Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2341/10.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2019
Relator:ANA PINHOL
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL;
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – GERÊNCIA DE FACTO
Sumário:I.O exercício efectivo da gerência é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária.
II.É à Administração Tributária, como exequente, que compete a prova dos requisitos constitutivos do seu direito à reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários pelo pagamento da dívida exequenda.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA veio recorrer da sentença do Mmº Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida contra a execução fiscal inicialmente instaurada contra a Sociedade «A….. – S….., Lda» para cobrança coerciva de dívidas referentes a IVA dos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, no montante total de € 17.257,72 e que reverteu contra a oponente S......, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

«I. o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a oposição judicial, intentada por S......, já devidamente identificada nos autos e que, em consequência, ordenou a extinção contra si da execução por dívidas da sociedade “A..... - S....., Lda.” (PEF 42…… e apensos).
II. Entende a Fazenda Pública que mal esteve o Tribunal a quo na douta sentença proferida porquanto, existindo elementos nos autos que impunham decisão diversa na apreciação dos factos relevantes, promoveu uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos, ao considerar que os factos dados como provados não demonstram com segurança uma realidade susceptível de evidenciar o exercício da gerência efectiva ou de facto por parte da Oponente; entendimento este que não deve subsistir por não ser congruente com os elementos constantes dos autos, impondo-se, salvo melhor opinião, a anulação da sentença recorrida.
III. Ora, como bem refere a sentença recorrida, não é possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente pode presumir-se a gerência de facto, sendo todavia possível efectuar tal presunção se o tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de nesse exercício a gerência de facto ter ocorrido.
IV. E tendo presente este entendimento constantemente reafirmado pelos nossos tribunais superiores é que a Fazenda Pública entende constarem dos autos elementos suficientes para através de uma presunção judicial inferir a gerência de facto da Oponente.
V. E para isto não convocamos somente a gerência de direito, mas ainda os diversos elementos que resultaram provados na sentença recorrida e que impunham uma decisão diferente daquela veio à luz.
VI. Com efeito, resultam dos autos que a Oponente representava a devedora originária diante dos clientes e também era o rosto da sociedade devedora originária diante dos terceiros, vinculando-a perante terceiros.
VII. O facto de a mesma não contactar directamente o contabilista da sociedade ou dar a ordem de pagamento dos impostos não determina inexoravelmente o seu afastamento da gerência de facto. Nesta parte, importante é ter presente que os rumos da sociedade passavam também pelas suas mãos. E como resulta do probatório, a Oponente teve divergências com a outra sócia gerente, sua irmã, sobre os rumos da sociedade, o que a determinado momento levou a que renunciasse à gerência da devedora originária. Daqui resulta a conclusão empírica de que ambas discutiam constantemente os destinos da empresa que tinham de gerir e que só com o agravamento destas divergências a Oponente resolveu se afastar da gerência da mesma através da renúncia à gerência nominal.
VIII. Resulta ainda dos autos que os rendimentos auferidos pela Oponente eram variáveis, o que indicia não ser a mesma uma mera trabalhadora cumpridora de ordens da outra gerente, sua irmã. Esta circunstância permite inferir que a mesma assumia também os riscos do negócio, auferindo rendimentos na medida dos resultados obtidos, pois que também ela seria responsável por estes.
IX. Consta também do probatório que a oponente assinava documentos e cheques e estava ciente das contas por pagar. Deste modo, não se pode obliterar que era peça fundamental no funcionamento da devedora originária, podendo se quisesse contrapor a sua vontade à vontade da outra sócia gerente, o que aliás se subentende pelo facto de a sociedade se vincular através da assinatura conjunta de ambos os gerentes.
X. Tendo tudo isto presente, deve-se atentar no disposto no art.º 24º, n.º1, al. b) da Lei Geral Tributária (LGT) o qual dispõe que:
1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes
fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
(…)
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de
pagamento.
XI. Mais tem sido entendimento constante da jurisprudência dos nossos tribunais que “O tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição quanto à gerência de facto, pode utilizar presunções judiciais, motivo por que, com base na gerência de direito e noutras circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública, pode, usando de regras de experiência, inferir a gerência de facto”- cfr. Acórdão do TCAN n.º 00349/05.6BEBRG, de 03/11/2010.
XII. Todo o acervo processual, designadamente aquele reflectido no probatório da sentença em causa, inclui elementos factuais que permitem ao julgador, no uso das mais elementares regras da experiência e do bom senso, concluir que a Oponente foi gerente de facto da devedora originária, exercendo-a em conjunto com a sua irmã até ao momento em que as divergências se tornaram inconciliáveis. Face ao referido, deve-se assim concluir que a Oponente era gerente de direito e gerente de facto, sendo responsável pelo facto de a devedora originária não ter cumprido o dever fundamental de pagar os impostos.
XIII. Em suma, com o devido e muito respeito, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, menosprezou o entendimento consolidado e reiterado da jurisprudência emanada pelos Tribunais Superiores, estribando o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto na al. b) do n.º1 do art.º 24º da LGT.

Termos em que, e com o douto suprimento de vossas excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença ora recorrida, com as demais e devidas consequências legais, assim se fazendo a

costumada JUSTIÇA!»

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A Recorrida não contra-alegou.

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A Exma. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Neste quadro, importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, designadamente por deficiente valoração da mesma, e de direito, porquanto toda a matéria de facto que consta do processo de execução fiscal demonstra que a recorrida exerceu a gerência da sociedade no período a que respeitam os tributos em dívida.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A. Em 29 de Dezembro de 2004, foi, pelo Serviço de Finanças de Odivelas, instaurado, contra a sociedade A…..– S….., Lda., com o NIPC 503……, o PEF n.º 422….., para cobrança de dívidas de IVA do ano de 2002, no montante de € 1.496,40, PEF ao qual se encontram apensos os PEF’s m. ids. a fl. 67 do PEF apenso (cf. autuação e certidão de dívida a fls. 23 e 24 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fl. 67 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; cf. ainda fls. sem ordem de numeração constantes da parte final do PEF apenso);

B. Em 3 de Julho de 2010, foi, pelo Serviço de Finanças de Odivelas, efectuada pesquisa nas aplicações informáticas da Administração Tributária, da qual resultou que não foram encontrados bens ou rendimentos susceptíveis de penhora em nome da sociedade A….– S….., Lda. (cf. prints informáticos e informação, a fls. 25, 26 e 32 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
C. Em 3 de Julho de 2010, foi, pelo Serviço de Finanças de Odivelas, prestada informação da qual consta, entre o mais, o seguinte: “(…) Em face da certidão da Conservatória do Registo Comercial, constam como gerentes da Sociedade supra e desde a sua constituição: O……, NIF 19…..; S......, NIF 207….. que renuncia à gerência em 2008-07-30. Consultadas as aplicações informáticas disponíveis, verifica-se que não existem bens e/ou rendimentos em nome do devedor originário susceptíveis de penhora. Assim, observado que foi o princípio da excussão prévia e considerando o disposto no art. 23º da LGT e 153º, nº 2, al. a), do CPPT, deve ser chamada à execução a responsável subsidiária acima indicada” (cf. informação, a fl. 32 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
D. Encontra-se registada na certidão permanente da sociedade devedora originária a nomeação da Oponente e de O...... como sócias gerentes (cf. certidão permanente a fls. 27 e segs. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
E. Sendo a forma de obrigar com as assinaturas de dois gerentes (Idem);
F. A renúncia à gerência por parte da Oponente foi levada a registo pela AP 7/200…. (Idem);
G. Em 5 de Julho de 2010, foi, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odivelas, proferido “Despacho para audição (reversão)”, do qual consta, entre o mais, o seguinte: “Face às diligências de fls. que antecedem determino a preparação do processo para efeitos de reversão (…), proceda-se à notificação do(s) interessado(s), para efeitos do exercício do direito de audição prévia” (cf. despacho para audição (reversão), a fl. 33 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
H. Em 20 de Julho de 2010, a Oponente exerceu o seu direito de audição prévia, invocando a prescrição das dívidas cujo facto tributário ocorreu até Março de 2005 e a inadmissibilidade legal de reversão das dívidas relativas a coimas e respectivas despesas processuais (cf. requerimento, a fls. 39 e segs. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
I. Em 4 de Agosto de 2010, foi, pelo Serviço de Finanças de Odivelas, emitido o ofício “citação (reversão)” da Oponente, na qualidade de responsável subsidiário por dívidas da sociedade devedora originária referentes a IVA dos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, no montante total de € 17.257,72, ofício do qual consta, entre o mais, o seguinte: “FUNDAMENTOS DA REVERSÃO: Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23º/nº 2 da LGT); Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT]” (cf. ofício, a fl. 68 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
J. A Oponente recebeu o ofício referido na letra anterior em 6 de Agosto de 2010 (cf. aviso de recepção, a fl. 69 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
K. Em 9 de Setembro de 2010, foi, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odivelas, proferido o seguinte despacho: “Em face da informação que antecede, extraia mandado de penhora e suspendam-se os autos até total excussão dos bens da devedora originária, caso se verifique a veracidade do alegado, nos termos do nº 3 do art. 23º do RGIT.” (cf. despacho, a fl. 86 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
L. Pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odivelas foi emitido, na mesma data, “Mandado de Penhora”, tendo por objecto os bens pertencentes à sociedade devedora originária A... – S........, Lda. (cf. mandado de penhora, a fl. 87 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
M. Em 7 de Setembro de 2010, a Oponente deduziu a presente oposição à execução fiscal (cf. carimbo aposto a fl. 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
N. A loja tinha por objecto a venda de artigos de decoração (cf. depoimentos das testemunhas inquiridas, que se revelaram isentos e credíveis e com conhecimento directo dos factos, dada a sua relação com os factos – são o cônjuge marido e a irmã da Oponente e da outra sócia gerente, também revertida no PEF e conviviam regularmente com a Oponente);
O. A Oponente abria e fechava a loja e atendia os clientes (Idem);
P. A outra sócia gerente, O......, irmã da Oponente, andava mais por fora, contactando com os fornecedores (Idem);
Q. Era a referida O...... quem tomava as decisões, fazia tudo, punha e dispunha; autorizava os negócios com os fornecedores, tratava do envio da documentação ao contabilista e pagava os impostos;
R. Era ela que dava os papéis (cheques e outros documentos) para a Oponente assinar e esta assinava (Idem);
S. Começaram a surgir divergências entre as sócias gerentes, a nível de dinheiros; havia contas por pagar (Idem);
T. A sociedade devedora originária não cessou a sua actividade, mantendo-se a loja em laboração (Idem);
U. A Oponente não tinha ordenado certo (Idem);
V. A sociedade devedora originária apresentou declarações de rendimentos com o anexo J, nas quais consta o pagamento à Oponente de rendimentos da categoria A nos anos de 2001 e 2004 a 2012, de montante variável (cf. doc. junto a fl. 75, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
W. A Oponente apresentou declarações de rendimentos com o anexo A, nas quais consta o recebimento da sociedade devedora originária de rendimentos da categoria A – trabalho dependente - nos anos de 2002 a 2008, de montante variável (cf. doc. junto a fls. 76 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
X. Em 28 de Março de 2018, foi proferida sentença por este Tribunal no processo de oposição à execução n.º 2454/10.8BELRS, deduzido pela outra sócia gerente, a aludida O......, também revertida no PEF (cf. consulta no SITAF);

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e do PEF apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados e, bem assim, nos depoimentos das testemunhas inquiridas, que, na parte relevada, se revelaram isentos e credíveis e com conhecimento directo dos factos, dado o convívio regular com a Oponente, tal como referido em cada letra do probatório.»
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B. DO DIREITO
Com base nesta factualidade a sentença veio a decidir pela procedência da oposição, com fundamento, no essencial, em que cabendo à Fazenda Pública ilidir a presunção legal contida na alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º da LGT, a mesma, conforme decorre da factualidade provada, não lograra infirmar tal presunção.
Conforme decorre das respectivas conclusões de recurso, a Fazenda Pública (doravante recorrente) sustenta que a sentença enferma deste erro de julgamento de facto e de direito por errada apreciação do regime constante do artigo 24.º, al.b) da LGT e por errada valoração dos factos, pois, contrariamente, ficou decidido em 1ª Instância « deve-se assim concluir que a Oponente era gerente de direito e gerente de facto, sendo responsável pelo facto de a devedora originária não ter cumprido o dever fundamental de pagar os impostos. ».
Todavia, como a seguir se verá, não tem razão.
A execução fiscal, por dependência da qual foi deduzida a presente oposição, respeita a dívidas referentes a IVA dos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, inicialmente exigida à sociedade «A…., Lda».
Não se discute nos presentes autos, que é aplicável o regime de responsabilidade subsidiária decorrente do disposto no artigo 24.º da Lei Geral Tributária (LGT) , uma vez que as dívidas se constituíram em data posterior a 1 de Janeiro de 1999, ou seja, após a entrada em vigor daquela Lei ( cfr. artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro) . Assim, como não se discute que a execução fiscal foi revertida contra a Oponente ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 24.º da LGT, por não se ter provado não lhe ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando «o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício da gerência do cargo».
A LGT determina, no seu artigo 24º, n.º1 alínea b) o seguinte:
«1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) (…)
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.(…) ».
Resulta inequivocamente da norma legal acabada de transcrever que, para se concluir pela existência de responsabilidade subsidiária pelas dívidas tributárias por parte gerentes não bastará demonstrar a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito. Exige-se a demonstração de que os mesmos a exerceram efectivamente ou de facto. Cabendo à Administração Tributária o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência ou, dito de outra forma, da gerência de facto recai sobre quem pretende efectivar a responsabilidade subsidiária dos gerentes através da reversão da execução fiscal (cf. artigos 74º nº 1 da LGT e 342º e 344º do Código Civil) .
Como o Supremo Tribunal Administrativo já afirmou em Acórdão de 28/2/2007, processo n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário; «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342º n.º 1, 350º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
(…)
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova(disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
No caso, o juízo de procedência da Oposição fiscal formulado pelo Tribunal de 1ª Instância assentou na seguinte argumentação « (…) não se pode olvidar a prova testemunhal demonstrativa de que a Oponente praticava actos formais de gerência na dependência do gerente efectivo ou de facto, a outra sócia gerente, O...... (cf. letras Q e R do probatório), tendo ficado por provar com segurança uma realidade susceptível de evidenciar o exercício da gerência efectiva ou de facto por parte da Oponente no período das dívidas exequendas, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Administração Tributária, pois que, como já se disse, o exercício efectivo ou de facto da gerência é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova e ainda que assim não seja, tem-se por inexorável a ilação de que, pelo menos, fica uma dúvida substancial e fundada sobre o exercício efectivo ou de facto da gerência da sociedade devedora originária por parte da Oponente, de modo que, competindo à Administração Tributária o ónus probatório do exercício efectivo ou de facto da gerência por parte da Oponente, a tal título, como responsável subsidiário e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a Administração Tributária.»
Perante o assim decidido não acolham como boas as razões invocadas pela recorrente de molde a ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença.
Com efeito, não obstante ter ficado provado que a devedora originária se obrigava com a assinatura conjunta das duas gerentes (a Oponente e O......), deve realçar-se que ficou demonstrado que era «O...... quem tomava as decisões, fazia tudo, punha e dispunha; autorizava os negócios com os fornecedores, tratava do envio da documentação ao contabilista e pagava os impostos» e quem «(…) dava os papéis (cheques e outros documentos) para a Oponente assinar e esta assinava» [cfr. alíneas Q. e R. do probatório].
Pois bem, nestas circunstâncias fácticas, temos para nós que as meras assinaturas de cheques e “ outros documentos” por parte da Oponente e que obrigavam a sociedade executada originária constituíam, no caso, a execução de ordens e orientações fornecidas pela gerente O......, limitando-se a Oponente a executar essas decisões.
E como se consignou ( com total pertinência para o nosso caso ) no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 21.06.2018, proferido no processo n.º 1924/11.1BESNT: «Se é certo que não foi alegada ou demonstrada qualquer situação de coacção que levasse a considerar inválida a manifestação de vontade subjacente à aposição de uma assinatura, não é menos certo que a indagação sobre a administração de facto não visa aferir da validade formal do envolvimento do revertido na vida da sociedade, mas antes da sua efectividade: saber se o revertido detinha na sociedade um poder decisório que, de facto, exercesse (ou pudesse ter exercido).» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Para além disso, contrariamente ao entendimento da recorrente, o facto da Oponente auferir na qualidade de trabalhadora dependente da devedora originária um rendimento variável não « (…) permite inferir que a mesma assumia também os riscos do negócio» e como tal gerente de facto. Nem tão pouco permite extrair a conclusão que aquele era calculado «na medida dos resultados obtidos», desde logo, porque tal não ficou demonstrado.
Mas ainda que assim fosse, isto é, mesmo que tivesse ficado demonstrado que o rendimento auferido pela Oponente era calculado em função dos resultados obtidos, nunca tal facto, poderia conduzir à conclusão que a mesma exercia a gerência de facto, por tal circunstância estar longe de integrar a prática de concretos actos que exprimam poderes representativos e poderes administrativos face à sociedade devedora originária (v.g.contacto com os fornecedores; pagamento do salário aos empregados).
Do que vimos de dizer resulta que a Fazenda Pública não logrou provar que, para além de deter a qualidade de gerente de direito da executada originária, a Oponente também exercia de facto a gerência enquanto pressuposto, da responsabilidade subsidiária que se efectiva através da reversão, sendo que a lei, como já atrás dissemos, não estabelece qualquer presunção que inverta o ónus da prova nesta matéria.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, confirmar a sentença sob recurso, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
IV. CONCLUSÕES
I.O exercício efectivo da gerência é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária.
II.É à Administração Tributária, como exequente, que compete a prova dos requisitos constitutivos do seu direito à reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários pelo pagamento da dívida exequenda.
V.DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da 1.ª Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 16 de Setembro de 2019

[Ana Pinhol]
[Isabel Fernandes]
[Catarina Almeida e Sousa]