Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:807/11.3BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:10/14/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IVA,
ISENÇÃO,
IPSS,
REGISTO PROVISÓRIO
Sumário:O registo definitivo da Impugnante, como Instituição de Solidariedade Social, é efetuado mediante despacho do Diretor-Geral da Segurança Social que defira o requerimento de registo, sendo que o mesmo se considera efetuado na data da apresentação do requerimento que seja deferido, e assim sendo, pode a Impugnante beneficiar do regime de isenção previsto no artigo 9.°, n.° 7 do CIVA desde essa data.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 2.ª SUBSECÇÃO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por I... - I... contra as liquidações adicionais de IVA relativas aos vários períodos dos exercícios de 2007, 2008 e 2009, no valor global de € 899.516,28.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as conclusões seguintes:

«
1. A presente Impugnação refere-se às liquidações de IVA, relativas aos anos de 2007, 2008 e 2009, decorrentes de acção inspectiva.
2. Por douta sentença de 20/04/2015, foi a mesma julgada procedente por ter sido entendido que a aqui Recorrida se encontrava isenta de IVA ao abrigo do art. 9° n.° 7 do CIVA, decisão com a qual a FP não pode concordar pelas seguintes razões:
3. Conforme descrito no RIT, a Recorrida "desempenha um papel de intermediário em território nacional, entre várias instituições alemãs e famílias de acolhimento a residirem em território nacional. A actividade consiste no acolhimento de adolescentes de nacionalidade alemã com problemas graves a nível de integração social, efectuado exclusivamente por famílias alemãs a residirem no território nacional, as quais recebem honorários pelo serviço de acolhimento que prestam e demais verbas para fazer face às despesas correntes do adolescente que acolhem (...)."
4. A isenção prevista no art. 9° n.° 7 do CIVA abrange as prestações de serviços e transmissões de bens estreitamente conexas com o exercício da actividade habitual por quaisquer equipamentos sociais desde que pertencentes a pessoas colectivas de direito público, a instituições particulares de solidariedade social, ou outras entidades, desde que, em qualquer dos casos, a utilidade social seja reconhecida pelas autoridades competentes.
5. Face aos factos apurados, foi entendido pelos Serviços de Inspecção Tributária, entendimento esse mantido pela FP na presente Impugnação Judicial, que a Recorrida não preenchia os pressupostos da referida isenção.
6. No âmbito do procedimento de inspecção, foi solicitada ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Faro, através do Ofício n.° 69, de 05/01/2010, informação sobre a entidade inspeccionada.
7. A resposta chegou através do Ofício do Centro Distrital de Faro, datado de 19 do mesmo mês, conforme RIT: O I... não se encontra registado como IPSS, tendo em consideração as características da Instituição no âmbito da sua intervenção social, descrita no texto estatutário enviado ao Centro Distrital em meados de 2004, o qual suscitou dúvidas quanto ao seu enquadramento legal no âmbito da Segurança Social, tendo o processo sido submetido à consideração da Direcção Geral de Segurança Social, de forma a que essa entidade se pronunciasse quanto à pretensão apresentada pela associação, não tendo o Centro Distrital de Faro, até 19 de Janeiro de 2010, obtido qualquer resposta.
8. A certidão de 15/06/2011, junta com a PI, atesta isso mesmo: a I... apenas foi registada provisoriamente, na Direcção-Geral da Segurança Social, em 18/05/2011. Antes dessa data, a mesma não se encontrava registada.
9. Desde que foi pedido o registo como IPSS, em 2004, logo se suscitaram dúvidas quanto aos fins definidos nos seus estatutos, tendo esta sido notificada para os alterar. Ou seja, as dúvidas foram, desde o início do procedimento, colocadas ao nível da incompatibilidade, diga-se não preenchimento dos requisitos (objectivos da Associação) previstos nos Estatutos das IPSS, aprovado pelo DL n.° 119/83 de 25 de Fevereiro.
10. Não se compreende que, face à existência de notificação para apresentar a alteração estatutária, como consta do ponto D) do probatório da douta sentença recorrida, seja de aplicar a norma contida no art. 15° n.° 3 do Regulamento de Registo das IPSS, aprovado pela Portaria n.° 778/83 de 23 de Julho, uma vez que a disposição legal em causa diz considerar-se o registo provisório efectuado se não for feita qualquer notificação à instituição requerente até 90 dias após a recepção do requerimento ao centro regional.
11. Dos pontos C) e D) do probatório torna-se claro que o prazo de 90 dias não foi ultrapassado, pelo que não se pode considerar efectuado o registo provisório da I....
12. Concordamos, por isso, com o douto parecer do Ex.mo Magistrado do Ministério Público.
13. Por mera hipótese de raciocínio, sempre se dirá que, no entender da FP, o reconhecimento a que se refere o art. 9° n.° 7 do CIVA não pode consistir num mero acto tácito, já que este se trata apenas de uma ficção formal que não substancial. A utilidade social da entidade continua a não ser atestada na sua substância, não existindo um acto voluntário da "autoridade competente" a reconhecer essa utilidade.
14. Mais, o registo de 2011 foi efectuado provisoriamente por existirem dúvidas sobre a viabilidade e interesse social dos fins estatutários, nos termos do art. 11° n.° 1 do Regulamento do Registo, aprovado pela Portaria n.° 139/2007 de 29 de Janeiro.
15. Em momento algum a Segurança Social reconheceu, pois, a utilidade social da Recorrida.
16. Face à informação prestada pela autoridade competente, bem como a todas as informações documentadas nos autos, entretanto carreadas, oriundas da Segurança Social, não cabia à Autoridade Tributária e Aduaneira reconhecer a Recorrida como tendo utilidade social passível de beneficiar da isenção prevista no art. 9° n.° 7 do CIVA.
17. Quando o processo foi remetido pelo Centro Distrital de Segurança Social para a respectiva Direcção Geral, para melhor esclarecimento das condições de funcionamento da Recorrida, foi solicitada a intervenção da Inspecção Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, colocando-se a hipótese da própria extinção da associação.
18. Ainda em 2011, a Segurança Social admite que se deverá proceder a uma reavaliação da situação da instituição e da verificação das condições que dão lugar ao registo, tendo em consideração a legislação em vigor no âmbito da promoção dos direitos e da protecção das crianças em perigo, designadamente no que respeita às condições exigíveis para se constituir como instituição de enquadramento de famílias de acolhimento de crianças e jovens em perigo.
19. Dos autos consta uma informação datada de 29/01/2007, prestada pelo Centro Distrital de Segurança Social de Faro, invocada aqui a título de exemplo, que termina nos seguintes termos: "Em conclusão mantêm-se as dúvidas sobre a existência das condições necessárias à efectivação do registo, sobretudo o reconhecimento da utilidade pública das actividades (...)."
20. Ora, a isenção prevista no art. 9° n.° 7 do CIVA não se compadece com estas dúvidas, nem com a suposta existência de qualquer registo tácito, como já referido.
21. A douta sentença recorrida não valorou devidamente os factos anteriormente descritos, nem indagou sobre outros necessários ao bom julgamento da causa, pelo que, salvo o devido respeito, incorreu em erro de julgamento de facto de direito.
22. A decisão recorrida violou as normas supra indicadas.
Face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida, que deverá ser substituída por acórdão que mantenha na ordem jurídica as liquidações impugnadas só assim se fazendo JUSTIÇA.»

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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.

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A Magistrada do Ministério Público ofereceu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito na medida em que a Recorrente entende:
i) que a Impugnante não preenchia os pressupostos da isenção prevista no art. 9.º, n.º 7, do CIVA (conclusões 1 a 9, das alegações de recurso);
ii) Não é de aplicar a norma do art. 15.º, n.º 3, do Regulamento de Registo das IPSS (conclusões 11 e 12, das alegações de recurso);
iii) O reconhecimento a que se refere o art. 9.º, n.º 7 do CIVA não pode consistir num mero ato tácito, e por outro lado, o registo foi efetuado provisoriamente em 2011 e nessa medida a isenção prevista não se compadece com essas dúvidas (conclusões 13 a 22, das alegações de recurso).

II. FUNDAMENTAÇÃO
A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:



A) A I... - I... constituída por escritura pública de realizada em 20.11.2003, reveste a natureza de associação para prossecução de ações de caráter social, dirigidas ao apoio de crianças, jovens e respetivo núcleo familiar, tendo em vista a sua recuperação, reabilitação e reintegração social e comunitária - cfr. Doc. 25 junto com a p.i. a fls. 53 a 57, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos e art.° 2.° dos respetivos Estatutos a fls. 425 a 439.

B) A I... angariava famílias de nacionalidade alemã residentes em Portugal, para acolherem em sua casa crianças e jovens alemães no âmbito de medidas de reabilitação em programa individualizado - prova testemunhal.

C) Em 02.02.2004 a I... requereu ao Centro Regional de Segurança Social de Faro o seu registo nos “termos e de acordo com o disposto no Regulamento do Registo de Instituições Particulares de Solidariedade Social” - cfr. fls. 162, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos.

D) Por ofício de 27.02.2004, e na sequência do requerimento que antecede, o Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Faro (CDSSSF) notificou a I... para efeitos de alteração dos Estatutos “por forma a que... possam estar de acordo com o preceituado no Estatuto das IPSS”, referindo as alterações a serem efetuadas — cfr. fls. 146 a 159, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos.

E) Em 16.06.2004, na sequência da notificação que antecede, a I... remeteu ao CDSSSF cópias das escrituras de constituição e de retificação; da publicação em DR; da Ata da reunião de Assembleia Geral em que foram aprovadas as alterações aos Estatutos; do certificado de admissibilidade e do cartão de pessoa coletiva — cfr. Doc. 30 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos.

F) Em 10.08.2004 o CDSSSF remeteu a documentação que antecede à Direção Geral da Solidariedade e Segurança Social “a fim de proceder ao acto de registo como Instituição Particular de Solidariedade Social” - cfr. fls. 472, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos.

G) A I... coletou-se em 01.01.2005, pela atividade principal “Outras Actividades de Apoio Social sem Alojamento” - CAE 88990, ficando enquadrada em IVA no regime de isenção do art.° 9.°, n.° 7, do Código do IVA - por acordo e cfr. Relatório de Inspeção Tributária (RIT), junto como Doc. 2 com a p.i. a fls. 108 a 129.

H) Em 03.06.2006, 18.08.2006, 29.06.2007 e 14.05.2010 a I... solicitou aos Serviços da Segurança Social informação sobre o processo de registo, tendo também pedido uma reunião para obter a mesma informação - cfr. fls. 169 a 180.

I) Em 18.05.2011 foi efetuado o registo provisório da I... no Livro n.° 13 das Associações de Solidariedade Social, sob o n.° 30/11, a fls. 100 e 100 verso - cfr. Doc. 3 junto com a p.i. a fls. 144 e fls. 484 a 487.

J) Nos termos do artigo 13.° dos Estatutos da I... são suas receitas, entre outras, as jóias e quotas de associados; os valores resultantes das prestações de serviços; quaisquer subsídios, donativos, heranças, legados ou doações de entidades públicas ou privadas, portuguesas ou estrangeiras - cfr. os Estatutos da I.A.P.R.S a fls. 425 a 439.

K) Para suportar os custos relacionados com o acolhimento das crianças e jovens em famílias residentes em Portugal (encargos administrativos, vencimentos dos seus técnicos, honorários das famílias de acolhimento e despesas relativas à saúde, educação, alimentação, vestuário ou outras, específicas de cada jovem), conforme descrito na al. B), a I... recebe subsídios das associações e instituições alemãs com as quais celebrou protocolos - prova testemunhal.

L) No ano 2007, a I... emitiu recibos a instituições alemãs no valor global de € 1.023.342,70 — cfr. o ponto “III. 1. IVA” do RIT (Doc. 2 com a p.i., a fls. 108 a 129), e por acordo.

M) No ano 2008, a I... emitiu recibos a instituições alemãs no valor global de € 1.479.663,60 — cfr. o ponto “III. 1. IVA” do RIT (Doc. 2 com a p.i., a fls. 108 a 129), e por acordo.

N) No ano 2009, a I... emitiu recibos a instituições alemãs no valor global de € 1.462.407,83 — cfr. o ponto “III. 1. IVA” do RIT (Doc. 2 com a p.i., a fls. 108 a 129), e por acordo.

O) Com base nos valores dos recibos emitidos pela I... a instituições alemãs, no decurso dos exercícios de 2007, 2008 e 2009, contabilizados como prestações de serviços, a Administração Tributária apurou IVA a pagar no valor total de € 811.642,36, nos termos descriminados no quadro abaixo, com o seguinte fundamento: «não foi apresentado (...) qualquer documento que provasse o reconhecimento como IPSS, ou que a mesma estivesse reconhecida pelas autoridades competentes como tendo utilidade social e porque foi solicitado ao Centro Distrital de Solidariedade Social de Faro, informação sobre tal pedido, ao que foi respondido que o I... não se encontrava inscrito como IPSS.»


— cfr. o ponto “III. 1. IVA” do RIT (Doc. 2 com a p.i., a fls. 108 a 129), e por acordo.

P) Atos impugnados: Na sequência das correções aritméticas efetuadas pela ação de inspeção, foram emitidas as seguintes liquidações de IVA para os exercícios de 2007, 2008 e 2009, e respetivas liquidações de juros compensatórios, no valor total de € 899.516,28, com data limite de pagamento em 31.10.2011:
i. Liquidação adicional de IVA n.° 11114896 do período de 0703T, no valor de € 57.613,73;
ii. Liquidação adicional de IVA n.° 11114898 do período de 0706T, no valor de € 58.959,28;
iii. Liquidação adicional de IVA n.° 11114900 do período de 0709T, no valor de € 58.729,78;
iv. Liquidação adicional de IVA n.° 11114902 do período de 0712T, no valor de € 39.599,18;
v. Liquidação adicional de IVA n.° 11114904 do período de 0803T, no valor de € 97.268,63;
vi. Liquidação adicional de IVA n.° 11114906 do período de 0806T, no valor de € 77.579,29;
vii. Liquidação adicional de IVA n.° 11114908 do período de 0809T, no valor de € 78.651,80;
viii. Liquidação adicional de IVA n.° 11114910 do período de 0812T, no valor de € 50.759,10;
ix. Liquidação adicional de IVA n.° 11114912 do período de 0903T, no valor de € 97.345,81;
x. Liquidação adicional de IVA n.° 11114914 do período de 0906T, no valor de € 75.690,09;
xi. Liquidação adicional de IVA n.° 11114916 do período de 0909T, no valor de € 70.504,57;
xii. Liquidação adicional de IVA n.° 11114918 do período de 0912T, no valor de € 48.941,10;
xiii. Liquidação de juros compensatórios n.° 11114897 do período de 0703T, no valor de € 9.521,26;
xiv. Liquidação de juros compensatórios n.° 11114897 do período de 0706T, no valor de € 9.142,73;
xv. Liquidação de juros compensatórios n.° 11114897 do período de 0709T, no valor de € 8.521,45;
xvi. Liquidação de juros compensatórios n.° 11114897 do período de 0712T, no valor de € 5.346,43;
xvii. Liquidação de juros compensatórios n.° 11114897 do período de 0803T, no valor de € 12.173,24;
xviii. Liquidação de juros compensatórios n.° 11114897 do período de 0806T, no valor de € 8.901,43;
xix. Liquidação de juros compensatórios n.° 11114897 do período de 0809T, no valor de € 8.240,12;
xx. Liquidação de juros compensatórios n.° 11114897 do período de 0812T, no valor de € 4.811,68;
xxi. Liquidação de juros compensatórios n.° 11114897 do período de 0903T, no valor de € 8.289,06;
xxii. Liquidação de juros compensatórios n.° 11114897 do período de 0906T, no valor de € 5.665.35;
xxiii. Liquidação de juros compensatórios n.° 11114897 do período de 0909T, no valor de € 4.574,10, e
xxiv. Liquidação de juros compensatórios n.° 11114897 do período de 0912T, no valor de € 2.687,07.
- cfr. fls. 29 a 23.

Q) Em 14.12.2011 foi a presente Impugnação apresentada neste TAF - cfr. fls. 3 dos autos.


Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão do mérito da causa.
*

Motivação de facto:

A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos que constam dos autos e do processo administrativo apenso, referenciados em cada uma das alíneas do probatório e ainda com base na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados.
Relativamente à prova testemunhal os depoimentos das testemunhas F... e R..., relevaram no sentido de esclarecer o modo como a Impugnante exercia a sua atividade em Portugal, em articulação com as entidades alemãs das quais recebia as quantias necessárias e destinadas ao acolhimento das crianças e jovens de nacionalidade alemã em programas de reabilitação individualizados no seio de famílias, da mesma nacionalidade, residentes em Portugal, explicitando o tipo de custos suportados. As testemunhas M... e M... permitiram ao tribunal percepcionar a forma como foi efetuada a análise à contabilidade da Impugnante por parte da equipa de inspeção tributária, e bem assim, a razão pela qual foram efetuadas as correções que estão na origem das liquidações de IVA dos exercícios de 2007, 2008 e 2009.»
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Conforme resulta dos autos, a Meritíssima Juíza do TAF de Loulé julgou procedente a impugnação judicial, entendendo, em síntese que as liquidações impugnadas de IVA de 2007, 2008 e 2009 devem ser anuladas porquanto a Impugnante considera-se registada provisoriamente no Registo das Instituições Particulares de Solidariedade Social desde 26/10/2004, por força do disposto no n.º 3, do art. 15.º do Regulamento do Registo das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pela Portaria n.º 778/83, de 23 de julho, e assim sendo, ao contrário do que se entendeu em sede de ação de inspeção, a Impugnante se encontrava isenta de IVA ao abrigo do disposto no art. 9.º, n.º 7, do CIVA.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido invocando, no essencial, que a Impugnante não preenchia os pressupostos da isenção prevista no art. 9.º, n.º 7, do CIVA, pois, tal como foi apurado na ação de inspeção, a Impugnante apenas foi registada provisoriamente em 18/05/2011 (conclusões 1 a 9, das alegações de recurso). Não é de aplicar a norma do art. 15.º, n.º 3, do Regulamento de Registo das IPSS, porque foi efetuada a notificação à instituição requerente, não tendo sido ultrapassado o prazo de 90 dias (conclusões 11 e 12, das alegações de recurso). Acresce que, por um lado, o reconhecimento a que se refere o art. 9.º, n.º 7 do CIVA não pode consistir num mero ato tácito, por outro lado, o registo foi efetuado provisoriamente em 2011 por existirem dúvidas, sendo que em momento algum a Segurança Social reconheceu a utilidade social da Recorrida, pelo que a isenção prevista não se compadece com essas dúvidas (conclusões 13 a 22, das alegações de recurso).

Antes de mais, ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC adita-se oficiosamente os seguintes factos com base nos documentos constantes dos autos:

H) No dia 13 de abril de 2012, o registo provisório referido na alínea I) foi convertido em definitivo ao abrigo de despacho da Subdiretora Geral da Segurança Social de 11 abril de 2012 (cf. averbamento n.º 1, constante da certidão constante de fls. 485 dos autos).

Ora, sobre questão idêntica à dos autos, relativamente à mesma Impugnante dos presentes autos, muito embora respeitante a IVA de 2010 e 2011, já se pronunciou este TCAS no acórdão de 27/09/2018, proc. n.º 300/13.0BELLE (09024/15), cujo entendimento aqui sufragamos e transcrevemos:

“A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Invoca a ocorrência de erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento sobre o regime jurídico aplicável. No que se reporta ao primeiro, invoca que o registo definitivo da impugnante não se consumou (i). No que se refere ao segundo, considera que, à luz do regime jurídico aplicável, não resulta a efectivação, seja do registo provisório, seja do registo definitivo da impugnante (D); quanto aos efeitos do registo, os mesmos não implicam o reconhecimento da instituição, desde a data da entrada do requerimento, muito menos o reconhecimento em favor da impugnante, desde essa data, da isenção de IVA (Vi).

Vejamos.

Estatui o artigo 90, n°7, primeira parte, do Código do IVA, "Estão isentas do imposto as prestações de serviços e as transmissões de bens estreitamente conexas, efectuadas no exercício da sua actividade habitual por creches, jardins-de-infância, centros de actividade de tempos livres, estabelecimentos para crianças e jovens desprovidos de meio familiar normal, lares residenciais, casas de trabalho, estabelecimentos para crianças e jovens deficientes, centros de reabilitação de inválidos, lares de idosos, centros de dia e centros de convívio para idosos, colónias de férias, albergues de juventude ou outros equipamentos sociais pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou instituições particulares de solidariedade social ou cuja utilidade social seja, em qualquer caso, reconhecida pelas autoridades competentes".

Nos termos do Artigo 7. °, do Estatuto das Instituições particulares de solidariedade social, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 119/83, de 25 de Fevereiro, «1 - Poderão os ministérios da tutela organizar um registo das instituições particulares de solidariedade social do respectivo âmbito. II 2 - O registo será criado e regulamentado por portaria do respectivo ministro».

O regulamento em causa corresponde à Portaria n.° 778/83, de 23 de julho, entretanto revogada e substituída pela Portaria n.° 139/2007, de 29 de janeiro (artigo 2.º).

Do probatório resulta o seguinte:

13. Em 18 de Maio de 2011, foi efectuado o registo provisório da associação I... como IPSS, no livro n.° 13 das Associações de Solidariedade Social, sob o n.° 30/11- cfr. fIs 191-192 dos autos.

14) No dia 13 de Abril de 2012, aquele registo provisório foi convertido em definitivo ao abrigo de despacho da Subdirectora Geral da Segurança Social de 11 de Abril de 2012- cfr. fls192 dos autos. Donde resulta que a efectivação, seja do registo provisório, seja do registo definitivo da entidade em causa, I..., como Instituição Particular de Solidariedade Social, não é passível de dúvida.

A recorrente invoca dúvidas sobre a documentação que instrui o pedido de efectivação do registo. Havendo dúvidas não esclarecidas pelo interessado sobre a documentação de suporte do registo, pode a Direcção-Geral da Segurança Social ordenar, oficiosamente, o seu cancelamento (artigo 13.° da Portaria n.° 139/2007; de 29 de Janeiro). O que não sucedeu no caso, conforme claramente se extrai do documento junto com as alegações de recurso a fis. 240/241 (n° 16 do probatório). Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente linha de argumentação.

No que respeita aos efeitos do registo, a questão que se suscita consiste em aferir da eficácia dos actos de registo, em referência, tendo em conta o disposto no artigo 90, n° 7 do CIVA.

Estatui o artigo 13.° ("Efectivação do registo") da Portaria n.° 778/83, de 23 de Julho, que o registo «será efectuado mediante despacho do director-geral da Segurança Social que defira o requerimento de registo» (n.° 1); e que o mesmo se considera «efectuado na data da apresentação do requerimento que seja deferido». No mesmo sentido depõe o disposto no artigo 9.° da Portaria n.° 139/2007, de 29 de Janeiro.

Do probatório resulta que a instrução do procedimento foi completada em 2004, não tendo havido qualquer acto de recusa do registo [V. artigo 14.° ("Recusa do registo") da Portaria n.° 778/83, de 23 de Julho]. Mesmo que não se aceite o argumento de que o registo provisório se deu na data indicada na sentença, o certo é que o registo definitivo da entidade em causa como IPSS ocorreu em 2012, com efeitos reportados a finais de 2004 (data em que a entidade competente, Direcção-Geral da Segurança Social, deixou de solicitar à entidade interessada, informações complementares).

Outra questão prende-se com os efeitos do registo como IPSS, no quadro do preceito do artigo 9°, n° 7 do CIVA. A este propósito, dir-se-á que o pressuposto de que a norma legal de tributação faz depender o reconhecimento e a oponibilidade da isenção de IVA reside no registo da entidade em causa como IPSS.

O registo em apreço tem uma função de publicidade dos actos a ele sujeitos (artigo 4.° da Portaria n.° 778/83, de 23 de Julho artigo 2.° da Portaria n.° 139/2007, de 29 de Janeiro). Através da sua efectivação garante-se aos interessados informação sobre a utilidade pública da instituição em causa certificada pela autoridade administrativa competente. Donde resulta que o registo referido e o regime legal de reporte dos efeitos à data da entrada do requerimento, correctamente instruído, são oponíveis aos demais sujeitos jurídicos que encabecem relações jurídicas com a instituição objecto de registo. Como sucede com a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Em síntese, o registo da impugnante, como Instituição de Solidariedade Social, desde finais de 2004, é oponível à Autoridade Tributária e Aduaneira. Pelo que a isenção de IVA é, em princípio, oponível, nos mesmos termos. Ou seja, as liquidações adicionais de IVA impugnadas nos autos, relativas aos exercícios de 2010 e de 2011, na medida em que a Impugnante não é sujeito passivo do imposto por ser entidade isenta, colidem com a norma de isenção, pelo que são ilegais, devendo se anuladas, com este fundamento. Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida deve ser confirmada, ainda que com a presente fundamentação. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.”

Ora, os factos 13 e 14 referido naquele acórdão correspondem aos factos dados como provados no presente processo na alínea I) da sentença e facto da alínea H) aditado oficiosamente no presente recurso.

Deste modo, em suma, in casu a Impugnante foi registada definitivamente como instituição de solidariedade social em 2012 (cf. alínea H) do facto aditado), não obstante, por força do n.º 2, do art. 9.º da Portaria n.° 139/2007, de 29 de Janeiro, vigente à data do registo definitivo, o registo do ato de constituição considera-se efetuado na data da receção do respetivo requerimento, pelo que o registo do ato de constituição da Impugnante se considera efetuado em 2004, e assim sendo, a Impugnante pode beneficiar do regime de isenção previsto no artigo 9.°, n.° 7 do CIVA porque as liquidações são posteriores ao registo da sua constituição (2007, 2008 e 2009).

Concluímos, então, que as liquidações impugnadas enfermam de erro sobre os pressupostos de facto e de direito ao assentarem no entendimento de que a Impugnante não poderia beneficiar da isenção prevista naquele preceito legal porque não se encontrava reconhecida como IPSS, nem reconhecida pelas autoridades competentes como tendo utilidade social.

Em sentido semelhante v. também a respeito de IVA de outros períodos, o acórdão do TCAS de 24/11/2016, proc. n.º 09895/16, e de 06/04/2017, proc. 9445/16.

Pelo exposto, e sem mais considerações por desnecessárias uma vez que sufragamos a jurisprudência anterior supra referida, improcedem todas as conclusões de recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. vencida nesta instância a Recorrente Fazenda Pública, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Por outro lado, nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

Trata-se, pois, de uma dispensa excecional que depende de uma concreta e casuística avaliação pelo juiz e deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ter sido omitida, mediante requerimento de reforma da decisão — cf., neste sentido, o acórdão de 15/10/2014, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, no proc. n.º 01435/12.

Ora, considerando que a diminuta complexidade da única questão a decidir, bem como a conduta processual das partes que foi a normal e adequada (sendo que as conclusões de recurso são claras e concisas), bem como ponderado o montante da taxa de justiça que será devida com base no valor da presente causa (que seria bastante elevado), face ao concreto serviço prestado, revela-se adequado e necessário face ao princípio da proporcionalidade, dispensar o remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP – cf. Ac. do STA de 18/03/2015, proc. n.º 01160/13: “Justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, se o montante da taxa de justiça devida se afigura desproporcionado em face do concreto serviço prestado, tendo em conta, designadamente, que a questão sujeita a recurso já foi anteriormente objecto de diversas decisões deste Supremo Tribunal e que o acórdão, usando da faculdade concedida pelo n.º 5 do art. 663.º do CPC, remeteu para a fundamentação expendida por aresto anterior.” (sublinhado nosso).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

O registo definitivo da Impugnante, como Instituição de Solidariedade Social, é efetuado mediante despacho do Diretor-Geral da Segurança Social que defira o requerimento de registo, sendo que o mesmo se considera efetuado na data da apresentação do requerimento que seja deferido, e assim sendo, pode a Impugnante beneficiar do regime de isenção previsto no artigo 9.°, n.° 7 do CIVA desde essa data.

DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.


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Custas pela Recorrente, dispensando-se do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

D.n.

Lisboa, 14 de outubro de 2021.


Cristina Flora (Relatora)

Patrícia Manuel Pires (1.ª adjunta)

Vital Lopes (2.º adjunto)