Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:90/18.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:LITISPENDÊNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
RETENÇÃO E LIQUIDAÇÃO
IRS
Sumário:

I. A litispendência, exceção dilatória de conhecimento oficioso, não suprível, tem inerente a repetição da causa, que se afere atendendo à tríplice identidade, consubstanciada na identidade quanto às partes, ao pedido e à causa de pedir.

II. Não há litispendência entre impugnações judiciais se a causa de pedir numa e noutra forem tão-só parcialmente idênticas.

III. Estando pendente causa prejudicial, a solução passa pela suspensão da instância, nomeadamente nos termos previstos no art.º 272.º do Código de Processo Civil.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

João ….. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 30.12.2018, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a exceção dilatória da litispendência, com a consequente absolvição da Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) da instância.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, o Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“a) Entendeu-se na Douta Sentença ora sob escrutínio que ocorreria a excepção dilatória de litispendência pelo que se decidiu pela absolvição da Fazenda Pública da instância e para se concluir de tal forma considerou-se que se encontrava pendente o processo n° 117/16.0BESNT, no qual o Recorrente impugnava a retenção na fonte que lhe foi efectuada o que também faria nos presentes autos e que para concluir por tal bastaria ler o pedido efectuado nos presentes autos.

b) Pelo que estando em causa o mesmo objecto, sujeitos, causa de pedir, pedido e verificando-se que a impugnação de cuja decisão ora se recorre foi intentada em segundo lugar seria nesta que se deveria declarar a litispendência.

c) É verdade que o Recorrente indicou como um dos objectos da impugnação judicial a retenção na fonte que lhe foi efectuada; É também verdade que no pedido final pugna pela restituição das referidas retenções na fonte; Mas é ainda verdade que o Recorrente identifica também como objecto da impugnação a decisão da reclamação graciosa na qual era questionada a liquidação de final de ano.

d) Ou seja, embora o Recorrente não tenha sido nada feliz na forma como formulou o pedido final o mesmo não deixou de revelar que questionava a liquidação de fim de ano.

e) O Recorrente havia também colocado como objecto da impugnação judicial a decisão da reclamação graciosa relativa à liquidação de fim de ano e as consequências de tal são as de que o objecto imediato da impugnação é aquela decisão administrativa.

f) Assim sendo, como o é, então na apreciação do objecto imediato da impugnação não podia ter-se deixado de considerar como estando o Recorrente a colocar em causa a liquidação de fim de ano e isto apesar da menor felicidade de exposição na P.I. de impugnação, pois que percebendo-se que o Recorrente pretendia atingir a liquidação de fim de ano impunha-se ao tribunal de 1a instância, antes de decidir como decidiu, formular um convite ao Recorrente para aperfeiçoar a P.I..

g) Traduzindo-se tal num verdadeiro poder vinculado e onde não há qualquer discricionariedade e sendo isto mesmo que resulta do artigo 590°, n° 3 do CPC.

h) Pelo que a Douta Sentença, desde já por aqui e por falta de pujança bastante, não se pode manetr erecta.

i) Com a formulação daquele convite ao aperfeiçoamento passaria a perceber-se claramente qual era a intenção do Recorrente e ocorrendo tal torna-se possível concluir pela não existência de qualquer litispendência.

j) Isto, desde logo, porque o objecto de ambas as impugnações não é o mesmo, de um lado o acto de retenção na fonte e do outro a liquidação de final de ano de IRS, sendo, pois, objectos dispares e que não se confundem.

k) A isto acresce que ambos os actos são passíveis de reacção autónoma, o primeiro porquanto o artigo 132° do CPPT não permite outro entendimento e o segundo porque cai na alçada do regime geral previsto no artigo 99° e ss. do CPPT.

l) Sendo os objectos e os pedidos das duas impugnações, como se demonstra, diferentes e que não se confundem considera, então, o Recorrente que falta essa necessária identidade entre os dois pleitos para que se possa considerar que existe litispendência, pois o que o direito subjectivo que o Recorrente pretende fazer valer em cada uma das impugnações é diferente.

m) Num caso a anulação da retenção na fonte e no outro a anulação da liquidação de final de ano na parte que a mesma se apoia em tais retenções como sendo tributáveis.

n) A ocorrer algo, e atento tudo o que vem de se alegar, seria uma situação não de litispendência mas antes da existência de uma causa prejudicial, porquanto o desfecho da primeira lide tem influência na decisão a tomar na presente, que é a segunda.

o) O que determinaria a suspensão da presente instância e nunca por nunca a absolvição da Fazenda Pública da instância.

p) Pelo que, tudo visto e sopesado, a Douta sentença violou os artigos 580, n° 1 e 590°, n° 3 do CPC , não se podendo, assim, manter erecta antes devendo ser revogada e substituída por uma decisão que ordene a regular prossecução dos autos para apreciação de meritis se a tal nada mais obstar”.

A FP não contra-alegou.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser este TCAS hierarquicamente incompetente para conhecer do presente recurso.

As partes, notificadas do mencionado parecer, para efeitos de exercício do direito ao contraditório, nada disseram.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:
a) Este TCAS é hierarquicamente incompetente para o conhecimento do presente recurso?
b) Há erro de julgamento, em virtude de não estarmos perante uma situação de litispendência?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“a) A 26/01/2018, a impugnante remeteu ao serviço de Finanças, PI relativa aos presentes autos, que se dá por reproduzida, onde, na sequência de indeferimento de reclamação graciosa, efectuou o seguinte pedido (cfr. fls. 67, do documento n.º005911476, de 7/06/2018, e fls.16 do documento “Petição Inicial”, n.º005845266):

“(…) deverá a presente impugnação ser declarada procedente por provada, e, em consequência: a) seja revogada a decisão de reclamação graciosa que assim não entendeu; b) ser ordenada a anulação das supra referidas retenções na fonte, indevidamente feitas com o inerente reembolso ao impugnante de tais valores.”

b) À FP, foi emitido o ofício tendente à citação electrónica, para a presente impugnação, por ofício de 27/02/2018 (cfr. documento n.º005860505);

c) A 28/12/2016, o impugnante remeteu reclamação graciosa, na sequência da liquidação de IRS, de 2015, onde pediu (cfr. fls. 6 e ss. do documento do PA-RG, n.º005911477):

“Em consequência de tudo o quanto vem alegado deverá a presente reclamação ser declarad[a] procedente e, em consequência, ser promovida a anulação total do acto tributário de retenção na fonte colocado em crise com o inerente reembolso do mesmo ao reclamante acrescido de juros, assim como anulada parcialmente a liquidação de 2015, aqui questionada (…)”

d) Neste Tribunal, corre termos o processo n.º117/16.0BESNT, em que a impugnante afirmou constituir “objecto da presente impugnação as retenções na fonte efectuadas ao aqui Impugnante pela sociedade GROUPAMA Seguros de Vida S.A. referente a alegados rendimentos das Categorias A e E de IRS e à Apólice nº ….., no valor global de € 56.316,65” deduzindo o seguinte pedido (cfr. consulta ao SITAF, :

“a) Ser revogada a decisão da reclamação graciosa que assim não entendeu;

b) Ser ordenada a restituição ao Impugnante das supra referidas retenções na fonte indevidamente feitas,”

e) A 14/04/2016, foi emitido o ofício tendente à citação da FP, no processo 117/16.0BESNT (documento n.º005599636, do processo n.º117/16.0BESNT)”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Os factos provados resultam da análise crítica dos documentos juntos aos autos, não impugnados”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda­‑se em aditar a seguinte matéria de facto provada:

f) A reclamação graciosa referida em a), com o número .....21, atribuído pelos serviços da administração tributária (AT), teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) n.º 2016 ….., relativa ao ano de 2015 (cfr. fls. 7 a 15 do processo de reclamação graciosa – documento com registo no SITAF deste TCAS n.º 003537278).

g) A reclamação graciosa referida em d), com o número .....33, atribuído pelos serviços da AT, teve por objeto os atos de retenção na fonte efetuados ao Impugnante pela sociedade GROUPAMA Seguros de Vida S.A. (cfr. fls. 3 do documento com registo no SITAF no TAF de Sintra n.º 005640352 nos autos 117/16.0BESNT).

h) No âmbito dos presentes autos, após notificação do Impugnante para resposta à matéria de exceção suscitada na contestação, foi remetido pelo mesmo articulado, do qual consta, designadamente, o seguinte:

“7. Quanto aos sujeitos admite o Impugnante que são os mesmos.

8. Mas queda-se por aqui a identidade entre ambos os processos.

9. Isto uma vez que a causa de pedir, e embora tenha pontos de ligação, é diferente.

10. Nos presentes autos está em causa a liquidação de fim de ano.

11. Naqueles outros a retenção na fonte.

12. E quanto ao pedido o mesmo também difere.

13. Pois que nos presentes autos o Impugnante pugna pela anulação da liquidação no segmento em que a mesma considera como rendimento tributável os valores recebidos da GROUPAMA.

14. Não existindo, assim, qualquer situação de litispendência e apenas se admitindo como possível a ocorrência de uma situação de prejudicialidade” (cfr. documento com registo no SITAF deste TCAS n.º 003537285).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da competência em razão da hierarquia

Cumpre, antes de mais, apreciar a (in)competência em razão da hierarquia deste TCAS, suscitada pelo IMMP no seu parecer, em virtude de, na sua perspetiva, estarem apenas em discussão questões de direito.

Vejamos.

Atento o disposto no art.º 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF – redação vigente à época):

“Compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer:

(…) b) Dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito”.

Por seu turno, prescreve o art.º 38.º, al. a), do mesmo diploma que:

“Compete à Secção de Contencioso Tributário de cada tribunal central administrativo conhecer:

a) Dos recursos de decisões dos tribunais tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º”.

Por outro lado, nos termos do art.º 280.º, n.º 1, do CPPT (na redação então vigente):

“Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”.

Assim, compete ao Supremo Tribunal Administrativo o conhecimento de recursos, quando a matéria for exclusivamente de direito, competindo aos TCA o conhecimento dos demais.

Nos termos do art.º 16.º, n.º 1, do CPPT, a infração das regras de competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal.

Para a aferição da competência em razão da hierarquia, é, pois, fundamental atentar nas alegações e conclusões do recurso.

Analisadas as conclusões de recurso, desde logo verifica-se que é salientada a importância da identificação do objeto da reclamação graciosa identificada na petição inicial, o que implicou, desde logo, o aditamento de facto por este TCAS.

Decorre, pois, nessa sequência que está invocado um erro de julgamento de facto, concluindo-se pela não coincidência do objeto de ambas as impugnações.

Assim, face ao quadro legal a que se fez referência supra, é este Tribunal o competente para a apreciação do presente recurso.

Face ao exposto, improcede a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, invocada pelo IMMP.

III.B. Do erro de julgamento

Alega o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que o objeto dos presentes autos e o dos autos n.º 117/16.0BESNT não é o mesmo.

Vejamos então.

A litispendência é uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, nos termos quer do art.º 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, al. l), do CPTA [ex vi art.º 2.º, al. c), do CPPT], quer dos art.ºs 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. i), e 578.º, todos do CPC/2013, aplicável ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT, não suprível.

A mesma tem inerente a repetição da causa, ainda em curso, e ocorre quando estejam verificadas a identidade quanto às partes, ao pedido e à causa de pedir[1].
Isto mesmo resulta, desde logo, do disposto no art.º 580.º do CPC, nos termos do qual:
“1 - As exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; (…).
2 - Tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”.
Por seu turno, o art.º 581.º do mesmo código, sob a epígrafe “Requisitos da litispendência e do caso julgado”, dispõe que:
“1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico”.
Finalmente, de acordo com o art.º 582.º, n.º 1, do CPC, a litispendência deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar, considerando-se como tal, atendendo ao n.º 2, da mesma disposição, a ação para a qual o réu foi citado posteriormente.

In casu, o Tribunal a quo entendeu que o que estava em causa em ambos os processos eram os atos de retenção na fonte e isto não obstante a reclamação graciosa que deu origem aos presentes autos ter por objeto a liquidação de IRS relativa ao ano de 2015.

Vejamos então.

Desde já se refira que não se acompanha o entendimento do Tribunal a quo, chamando­‑se a este propósito à colação o Acórdão deste TCAS, proferido no âmbito dos autos n.º 267/18.8BESNT, a 17.10.2019, no qual a ora relatora interveio na qualidade de 2.ª adjunta, cuja situação apresenta similitudes com a ora em apreciação e a cujo entendimento se adere.

Ali se escreveu:

“A litispendência, pressupondo a repetição da mesma acção em dois processos, depende, pois, da verificação cumulativa da identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir, de modo a evitar contradizer ou reproduzir decisão anterior.

A litispendência pode andar próxima da situação prejudicial, na qual, não ocorrendo aquela, pode existir, também, o risco de contradição ou reprodução de uma decisão judicial anterior. Neste caso, estando pendente causa prejudicial, a solução passa pela suspensão da instância por determinação do juiz, nomeadamente nos termos previstos no art.º272.º do CPC.

No caso vertente, está especialmente em causa o requisito da identidade do pedido e da causa de pedir, que o Recorrente entende não se verificar, ao contrário do tribunal recorrido.

Basta, no entanto, um olhar atento ao conteúdo das duas petições iniciais para logo saltar à evidência que o fundamento da P.I. deste processo respeita, por um lado, à tributação da componente capital do benefício auferido pela Categoria A do IRS e, por outro, à tributação da componente rendimento do benefício auferido pela Categoria E do IRS, ao passo que na P.I. do proc.º1247/16.3BESNT, o fundamento invocado centra-se exclusivamente na tributação da componente capital do benefício auferido pela Categoria A do IRS, dela não constando a matéria articulada nos números 105 a 109 da P.I. relativa a este processo, conforme ponto 5 da matéria assente.

O segmento da P.I. relativo à tributação da componente rendimento do benefício auferido pela categoria E do IRS, constitui fundamento substantivo da impugnação, integrando, para além do mais, a causa de pedir.

Tanto basta para que não se possam dar por verificados os requisitos cumulativos da litispendência, enunciados no art.º581.º do CPC.

Assim, sem a procedência da litispendência, não podia a Recorrida ter sido absolvida da instância como decidido pelo tribunal a quo, havendo os autos de prosseguir os seus termos normais, o que motiva o provimento do recurso”.

O entendimento constante deste aresto é perfeitamente transponível, in casu.

É certo que, na petição inicial dos presentes autos, como, aliás, a própria Recorrente assume nas suas alegações de recurso, foi, ab initio, indicado como um dos objetos da impugnação os atos de retenção na fonte, o que, prima facie, geraria desde logo algumas dúvidas, atendendo ao facto de ser igualmente objeto da impugnação a reclamação graciosa que versou sobre a liquidação de IRS de 2015. Tais dúvidas poderiam ser esclarecidas, tal como refere a Recorrente, através de convite ao aperfeiçoamento. No entanto, in casu, no articulado de resposta à matéria de exceção suscitada pela FP, claramente o Recorrente indica como ato objeto da presente impugnação a liquidação de IRS do ano de 2015 [cfr. facto h)], esclarecendo desta forma quaisquer dúvidas que se pudessem suscitar.

É ainda de sublinhar a circunstância de serem invocados fundamentos exclusivamente esgrimidos nos presentes autos, atinentes à categoria E, concretamente os invocados nos art.ºs 100.º a 104.º da petição inicial, que não encontram paralelismo na petição inicial dos autos n.º 117/16.0BESNT.

Como tal, não se verifica a ocorrência da tríplice identidade inerente à exceção da litispendência, quer em virtude de não haver identidade do pedido, quer em virtude de não haver identidade da causa de pedir.

O facto de haver alguma relação de prejudicialidade (parcial) entre ambos os processos permite, sim, e tal como referido no já mencionado acórdão, que seja ordenada a suspensão da instância, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 272.º do CPC, nos termos do qual “[o] tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”. Aliás, o mesmo surge defendido quer pela Recorrente no articulado de resposta à matéria de exceção, quer pela própria FP na sua contestação.

Como tal, assiste razão ao Recorrente, motivo pelo qual deve a sentença recorrida ser revogada.

Uma vez que Tribunal a quo não conheceu as restantes questões invocadas pelo Recorrente, cumpre aferir se se reúnem condições para passar ao seu conhecimento em substituição (art.º 665.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT).

Acompanhamos também nesta parte o entendimento vertido no já mencionado Acórdão deste TCAS, proferido no âmbito dos autos n.º 267/18.8BESNT, a 17.10.2019.

Assim, aqui como nesses autos, desde logo, não constam todos os elementos de prova necessários à boa decisão da causa, designadamente o contrato de seguro assinado em 01.01.1991 através do Sindicato de Pilotos da Aviação Civil (SPAC), referido, desde logo, nos art.ºs 18.º e ss. da petição inicial, cuja existência e conteúdo são controvertidos (cfr. art.º 51.º da contestação).

Por outro lado, como referido no já mencionado Acórdão, “subsiste o perigo de repetição ou contradição da decisão a proferir neste com a da outra impugnação judicial em curso, dado que, como vimos, parte da causa de pedir é efectivamente idêntica em ambas as impugnações, o que naturalmente importa acautelar. // Todavia, esta situação pode ficar devidamente salvaguardada mediante a suspensão da instância, nos termos do disposto no art.º272.º, n.º 1, do CPC”.

Como tal, devem os presentes autos regressar ao Tribunal a quo, onde deverão aguardar decisão definitiva da impugnação que deu origem ao processo n.º 117/16.0BESNT, sem prejuízo da realização das diligências instrutórias que se apurem necessárias, nomeadamente, ao conhecimento da questão substantiva não compreendida naquela impugnação.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida;
b) Determinar a baixa dos autos ao Tribunal a quo, para os termos referidos supra;
c) Sem custas;
d) Registe e notifique.


Lisboa, 24 de janeiro de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Patrícia Manuel Pires)

____________________
[1] V., a este respeito, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 661 a 663, e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol 2.º, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 592 a 600.