Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2572/05.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/11/2024
Relator:ELIANA CRISTINA DE ALMEIDA PINTO
Descritores:DL N.º 128/92, DE 4 DE JULHO
DL 92/2001, DE 23 DE MARÇO
Sumário:I - O DL n.º 92/2001, de 23 de março, teve em vista, como resulta da leitura do seu próprio preâmbulo, o trabalho prestado por médicos em serviço de urgência para além das 35 horas semanais, não sendo aplicável aos médicos do internato complementar visto não se encontrarem providos em lugar do quadro e da carreira médica hospitalar.
II - O regime legal previsto do aludido DL tem como destinatários, quer por força do seu preâmbulo quer por efeito do próprio teor do artigo 1.º, apenas os médicos da carreira hospitalar, não se aplicando a médicos do internato complementar.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I – RELATÓRIO

E......, devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 13 de maio de 2008, que no âmbito da ação administrativa comum, instaurada contra o CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA – ZONA CENTRAL e MINISTÉRIO DA SAÚDE, de condenação ao reconhecimento de que teria direito ao pagamento de trabalho extraordinário realizado em equipas de urgência hospitalar, que julgou a ação improcedente, absolvendo as entidades demandadas dos pedidos.
***
Formula a aqui recorrente, nas respetivas alegações de recurso, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:
“...
1. Veio a Autora intentar Ação Administrativa Comum, sob a forma Ordinária, contra o Centro Hospital de Lisboa e o Ministério da Saúde.
2. Entendeu o Tribunal a quo julgar procedente a exceção da ilegitimidade do Ministério da Saúde, tendo, ainda, julgado improcedentes as restantes exceções aduzidas.
3. Por outro lado, entendeu o Tribunal a quo julgar improcedente a presente Ação e, me consequência absolver o Réu do pedido.
4. Não se conforma a Recorrente nem com o Despacho que julgou procedente a exceção da Ilegitimidade passiva do Ministério da Saúde, nem com a Sentença proferida a fls...,
5. Razão pela qual vem interposto o presente Recurso Jurisdicional, nos termos do artigo 142. °, n.º 5 do CPTA.
6. Na verdade, e desde logo, não poderia o 2° Réu, Ministério da Saúde, deixar de ser tido como parte legítima, tanto mais que o 1° e 2° R são ambos sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pela A. (artigo 26. °, n.º 3 do CPC).
7. Até porque, e perante o disposto no n.º 8 do artigo 10.º do CPTA, qualquer dos réus, acionados por via da presente Ação não promoveu a intervenção de qualquer outra Entidade pública no Processo.
8. Pelo que ao decidir como decidiu fez o Despacho Recorrido uma errada interpretação do disposto no artigo 3.°, n.º 2 do DL n.º 92/2001, artigo 26.°, n.º 3 e, ainda, artigo 10°, n.º 8 do CPTA.
9. Razão pela qual deverá ser revogado o Despacho que julgou procedente a exceção da legitimidade e ser considerado o Ministério da Saúde como parte legítima.
10. Por outro lado, deverá ser esclarecida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 669°, n.°1 alínea a) e n.º 3 do CPC, quais os documentos a que se refere a Sentença Recorrida
no n.º 14 da Matéria de Facto Assente, com todas as legais consequências.
11. Acresce que, resulta dos n.ºs 1 e 21 da Matéria de Facto Assente no n°. 11 e 12 que a Agência de Contratualização dos Serviços de Saúde qualificou o Serviço de Cirurgia Geral
do Hospital de São José (Centro Hospitalar de Lisboa) para efeitos de aplicação do sistema
remuneratório previsto no DL n.º 92/2001, de 23 de março.
12. Contudo, e em manifesta contradição afirma-se na Sentença Recorrida a (pág. 9) “... que a
Agência de Contratualização dos Serviços da Saúde não qualificou o Serviço de Cirurgia Geral do Hospital de São José (Centro Hospitalar de Lisboa) para efeitos de aplicação do sistema remuneratório previsto no Decreto-Lei n°. 92/2001, de 23 de Março...”.
13. Ora, como resulta dos Autos, bem como da matéria de facto provada, o Serviço de Cirurgia Geral onde a A. exerce funções foi sempre qualificado porque se entendeu que sempre preencheu todos os requisitos previstos no DL 92/2001.
14. Achando-se, pois, os fundamentos em manifesta e ostensiva contradição com a Decisão.
15. Sendo, por conseguinte, nula a Sentença Recorrida, nos termos do artigo 668.°, n.º 1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.° do CPTA, o que deverá ser declarado com todas as legais consequências.
16. Ainda que assim não se entenda o que por mero dever de patrocínio se admite e sem conceder, sempre se dirá que se mostram, no caso concreto, preenchidos todos e cada um dos requisitos cuja verificação se exige no artigo 1. °, n.° 2, do DL n.º 92/2001, de 23 de março;
17. E tal resulta desde logo, da matéria do n.º 1 e 12 da Matéria de Facto considerada assente no âmbito dos presentes Autos, mostrando-se, pois, todos e cada um dos requisitos exigidos no artigo 1.º preenchidos, no caso concreto, desde Julho de 2000.
18. Ou seja, em Julho de 2002, no Hospital Réu, já se encontravam preenchidos e verificados os requisitos instituídos pelos n.º 2 a 4 do artigo 1.° do LD n.º 92/2001, de 23 de março;
19. Razão pela qual, desde então, era devido à A. o pagamento do mencionado trabalho extraordinário de acordo com o modelo de pagamento resultante deste diploma legal.
20. E ao decidir como decidiu, violou a Sentença Recorrida o disposto no n.º 2 a 4 do artigo 1.º do DL n.º 92/2001, devendo, pois, ser revogada com todas as legais consequências.
21. Ainda que assim não se entenda, e independentemente do facto de se encontrarem ou não preenchidos os pressupostos legais previstos no artigo 1.º, n.° 2, do DL n.º 92/2001, o certo é que, atento o disposto no artigo 3.°, n°. 1, in fine do mesmo Diploma Legal, até 31/12/2002 (data limite) cabia ao 1° Réu ter implementado o mencionado modelo de pagamento, sendo este último automaticamente aplicável a partir de 1de Janeiro de 2003 a todos os Médicos.
22. Assim sendo, pelo menos a partir de 1/01/2003 sempre será devido à autora, aqui recorrente, o pagamento do trabalho extraordinário por si prestado enquanto integrado me equipas de urgência hospitalares, de acordo com a artigo 1. °, n.º 1do DL n.º 92/2001 de 23/03.
23. O que, aliás, já foi reconhecido pelos RR, como se disse em relação ao Serviço de Cirurgia Geral, onde a Autora exerce funções.
24. Com efeito, aos Médicos integrados nas Carreiras Médicas que exercem funções, nomeadamente, nos Serviços de Medicina, Anestesia, Cirurgia Geral, Estomatologia, Gastrenterologia, Imagiologia, Patologia Clínica, Hematologia e Medicina Física do 1° Réu foram regularizados e pagos os montantes devidos a título de trabalho extraordinário por aqueles prestado nos anos de 2002 e 2003 nos termos e com observância do já citado Decreto-Lei n.º 92/2001 de 23 de Março.
25. E tal não sucedeu, no que respeita à aqui Recorrente, como se disse, sem que fossem justificados os critérios adotados pelos RR. para o não pagamento.
26. E tal atuação dos RR. consubstancia uma clara violação dos princípios constitucionais da igualdade e da justiça, previstas nos artigos 13.° e 266.° da Constituição da República Portuguesa.
27. Face a todo o exposto a Decisão Recorrida violou o artigo 1.º, n.º 1, artigo 3.º, n.º 1, ambos do DL 92/2001, de 23 de março, e, ainda, os artigos 13.° e 266.° da CRP.
28. Assim sendo, e face a todo exposto, deverá ser revogada a Decisão Recorrida e consequentemente:
a) os Réus ser condenados, ao abrigo do disposto no artigo 1°, n.º 1do DL n.º 92/2001, de 23/03, a reconhecer à A,. que vem prestando trabalho extraordinário integrado em equipas de urgência hospitalares, o direito a ser pago por tal trabalho com base na remuneração correspondente ao regime de trabalho de dedicação exclusiva com horário de 42 horas semanais;
b) em consequência, devem os Réus ser condenados, solidariamente, a processar e pagar à A. os valores correspondentes às diferenças entre os montantes por esta recebidos, a título de trabalho extraordinário assim prestado e aqueles que deveria ter recebido atento o regime de trabalho de dedicação exclusiva com o horário de 42 horas semanais, designadamente:
i. a quantia €12.047,20 (doze mil e quarenta e sete euros e vinte cêntimos) a título de diferenças reportadas ao período de tempo decorrido entre Julhoed20e31/12/2002;
ii. a quantia de € 6.153,56 (seis mil, cento e cinquenta e três euros e cinquenta e seis cêntimos) a título de diferenças reportadas ao período de tempo decorrido entre 1/01/2003 e Novembro de 2004;
iii. as diferenças reportadas ao período de tempo decorrido entre Novembro de 2004 e a presente data, até integral pagamento.
c) finalmente, devem ainda os Réus ser condenados, solidariamente, no pagamento dos respetivos juros calculados, para cada retribuição mensal, à taxa legal.
...”.

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O MINISTÉRIO DA SAÚDE, notificado, apresentou contra-alegações, pronunciando-se sobre os fundamentos do recurso, formulou as seguintes conclusões:
“...
1) O Ministério da Saúde carece de legitimidade passiva porquanto ao poder conferido pelo n° 2do arte 3° do D.L. 92/2001, de 23 de Março, foi delegado nos presidentes das ARS, no caso, da ARSLVT, conforme Despacho do Ministro da Saúde, de 12/10/2001, publicado no D.R.- Il série, n° 276, de 28/11/2001.
2) Sem conceder, não estão preenchidos os pressupostos legais nem de facto de que a lei faz depender o pagamento pedido, pelo que este não pode ser satisfeito.
3) Não se mostram violados os princípios da igualdade e da justiça já que a remuneração suplementar prevista na lei só obedece aqueles princípios quando atribuída a profissionais que estejam em idênticas circunstâncias e que demonstrem um acréscimo de produtividade em relação aos demais melhor, aferida pelos critérios legalmente estabelecidos de forma cumulativa e a que a recorrente não obedece.
4) Deverá manter-se a decisão absolvição da instância do Ministério da Saúde, por ilegitimidade passiva e, em todo caso, o pedido improceder em absoluto.
Pede que seja negado provimento ao recurso.
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Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida é nula, por contradição entre os factos provados e a sua fundamentação de facto e direito, bem como saber se a decisão a quo enferma de nulidade, por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão, bem como de erro na interpretação do direito aplicável, designadamente saber se deveria ter sido reconhecido à A. que prestou trabalho extraordinário e, em consequência, se teria direito a ser paga por tal trabalho prestado, com base na remuneração referente ao regime de dedicação exclusiva com horário de 42 horas semanais, acrescidos de juros moratórios.
III – FUNDAMENTOS

III.1. DE FACTO
Na decisão judicial recorrida foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade que não vem impugnada, pelo que se mantém:
“...

1) A A. é Médica.

2) Como Interna do Internato Complementar de Cirurgia Geral exerce funções no Centro Hospitalar Réu, designadamente no Hospital de S. José́, que se encontra integrado naquele.

3) Como Interno a A. está sujeita a um horário de 42 horas de trabalho semanais, sem dedicação exclusiva.

4) E é remunerada pelo valor correspondente ao índice 90, escalão 1 da Categoria de Interno do Internato Complementar.

5) Sendo que o valor do índice 100 é o fixado para a escala salarial indiciaria do corpo especial das carreiras médicas.

6) Desde Julho de 2000 até ao ano de 2005 foram os seguintes os valores correspondentes à remuneração-base do A. e respetivos valores-hora:

a) - 2000 (desde Julho): 312.200$00 / € 1.557,25 com o valor-hora de 1.715$38 / € 8,56;

b) - 2001: 323.800$00 / € 1.615,11 com o valor-hora de 1.779$11 / € 8,87;

c) - 2002, 2003, 2004: € 1.659,52 com o valor-hora de € 9,12;

d) - 2005: € 1.695,75 com o valor-hora de € 9,32.

7) Integrado em equipas de urgência hospitalar, a A. prestou para o 1o Réu trabalho extraordinário, o que sucedeu, pelo menos, desde Julho de 2000.

8) À A. foi pago o mencionado trabalho extraordinário de acordo com o valor hora referente ao regime de 42 horas sem dedicação exclusiva, Categoria de Interno do Complementar, Escalão 1, Índice 90.

9) Entre Julho de 2000 e Novembro de 2004, foi o seguinte o Trabalho Extraordinário prestado pela A ao 1o R. e por este pago:



10) O Centro Hospitalar de Lisboa, Zona Central, remeteu à Administração Regional de Saúde e Vale do Tejo, as listagens por médico e especialidades relativamente aos anos de 2002 e de 2003, as quais constam, respetivamente, dos doc.s 2 e 3 juntos com a contestação a fls. 108 e ss., e que se dão aqui por integralmente reproduzidos.

11) A Agência de Contratualização dos Serviços da Saúde endereçou, em 14.09.2004, ao Centro Hospitalar de Lisboa ofício do seguinte teor:




...”.
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III.2. DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso, segundo a sua ordem de precedência.

Da Nulidade de Sentença
Foi suscitada nulidade da sentença do Tribunal a quo, por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão, para os efeitos do artigo 668.ª/1, alínea c) do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA.
Para tanto, o recorrente alega resultar da “matéria de facto assente n.º 11, e 12” que a Agência de Contratualização dos Serviços de Saúde qualificou o Serviço de Cirurgia Geral do Hospital de São José (Centro Hospitalar de Lisboa) para efeitos de aplicação do sistema remuneratório previsto no DL 92/2001, de 23 de março.
Ainda alegou que na fundamentação da sentença do Tribunal a quo consta a ideia oposta, ou seja, que a Agência de Contratualização dos Serviços de Saúde não havia qualificado o Serviço de Cirurgia Geral do Hospital de São José (Centro Hospitalar de Lisboa) para efeitos de aplicação do sistema remuneratório previsto no DL 92/2001, de 23 de março (página 9. da decisão judicial).
Efetivamente, a sentença recorrida, não obstante ter dado por provado n.º 11, ao afirmar que a Agência de Contratualização dos Serviços de Saúde enviou ofício ao Centro Hospitalar de Lisboa dando conta da aplicação do DL 92/2001 ao “período C do ano 2003”, afirmou, mais à frente, o oposto.
Todavia, por despacho constante a fls 362 e seguintes do SITAF, assume a contradição, dando conta que se trataria de um lapso de escrita, corrigiu a alegada contradição.
Assim, a invocada nulidade de sentença, com os fundamentos expressos deixam de fazer sentido, por ter deixado de existir a citada contradição.
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Da ilegitimidade do Ministério da Saúde
A recorrente discorda da decisão do Tribunal a quo relativamente à procedência da exceção de ilegitimidade do Ministério da Saúde, por entender que não poderia o 2.º Réu, Ministério, deixar de ser parte legítima, pois que o 1.º e 2.º Réus são ambos parte da relação material controvertida como ela foi configurada pela autora, nos termos do artigo 26.º/3 do CPC.
Ao ter procedido a referida exceção a senhora Juíza do Tribunal a quo fez uma errada interpretação do artigo 3.º/2 do DL 92/2001 e artigos 10.º/8 do CPTA.
A recorrida defendeu, no seu recurso, que o Tribunal a quo fundamentou que as disposições legais supracitadas e os pedidos formulados pela A. se demonstra a ilegitimidade passiva do R. Ministério, pois que, sendo as ARS, IP, pessoas coletivas de direito público dotadas de personalidade jurídica, seria a ARS, IP, Lisboa e Vale do Tejo, in casu, que deveria ter sido demandada, no que a procedência dos pedidos pode implicar uma autorização prévia de pagamento, competência essa dos presidentes das ARS, IP, nos termos do regulamento supra identificado (Cfr. 10°, n.°1 do CPTA). Contudo, a recorrida discorda, defendendo que “... pese embora a efetiva competência própria do Centro Hospitalar aqui Réu para decidir sobre remunerações, processamentos e pagamentos das mesmas ao pessoal ao seu serviço, a verdade é que, de acordo com o disposto no Art. 3°, n°. 2, do DL n°. 92/2001, a implementação do modelo de pagamento instituído com este Diploma Legal, em cada estabelecimento, depende de autorização do Ministério da Saúde...”. Conclui, por isso, defendendo que não poderia o2° Réu, Ministério da Saúde, deixar de ser tido como parte legítima quanto a todos os pedidos formulados na PI, tanto mais que ambos são sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pela A. (artigo 26.°, n.º 3, do CPC).
Apreciando e decidindo.
No Despacho Saneador, proferido pelo Tribunal a quo, fundamenta-se que o DL 212/2006, de 27 de outubro, que aprovou a Lei Orgânica do Ministério da Saúde, dispõe que as Administrações Regionais de Saúde, IP prosseguem as atribuições do Ministério da Saúde, sob superintendência e tutela do respetivo Ministro. E o DL 222/2007, de 29 de maio, que estatui a natureza jurídica das ARS, IP como sendo pessoas coletivas de direito público, integradas na administração indireta do Estado, com personalidade jurídica, autonomia administrativa e patrimonial.
Prossegue a sua linha fundamentadora, referindo o Despacho 24 236/2001, de 12 de outubro de 2001, que disciplina o Regulamento de aplicação do sistema remuneratório estatuído no DL 92/2001, de 23 de março, ao estabelecer que as autorizações de pagamento incumbiriam aos Presidentes da ARS, IP.
Ora os pedidos da autora são de condenação dos corréus a reconhecer-lhe que vem prestando trabalho extraordinário, integrada em equipas de urgência hospitalar e que, por isso, tem direito a que tal trabalho seja pago, tendo em conta a remuneração da autora assente num horário de 42 horas semanais.
Com base neste discurso fundamentador conclui pela ilegitimidade do réu, Ministério, já que as ARS, IP são pessoas coletivas de direito público, com personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, cabendo à ARS, LVT, IP a competente para satisfazer os pedidos da autora.
Pois bem, a personalidade e a capacidade judiciárias, são “qualidades pessoais das partes”, ao passo que a “legitimidade” tem a ver com a posição relativa das partes face à relação material controvertida tal como a mesma é configurada pelo autor na petição inicial. Pois bem, o artigo 10.º, n.º 1 do CPTA, aplicável aos autos, indica-nos um critério para aferirmos da legitimidade, in casu, passiva, afirmando que “...cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos autores...”.
Já o n.º 2 daquele normativo prevê, por sua vez, que “... quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”, dele não resultando, como melhor infra se demonstrará, a nosso ver, um critério de legitimidade passiva, mas antes a atribuição de personalidade judiciária...”.
Tal regime apenas respeita às ações administrativas especiais - impugnação de ato, condenação à prática de ato legalmente devido e de impugnação de normas - artigos 50.º e segs., 66.º e segs. e 72.º e segs. CPTA, e, bem assim, às ações de reconhecimento de direito ou de condenação à adoção ou abstenção de comportamentos [como as previstas no artigo 37.º, n.º 2, alíneas a), b), c), d) e e) do CPTA], - deixando de fora do seu âmbito de aplicação as ações administrativas comuns que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, o que é aqui o caso.
No tocante, concretamente, à legitimidade passiva e personalidade judiciária das entidades públicas, é incontornável que o CPTA adotou uma nova conceção do processo administrativo como um processo de partes, o que permite perspetivar a questão da legitimidade passiva, não a partir do ato, para depois chegar ao seu autor, mas antes encará-la do ponto de vista do sujeito processual e da sua relação com o objeto do processo. E quando nos centramos no sujeito, logo nos surgem, a par da legitimidade, os demais atributos que processualmente são exigidos à entidade pública demandada para que possa estar em juízo – Vide Esperança Mealha, “Personalidade Judiciária e Legitimidade Passiva das Entidades Públicas”, Publicações CEDIPRE online, novembro de 2010.
Na verdade, como refere Esperança Mealha, “Personalidade Judiciária e Legitimidade Passiva das Entidades Públicas”, Publicações CEDIPRE online, novembro de 2010, “... a averiguação da legitimidade não oferece dificuldades de maior, exceto naqueles casos em que seja necessário discutir o problema, não totalmente resolvido no processo civil, de saber como deve ser aferida a titularidade da relação controvertida (se deve ser verificada apenas com base nas afirmações do autor na petição inicial, ou se, pelo contrario, deve aferirse pela efetiva titularidade da relação material controvertida tomada provisoriamente como objetivamente existente, com a configuração que vier a resultar das afirmações de autor e réu, confirmadas pela instrução e discussão da causa...”.
O regime aplicável em matéria de legitimidade passiva consta essencialmente do artigo 10.º do CPTA, em que no n.º 1 se determina que a legitimidade passiva em termos semelhantes ao processo civil, estatuindo-se que a legitimidade passiva corresponde à contraparte na relação material controvertida, como ela foi configurada pela autora, no caso, por outro lado, determina o n.º 2 do artigo 10.º do CPTA que nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público.
Pois bem, saber como deve ser aferida a titularidade da relação controvertida apreciando a efetiva titularidade da relação material controvertida é matéria que colide com o mérito da causa, pelo que se deve aferir a legitimidade processual das partes, de acordo com a configuração da relação material controvertida como configurada na ação.
Ora, no caso dos autos, a autora demanda o Centro Hospitalar de Lisboa Central e o Ministério da Saúde, explicando que ambos os demandados fazem parte da relação material controvertida por si configurada, pois que a autora imputa ao Ministério da Saúde parte da responsabilidade para reconhecimento e a prestação de facto pretendidas, nos termos do artigo 3.º/2 do DL 92/2001, de 25 de março. E, assim sendo, o Ministério da Saúde não poderia ter sido absolvido da instância, ainda que, em abstrato, na decisão de mérito, pudesse ser absolvido dos pedidos.
Por isso, o Tribunal a quo errou na interpretação do direito aplicável ao ter absolvido o Ministério da Saúde da presente instância. Efetivamente, ao ter demandado o Ministério da Saúde não fez uso do disposto no n.º 8 do artigo 10.º do CPTA, na redação aplicável aos autos, pelo que não peticionou a intervenção de terceiros, quando a satisfação de uma ou mais pretensões deduzidas contra a Administração exija a colaboração de outra ou outras entidades.
A senhora Juíza do Tribunal a quo fundamente que o Ministro da Saúde, por despacho 24236/2001, de 12 de outubro de 2001 definiu o Regulamento de aplicação do sistema remuneratório previsto no DL 92/2001, de 23 de março, determinando que as autorizações de pagamento passariam a estar a cargo dos Presidentes das ARS, IP, mas isso já colide com a apreciação do mérito da causa e não da apreciação da legitimidade processual passiva.
E é inquestionável que a autora configurou a ação demandando dois réus, a quem imputa responsabilidades distintas, mas complementares, para a procedência dos seus pedidos, pelo que andou mal o Tribunal a quo, revogando-se a decisão tomada de absolvição do Ministério da Saúde da instância, no respetivo Despacho Saneador.
Contudo,
face ao agora decidido, deveriam os autos baixar à primeira instância para prosseguirem, com o Ministério da Saúde na ação, se nada mais obstar, todavia, o Ministério da Saúde foi absolvido da instância depois de contestar a ação, pelo que o Tribunal ad quem dispõe da sua posição fáctico-jurídica quanto ao mérito da causa, o mesmo sucedendo com o corréu, Centro Hospitalar de Lisboa, Zona Central.
Por isso, nos termos do artigo 149.º/1 e 3 do CPTA, tendo ambos os corréus exercido o respetivo contraditório, contestando a ação, e, não obstante a absolvição da instância do corréu, Ministério da Saúde, no Despacho Saneador, mas considerando, também, o disposto no artigo 91.º-A do CPTA, não tendo havido produção de prova depois do Despacho Saneador, não haverá, hoje, lugar a alegações Finais do Ministério da Saúde, razão pela qual o Tribunal ad quem prosseguirá para a apreciação do último fundamento do recurso, referente ao erro de julgamento, ou seja, ao erro nos pressupostos de direito que vem, também, imputada à decisão recorrida.
Do Erro de Julgamento
Alega a recorrente que no caso concreto, estão preenchidos todos e cada um dos requisitos cuja verificação se exige no artigo 1.º do DL 92/2001, de 23 de março, desde o ano 2000, resultando da “matéria de facto assente”, que a Agência de Contratualização dos Serviços de Saúde qualificou o Serviço de Cirurgia Geral do Hospital de São José (Centro Hospitalar de Lisboa) para efeitos de aplicação do sistema remuneratório previsto no DL n.º 92/2001, de 23 de março.
Conclui que os médicos do Serviço de Cirurgia Geral têm vindo a ser pagas as quantias correspondentes às diferenças entre os montantes por estes recebidos a título de trabalho extraordinário e aqueles que deveria ter recebido atento o regime de trabalho de dedicação exclusiva com o horário de 42 horas semanais, explicitando, ainda, que à data em que a autora passou a prestar trabalho extraordinário integrado em equipas de urgência (i.e., desde Julho de 20) já se procedera, no Hospital Réu, ao alargamento do horário de ambulatório até às 18 horas, sendo as consultas marcadas por hora e por equipa médica.
A recorrente ainda clarifica que vêm sendo executadas as contratualizações efetuadas no âmbito da adesão ao programa para a promoção de acesso (PPA), salvo nos casos em que a não adesão a este programa tenha sido justificada com fundamento em constrangimentos de recursos humanos ou de natureza logística.
Conclui referindo que em Julho de 2002, no Hospital Réu, já se encontravam preenchidos e verificados os requisitos instituídos pelos n.ºs 2 a 4 do artigo 1.º do DL 92/2001, sendo devidos desde então à autora o pagamento do referido trabalho extraordinário, explicando que, ao defender a Sentença recorrida que o regime remuneratório previsto no artigo 1.°, n.º 1 do DL 92/2001, de 23 de março, não é aplicável automaticamente a partir de 1 de Janeiro de 2003, devendo sempre verificar-se, no caso concreto, os requisitos previstos no n. 2 do mesmo Diploma Legal, pelo que entende que a Sentença Recorrida fez uma errada interpretação das normas legais aplicáveis.
Prossegue a sua alegação defendendo que, mesmo que assim não se entendesse, a recorrida explicita que o artigo 3.º, n.º 1, in fine, do DL 92/2001, de 23 de março, determina que o 1.º réu, Centro Hospitalar de lisboa, Zona Central, teria até 31 de dezembro de 2002 para implementar o novo modelo de pagamento de horas extraordinários. Em síntese, defende que, pelo menos, desde 1 de janeiro de 2003 seriam sempre devidas importâncias, a propósito da prestação de horas extraordinárias nas equipas de urgência, à autora.
Sobre o assunto, o Ministério da Saúde referiu dever manter-se a decisão tomada, por entender ter o Tribunal a quo feito uma adequada interpretação do direito aplicável.
Quanto à decisão recorrida, discorreu-se assim na Sentença do Tribunal a quo “... Quanto ao âmbito do regime da remuneração do trabalho extraordinário em urgências hospitalares estabelecido no Decreto-Lei n.º 92/2001, de 23 de março, este diploma não faz qualquer restrição de aplicação subjetiva, para além daquilo que estatui quanto à integração dos médicos em equipas de urgência hospitalares. Pelo que, tal como já decidido por este Tribunal, não se vêem razões para que o regime ali estatuído se não aplique aos médicos do internato. É que, por obediência ao pensamento do legislador, onde a lei não distingue – e o normativo em causa poderia tê-lo feito – não deve o intérprete distinguir. Ou seja, inexistindo qualquer menção no Decreto-Lei no 92/2001 quanto à sua não aplicação aos médicos em formação, o regime ali estatuído aplicar-se-á aos médicos em regime de internato médico, quando integrados em equipas de urgência hospitalares...”. Prossegue a decisão judicial em recurso, ainda, que “...estabelece o artigo 1.º do Decreto-Lei no 92/2001, de 23 de Março (o artigo único do Decreto-Lei no 170/2006, de 17 de Agosto veio revogar o Decreto-Lei no 92/2001, de 23 de março), com a epígrafe “remuneração do trabalho extraordinário em urgências hospitalares”, o seguinte:
1- O trabalho extraordinário praticado pelos médicos integrados em equipas de urgências hospitalares é pago com base na remuneração correspondente ao regime de trabalho de dedicação exclusiva com o horário de quarenta e duas horas semanais, aos médicos que não estejam abrangidos por este regime, para a respetiva categoria e escalão, independentemente do regime de trabalho praticado.
2- O pagamento do trabalho extraordinário com base neste critério será concretizado de forma progressiva, à medida que, cumulativamente, se verifique a reestruturação das consultas externas hospitalares e a adesão ao programa para a promoção de acesso.
3- A reestruturação das consultas externas hospitalares consubstancia-se, para estes efeitos, no alargamento do horário de ambulatório até às 18 horas, nos hospitais referidos, e no sistema de marcação de consultas a efetuar por hora e por equipa médica.
4- A adesão ao programa para a promoção de acesso consubstancia-se, para estes efeitos, na execução das contratualizações efetuadas, salvaguardando-se os casos em que constrangimentos de recursos humanos ou de natureza logística...”.
E discursa, ainda, a senhora Juíza do Tribunal a quo que “... Mais dispõe o artigo 3.º, com a epígrafe início do modelo de pagamento, que:
1- O início deste modelo de pagamento reporta-se a 1 de Julho de 2000, devendo o mesmo ser implementado até 31 de Dezembro de 2002.
2- A implementação do modelo de pagamento em cada estabelecimento depende de autorização do Ministro da Saúde, acompanhada da verificação dos requisitos estabelecidos no presente diploma...”.
E que “... A aplicação do sistema remuneratório previsto naquele Decreto-Lei no 92/2001, de 23 de março, foi posteriormente objeto de regulamentação pelo Despacho n.º 24 236/01 (2.º série) de 28 de novembro, nos seguintes termos:
“... Regulamento de aplicação do sistema remuneratório previsto no Decreto-Lei no 92/2001, de 23 de março
A) Período de 1 de Julho de 2000 até 31 de março de 2001
1- Qualificam-se para o sistema compensatório previsto no Decreto-Lei no 92/2001:
1.1- Os hospitais que tenham satisfeito cumulativamente os seguintes critérios:
1.1.1- Ter aderido ao programa de promoção de acesso (PPA) e a agência de
contratualização ter comprovado um nível mínimo de 70% de cumprimento dos objetivos contratualizados durante aquele período, com exclusão dos casos, devidamente fundamentados pelo conselho de administração, em que o incumprimento se deveu a circunstâncias organizativas ou outras independentes da vontade da equipa prestadora de cuidados;
1.1.2 – Ter procedido à reestruturação do funcionamento das consultas externas e a agência de contratualização ter comprovado:
a) O prolongamento do funcionamento efetivo das consultas até às 18 horas;
b) A marcação das consultas com indicação aproximada da hora e distribuição regular ao longo de todo o período de funcionamento;
c) que as condições das alíneas anteriores existem em mais de metade das especialidades com atividade de consulta externa (...)
1.3- A verificação do cumprimento dos critérios é feita à data de 31 de Março de 2001.
1.4- O processamento dos pagamentos retractivos será feito mediante lista nominativa dos médicos que se qualifiquem para esta compensação remuneratória a apresentar pelo conselho de administração ou pelos coordenadores sub-regionais de saúde, declarando o hospital ou centro de saúde em situação de cumprimento das condições referidas no despacho.
1.5. - a autorização de pagamento incumbe ao presidente da ARS ou em quem ele delegar, mediante informação da agência de contratualização respetiva sobre o incumprimento das condições (...)
B) Período de 31 de Março até 31 de Dezembro de 2001
2- Neste período, a aplicação do sistema compensatório previsto no Decreto-lei no 92/2001 deve ser efetuada a partir da data em que se verifique o cumprimento das condições legais.
2.1 –Qualificam-se os hospitais que satisfaçam cumulativamente os seguintes critérios:
2.1.- Ter aderido ao PPA e o conselho de Administração ter comprovado o cumprimento dos objetivos contratualizados durante o período anterior, globalmente, em pelo menos 80%, com exclusão dos casos em que o incumprimento se deveu a circunstâncias organizativas ou outras que o incumprimento se deveu a circunstâncias organizativas ou outras independentes da vontade da equipa prestadora de cuidados;
2.1.2- Ter procedido à reestruturação do funcionamento das consultas externas e o conselho de administração ter comprovado:
a) O prolongamento do funcionamento efetivo das consultas até às 18 horas;
b) A marcação das consultas com indicação aproximada da hora e distribuição regular ao longo de todo o período de funcionamento;
c) Que as condições das alíneas anteriores existam em mais de metade das especialidades com atividade de consulta externa (...)
2.3 – A verificação do cumprimento das condições será feita mediante lista nominativa dos médicos que se qualifiquem para esta compensação remuneratória, a apresentar pelo conselho de administração ou pelo coordenador sub-regional de saúde da ARS respetiva, declarando o hospital ou centro de saúde em situação de cumprimento dos critérios referidos no Decreto-lei no 92/2001.
C) Período de 1 de Janeiro de 2002 a 1 de Janeiro de 2003 ou até à reorganização das urgências:
Neste período a aplicação do Decreto-Lei no 92/2001 é feita nos seguintes termos:
3- Hospitais – qualificam-se para o sistema compensatório previsto neste diploma os hospitais, serviços e médicos que tenham satisfeito cumulativamente os seguintes critérios:
I - Critérios institucionais
3.1 – Ter aderido ao PPA e o conselho de administração ter comprovado um nível satisfatório de cumprimento global dos objetivos contratualizados durante o período anterior.
3.2 – Ter procedido à reestruturação do funcionamento das consultas externas e o conselho de administração ter comprovado:
a) O prolongamento do funcionamento efetivo das consultas até às 18 horas;
b) A marcação das consultas com indicação aproximada da hora e distribuição regular ao longo de todo o período de funcionamento;
c) Que as condições das alíneas anteriores existam em, pelo menos, 60% das especialidades com atividade de consulta externa.
II – Critérios a nível de serviços
3.3 – Nos hospitais em que se verifique o cumprimento dos requisitos, a qualificação a nível dos serviços é feita através das condições seguintes:
3.3.1 – Nos serviços de especialidades cirúrgicas, encontram-se cumulativamente nas seguintes situações, no que respeita ao PPA e à consulta externa:
3.3.1.1 – No que respeita ao PPA, encontrarem-se numa das seguintes situações:
a) Os serviços com atividades cirúrgicas, que na sua lista de espera não tenham mais de 10 % de situações que exceda o tempo clinicamente aceitável para a intervenção;
b) Tenham cumprido no ano anterior um mínimo de 80% do PPA contratualizado;
c) Haverem demonstrado o esgotamento da capacidade instalada por impedimentos logísticos de adesão ao PPA ou outros alheios à vontade do serviço;
3.3.1.2- No que diz respeito à consulta externa, cumprirem os requisitos das alíneas do no3.3.2.
3.3.2- Nos serviços de especialidades médicas:
a) Assegurarem consultas externas das suas especialidades até às 18 horas, nos dias úteis, pelo menos em três dias por semana, sem diminuição do número de consultas realizadas no período da manhã;
b) Terem as consultas marcadas, com indicação aproximada da hora e distribuição regular ao longo de todo o período de funcionamento e, sempre que possível por médico.
3.3.3. – Os serviços que, pela natureza das respetivas funções, não possam satisfazer os requisitos descritos neste capítulo, nomeadamente de imagiologia, patologia clínica e imuno-hemoterapia, poderão ser considerados elegíveis quando o conselho de administração do hospital demonstrar que a produtividade e desempenho têm indicadores que evidenciam a plena utilização da capacidade instalada.
(...)
O direito conferido no acima transcrito artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei no 92/2001, de 23 de março, obriga, numa interpretação sistemática e de acordo com o respetivo preâmbulo, a reconhecer que o novo valor da remuneração do trabalho extraordinário aparece como contrapartida das maiores exigências, em termos de desempenho profissional, decorrentes da implementação do programa de reestruturação das consultas externas (que implica o alargamento do horário de ambulatório até às 18 horas e um sistema de consultas a efetuar por hora e por equipa médica) e ainda a adesão aos programas de acesso (que se traduz na execução das contratualizações efetuadas)...”. E ainda que “... A data de 31 de Dezembro de 2002 constitui o limite temporal que o diploma estabeleceu para a implementação do modelo de pagamento das horas extraordinárias. Mas esse limite temporal reveste natureza meramente ordenadora, consentânea com os objetivos que o diploma pretende cumprir, visando orientar quer os hospitais abrangidos, quer os vários serviços, quer ainda os médicos. Pelo que, mesmo após aquela data o regime ali estatuído só será aplicável caso se verifiquem os respetivos requisitos de base. Tal é, aliás, o que ficou já decidido no Acórdão do TCA Sul de 14.12.2006 (processo no 00635/05, in www.dgsi.pt)...”.
Conclui que “... E por outro lado, resulta apenas dos autos, conforme foi alegado, que à data em que a A. passou a prestar trabalho extraordinário integrado em equipas de urgência (i.e., desde Julho de 2000) no Hospital de S. José, as consultas eram marcadas por hora e por médico, independentemente de se ter por verificado ou não que no serviço em questão e no período em causa o requisito previsto no n.º 3 do artigo 1.o do Decreto-Lei no 92/2001, de 23 de março (designadamente o alargamento das consultas externas até às 18 horas). E isto porque, na medida em que também não resulta verificado requisito estabelecido no n.º 2 do artigo 3.o do mesmo diploma, tivesse tido lugar, ao prever a prévia autorização da implementação do modelo de pagamento previsto no diploma, para cada estabelecimento, sendo a entidade atualmente competente para o efeito a Administração Regional de Saúde (ARS) no caso a ARS de Lisboa e Vale do Tejo, a cujo Presidente foi conferido o poder de autorizar a implementação do modelo de pagamento de horas extraordinárias pretendido...”.
Sem prejuízo de, sobre o assunto, existir jurisprudência contraditória quanto à aplicação subjetiva do DL 92/2001, de 23 de março, aos médicos internos, e partindo da factualidade provada nos autos, em que a autora era médica interna do Internato Complementar de Cirurgia geral, a exercer funções no Centro Hospitalar de S. José (facto provado 2.), sujeita a um horário de 42 horas de trabalho semanais (facto provado 3.), sendo remunerada no escalão 1, índice 90 da categoria de interno do Internato Complementar (facto provado 4.), perfilhamos o entendimento vertido no Acórdão do TCA Norte, proferido no processo 00413/04.9BEPNF, em 29 de março de 2007.
Tal significa que, apesar de não vermos razão para alterar o sentido da decisão do Tribunal a quo, fazemo-lo com fundamentação diversa.
Recorda-se que o internato complementar corresponde a um período de formação teórica e prática especializada, conforme estatui o artigo 2.º do DL n.º 128/92, de 4 de julho, com as alterações dadas pelos Lei n.º 4/93, de 12 de fevereiro, o Decreto Lei n.º 36/99, de 5 de fevereiro; Decreto Lei n.º 412/99, de 15 de outubro e DL 531/99, de 10 de dezembro, e tem como objetivo habilitar o médico ao exercício autónomo e tecnicamente diferenciado em área profissional médica ou cirúrgica. Por outro lado, os médicos internos são providos por contrato administrativo de provimento e por urgência de conveniência de serviço (artigos 12.º e 14.º), com a duração do respetivo programa de internato (artigo 13.º), com um regime de trabalho que implica a prestação de 42 horas por semana (artigo 15.º, n.º 2), possuindo um regime remuneratório com escala indiciária específica (artigo 18.º) e estão abrangidos pelo regime aplicável aos médicos de carreira em matéria de suplementos remuneratórios, em especial em matéria de pagamento de trabalho extraordinário (artigo 19.º/1).
Por outro lado, analisando o citado DL 92/2001, de 23 de março, sob a epígrafe "Remuneração do trabalho extraordinário em urgências hospitalares", estabelece-se que:
“...
1 - O trabalho extraordinário praticado pelos médicos integrados em equipas de urgências hospitalares é pago com base na remuneração correspondente ao regime de dedicação exclusiva com o horário de quarenta e duas horas semanais, aos médicos que não estejam abrangidos por este regime, para a respetiva categoria e escalão, independentemente do regime de trabalho praticado.
2 - O pagamento do trabalho extraordinário com base neste critério será concretizado de forma progressiva, à medida que, cumulativamente, se verifique a reestruturação das consultas externas hospitalares e a adesão ao programa de acesso.
3 - A reestruturação das consultas externas hospitalares consubstancia-se, para estes feitos, no alargamento do horário de ambulatório até às 18 horas, nos hospitais referidos, e no sistema de marcação de consultas a efetuar por hora e por equipa médica.
4 - A adesão ao programa para promoção de acesso consubstancia-se, para estes efeitos, na execução das contratualizações efetuadas, salvaguardando-se os casos em que a não adesão a este programa seja justificada em constrangimentos de recursos humanos ou de natureza logística...”.
Sobre o assunto, não vemos razão para divergir da jurisprudência firmada no já citado Acórdão do TCA Norte, proferido no processo 00413/04.9BEPNF, em 29 de março de 2007, onde se pode ler “... A questão que vem colocada pelo Autor/Recorrente encontra o seu primeiro tratamento legal no DL n.º 412/99 de 15 de Outubro, que veio alterar o DL n.º 73/90 de 6/03, e a sua concretização efectiva no DL n.º 92/2001 de 23/03 e no Despacho do Ministro da Saúde, n.º 24236/2001 (2ª série), datado de 28/11/2001, DR n.º 276. Efectivamente no preâmbulo daquele DL n.º 412/99 justifica-se que a melhoria do sistema remuneratório do pessoal médico está ligada à alteração gradual e substantiva da prestação de cuidados e do próprio desempenho dos profissionais.
[...]
Estes novos modelos remuneratórios, a implementar gradualmente, têm em vista compensar os melhores desempenhos e irão incidir, nomeadamente, no trabalho prestado no âmbito de programas específicos, como seja o programa de acesso, em serviço de urgência, para além das trinta e cinco horas semanais, sendo que, neste caso, o valor da remuneração horária aplicável será o correspondente ao regime de trabalho em dedicação exclusiva, de quarenta e duas horas, independentemente do regime de trabalho detido pelos médicos das carreiras médica hospitalar e de clínica geral, e por fim, no âmbito dos centros de responsabilidade integrados.
Para implementar tal regime remuneratório veio o legislador a emitir o DL n.º 92/2001, avisando, desde logo, que a melhoria da remuneração estaria intrinsecamente ligada “… com o esforço que se tem vindo a desenvolver através dos programas de promoção do acesso, incentivando as unidades de saúde a aderirem, bem como estimular o alargamento e o desfasamento dos horários do pessoal afecto ao ambulatório hospitalar, atribuindo maior número de horas semanais de consulta aos médicos. É objectivo rentabilizar a capacidade instalada em meios complementares de diagnóstico e terapêutica que deverão apoiar a actividade das consultas externas e hospitais de dia, estendendo o seu horário de atendimento de forma a adaptarem-se ao alargamento do horário do ambulatório” - cfr. preâmbulo deste DL. Daqui resulta, assim, que a melhoria das remunerações do pessoal médico estaria intimamente ligada, e seria mesmo uma consequência e contrapartida, de um maior esforço, quer a nível de quantidade, quer a nível de qualidade, do trabalho desenvolvido por aquele pessoal, e que visava acima de tudo uma melhoria do acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, o que passava pela rentabilização dos meios existentes, quer humanos, quer materiais.
Evidentemente que o regime constante de ambos os diplomas atrás referidos têm que ser conjugado com o programa especial de acesso aos cuidados de saúde consagrado pela Lei n.º 27/99 de 3/05 que no seu art. 1.º o definiu como sendo um programa destinado a assegurar em tempo útil o acesso à prestação dos cuidados de saúde pelo Serviço Nacional de Saúde, ou seja, visou no essencial diminuir drasticamente as listas de espera existentes para que os utentes pudessem ter acesso a tais serviços. Da análise conjugada que se faz destes DLs. e Lei pode-se concluir que o incremento das remunerações do pessoal médico tem que andar necessariamente associado a um incremento, quer quantitativo, quer qualitativo dos serviços prestados aos utentes do Serviço Nacional de Saúde, não sendo possível dissociar uma vertente da outra.
Efectivamente só esse entendimento se pode extrair do disposto nos n.ºs. 2, 3 e 4 do art. 1.º do referido DL n.º 92/2001, nos termos do disposto no art. 9.º, n.º 1 do Código Civil, já que, só essa interpretação das normas legais em apreciação é que corresponde à vontade do legislador ao pretender prestar aos cidadãos melhores cuidados de saúde, passando desde logo, pelo acesso mais facilitado. Esta interpretação que se impõe que seja feita dos preceitos legais em apreciação não colide minimamente com o princípio da igualdade das remunerações estabelecido no art. 59.º, n.º 1, al. a) da CRP conjugado com o art. 13.º do mesmo texto constitucional, onde se dispõe que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna.
De facto, as condições de aplicação daquela retribuição acrescida, pelo trabalho extraordinário prestado pelo pessoal médico está sujeita ao condicionalismo do esforço acrescido previsto no programa de promoção do acesso, não sendo por isso possível de ser aplicada indistintamente a qualquer médico que preste o trabalho extraordinário independentemente da aplicação de tais requisitos.
[...]
Também no acórdão deste Tribunal de 20/07/2006 (Proc. n.º 00062/04.1BECBR in: «www.dgsi.pt/jtcn») se havia sustentado o mesmo entendimento...”.
Pode, ainda, ler-se na aludida decisão a este propósito que “(…) É certo também que, em conformidade com o disposto no artigo 3.º n.º 1 do mesmo diploma legal tal modelo de pagamento deveria ter sido implementado até 31 de Dezembro de 2002. A implementação desse modelo de pagamento pressupunha, todavia, que fossem criados esses novos serviços sendo os profissionais integrados nessas alterações e remunerados progressivamente pelo novo sistema remuneratório, ou seja, os médicos que não estivessem integrados no regime de trabalho de dedicação exclusiva, com o horário de quarenta e duas horas, passavam a receber as horas extraordinárias como se estivessem integrados nesse sistema...”.
No entanto, e como se faz referência no acórdão citado, “...para que os médicos, sem dedicação exclusiva, que prestassem horas extraordinários nos Centros de Saúde, como o caso dos autos, pudessem integrar este sistema, era necessário que estes Centros se tivessem reorganizado, designadamente através: a) Do funcionamento das consultas das 8 às 20 horas; e b) Da realização de consultas de recurso. Acontece que, no caso dos autos, tais requisitos não se encontravam preenchidos. Deste modo, não se verificam os pressupostos para que se possa aplicar-se ao Recorrente, médico a prestar serviço no Centro de Saúde de …, o regime remuneratório estabelecido pelo DL 92/01. (…).”
Termina o Aresto assinalado que “... Com efeito, se é certo que os médicos internos estavam abrangidos em matéria de suplementos remuneratórios pelo regime aplicável aos médicos de carreira como decorre do n.º 1 do art. 19.º do DL n.º 128/92, à data vigente (mesmo regime decorre do n.º 1 do art. 21.º do DL n.º 203/04), temos também que o regime de trabalho durante o internato complementar já era de dedicação exclusiva implicando prestação de 42 horas semanais.
Por outro lado, temos que o DL n.º 92/01 teve em vista, como resulta da leitura do seu próprio preâmbulo, o trabalho prestado por médicos em serviço de urgência para além das 35 horas semanais, não sendo aplicável aos médicos do internato complementar visto não se encontrarem providos em lugar do quadro e da carreira médica hospitalar...”. E que “... E além disso temos que no n.º 1 do art. 01.º do DL n.º 92/01 se consagra uma norma específica ou especial que não se quadra ao regime dos médicos internos, pois, ali se define um regime de remuneração contrário e diverso do estabelecido na lei geral prevendo uma remuneração correspondente ao regime de trabalho em dedicação exclusiva mesmo para médicos não abrangidos por aquele regime. [...] E além disso temos que no n.º 1 do art. 01.º do DL n.º 92/01 se consagra uma norma específica ou especial que não se quadra ao regime dos médicos internos, pois, ali se define um regime de remuneração contrário e diverso do estabelecido na lei geral prevendo uma remuneração correspondente ao regime de trabalho em dedicação exclusiva mesmo para médicos não abrangidos por aquele regime. É que este regime legal tem como destinatários, quer por força do seu preâmbulo quer por efeito do próprio teor do art. 01.º, apenas os médicos da carreira hospitalar, já que ali se refere expressamente que a remuneração em apreço é “… a correspondente ao regime de trabalho de dedicação exclusiva com o horário de quarenta e duas horas semanais, aos médicos que não estejam abrangidos por este regime, para a respectiva categoria e escalão, …” (sublinhado nosso), referência esta que implica que os únicos destinatários serão os médicos já possuidores de categoria e escalão, sendo que categoria e escalão só a possuem os médicos já integrados na carreira hospitalar (cfr. regime decorrente do DL n.º 73/90)...”.
Tudo dito, mantém-se o sentido da decisão recorrida, mas com diferente fundamentação, não se procedendo o recurso.
***
Em consequência, será de negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos e em manter a sentença recorrida, com a fundamentação antecedente.

*
IV – DISPOSITIVO

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos e em manter a sentença recorrida, com a fundamentação antecedente.

Custas pela Recorrente.
Registe e Notifique.
Lisboa, 11 de abril de 2024
(Eliana de Almeida Pinto - Relatora)

(Julieta França – 1.º adjunto)

(Frederico Branco– 2.º adjunto)