de capacidade do judiciários e demais órgãos policiais e administrativos da Segurança Pública no Brasil, conforme reportagem de jornais sérios que apenas reflete o senário da justiça brasileira em obter um judiciário não célere e por consequência se processar muitos homicídios.

16. Com respeito a D. Sentença recorrida, ao considerar inadmissível o pedido de proteção internacional alegado pelo recorrente, fundamentando que o primeiro país não Estado Membro a concede asilo, lhe facultar perda total de direito e configurar inexistência de sofre ameaça a sua vida e liberdade, procedendo incorreta interpretação do dispositivo alínea z), do nº1, do artigo 2º, da Lei nº27/08, de 30/06, assentando em erro sobre os pressupostos de facto e de direito;

17. E sobre a regra de interpretação nesta matéria o recorrente se beneficia do direito de asilo em caso de dúvida, já que foi suscitada na D. Sentença que as ameaças são “absolutamente hipotéticas”, afinal o retorno do recorrente, bem como, de qualquer outro membro da família infelizmente poderá se constituir prova com a integridade física ou vida deles, bem como, do recorrente.

18. E sobre todos os factos e provas, aqui relatadas e anexas, a D. Sentença contradiz os princípios dos Direitos Humanos e as regras de interpretação internacional sobre a matéria, à luz da ausência de preenchimento do item (iii) da alínea z), do nº1, do artigo 2º, da Lei nº27/08 e do benefício da dúvida.

Salvo o devido respeito, a D. Sentença recorrida, ao assentar em erro nos pressupostos de facto e de direito, violou as seguintes disposições legais:

- Alínea z), do nº1, do artigo 2º, da Lei nº 27/08;

- Art.122 do REPSAE;

- Artigos 3º e 7º da Lei 27/2008”.

Pede que a sentença recorrida seja revogada.


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O Recorrido não contra-alegou o recurso, nada tendo dito ou requerido.

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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

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O processo vai sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, indo à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento, com fundamento em violação dos artigos 2.º, n.º 1, alínea z), 3.º e 7.º da Lei n.º 27/2008 e 122.º do Regulamento (CE) 604/2013, do Conselho, de 26/06, ao decidir o pedido inadmissível, por ser o Estado brasileiro o responsável.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:

“1. Em Novembro de 2009, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (“ACNUR”) apresentou um “pedido de reassentamento urgente” de L… e da respectiva família, na qual se inclui o ora A., junto do Comité Nacional para os Refugiados (“CONARE”) brasileiro, tendo em vista a sua reinstalação do Equador para um país terceiro, para tanto referindo que:

“(…) Situação no Equador e perspectivas para a integração local

A mãe da solicitante entrou no Equador no dia 28 de janeiro de 2004. Solicitou refúgio, mas o Equador não a reconheceu como refugiada a princípio.

A solicitante [L…] entrou no Equador no dia 20 de julho de 2007 e foram reconhecidos como refugiados no dia 7 de agosto do mesmo ano. (…)

A família vivia comodamente em Guayaquil. Viviam juntas a família da solicitante e a família do companheiro de sua mãe, a quem ela conheceu no Equador. (…)

No final de 2009, a solicitante começou a receber mensagens estranhas de números desconhecidos em seu celular. Ela afirma que nunca responde às mensagens de números desconhecidos e que pensou se tratar de um erro.

No entanto, no dia 2 de fevereiro de 2010, C…, cunhada da mãe da solicitante que vivia com eles, ficou sozinha na casa e um homem desconhecido apareceu na porta perguntando sobre a solicitante. C… respondeu que ela não se encontrava e o homem disse que precisava de falar com ela pessoalmente e voltou duas vezes no mesmo dia. Às 18h, o homem voltou e exigiu saber o paradeiro da solicitante de forma agressiva. Ele insultou C…, agarrou a sua filha e tentou levá-la. C…. começou a gritar até que os vizinhos saíram de suas casas e o homem acabou fugindo. A família ficou muito assustada e com a ajuda de amigos se mudou para uma fazenda, em Babahoyo, que fica a uma hora de Guayaquil. A solicitante foi embora naquela mesma noite.

Depois do acontecido, a solicitante e sua mãe passaram a receber ligações nas quais alguém dizia que eles tinham ido buscar a solicitante, que ela tinha um compromisso a cumprir e que se devia entregar.

Os donos da casa aonde a família se encontrava agora também começaram a receber ligações perguntando sobre a solicitante. Por esta razão, eles se mudaram mais uma vez para outra fazenda. Três dias depois, com a ajuda do ACNUR, a família foi evacuada para a cidade de Cuenca, localizada a 4 horas de Guayaquil.

Em mediados de março de 2010 os vizinhos informaram a família que um homem e uma mulher tinha ido até ao apartamento da solicitante perguntando se ali morava uma família colombiana, o que foi confirmado por uma vizinha.

Em duas ocasiões eles tocaram a campainha e bateram na porta, mas a família não abriu.

Devido a estes incidentes, a família se mudou mais uma vez, agora para Quito, aonde se encontram actualmente.

No dia 25 de março de 2010, a solicitante recebeu um correio eletrônico no qual é ameaçada de morte e lhe dizem que já sabem seu novo paradeiro. (…)

Conclusão

Os acontecimentos de violência vividos pela solicitante e a situação de insegurança em que se encontra atualmente, fazem com que se torne impossível a superação de seus traumas e impedem a sua integração local. Além disso, a solicitante, atualmente com 21 anos, encontra-se em situação muito vulnerável por estar sofrendo risco de novamente ser capturada pelo grupo guerrilheiro que a manteve sequestrada e sofrer novamente abuso físico e sexual.

O reassentamento deve ser considerado para mulheres que enfrentam problemas de ameaças resultantes do seu gênero, possuem necessidades específicas como resultado de situações severas no país de refúgio, além de enfrentar diversas outras ameaças a sua integridade física e psicológica.

Desta forma, o ACNUR considera que o reassentamento urgente a um terceiro país é a solução mais apropriada para este caso.” (cf. cópia do pedido de reassentamento junta entre fls. 147 e 152 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

2. Em 30.04.2010, o CONARE aprovou o pedido de reinstalação referido no ponto anterior (cf. cópia do ofício junta a fls. 160 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

3. Em 18.05.2010, os visados pelo pedido de reinstalação a que se alude no ponto 1. supra, entre os quais se inclui o A., chegaram ao Rio Grande do Sul, Brasil, vindos do Peru (cf. cópias dos ofícios, cartões de entrada e saída, passaportes e mensagem electrónica juntas entre fls. 164 e 178 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

4. Em 18.05.2010, o CONARE reconheceu a condição de refugiados do A., de L…., de D...., de J… e de M… (cf. cópia da decisão junta a fls. 180 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

5. Em 30.03.2012, o CONARE certificou que o A., L…, D.... e J…. continuavam a ostentar a condição de refugiados (cf. cópias das certidões juntas entre fls. 187 e 190 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

6. Em 09.08.2016, o ACNUR remeteu uma mensagem electrónica à Defensoria Pública da União brasileira, aí referindo, a certo ponto, que “No caso específico dos refugiados reconhecidos no Brasil, não existe a opção do reassentamento. Aqui, a solução duradoura preferível é a integração local e, quando possível, a repatriação voluntária. Isso porque, os refugiados presentes no Brasil não possuem qualquer necessidade específica de proteção que o Estado brasileiro seja absolutamente incapaz de suprir, a ponto de se justificar o reassentamento em um segundo país” (cf. cópia da mensagem electrónica junta a fls. 99 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

7. Em 23.02.2017, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Rio Grande do Sul do Ministério Público Federal brasileiro proferiu um despacho, aí dando conta que D.... teria alegado “que a sua filha, L…., permaneceu sequestrada por milicianos colombianos durante dois anos, tendo conseguido fugir e juntar- se à família no Equador, onde solicitaram refúgio em 2004, em função de ameaças sofridas pela milícia” e que o “seu filho Ma… reconheceu o principal sequestrador de L…, um colombiano de nome D…, cobrando uma dívida de agiotagem, referente a empréstimo concedido a sua sogra, a qual não conhece a história da família. Apresentou fotos do sujeito e informou um endereço, em Canoas/RS, onde um grupo de colombianos, supostamente em parte envolvido em crimes de agiotagem, realiza encontros frequentes”, indeferindo o pedido de auxílio para obtenção de nova reinstalação noutro país e determinando a extracção de certidão com vista à investigação da alegada prática do crime de agiotagem (cf. cópia do despacho junta entre fls. 249 e 252 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

8. Em 23.01.2018, a Defensoria Pública da União brasileira remeteu um ofício à Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho, Justiça e Direitos Humanos brasileira, peticionando o ingresso de L…., M… e respectiva família no “Programa Estadual de Proteção, Auxílio e Assistência a Testemunhas Ameaçadas – PROTEGE”, por força do circunstancialismo descrito na decisão referida no ponto anterior (cf. cópia do ofício junta entre fls. 79 e 85 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

9. Em 27.02.2018, o A. chegou ao Aeroporto General Humberto Delgado, vindo de São Paulo, com escala em Madrid, aí se apresentando com um passaporte para estrangeiro emitido pela República Federativa do Brasil, no qual se refere que o A. tem nacionalidade colombiana (conforme decorre das cópias do bilhete de avião e do passaporte juntas entre fls. 140 e 143 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

10. Em 07.03.2018, o A. apresentou um pedido de protecção internacional junto do R. (cf. declaração comprovativa de apresentação de pedido de protecção internacional junta a fls. 144 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

11. Em 21.03.2018, o A. prestou declarações junto do SEF, o qual lavrou o respectivo auto, cujo teor se reproduz parcialmente infra:

Aos 21 de Março de 2018, pelas 14H45, no Gabinete de Asilo e Refugiados, perante mim J…, Inspetor, e sujeito a entrevista em língua Castelhana, língua que compreende e através da qual comunica claramente, compareceu o cidadão E…., melhor identificado nos autos, que respondeu, da seguinte forma às questões que lhe foram colocadas relativas ao pedido de protecção efectuado:

Pergunta (P). Que língua(s) fala?

Resposta (R). Falo Castelhano e, Português.

P. Em que língua pretende efectuar esta entrevista?

R. Em Castelhano.

P. Tem constituído Advogado?

R. Não tenho.

P. Refere ser nacional da Colômbia. Tem algum documento que comprove a sua nacionalidade e /ou identidade?

R. Tenho o meu Passaporte para Estrangeiros no Brasil nº EC 0016.., emitido aos 10/11/2017 e, válido até 09/11/2019. E também a minha Cédula de Identidade de Estrangeiro Permanente no Brasil nº V67793…, emitida aos 15/10/2015 e, válida até aos 22/09/2024.

P. Mas onde está o seu passaporte da Colômbia?

R. Eu tinha um passaporte Colombiano e, que foi aquele que viajei desde Colômbia para o Equador em 02/01/2004. No Equador fiquei ali cerca de seis anos. No Equador solicitei a proteção internacional no ano de 2004 e, que foi recusado. Mas ali conheci a minha mulher, a D… e, que é Colombiana também e, que estava a solicitar ali a proteção internacional ao Equador e, que lhe fora depois concedida. Mas ela amparou-me ali no Equador e, que foi-me dado um documento de residência ali no Equador no ano de 2005. Mas já não tenho esse documento comigo.

P. Mas estava casado com a senhora D…?

R. Não.

P. Então como as autoridades do Equador lhe concederam um documento de residência no Equador no ano de 2005, como refere?

R. Nos dissemos que eramos um casal e, foi-me dado um documento de residência ali.

P. E era de fato [sic] um casal com a D….?

R. Sim. Nós somente vivíamos juntos. Ela já tinha uma filha L…, de 29 anos e, tinha dois outros filhos, o J…. de 30 anos e M…. de 24 anos de idade. E ali vivia também o meu irmão J…, a sua esposa a C… e a filha de ambos, a L…., de 9 [sic] nos de idade.

P. E viviam todos juntos no Equador?

R. Sim. Nós vivíamos todos juntos em Guayaquil, Equador. Ali vivemos seis anos.

P. Então eram todos refugiados no Equador?

R. Sim. Eramos todos refugiados ali no Equador.

P. Mas referiu anteriormente que o senhor não era refugiado, que tinha obtido o seu documento de residência ali no Equador, mediante ter dito que vivia com a D…. e, mediante isso, lhe fora concedido um documento de residência no Equador. Quera [sic] explicar?

R. Sim. Mas eu era refugiado ali no Equador também.

P. O qua [sic] se passou então depois?

R. Nós estávamos a viver ali e, como a L....tinha sido raptada na Colômbia, em altura que não recordo e, que esteve dois anos sequestrada por um grupo paramilitar. E despois soltaram-na. Isso foi o que a L....me contou. Depois foram para o Equador pedir refugio. Despois ela começou a receber mensagens no telemóvel e, que eram de desconhecidos, mas que diziam que sabia onde ela estava no Equador e, por isso tivemos de sair do Equador.

P: Qual é o seu estado civil? Tem filhos?

R. Sou solteiro. Tenho uma filha que não reconheci na Colômbia, a E… de 20 anos de idade.

P. Onde está a sua filha E…?

R. Ela está na Colômbia em Manizales.

P. Em que local residia na Colômbia? Desde quando e até quando residiu nessa morada? Com quem morava?

R. Vivia em Samaria, que é uma pequena aldeia perto de Manizales, Colômbia. Ali vivi até ao ano de 2003 e, vivia ali com os meus pais. Depois fui viver para Bogotá, Colômbia e, pedi asilo na “Personeria de Bogota” e, disseram que tinha de esperar, porque ali havia muita gente e, foi quando resolvi viajar para o Equador aos 02/01/2004.

P. Qual é a sua escolaridade?

R. Não tenho estudos. Tenho um ano de estudo.

P. Mas saber ler e escrever?

R. Sim. Sei ler e escrever bem.

P. Professa alguma religião?

R. Sou Cristão Católico.

P. Pertence a algum grupo étnico?

R. Não.

P. Qual a sua profissão?

R. No Brasil trabalhava numa empresa familiar minha e da minha esposa a “U… K…”, que estava em nome da L…. Ali trabalhava com uma máquina de costura. Fazia ali desde calças, camisas, uniformes, tudo. Ali trabalhei desde 18/05/2010, até dois meses atrás.

P. Onde trabalha ou trabalhou na Colômbia?

R. Ali trabalhava na fazenda em S…, Colômbia. Fazia cultura de café.

P. E no Equador o que fazia profissionalmente?

R. No Equador vendia-mos [sic] roupa. Vendia-mos [sic] roupa na rua.

p. Tem familiares a residir atualmente na Colômbia atualmente?

R. Tenho o meu pai a viver em Manizales. A minha mãe já faleceu acerca de oito anos.

P. Tem o contacto telefónico do seu pai?

R. Não tenho.

P. Tem algum contacto telefónico de algum familiar seu na Colômbia?

R. Não tenho.

P. Tem irmãos e irmãs?

R. Sim. Somos oito irmãos. Somos seis homens e duas mulheres.

P. Onde é que eles estão?

R. As minhas duas irmãs estão em Bogotá. Um irmão está doente e, que vive com as minhas irmãs em Bogotá. Dois outros irmãs [sic] vivem na Argentina e, dois outros no Peru.

P. Quem é o menor D…., que se apresenta aqui em Portugal e, que está conjuntamente consigo a solicitar a proteção internacional a Portugal?

R. Ele é filho de J…., que é meu irmão e, o D… é meu sobrinho.

P. Onde está o J… neste momento?

R. Ele está na Argentina... creio que ainda está lá.

P. Como assim? Onde está o pai do D…, o A…?

R. Ele foi ter comigo ao Brasil acerca de três anos e, chegou ali com o meu sobrinho D…. Em São Leopoldo, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. E pediu-me para ali ficar com o meu sobrinho e, que ele não tinha condições para ficar com ele. Já não recordo a data. O J…. ficou connosco cerca de 15 a 20 dias e, voltou para a Argentina.

P. Qual a sua morada no Brasil?

R. Morava na Rua da Laguna, nº 192, Bairro de Campina, São Leopoldo, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.

P. Onde está a mãe do D…, que segundo a Cédula de Identidade de Estrangeiro do Brasil é a senhora A….?

R. Eu não a conheço.

P. Como não conhece, pois é a sua cunhada?

R. Não a conheço. Sei que é Colombiana. Sei que depois de nascer o D…, dois meses depois a senhora desapareceu.

P. Mas o J… sabe onde está a senhora A…?

R. Não sabe também.

P. Quantos filhos teve o seu irmão J… com a A…?

R. Que eu saiba, só este, o D….

P. O que faz o D…, no Brasil? Ele anda na escola ali?

R. Sim. Ele está a estudar no grau 5, numa escola perto da minha casa em São Leopoldo.

P. Qual foi a viagem que empreendeu desde o Equador até ao Brasil?

R. Viajamos de Quito, Equador, no dia 18/05/2015 e, viajamos de avião desde Lima, Peru e, dali para São Paulo, Brasil, onde chagamos no dia 20/05/2015. Despois estivemos ali cerca de seis horas e, viajamos para Porto Alegre. Ali fomos recebidos pela Drª K… da ONU – Refugiados e, fomos para um Hotel em Porto Alegre e, depois para uma localidade chamada Sapucal, perto de Porto Alegre. Ali ficamos cerca de um ano e, depois então fomos para São Leopoldo.

P. Quem pagou os vossos bilhetes de avião desde Quito/Lima/São Paulo/Porto Alegre, que referiu?

R. Não sei se foi o Equador ou o Brasil. Nós fomos transferidos para o Brasil, desde o Equador.

P. Queira explicar que transferência foi essa que refere desde o Equador para o Brasil?

R. Foi por causa da perseguição no Equador do grupo paramilitar da Colômbia, que tinha encontrado a L…, onde morávamos no Equador. Despois fizemos uma queixa na Polícia em Guayaquil, Equador.

P. Tem algum comprovativo da queixa que fez na polícia do Equador?

R. Não.

P. Porque não tem esse comprovativo?

R. Porque perdi.

P. Mas referiu anteriormente, que a L…, tinha sido raptada na Colômbia e, que esteve em cativeiro nas mão dos paramilitares cerca de dois anos e, que depois aqueles paramilitares a teriam libertado. Queira explicar qual o interesse que estes paramilitares teriam novamente na L…, se a teriam libertado anteriormente?

R. Eu não sei explicar.

P. Qual foi a viagem que empreendeu desde o Brasil até Portugal e, qual o seu destino final?

R. Viajamos no dia 25/02/2018 e, viajamos de avião desde Porto Alegre até São Paulo. Despois então viajamos de avião desde São Paulo no dia 26/02/2018, para Madrid e, depois desde ali para Lisboa de avião. Lisboa era o nosso destino.

P. Viajou na companhia de quem?

R. Somos seis pessoas. Eu o D…, a D…, a L…, o J… e o F… que é um amigo nosso Colombiano.

P. Estão todos a solicitar a proteção internacional de Portugal?

R. Sim.

P. Quem pagou os bilhetes de avião de todos vós?

R. Fui eu que paguei tudo. Eu vendi todas as minhas máquinas no Brasil. Também vendi o meu automóvel um Renault Twingo de 1997. Paguei por tudo 21.000 Reais.

P. Quem é este vosso amigo, o F…?

R. Ele é filho da esposa do meu pai.

P. Mas ele estava a viver consigo no Brasil?

R. Sim. Ele estava a viver connosco no Brasil. Ele pediu asilo no Brasil,

P. E qual foi o resultado do pedido de asilo que o F… fez no Brasil?

R. Foi-lhe concedido.

P. E o senhor também tinha solicitado proteção internacional no Brasil no Brasil [sic]?

R. Sim. Foi no ano de 2015, ano que ali chegamos. Foi concedido a proteção internacional a todos nos ali no Brasil.

P. Está a faltar à verdade?

R. Não.

P. Está a ocultar fatos [sic]?

R. Não.

P. Mas compulsei os documentos que entregou agora, referentes ao processo de proteção internacional de você, que correu termos no Comité Nacional para os Refugiados no Brasil (CONARE) e, constato que teriam viajado pela OIM, no dia 17/05/2010 desde Quito/Lima/São Paulo, onde teriam chegado no dia 18/05/2010; ao invés daquilo que refere que teria chegado ao Brasil, no dia 20/05/2015. Queira explicar?

R. Eu enganei-me. Foi no ano de 2010 que chegamos ao Brasil e, desde assa [sic] altura que ali somos refugiados.

P. É, ou alguma vez foi, membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social, na Colômbia?

R. Não.

P. Porque é que resolveu sair do seu país, a Colômbia e, está a solicitar proteção internacional a Portugal?

R. Estou a solicitar a proteção internacional a Portugal, porque acerca de um ano e meio, o filho da D…, o M…, que vive com a sua esposa e filha em Sapucaí e, a sua sogra tinha um salão de beleza em Sapucaí. E sei que ela, que não sei o nome, tinha pedido um empréstimo a um Colombiano, que não sei o nome. Creio que foi cerca de 1000 Reais, que ela pediu emprestado. Esse colombiano era o irmão do senhor que sequestrou a L…., em Colômbia, em data que não recordo. Mas ela devolveu o dinheiro. Mas nessa ocasião, a minha esposa a D…, foi num outro carro atrás e, na ocasião que a sogra do M… estava a entregar o dinheiro aquele colombiano, tirou-lhe fotos e, foi denunciar-lho na Polícia Federal em Porto Alegre no dia 22/02/2018. Foi a minha esposa a D… que ali foi fazer a denuncia. Depois tivemos muito medo e, resolvemos sair do Brasil.

P. Qual foi o resultado da queixa que refere ter feito na Polícia Federal no dia 22/02/2018?

R. Não teve nenhum resultado.

P. O que se passou então depois?

R. Fomos tratar de viajar para fora do Brasil.

P. Constato que a queixa que refere, não foi efetuada pela sua esposa D…, mas supostamente, teria sido efetuada pela L… e, pelo M…. O que tem a dizer?

R. Eu enganei-me.

P. Também a suposta queixa que teriam feito não foi efetuada na Polícia Federal do Brasil, mas na Polícia Civil do Brasil. O que tem a dizer?

R. Sim.

P. Mas a queixa refere-se a umas supostas ameaças que aqueles dois teriam recebido de uns supostos traficantes de drogas ali e, que não conseguiram identificar e; não da fotografia que supostamente teria a sua esposa D… tirado e identificado o suposto colombiano que teria emprestado os 1000 Reais à sogra do M…. O que tem a dizer?

R. Eu não sei explicar.

P. Depois da queixa que refere, teve mais alguma outra situação similar?

R. Não tive mais nada.

P. Viajou desde São Paulo, Brasil para Madrid, Espanha e, quando ali chegou no dia 27/02/2018?

R. Não o fizemos porque a senhora Dr.ª L…, Socióloga e Defensora Pública da União do Rio Grande do Sul, Brasil

P. Foi ela que lhe deu essa indicação?

R. Sim. Foi ela que disse isso.

P. Pensou em mudar de cidade no Brasil, para assim obviar esses problemas que refere?

R. Não. O Brasil é muito violento.

P. E porque não ponderou regressar ao seu país, a Colômbia?

R. Porque na Colômbia também é muita violência.

P. Mediante aquilo que alega, procurou ajuda de alguma ONG no Brasil ou na Colômbia?

R. Não. Mas eu ia receber agora uma ajuda financeira da Embaixada da Colômbia no Brasil, de 15000 Reais, na data de 24/05/2017.

P. Mas como recebia essa ajuda da Embaixada da Colômbia no Brasil, se tinha estatuto de refugiado no Brasil. Queira explicar?

R. Mas eu posso comprovar com este documento [juntou Doc.], nº BK00031…..

P. E receia voltar então a que país ou países?

R. Não. Eu quero é ficar em Portugal para trabalhar.

P. Viajou com o propósito de vir trabalhar para Portugal?

R. Sim. Viajamos todos com esse propósito.

P. O que poderia acontecer se regressasse à Colômbia?

R. Ficaria com a minha viva [sic] em perigo.

P. Porque refere isso, se já saiu do seu país aos 02/01/2004?

R. Mas eu vejo as notícias pela Internet.

P. De quem tem receio em concreto na Colômbia?

R. Do grupo paramilitar.

P. Porque refere isso, se quando saiu da Colômbia em 02/01/2004, não tinha qualquer problema ali naquele pais e, somente surgiram depois quando se juntou com a sua esposa D…, já em território do Equador?

R. Mas cortaram-me três dedos da mão direita, porque não paguei a “Vacuna”, no ano de 2003. E como não tinha dinheiro, surgiram seis paramilitares e, cortaram-me os três dedos com um “changon”.

P. Fez alguma queixa na Policia da Colômbia na altura?

R. Não fiz.

P. Porque não o fez?

P. Quem conhece em Portugal?

R. Aqui tenho alguns amigos portugueses.

P. Tem familiares, amigos ou conhecidos noutros países europeus?

R. Não tenho.

P. Anteriormente já tinha viajado ou residido em algum outro país?

R. Sim. No Equador e no Brasil.

P. Já pediu proteção internacional, asilo anteriormente?

R. Sim. Eu solicitei no Equador em primeiro lugar e, depois então no Brasil.

P. Algum dos membros da família é reconhecido como refugiado?

R. Sim. A minha mulher e, filhos dela, que vivem comigo.

P. Alguma vez cumpriu pena de prisão?

R. Não.

P. Alguma vez foi condenado por um crime?

R. Não.

P. Deseja acrescentar alguma coisa?

R. Não.

P. Autoriza que seja comunicada ao Conselho Português para os Refugiados, de acordo com o previsto no nº 3, do artigo 17º, da Lei nº 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/14 de 05.05, das suas declarações e das decisões que vierem a ser proferidas no seu processo?

R Sim.

E mais não disse, nem lhe foi perguntado, lidas declarações em língua Castelhana, que compreende e na qual se expressa, o achou conforme, ratifica e vai assinar juntamente comigo, pelas 19h00, hora a que findou este acto.” (cf. auto de declarações junto entre fls. 232 e 238 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

12. Em 27.03.2018, o A. apresentou, ao abrigo do n.º 2 do artigo 17.º da Lei de Asilo, um requerimento junto do R., cujo teor se reproduz parcialmente infra:

a) Na resposta à pergunta “Mas onde está o seu passaporte da Colômbia?” (página 1), o requerente nota que é portador da Cédula de Identidade da República da Colômbia n.º 75034…., emitida a 31.10.1994, que juntou ao processo no decurso da sua audição.

b) Na resposta à pergunta “Então como as autoridades do Equador lhe concederam um documento de residência no Equador no ano de 2005, como refere?” (pág. 2), o requerente sublinha que não só disseram que eram um casal – como consta do auto de declarações – como eram efectivamente um casal, vivendo em união de facto. Somente não eram casados.

c) Na resposta à pergunta “E era de fato um casal com a D…?” (pág. 2), o requerente sublinha que nunca simularam uma relação com vista à obtenção de documentação.

d) Ainda na resposta à mesma pergunta, o requerente sublinha que as idades que relatou dos seus familiares correspondem à idade actual. De notar que onde se lê “a L…, de 9 anos de idade” deve ler-se “a L…, de 11 anos de idade”,

e) Na resposta à pergunta “Mas referiu anteriormente que a senhor não era refugiado, que tinha obtido o seu documento de residência ali no Equador, mediante ter dito que vivia com a D… e, mediante isso, lhe fora concedido um documento de residência no Equador. Queira explicar?” (pág. 2), o requerente sublinha que chegou ao Equador sozinho e pediu asilo às autoridades equatorianas. Durante o seu processo – que durou vários meses –, trabalhou sempre como vendedor de rua. Igualmente, conheceu a requerente D...., com quem se uniu. Ao fim de vários meses, o seu processo de asilo foi recusado pelas autoridades equatorianas; contudo, o processo da D… e da sua família foi aceite, sendo-lhes concedida protecção internacional no Equador. Uma vez que o requerente se encontrava em união de facto com a D…, foi possível à última requerer reagrupamento familiar e, assim, obter extensão do seu estatuto para o requerente.

f) Na resposta à pergunta “O que se passou então depois?” (pág. 2), o requerente nota que a família da sua companheira sofreu perseguição por parte de grupos paramilitares na Colômbia, motivo pelo qual saíram do seu país de origem e lhes foi concedida protecção internacional no Equador. De notar que o requerente não experienciou estas situações com o agregado, uma vez que ainda não os conhecia.

Contudo, depois de se juntar com D… e constituírem o actual agregado familiar, o requerente vivenciou as ameaças que a sua enteada e restante agregado familiar foram vítimas e que motivaram a saída urgente do Equador. Por fim, sublinha que os grupos paramilitares ameaçaram também raptar a sua sobrinha L…., filha do seu irmão J…, que vivia com eles.

g) Relativamente à pergunta “Qual é o seu estado civil? Tem filhos?” (pág. 2), o requerente nota que a questão colocada em sede de audição foi “É casado?”, ao que respondeu que não. Contudo, e respondendo à questão sobre o seu estado civil, sublinha-se que o requerente está em união de facto com D….

h) Na resposta à pergunta “Em que local residia na Colômbia? Desde quando e até quando residiu nessa morada? Com quem morava?” (pág. 2), o requerente relata que residia em Manizales com os seus pais, numa fazenda. Os grupos paramilitares exigiam um pagamento mensal (a chamada “vacuna”) a todos os proprietários. Caso não fosse paga, os grupos retornariam para levar qualquer bem de valor ou filhos homens. Em Dezembro de 2003, os grupos vieram reclamar o pagamento à fazenda. O irmão do requerente conseguiu fugir e foi para o Equador. O requerente, por sua vez, foi atingido por um tiro dos guerrilhas e cortaram lhe três dedos da mão direita. Em seguida, o requerente mudou-se para Bogotá, onde solicitou ajuda na Personeria de Bogotá, como é comum aos destocados internos na Colômbia, vítimas dos grupos paramilitares.

j) Na resposta à pergunta “Mas saber ler e escrever?” (pág. 2), o requerente repara que sabe ler bem mas tem dificuldades na escrita.

j) Na resposta à pergunta “Qual a sua profissão?” (pág. 2), o requerente relata que o ACNUR no Brasil lhes deu dinheiro para começarem o seu próprio negócio.

k) Na resposta à pergunta “Como assim? Onde está o pai do D…, o A…?” (pág. 3), o requerente sublinha que, pouco depois de o seu irmão ter deixado o seu sobrinho no Brasil e regressado à Argentina, ele decidiu iniciar o processo de guarda do seu sobrinho. Para o efeito, o requerente foi entrevistado pelas autoridades, as assistentes sociais do Estado foram visitar o seu apartamento, bem como a escola do menino, por forma a verificar se a guarda poderia ser concedida a seu favor. Assim, a 21 de Novembro de 2017, foi assinado o termo de compromisso da guarda do menor a favor do requerente.

l) Na resposta à pergunta “Como não conhece, pois é a sua cunhada?” (pág. 3), o requerente sublinha que saiu da Colômbia logo no início de 2004 e que o seu sobrinho nasceu apenas em 2007, pelo que nunca conheceu a mãe do D…. Mais nota que a senhora desapareceu dois meses após o nascimento do menor, não voltando a entrar em contacto com a família do requerente.

m) Na resposta à pergunta “Qual foi a viagem que empreendeu desde o Equador até ao Brasil?” (pág. 3), o requerente sublinha que saíram do Equador a 16.05.2010 mas, devido a escalas de longa duração em Lima e em São Paulo, apenas chegaram a Porto Alegre, Brasil, a 18.05.2010. De notar que o requerente e restante agregado familiar saíram do Equador para o Brasil ao abrigo do programa de reinstalação do ACNUR. Todo o agregado familiar foi sinalizado como vulnerável, uma vez que os elementos das FARC que já tinham sequestrado a enteada do requerente na Colômbia, se encontravam no Equador e ameaçavam sequestrá-la novamente. Consequentemente, o agregado foi reinstalado pelo ACNUR no Brasil, motivo pelo qual foram recebidos pela Dra. K… no aeroporto de Porto Alegre.

n) Na resposta à pergunta “Quem pagou os vossos bilhetes de avião desde Quito/Lima/São Paulo/Porto Alegre, que referiu?” (pág. 3), o requerente sublinha – e tal como transmitido em sede de audição – que foi transferido ao abrigo do programa de reinstalação (em Espanhol, reasentamiento) do ACNUR.

o) Na resposta à pergunta “Porque não tem esse comprovativo?” (pág. 4), o requerente sublinha que, contrariamente ao que consta do auto de declarações, não afirmou que perdeu os documentos mas sim que o ACNUR ficou com os seus documentos originais do Equador durante o processo de reinstalação para o Brasil (tal como transmitido durante a audição).

p) Na resposta à pergunta “Mas referiu anteriormente, que a L…., tinha sido raptada na Colômbia e, que esteve em cativeiro nas mãos dos paramilitares cerca de dois anos e, que depois aqueles paramilitares a teriam libertado. Queira explicar qual o interesse que estes paramilitares teriam novamente na L…., se a teriam libertado anteriormente?” (pág. 4), o requerente nota que não é discutido no seio familiar o que se passou durante o cativeiro de L…., uma vez que se tratam de eventos traumáticos e dolorosos para a sua enteada. Mais nota que, apesar de não ter conhecimento dos motivos pelos quais os paramilitares a voltaram a perseguir, certo é que tal estava a ocorrer e que estava a pôr em causa a liberdade e integridade física de todo o agregado familiar.

q) Na resposta à pergunta “Viajou na companhia de quem?” (pág. 4), o requerente precisa que, em todo o auto de declarações, onde se lê “Flallan” deve ler-se “B…”, também requerente de protecção internacional em Portugal (melhor identificado no processo SEF 247/18).

r) Na resposta à pergunta “E o senhor também tinha solicitado protecção internacional no Brasil?” (pág. 4), o requerente nota que – tal como explicado em sede de audição – não pediu protecção internacional no Brasil uma vez que foram reinstalados do Equador pelo ACNUR, ou seja, o agregado chegou ao Brasil já com o estatuto de refugiado reconhecido. Por este motivo, não foram sujeitos a entrevistas por parte das autoridades brasileiras e apenas foram emitidos os documentos correspondentes ao seu estatuto. A sua reinstalação do Equador para o Brasil ocorreu no ano de 2010.

s) Na resposta à pergunta “Mas compulsei os documentos que entregou agora, referentes ao processo de protecção internacional de você, que correu termos no Comité Nacional para os Refugiados no Brasil (CONARE) e, constato que teriam viajado pela OIM, no dia 17/05/2010 desde Quito/Lima/São Paulo, onde teriam chegado no dia 18/05/2010; ao invés daquilo que refere que teria chegado ao Brasil, no dia 20/05/2015. Queira explicar?” (pág. 4), o requerente nota que afirmou desde o inicio da audição que tinha chegado ao Brasil em 2010, como comprovava a sua Cédula de Identidade de Estrangeiro brasileira. Mais declara que, quando confrontado pelo inspector com esta imprecisão, e contrariamente ao postulado no auto de declarações, não afirmou ter-se enganado e sublinhou que teria sido mal interpretado.

t) Nas respostas às perguntas “Constato que a queixa que refere, não foi efectuada pela sua esposa D…., mas supostamente, teria sido efectuada pela L …. e, pelo M….. O que tem a dizer?” e “Mas a queixa refere-se a umas supostas ameaças que aqueles dois teriam recebido de uns supostos traficantes de drogas ali e, que não conseguiram identificar e; não da fotografia que supostamente teria a sua esposa D… tirado e identificado o suposto colombiano que teria emprestado os 1000 Reais à sogra do M…. O que tem a dizer?” (pág. 5), o requerente:

i. Nota que, durante a audição, entregou, por equívoco, o documento comprovativo do segundo episódio como se fosse do primeiro;

ii. Sublinha que o episódio que descreveu na audição (sobre a sogra do M….) ocorreu, tal como afirmou, com a sua companheira D.... e que esta apresentou uma queixa na Polícia. O requerente requer, respeitosamente, a junção como prova do documento comprovativo da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (que se anexa ao presente requerimento como doc. 1);

iii. Relata que, no que concerne à outra denúncia descrita pelo inspector na audição, esta foi, de facto, apresentada por L… e M…. O agregado familiar residia numa zona de muita violência, em casas facultadas pelo Governo brasileiro ao abrigo do “minha casa, minha vida”, num segundo piso. Nesse mesmo prédio, no primeiro andar, residiam traficantes de droga que ameaçavam e amedrontavam a família, pelo que todos decidiram sair. Consequentemente, a L… e o M… dirigiram-se à Policia Civil e apresentaram uma queixa. O requerente requer, respeitosamente, a junção como prova do documento comprovativo da denúncia apresentada (doc. 2).

u) Na resposta à pergunta “Mas como recebia essa ajuda da Embaixada da Colômbia no Brasil, se tinha estatuto de refugiado no Brasil. Queira explicar?” (pág. 5), o requerente explica que os problemas que levaram o agregado familiar a sair da Colômbia prendem-se com os grupos paramilitares que operam naquele país e relativamente às acções dos quais o Estado colombiano não consegue proteger os seus cidadãos. Por reconhecer o número de deslocados que resulta das operações destes grupos, bem como os perigos a eles associados, o Governo colombiano criou um fundo de apoio às suas vítimas, com o objectivo de pagar reparações pelos danos infligidos, também eles resultantes da incapacidade do Estado colombiano em protegê-las.

v) Na resposta à pergunta “E receia voltar então a que país ou países?” (pág. 5), o requerente sublinha que tem receio de regressar à Colômbia e ao Brasil, ambos países muito violentos. Afirma ainda que, apesar do acordo do Governo colombiano com os grupos paramilitares, continuam a surgir mais e mais grupos, sendo contínuos os episódios de violência.

w) Na resposta à pergunta “Viajou com o propósito de vir trabalhar para Portugal?” (pág. 6), o requerente sublinha que o propósito primordial foi a busca de segurança.

x) Na resposta à pergunta “Porque refere isso, se quando saiu da Colômbia em 02/01/2004, não tinha qualquer problema ali naquele país e, somente surgiram depois quando se juntou com a sua esposa D, já em território do Equador?” (pág. 6), o requerente remete para o explanado supra no ponto h) do presente requerimento. Acresce que os problemas enfrentados pela esposa do requerente têm um impacto sobre todo o agregado familiar.

y) Na resposta à pergunta “Quem conhece em Portugal?” (pág. 6), o requerente sublinha que, contrariamente ao que consta do auto de declarações, não declarou ter alguns amigos portugueses.

Por tudo o que antecede, E.... vem requerer V. Exa. se digne, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 17º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, considerar as presentes clarificações e correcções aos factos essenciais do seu pedido de protecção internacional.” (cf. requerimento junto entre fls. 242 e 248 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

13. Em 13.04.2018, foi elaborada a informação n.º 549/GAR/18 pelo SEF, cujo teor se reproduz parcialmente infra:

7. Da apreciação da admissibilidade do pedido de proteção internacional Em resumo, o ora requerente, nacional da Colômbia, em união de facto com D… (PPI 2…/18), e coabita ainda com os três filhos maiores de idade e, filhos esses de D… de um anterior relacionamento. Sendo que dois dos quais a acompanham em território nacional, a L....(PPI 2…/18) e, o J… (PPI 2…/18) e, ainda um menor, o D…., de 11 anos de idade (PPI 2…/18), suposto seu sobrinho, filho de um irmão, o J…., que declara que viverá na Argentina e, que o teria deixado aquele sobrinho, a seu cargo, acerca de três anos atrás no Brasil. Declara ser de religião católica, agricultor na Colômbia e vendedor no Equador. Declara ainda, ser residente na Rua da Laguna, nº 1…, Bairro de Campina, São Leopoldo Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.

Segundo declara, viajou sozinho da Colômbia aos 02/01/2004 e, viajou com destino ao Equador, onde permaneceu cerca de seis anos. Refere, que quando ali chegou ao Equador, teria solicitado a proteção internacional aquele país e, que teria sido negado.

Mas que ali naquele país, teria conhecido a D…. e, que com aquela começou a viver em união de facto. Refere também que a sua esposa D…, teria logrado obter a proteção internacional ali na Equador, bem como os seus filhos e, que teria sido extensível ao ora requerente. Refere ainda, que a sua esposa e filhos daquela, teriam logrado obtido a proteção internacional no Equador, mediante um suposto sequestro da sua enteada L…, por parte das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e ameaças repetidas do mesmo movimento e, que teria sido aquela sua enteada L…, que lhe teria narrado aqueles factos já no Equador.

Em 2010, o ora requerente, e respetivo agregado familiar, foi reinstalada para o Brasil, por via de um programa da OIM e, igualmente na qualidade de refugiado, na sequência de, conforme alega, a sua enteada ter sido descoberta pelo sequestrador das FARC, no Equador [informação corroborada por documentação diversa, nomeadamente da Agência das Nações Unidas para os Refugiados, ACNUR, e do Comitê Nacional para os Refugiados brasileiro, CONARE].

Em 2015 o ora requerente, e respetivo agregado familiar, tentaram obter nova reinstalação, desta feita para os Estados Unidos da América, alegando, em suma, que haviam avistado o sequestrador da filha da requerente na cidade onde residiam no Brasil, temendo que L… fosse descoberta pelo mesmo [cf. pedido junto da Defensória Pública da União, de Porto Alegre, Brasil].

Tal pedido seria negado pelo CONARE, que destacou que o Brasil não envia refugiados reconhecidos a nenhum país, tendo em vista que “em território brasileiro os refugiados possuem a efetiva proteção internacional garantida e, por isso, as Nações Unidas não consideram que os refugiados do Brasil necessitam de proteção em um terceiro país” [cf. resposta do CONARE].

Na mesma resposta informa o CONARE que “quanto ao risco de sofrer nova perseguição (...) tais informações devem ser levadas ao conhecimento das autoridades competentes para que o governo brasileiro possa manter a proteção internacional com a qual se comprometeu” [cf. resposta do CONARE].

Questionado sobre se apresentou queixa junto das autoridades policiais brasileiras, refere que fez tal queixa aquando do pedido de reinstalação do seu agregado familiar para os Estados Unidos da América, no ano de 2015, junto do Ministério Público Brasileiro. Questionado sobre se tem conhecimento do estado de tal queixa, se houve lugar a qualquer investigação, declarou desconhecer o estado da mesma.

Declarou nunca recebeu quaisquer ameaças no Brasil, por a sua enteada não ter sido descoberta pelos seus perseguidores, não tendo ponderado mudar de localização dentro daquele país, ao invés de o abandonar, uma vez que todo o Brasil vive uma crise de insegurança.

O ora requerente, viaja ainda com um menor, o D…, de 11 anos de idade, que refere ser seu sobrinho e, que declara que vive também no seu agregado familiar acerca de três anos atrás, altura em que um suposto irmão, o J…, ali teria ido ao Brasil e, que teria pedido ao ora requerente, para que, o D…, ficasse a seu cargo e, que aquele seu irmão teria regressado à Argentina e, que nada sabe daquele desde então. E se bem que o ora requerente apresenta uma autorização de viagem do CONARE, Ministério da Justiça e Segurança Pública; já a suposta autorização de viagem referente ao menor D…, do suposto Juizado da Infância e da Juventude do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, é apresentada num modelo rudimentar, escrita a punho e, onde um suposto magistrado autorizaria a viagem, do menor D…, para o exterior do território Brasileiro, por um período de dois anos, com o ora requerente. [cf. Folhas 95 e 104 dos autos]

Antes de qualquer outra consideração, salienta-se que o ora requerente, solicitou e obteve proteção internacional primeiro no Equador, em 2006, sendo depois reinstalado no Brasil, com o mesmo estatuto, no ano de 2010, estatuto esse que mantém atualmente.

Distrate, o Brasil é assim primeiro país de asilo, para os efeitos da alínea c) do n.º1 do artigo 19.º-A, da Lei n.º 27/08, de 30.06, alterada pela Lei nº 26/14 de 05.05 e cf. definição dada pela alínea z) do nº 1 do artigo 2.º, do mesmo diploma legal, que estabelece como primeiro país de asilo “o país no qual o requerente tenha sido reconhecido como refugiado e possa ainda beneficiar dessa proteção ou usufruir nesse país de proteção efetiva, nos termos do Convenção de Genebra, e onde, comprovadamente, não seja objeto de ameaças à sua vida, e liberdade, onde sejam respeitados o princípio de não repulsão e o direito de não ser objeto de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante, desde que seja readmitido nesse país”.

Ora, compulsada a Convenção Relativa ao Estatuto de Refugiados, de 28 de Julho de 1951, é possível aferir que o Brasil ratificou a referida Convenção aos 16/11/1960 e, o Equador ratificou a mesma Convenção aos 17/08/1955. Face ao que antecede, fica consubstanciado o desiderato de que o Brasil é considerado o primeiro país de asilo, no qual o requerente fora já reconhecido como refugiado e onde ainda beneficia dessa proteção, conforme alínea z) do Artº 2º da Lei 27/2008, de 30.06, alterada pela Lei 26/14, de 05.05, usufruindo inclusive de uma proteção efetiva e da proteção contra o non refoulement relativamente à Colômbia. Fica ainda consubstanciado o facto de o Equador, ser considerado um país terceiro seguro, na plena aceção da alínea r) do Artº 2° da Lei 27/2008, de 30.06, alterada pela Lei 26/14, de 05.05.

Julgamos assim o presente pedido inadmissível por incorrer na alínea c) do n.º 1, do artigo 19.º-A, da Lei 27/08, de 30.06, alterada pela Lei 26/14 de 05.05, prescindindo-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional, cf. decorre do n.º 2 do mesmo articulado.

8. Proposta

Face aos factos atrás expostos, consideramos o pedido de proteção internacional inadmissível, por se enquadrar na alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º-A da Lei n.º 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/14 de 05.05.” (cf. cópia da informação junta entre fls. 258 e 267 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

14. Em 13.04.2018, foi proferido despacho pela Senhora Directora Nacional Adjunta do SEF, sancionando o teor da informação referida no ponto anterior e considerando o pedido de protecção internacional apresentado pelo

A. inadmissível, ao abrigo dos artigos 19.º-A, n.º 1, alínea c), e 20.º, n.º 1, ambos da Lei de Asilo (cf. decisão junta a fls. 256 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

15. Em 16.04.2018, o A. foi notificado da decisão referida no ponto anterior (cf. cópia do termo de notificação junta a fls. 270 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).


*

Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa.

*

A prova dos factos fixados supra assenta no teor dos documentos juntos aos autos, conforme referido a respeito de cada facto.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise do fundamento do recurso jurisdicional.

Erro de julgamento, em violação dos artigos 2.º, n.º 1, alínea z), 3.º e 7.º da Lei n.º 27/2008 e 122.º do Regulamento (CE) 604/2013, do Conselho, de 26/06, ao decidir o pedido inadmissível, por ser o Estado brasileiro o responsável e não ter determinado que o Recorrente preenche os requisitos para beneficiar do estatuto de refugiado ou de autorização de residência por razões humanitárias

Sustenta o Recorrente o erro de julgamento da sentença recorrida, com fundamento na violação das normas legais invocadas, por entender que o ato impugnado enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito ao não ter determinado que o Recorrente preenche os requisitos para beneficiar do estatuto de refugiado ou de autorização de residência por razões humanitárias.

Invoca o Recorrente que a circunstância de todos os membros da sua família ficarem impedidos de trabalhar e de se locomover com tranquilidade e segurança, atingindo a liberdade, não obstante ele próprio nunca ter sido sequestrado ou sofrido alguma lesão na sua integridade física, não obsta ao deferimento do pedido, por fazer parte da família.

Está comprovado que as FARC concretizaram ameaças à sua família, além de ferir a integridade física da sua enteada.

As respostas negativas por parte da ACNUR em deferir o pedido de reinstalação da família noutro país, não configura prova suficiente pela desnecessidade da família em buscar um país com mais segurança, designadamente em país que não seja de fácil acesso aos membros do grupo FARC.

O Estado brasileiro não apresenta capacidade para assegurar a proteção, que tem o judiciário e os demais serviços administrativos a processar muitos processos de homicídio.

Vejamos.

A decisão administrativa impugnada traduziu-se em considerar o pedido de asilo apresentado pelo Requerente inadmissível, à luz do disposto nos artigos 19.º-A, n.º 1, a) e 37.º, n.º 2, da Lei de Asilo, aprovada pela Lei n.º 27/08, de 30/06, na sua redação vigente, baseada na circunstância de o Requerente beneficiar de proteção internacional de um outro país, o Brasil, na sequência de um pedido de reassentamento urgente apresentado pela ACNUR, solicitando a reinstalação de uma família, incluindo o Autor no Brasil, vindos do Peru.

Com base nas declarações do Requerente, o mesmo esteve no Peru, tendo vindo a beneficiar de apoio internacional concedido pelo Brasil, o que, de acordo com o direito aplicável, determina a responsabilidade do Brasil pelo asilo concedido.

De acordo com os factos apurados, o Brasil deve ser considerado o primeiro país de asilo, nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 19.º-A da Lei de Asilo.

Considerando a factualidade apurada em juízo, que reflete a concreta situação em que se encontra o Requerente de asilo ou de proteção subsidiária, designadamente quanto a ter sido tomada a decisão por parte do Brasil de conceder asilo ao ora Recorrente, não cabe ao Estado português conhecer e decidir dos fundamentos do pedido de asilo.

Nos termos do artigo 19.º-A da Lei n.º 27/2008, com a epígrafe “Pedidos inadmissíveis”:

1 - O pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que:

a) Está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV;

(…)

2 - Nos casos previstos no número anterior, prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional.”.

Por sua vez, preceitua a alínea z) do nº 1, do artigo 2º, da Lei 27/08, de 30/06 que se entende como “Primeiro país de asilo”, “o país no qual o requerente tenha sido reconhecido como refugiado e possa ainda beneficiar dessa protecção ou usufruir nesse país de protecção efectiva, nos termos da Convenção de Genebra, e onde, comprovadamente, não seja objecto de ameaças à sua vida e liberdade, onde sejam respeitados o princípio da não repulsão e o direito de não ser objecto de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante, desde que seja readmitido nesse país.”.

Dos factos apurados respiga-se que o Recorrente é cidadão colombiano e titular do estatuto de refugiado reconhecido pelo Estado brasileiro.

Da sentença recorrida extrai-se a seguinte fundamentação de direito, que ora se acolhe, por ser traduzir numa correta análise e aplicação do direito aplicável:

“Pretendesse o A. “contestar a aplicação do conceito de primeiro país de asilo nas suas circunstâncias específicas” – como lhe é expressamente permitido pelo artigo 35.º da Directiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.06 –, deveria então alegar (e demonstrar) que:

(i) Não foi reconhecido como refugiado num outro país; ou

(ii) Não beneficia já nesse país de protecção ou não usufrui aí de protecção efectiva, nos termos da Convenção de Genebra; ou

(iii) É aí objecto de ameaças à sua vida e liberdade, há desrespeito pelo princípio da não repulsão ou pelo direito de não ser objecto de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante; ou

(iv) Não será readmitido nesse país.

No entanto, compulsados os autos, facilmente se conclui que nenhum dos circunstancialismos acabados de elencar se encontra, in casu, observado.

Com efeito, analisado o teor da douta p.i. deduzida, constata-se que a parte arrima a tese que vem a juízo sufragar na perseguição que a filha da sua companheira L… será alvo por um membro das FARC, a qual a terá mantido sequestrada durante um período de dois anos.

Sucede, porém, que, da situação de facto que é explanada pelo A., não é possível retirar, em momento algum, uma ameaça directa à sua vida ou à sua integridade física, por força de tal facto.

Na verdade, e como se extrai do pedido de reinstalação a que se alude no facto 1. firmado supra, é inequívoco que a alegada situação de perseguição que descreve incide e tem por único objectivo a recaptura de L…, em momento algum se dando conta de um qualquer interesse – ou, mesmo, interacção – dos referidos membros das FARC com o A., conclusão que resulta corroborada pelas suas próprias declarações (cf. factos 11. e 12. supra).

A este respeito, e sem prejuízo de os pedidos de protecção internacional do A. e a sua família terem sido deduzidos separadamente, não será despiciendo denotar que o A. não se afigura já “membro da família” de L…, nos termos e para os efeitos da alínea k) do n.º 1 do artigo 2.º e do artigo 68.º da Lei de Asilo, não podendo, por isso, beneficiar da eventual protecção que venha a ser conferida a esta última, por força dos factos que descreve, os quais, em rigor, tangem apenas a esta.

No entanto, e ainda que assim não se entendesse, sempre caberia concluir pela improcedência do peticionado pelo A.

Com efeito, mesmo assumindo que a perseguição de que L....é alvo também o visaria, por qualquer forma – o que, como se viu, não sucede in casu –, em momento algum o A. contesta fundadamente a capacidade do Estado brasileiro em protegê-lo e em lançar mão dos mecanismos administrativos e judiciais existentes para fazer face à presença do sequestrador de L… em território brasileiro, garantindo, desse modo, a sua segurança.

Tanto assim é que, de resto, em 23.02.2017, foi proferido despacho pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Rio Grande do Sul do Ministério Público Federal brasileiro, determinando a extracção de certidão com vista à investigação da alegada prática de agiotagem do putativo sequestrador de L....(cf. facto 7. firmado supra), cujo desfecho não é ainda conhecido.

Bem assim, e conforme se deu conta no ponto 8. da matéria de facto que retro se deu por assente, a Defensoria Pública da União brasileira remeteu um ofício à Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho, Justiça e Direitos Humanos, peticionando o ingresso de L...., M....e respectiva família no “Programa Estadual de Proteção, Auxílio e Assistência a Testemunhas Ameaçadas – PROTEGE” (inexistindo, também neste particular, quaisquer notícias nos autos acerca do desfecho de tal pedido), sendo, assim, legítimo concluir, como o faz o próprio ACNUR, na mensagem electrónica a que se alude no facto 6., que “os refugiados presentes no Brasil não possuem qualquer necessidade específica de proteção que o Estado brasileiro seja absolutamente incapaz de suprir”.

A isto acresce que a situação de ameaça que é descrita pelo A. é absolutamente hipotética, inexistindo quaisquer indícios que os membros das FARC que terão sido avistados por M… tenham sequer conhecimento do paradeiro de L…., encontrando-se, supostamente, em território brasileiro tendo em vista a prática de agiotagem, tendo, então, deparado com a sua sogra por aparente acaso (cf. factos 7., 11. e 12. firmados supra).

Ora, sendo certo que:

(i) O Estado brasileiro concedeu o estatuto de refugiado ao A. (cf. factos 1. a 5. firmados supra);

(ii) Não é colocado em crise nem resulta dos autos que o A. aí tenha deixado de beneficiar de protecção ou aí não possa ser readmitido (tanto assim é que o próprio A. refere, nas declarações prestadas, ser titular de “Cédula de Identidade de Estrangeiro Permanente no Brasil nº V67…-M, emitida aos 15/10/2015 e, válida até aos 22/09/2024”, cf. facto 11. firmado supra); e

(iii) O A. não logra fundadamente colocar em causa que a protecção que aí lhe é concedida não seja efectiva, inexistindo, assim, uma qualquer ameaça concreta à sua vida ou à sua integridade física,

há que concluir que a República Federativa do Brasil é, efectivamente, o primeiro país de asilo do A., nos termos e para os efeitos da alínea z) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Asilo, bem tendo andado o R. ao considerar o pedido de protecção internacional inadmissível, como o fez, de harmonia com a alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º-A do referido diploma.”.

Apesar de o Recorrente invocar o erro sobre os pressupostos de facto e de direito da sentença recorrida, na parte relevante ora transcrita e que por concordância, cuja fundamentação se acolhe, não só não concretiza que facto ou factos foram considerados na decisão impugnada não se verificam ou são erróneos, como não concretiza que factos deveriam ter sido considerados e não foram, isto é, em nenhum momento se apresenta concretizado o alegado erro sobre os pressupostos.

O Recorrente em nenhum momento põe em crise a factualidade julgada provada na sentença recorrida, designadamente, que beneficia de proteção internacional do Estado brasileiro, assim como não põe em crise a não prova de factos relativos à segurança ou insegurança do Brasil ou à alegada insuficiência de proteção conferida por este país.

Em rigor, em nenhum momento o ora Recorrente logra concretizar qualquer lesão ou ameaça de perseguição quanto à sua pessoa no país em que se encontrava, no Brasil, enquanto primeiro país de asilo.

Se os pressupostos de facto e de direito do ato impugnado não se verificam ou estão errados, impunha-se ao Recorrente que impugna essa decisão que concretizasse, designadamente, referindo os factos que deveriam ter sido considerados e que apontariam para uma decisão diferente.

Significa que sendo o acervo factual relevante sobre a situação jurídica do ora Recorrente a que se apresenta selecionada no julgamento de facto da sentença recorrida, com a qual o ora Recorrente se conforma, não a impugnando no presente recurso, é possível concluir pela manifesta falta de razão do Recorrente ao alegar o erro sobre os pressupostos de facto e de direito da sentença recorrida e, consequentemente do ato administrativo impugnado, de recusa por parte das autoridades nacionais da proteção internacional requerida.

Os factos descritos determinam que nenhum juízo de censura pode ser formulado contra a sentença recorrida, que manteve o ato impugnado.

A sentença recorrida interpretou e aplicou corretamente os factos e o direito aplicável, nenhuma censura merecendo quanto à decisão proferida, de manutenção do despacho impugnado na ordem jurídica e de improcedência do pedido.

Sendo o pedido de proteção internacional inadmissível, conforme estatui o n.º 2 do artigo 19.º-A, da Lei 27/2008, na redação da Lei 26/2014, “(…) prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional”, isto é, fica prejudicada a apreciação do mérito do pedido de proteção internacional pelas autoridades nacionais, tendo em conta que é outro Estado, in casu, o Brasil o responsável, pelo que, nem o ato impugnado, nem a sentença recorrida, podem padecer de qualquer vício de violação de lei, não ocorrendo a violação dos normativos de direito invocados pelo Recorrente.

A situação factual relativa ao ora Recorrente, nos termos em que se encontra descrita nos autos, impede que o Estado português aprecie os fundamentos do pedido de asilo ou de proteção subsidiária, por não ser o competente.

Embora o Recorrente alegue o risco de regressar ao Brasil, o único receio que alega prende-se com uma invocada perseguição ocorrida em relação à filha da sua companheira, por rigorosamente mais nada alegar sobre esse risco de perseguição quanto à sua pessoa, não sendo alegados quaisquer factos respeitantes a um eventual risco ou perigo de perseguição ou de violação dos direitos humanos por terceiros no Brasil.

Como decidido no Acórdão deste TCAS proferido no processo n.º 851/18.1BELSB, de 18/10/2018, num caso com semelhanças factuais, considerando estar em causa o mesmo grupo familiar:
A sensação de insegurança sentida pela recorrida, motivada pela circunstância de ter visto o sequestrador da sua filha, mas também o clima de insegurança geral que refere existir, actualmente, no Brasil, não permitem concluir no sentido seguido pela decisão recorrida, permitindo, ao invés, as declarações prestadas pela recorrida concluir no sentido de esta, comprovadamente, no Brasil não ser – não ter sido - objecto de ameaças à sua vida e liberdade, sendo manifestamente insuficiente a sensação de medo e insegurança sentida pela recorrida, que radica nos dois fundamentos supra mencionados, insuficiente para não se considerar o Brasil como primeiro País de asilo.
Conclui-se, assim, por um lado que a recorrente, no Brasil, nunca foi alvo de qualquer ameaça à sua vida ou liberdade, nomeadamente por parte do sequestrador da sua filha e que o motivo pelo qual rejeita a possibilidade de se mudar para outra cidade no Estado Federativo do Brasil se prende com a insegurança que, presentemente, refere existir naquele País, nomeadamente nas grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, motivo manifestamente insuficiente para que não se considere o Brasil como primeiro país de asilo.”.

Termos em que não podem proceder as conclusões do recurso em apreço, no tocante à violação das normas jurídicas invocadas pelo Recorrente, não enfermando a sentença recorrida de qualquer erro de julgamento em relação ao vício de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.

Assim, nenhuma razão assiste ao ora Recorrente, devendo ser julgadas improcedentes todas as conclusões do recurso.


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Termos em que será de negar provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, por não provados os seus fundamentos.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A Lei n.º 27/2008, de 30/06, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, prevê no artigo 19.º-A, n.º 1, a), que o pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV;

II. Sendo outro Estado o primeiro país de asilo, está o Estado português dispensado de analisar da pretensão do interessado.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos.

Sem custas – art.º 84º da Lei nº 27/2008, de 30/06.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)





(Pedro Marchão Marques)




(José Gomes Correia, em substituição)