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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02867/09
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:06/02/2009
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC. CUSTO FISCAL.
Sumário:1. Constituem custos fiscais os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora;
2. Não tendo a AT aceite como custo fiscal o inscrito como relativo a despesas de pessoal de certo exercício por nenhuns proveitos terem sido declarados no mesmo exercício, não pode o mesmo ter a virtualidade de poder vir a constituir um custo do exercício seguinte àquele, por invocação da impugnante da errada contabilização ao abrigo do art.º 18.º do CIRC;
3. Não tendo a impugnante, na sua impugnação, vindo colocar em causa a ilegalidade da liquidação impugnada com a fundamentação da AT que lhe subjaz, imputando-lhe qualquer erro ou vício conducente à sua anulação, não pode a mesma deixar de se manter.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. B.........– Gestão e ..........., Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada - 2.ª Unidade Orgânica - que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


a) De facto "no montante da liquidação dos autos não deveriam ter sido considerados rendimentos tributáveis corrigidos no montante de € 5.707,00"
b) A AF, conforme páginas 16 do seu relatório, não aceita como custos fiscais no exercício de 2001, de acordo com o número 1 do artigo 23° do CIRC: "os custos com pessoal, referentes a empregados que só entraram para o quadro de pessoal do sujeito passivo em Janeiro de 2002, no valor de € 6.913,34, mas contabilizados no ano de 2001, porque não foram indispensáveis para realização dos proveitos sujeitos a impostos do mesmo exercício".
c) Nesta situação a A.F. não devia ter lançado mão do artigo 23°, mas, antes, do artigo 18°, do mesmo diploma legal, na medida em que,
d) Estamos perante uma errónea contabilização de custos no que concerne à periodização do lucro tributável, que não um custo indevido ou não aceite; Donde,
e) O custo não aceite em 2001, cuja contabilização foi feita em desconformidade com o disposto no artigo 18°, deveria ter sido, e não foi, acrescido em 2002, pela AF - pois trata-se de ordenados de 2002, estando o contrato de franchising em vigor desde 31 de Dezembro de 2001, conforme resulta do próprio relatório. De qualquer modo,
f) Ou os custos de 2001, no entender da AF (ver folhas 17 do relatório), não concorrem para a realização dos proveitos desse ano, não os aceitando como custo final do exercício de 2002 - sendo nesse caso correcto invocar o nº1, do artigo 23°, do CIRC -, e então deveria a A.F. ter procedido à correcção dos mesmos no quadro de apuramento do lucro tributável de folhas 17, do relatório, com as devidas consequências - o que não fez.
g) Ou aqueles custos concorrem para a realização dos proveitos, e, nesse caso, deveria ser invocado o artigo 18° do CIRC, ao invés do artigo 23° do mesmo diploma, com as legais consequências - ­assunção dos mesmos em 2002, o que também não foi feito, consubstanciando, deste modo, uma ilegalidade no que tange ao apuramento do lucro tributável.
h) Assim, as operações referidas nas alíneas a) e c) do número 1 das presentes alegações, mau grado a sua correcção aritmética, as mesmas não contemplam objectivamente a realidade dos factos aqui vertida.
i) A Recorrente, nunca afirmou que não houve reporte de prejuízo quanto ao ano de 2002, o que esta afirmou foi que o valor a reportar, atento o reporte de 2001, deveria ser de € 23.520,61 - dedução parcial -, e não a totalidade do prejuízo corrigido (mal) pela AF.
j) Não foram deduzidos em 2002, os prejuízos resultantes da correcção do exercício do ano de 2001, no montante de € 7.352,14, nem poderiam ter sido, pois,
k) Atento o teor do artigo 47°, do CIRC, os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, poderão ser deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios seguintes, ora,
I) No caso em apreço a matéria colectável, do ano de 2002, foi negativa, pelo que, os prejuízos do ano anterior (2001), nunca poderiam ser deduzidos em 2002; mas antes,
m) Nos precisos termos do artigo 47º do CIRC, deveriam (deverão) ser deduzidos no primeiro exercício, dentro dos seis posteriores, em que se verifique lucro tributável - ou seja em 2003.
n) E como, ao invés do valor liquidado pela AF, no que concerne à matéria tributável, a mesma é negativa, o prejuízo não deduzido na totalidade em 2003, deve transitar para 2004.
o) Deve pois ser anulada a liquidação dos autos.
p) Sendo certo que, a ter-se o entendimento da A.F., que não se tem, estavamos perante uma interpretação restritiva e contra lege do artigo 23° do CIRC, ao não aceitar como custo fiscal os custos derivados da instalação comercial ou industrial de um sujeito passivo, sempre que, aqueles tivessem lugar em período tributário anterior àquele em que houvesse lugar a proveitos.
q) Ao não ter entendido do modo como o faz a recorrente no âmbito do exposto nas presentes alegações, o Tribunal ora recorrido fez incorrecta interpretação e aplicação da Lei aos factos, violando, nomeadamente, o disposto nos artigos 18°, 23° e 47°, todos do CIRC.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando­se a douta sentença recorrida, e substituindo-se a mesma por outra que, acolhendo as razões da recorrente, julgue procedente a impugnação deduzida pela mesma, anulando totalmente a liquidação dos autos, com as legais consequências.
Assim se fará Justiça.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a sentença recorrida não ser passível da apontada censura formulada pela recorrente, ou, caso, assim se não entenda, deverá a mesma ser convidada a reformular as conclusões do recurso por não ter imputado à sentença recorrida quaisquer vícios mas tão só ao acto impugnado, que levaria ao seu não conhecimento.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Juízes Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se a verba desconsiderada pela AT como custo do exercício de 2001 deve ser considerada um custo do exercício seguinte – 2002.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) A impugnante exerce a actividade principal de "actividades de consultoria para negócios e a gestão" a que corresponde o CAE 074140.
B) A impugnante foi objecto de uma acção de fiscalização que abrangeu os exercícios de 2001, 2002 e 2003, na sequência da qual a administração tributária procedeu à alteração da matéria tributável, por não ter aceite a dedução de determinados custos, nos termos do art.º 23.º do CIRC, nos seguintes montantes:
2001 2002 2003
Lucro tributável (-14.265,48) (-32.672,67) 27.967,06
declarado
Acréscimos - - -
Custos não aceites 6.913,34 7.507,17 3.175,69
Lucro tributável
corrigido (-7.352,14) (-26.165,50) 30.872,75
B) A correcção efectuada ao exercício de 2003 resulta da duplicação de um custo - custo de serviços clínicos do mês de Março de 2003- no valor de €3.175,69, não aceite nos termos do art.º 23.º do CIRC.
C) Na sequência das correcções mencionadas na alínea B) foi emitida a liquidação de IRC n.º............., referente ao exercício de 2003, no montante de € 1.954,72 euros.
D) Na liquidação mencionada na alínea anterior foram considerados rendimentos tributáveis corrigidos no montante de € 5.707,00 euros.
E) Na fixação deste montante a administração tributária teve em consideração o prejuízo sofrido no exercício de 2002, no montante de € 26.165,75 euros.
F) A administração Tributária não aceitou como custos de 2002, o prejuízo do ano de 2001 no montante de € 7.352,14, nos termos do art.º 23.º do CIRC "dado que o sujeito passivo não apresentou rendimentos no exercício de 2001, e todos os custos anteriormente referidos estarem associados aos mesmos, conforme contrato de franchising elaborado com a firma P......, estes custos não são aceites como custo fiscal do exercício de 2002, nos termos do n° 1 do artigo 23° do CIRC.»
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Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso.
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.


4. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que os prejuízos verificados nos exercícios de 2001 e de 2003 foram efectivamente considerados no exercício de 2003, em que houve lucros, donde resultou a liquidação ora impugnada, não tendo aceite a dedução no exercício de 2002 dos prejuízos do exercício de 2001 já que neste não apresentou quaisquer proveitos, pelo que não podem ser aceites como tal, por falta da sua consequência – os proveitos imanentes.

Para a recorrente de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, continua a pugnar que a dedução dos prejuízos pela AT se encontra errada, por, em 2003, não ter tomado em consideração o prejuízo de € 6.913,34 não aceite como custo em 2001, mas que o deveria ter sido considerado como custo em 2002 e como tal influenciar o resultado negativo desse exercício e com expressão em 2003, em que houve lucros, de molde que fosse totalmente absorvido e sem que desse lugar a qualquer liquidação.

Vejamos então.
Desde logo convém frisar que, ao contrário do entendimento do Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, a recorrente não omitiu os vícios imputados à sentença recorrida, como se vê, designadamente, da matéria da sua conclusão q), ainda que lhe impute os mesmos vícios que ao acto impugnado, por esta o ter aceite, tendo inclusivamente indicado as normas jurídicas violadas pela sentença recorrida, em obediência ao disposto no art.º 690.º n.º2 a) do CPC, pelo que tais conclusões, desta forma, não se alheiam do decidido, antes o censuram, pelo que as mesmas não podem padecer do invocado vício de alheamento da mesma decisão, conducente ao não conhecimento do objecto do recurso.

No presente recurso, a única questão a decidir consiste em saber se a verba de € 6.913,34 desconsiderada como custo fiscal pela AT e que a sentença recorrida secundou, não encontrando em tal desconsideração qualquer ilegalidade, antes deveria ter sido desconsiderada como custo sim em 2001, mas considerada como um seu custo em 2002, por se reportar a despesas com pessoal que só entrou para o quadro do pessoal em 2002, não foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto desse exercício de 2001, onde aliás nenhuns rendimentos declarou, mas já o foram quanto ao exercício de 2002, ou seja se tal desconsideração deveria ter sido efectuada ao abrigo do disposto no art.º 23.º n.º1 ou 18.º n.º1, ambos do CIRC, e respectivas consequências em cada um dos casos.

No relatório do exame à escrita da ora recorrente, englobando os exercícios de 2001 - 2003 (cfr. fls 29 e segs do PAT apenso), para desconsiderar tal montante como um custo do exercício de 2001 e também não o considerar um custo do exercício de 2002, fundou-se, além do mais, em que o mesmo «não apresentou rendimentos no exercício de 2001, e todos os custos anteriormente referidos (onde se inclui este) estarem associados aos mesmos, conforme contrato de franchising elaborado com a firma P......., estes custos não são aceites como custo fiscal do exercício de 2002, nos termos do n.º1 do artigo 23.º do CIRC», ou seja, a AT não aceitou tais custos do exercício de 2001 por estarem associados a proveitos deste exercício e onde nenhuns foram declarados, pelo que também os correspondentes custos o não poderiam ser.

Desta forma, no modo de encarar esta questão pela AT e que a ora recorrente parece a não ter apreendido na sua totalidade, não se podia colocar a hipótese de ter havido uma errada contabilização dos custos em exercício diferente a que diziam respeito, pelo que não se coloca a questão de aplicação da norma do art.º 18.º do CIRC, e da sua violação em contabilizar custos em exercício diverso daquele a que os mesmos diziam respeito, por tais custos não estarem relacionados com quaisquer rendimentos ou proveitos do exercício seguinte – 2002 – mas sim do exercício em que foram desconsiderados - 2001. Ou seja, a AT não aceitou também que tal verba possa ser considerada um custo fiscal no exercício de 2002, pelo que nunca poderia a mesma ter feito uso da norma do art.º 18.º do CIRC, como pretende a recorrente, que ao contrário parecer supor.

Para a AT, segundo se depreende dos dizeres de tal relatório de inspecção tributária, tal custo não foi aceite por estar relacionado com proveitos do exercício de 2001 (constituiria o seu balanceamento) e como nenhuns (proveitos) foram declarados, não poderiam tal montante constituir um custo deste exercício de 2001, e também o não poderia do ano de 2002, por se não encontrar associado a proveitos deste exercício mas sim do exercício anterior – 2001. Desta forma não se poderia colocar a hipótese da errada periodização de tais custos e consequente violação da norma do art.º 18.º do CIRC, mas sim a mera desconsideração de um custo do exercício de 2001, a que se reportava, com a consequente aplicação da norma do art.º 23.º n.º1 do CIRC.

E esta fundamentação da AT onde repousa a não consideração de tal verba como custo, quer do exercício de 2001 quer do exercício de 2002, jamais foi afrontada pela ora recorrente e nem sequer provada, em ordem a infirmá-la, quer na matéria da sua impugnação judicial, quer nas conclusões das alegações do presente recurso [aqui apenas em parte, na sua conclusão p)], pelo que a mesma não pode deixar de se manter como bem se decidiu na sentença recorrida, ao sobre este ponto ter escrito:
Ora a impugnante não alegou quaisquer factos que ponham em causa tal asserção, a qual se mostra correcta em face da factualidade apurada, não esclareceu o motivo pelo qual registou na sua contabilidade referente ao exercício de 2001 apenas custos, se estes estão associados aos proveitos.
...

O que a ora recorrente deveria era ter articulado na matéria da sua petição inicial de impugnação judicial os correspondentes factos que entendeu ocorrerem no exercício de 2001, no âmbito da instalação da sua actividade, como só agora, em parte, veio invocar na matéria da sua conclusão p), e que originaram tais custos e que como tal deviam ser aceites como custos fiscais, ainda que nesse exercício não tivesse obtido os respectivos proveitos, e que tal matéria tivesse vindo provar, para infirmar a factualidade contrária em que assentava a liquidação quanto a tal verba, desta forma demonstrando que tal custo deveria ser subsumível na noção de custo fiscal constante na norma do art.º 23.º do CIRC e daí a errada liquidação.


Improcedem assim todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa,2 de Junho de 2009

EUGÉNIO SEQUEIRA
MAGDA GERALDES
JOSÉ CORREIA