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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03019/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/10/2009
Relator:Eugénio Sequeira
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. INTEMPESTIVIDADE. NULIDADE. CADUCIDADE.
Sumário:1. Sob pena de caducidade do direito à acção, a impugnação judicial tem de ser deduzida dentro dos prazos que a lei prevê actualmente na norma do art.º 102.º do CPPT;
2. Porém, se o impugnante invocar fundamento subsumível à nulidade ou à declaração de inexistência do acto de liquidação, pode a impugnação ser deduzida a todo o tempo;
3. A ocorrência de vícios no procedimento de liquidação, como a falta de audiência prévia, e o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, não geram a nulidade do subsequente tributo liquidado, mas tão só a sua anulação, não podendo por isso ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental em que a impugnação possa ser deduzida a todo o tempo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. Sociedade ..., SA, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 2.ª Unidade Orgânica - que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de accionar e absolveu do pedido a parte contrária, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A. A impugnação é tempestiva com fundamento na nulidade absoluta do procedimento, por ofender direitos e princípios jurídicos fundamentais, como abundantemente se prova e conforme constitui doutrina e jurisprudência firmes;
B. Ao que acresce que é nulo o procedimento, por inexistência parcial de notificação dos actos que se pretendiam dar a conhecer, bem assim como por incongruência de datas, desrespeito de prazos legais para realizar as formalidades exigidas por lei e, ainda,
C. Por absoluta ausência do cumprimento de formalidades legais já que a recorrente nunca foi notificada para exercer o direito de audição prévia, como era seu direito e efectivamente pretendia exercer, porquanto está convicta que, por essa via, poderia ter alterado o sentido dos actos;
D. Padece, ainda, o procedimento, de nulidade por violação do dever notificar os fundamentos dos actos, para os devidos efeitos;
E. O poder de tributar encontra-se extinto por caducidade, com todas as legais consequências.
F. A douta sentença recorrida padece do vício de violação de lei imperativa, erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre o direito aplicável, por ser manifesta a inexistência jurídica e nulidade absoluta dos actos de notificação de correcção do rendimento e de liquidação de IRC de 2001 e de notificação dos seus fundamentos, por violação de lei e ofensa a princípios jurídicos fundamentais;
G. Violou a douta sentença, entre outras do douto suprimento desse Venerando Tribunal, as normas dos artºs 36°, n° 2, 39º, nºs 5 e 8, 102º, n° 3, 163° e 190º do CPPT, dos artºs 100º, 103°, 133° e 134°, nºs 1 e 2 do CPA, dos artºs 60º e 61° do RCPIT, do artº 60º, n° 1, alínea a) da LGT, dos artºs 240º e 241 do CPC e do artº 268º da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Ex.ªs deverá:
a. Considerar-se oportuna a impugnação judicial deduzida, e, consequentemente
b. Ordenar-se a revogação da sentença recorrida e determinar-se a sua apreciação de fundo em todos os seus aspectos, incluindo o da alegada caducidade do poder de tributar, com todas as legais consequências, como é de elementar JUSTIÇA


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a sentença recorrida não padecer de nenhum dos invocados erros assacados à mesma.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se a ora recorrente invocou como causa de pedir da sua impugnação judicial qualquer fundamento subsumível à declaração de nulidade ou de inexistência jurídica dos respectivos factos tributários, caso em que a impugnação judicial podia ser deduzida a todo o tempo.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Na sequência de uma acção de inspecção à impugnante foi emitida a liquidação de IRC do ano de 2001 com o n.º 8310122973, no montante total de € 210.772,41.
B) O termo do prazo de pagamento voluntário da liquidação terminou em 23 de Janeiro de 2006.
C) A impugnante, foi notificada da liquidação mencionada em A) em Dezembro de 2005.
D) A petição de Impugnação Judicial deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 7, em 16 de Outubro de 2006.
E) A impugnante apresentou dois pedidos de certidão formulados em 2006.06.06 e recebidos em 2007.07.07.
F) Os pedidos mencionados na alínea anterior foram deduzidos na sequência de notificação do indeferimento, por intempestividade, de pedido de revisão da matéria tributável ao exercício de 2002 (IRC 2002).

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.


4. Para julgar procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de impugnar e absolver do pedido a parte contrária, considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que não tendo sido invocado pela impugnante nenhum fundamento de nulidade do acto de liquidação relativo ao IRC do exercício do ano de 2001, a impugnação judicial só poderia ser deduzida dentro dos 90 dias seguintes ao termo do prazo de pagamento, que não posteriormente, que a ora recorrente não respeitou, desta forma tendo caducado o direito respectivo.

Para a recorrente de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, continua a pugnar pela tempestividade da dedução da impugnação, por o procedimento (de liquidação) se encontrar eivado de diversos erros que levam à sua nulidade, sendo a impugnação dedutível a todo o tempo.

Vejamos então.
Nos termos do disposto no art.º 102.º do actual Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a impugnação judicial não pode ser deduzida a todo o tempo mas sim, em regra, no prazo de 90 dias a contar de algum dos eventos a que a lei atribui o efeito desencadeador do início desse prazo, termo inicial ou dies a quo ou dies ex quo, a contar do termo do prazo para pagamento voluntário do tributo em causa, como nem a ora recorrente dissente desta parte da fundamentação da sentença recorrida.

Mas já dissente a recorrente da decisão recorrida que no caso não tenha invocado fundamentos subsumíveis à nulidade do tributo em causa como seja a nulidade de diversos passos do procedimento de liquidação, sua deficiente notificação, falta de audiência prévia e caducidade do direito à liquidação, pretendendo por isso que a impugnação possa ser deduzida a todo o tempo, por aplicação da norma do mesmo art.º 102.º, no seu n.º3, que expressamente prevê que, em caso de nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo, bem como quando se pretender obter a declaração de inexistência jurídica do acto de liquidação, nos termos do disposto nos art.ºs 133.º e 134.º n.º2 do CPA (1) , entendimento este já vigente no âmbito de aplicação do art.º 123.º do anterior Código de Processo Tributário, ainda que sem norma expressa neste sentido.

No caso, como bem se fundamenta na decisão recorrida, o ataque directo e imediato contido na petição inicial de impugnação, começa por ser dirigido também contra a notificação de diversos actos do procedimento e contra a liquidação adicional consequente do exercício de 2001, que logo identifica no introito da sua extensa e prolixa petição inicial de fls 2 a 53 dos autos, descrevendo nos seus artigos seguintes os vícios que entende terem sido praticados no âmbito dessa mesma liquidação adicioanl, como seja a ilegal notificação quer do acto de fixação da matéria tributável, quer da consequente liquidação adicional, quer por a liquidação ter sido efectuada sem respeitar o prazo para deduzir o pedido de revisão, durante o qual se suspende o prazo para a mesma ter lugar, quer o vício de caducidade do direito à liquidação do imposto em causa, tudo vícios que, no seu entender, uma vez verificados, reconduzem à nulidade desses diversos passos do procedimento de liquidação, quer à própria liquidação adicional subsequente, que não só à sua anulação, vícios estes que mantém no presente recurso jurisdicional.

Porém, e desde já se pode avançar, nenhum destes vícios, mesmo a terem ocorrido, quer no procedimento de liquidação (2) , quer na própria liquidação adicional em causa, têm por efeito a sua nulidade mas tão só a sua anulação, pelo que a impugnação judicial não pode ser deduzida a todo o tempo ao abrigo da citada norma do n.º3 do art.º 102.º do CPPT, como pretende a ora recorrente, mas nos 90 dias a contar do termo do seu pagamento voluntário, prazo este que manifestamente já decorreu, como bem se decidiu na mesma decisão e nem a ora recorrente o vem colocar em causa.

Actos nulos são aqueles a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, o que acontece nos actos viciados de usurpação de poder [alínea a)], os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental [alínea d)] e os actos que ofendam os casos julgados [alínea h)], entre outros.

No domínio do contencioso tributário, a nulidade ou mesmo a inexistência de norma em que se baseie um acto de liquidação não implica a nulidade deste, gerando apenas uma situação de ilegalidade abstracta da liquidação, com o regime da alínea a) do n.º1 do art.º 204.º do CPPT.
E o mesmo se diga, mutatis mutandis, em relação a acto que aplique norma inconstitucional, salvo se ofenderem o conteúdo essencial de um direito fundamental, o que não é o caso do princípio da legalidade ou do direito à propriedade privada que não é absoluto ou ilimitado, como o TC vem acentuando.
As imposições tributárias não podem ser vistas como restrições ao direito de propriedade mas antes como limites implícitos deste direito, mesmo que se considere o direito de propriedade um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias – cfr. Ac. do Pleno do STA de 16.11.2005, recurso n.º 19/04-50, bem como os demais aí citados.

Assim, porque nenhum vício foi articulado conducente à declaração de nulidade, quer do procedimento de liquidação, quer desta própria, não pode a impugnação judicial com vista à sua eliminação da ordem jurídica ser deduzida a todo o tempo, mas apenas nos 90 dias a contar do termo do prazo do seu pagamento voluntário, que no caso, manifestamente, já havia decorrido, como bem se decidiu na decisão recorrida que assim é de confirmar.

Tendo a M. Juiz do tribunal “a quo” decidido que a impugnação fora deduzida fora do prazo que a lei prevê para o efeito, desta forma tendo ocorrido a caducidade do direito respectivo, como decidiu, não tinha que se pronunciar sobre quaisquer outras questões articuladas pelos recorrentes, por prejudicadas, designadamente quanto à caducidade do direito à liquidação por banda da AT, igualmente articulada pela ora recorrente, nos termos do disposto no art.º 660.º n.º2 ex vi do art.º 666.º n.º3, ambos do CPC.


Improcedem assim todas as conclusões do recurso sendo de lhe negar provimento e de confirmar a decisão recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa,10 de Novembro de 2009

Eugénio Sequeira
Magda Geraldes
José Correia

(1)Cfr. neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª Edição revista e aumentada, 2000, pág. 480, nota 10.
(2)Vícios do procedimento que apenas podiam ser conhecidos na impugnação da liquidação adicional respectiva nos termos da impugnação unitária – cfr. art.ºs 54.º e 97.º do CPPT.