Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:492/18.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/18/2021
Relator:PAULA FERREIRINHA LOUREIRO
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL- ACORDO-QUADRO- CENTRAL DE COMPRAS
EFEITO DIRETO DA DIRETIVA 2014/24/EU POR TRANSPOSIÇÃO TARDIA- INTERPRETAÇÃO CONFORME
IDENTIFICAÇÃO DAS ENTIDADES ADJUDICANTES- VALIDADE DA CLÁUSULA DE SUSPENSÃO DO AQ
REQUISITOS MÍNIMOS DE CAPACIDADE TÉCNICA E DE CAPACIDADE FINANCEIRA DOS CONCORRENTES- ILEGALIDADE DE NORMAS DO PC E DE CLÁUSULA DO CE
Sumário:I- Reconhecendo a subsistência de causa legítima de inexecução do julgado anulatório no que concerne aos contratos celebrados ao abrigo do acordo quadro para aquisição de refeições confecionadas- quer os que já tinham sido integralmente executados, quer os que ainda se encontravam em execução-, o que se impunha à Recorrente ESPAP, quando muito, era a retirada dos devidos efeitos em termos ressarcitórios (fosse de acordo com o disposto no art.º 45.º-A, quer com o previstos nos art.ºs 175.º, n.ºs 1 e 2, 176.º, n.º 7, 177.º, n.º 3 e 178.º, todos do CPTA) e não, como fez, a abertura de novo procedimento com vista à celebração de acordo quadro para vigorar pelo quadriénio de 2018 a 2021, mas com recuperação dos requisitos habilitacionais dos concorrentes prescritos no procedimento concursal iniciado em 2013.

II- Assim, o atual procedimento pré-contratual, quer pelas suas próprias características, quer pela consumação do acordo quadro celebrado ao abrigo do procedimento concursal aberto em 2013, não pode configurar-se como uma mera retoma desse procedimento iniciado em 2013, mas antes como um novo procedimento.

III- A decisão de contratar consubstancia o ato propulsor do procedimento concursal tendente à celebração do contrato público e marca, formalmente, o início do procedimento adjudicatório (cfr. art.º 36.º, n.º 1 do CCP), pelo que, é esse mesmo momento que define e determina a lei aplicável a tal procedimento, independentemente do momento em que a decisão de contratar venha a ser objeto de publicação.

IV- Quer isto dizer que, tendo a decisão de contratar sido emitida em 25/07/2017, é mister concluir que ainda não tinha, sequer, sido transposta para o Direito interno a Diretiva 2014/24/EU- esta Diretiva foi objeto de transposição para o Direito nacional através do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, sucedendo que as alterações ao CCP daí resultantes iniciaram a sua vigência em 01/01/2018, sendo aplicáveis, somente, aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após 01/01/2018, de acordo com o que prescrevem os art.ºs 13.º e 12.º, n.º 1 do próprio Decreto-Lei n.º 111-B/2017.

V- Por conseguinte, ao procedimento pré-contratual agora sob escrutínio são aplicáveis as disposições do CCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, com as alterações introduzidas pelos sucessivos diplomas e até à publicação do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, mas com exclusão deste.

VI- Acontece, porém, que na data em que foi proferida a decisão de contratar não só já vigorava no ordenamento jurídico europeu a Diretiva 2014/24/EU como, aliás, encontrava-se já expirado o prazo para transposição da mesma para o direito interno dos Estados-Membros, uma vez que a Diretiva em apreço, datada de 26/02/2014, foi publicada em 28/03/2014 no Jornal Oficial da União Europeia, entrou em vigor 17/04/2014 (cfr. art.º 93.º da Diretiva) e estipulou a data-limite de 18/04/2016 para que os Estados-Membros adotassem as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva, de acordo com o disposto no seu art.º 90.º, n.º 1.

VII- Significa isto que, o Estado Português, na data em que foi iniciado o presente procedimento concursal pré-contratual, encontrava-se em incumprimento, face ao que se encontra estabelecido nos art.ºs 288.º, 1. ª e 3.ª partes e 291.º, n.º 1 do TFUE, e em concretização do princípio da cooperação leal, plasmado no art.º 4.º, n.º 3 do TUE.

VIII- Neste contexto, a questão que se coloca é a de saber quais são as consequências jurídicas da transposição tardia de uma Diretiva no ordenamento jurídico nacional, mormente, em termos de decorrências quanto à validade e eficácia dos atos pré-contratuais e dos contratos públicos em caso de divergência com a disciplina jurídica europeia, e como se procede ao controlo judicial dessas situações.

IX- Não subsiste qualquer dúvida de que o labor construtivo da solução para a interrogação anterior cumpre, em última ratio, aos Tribunais dos Estados-Membros, até porque, no caso da contratação pública- quer no que se refere ao procedimento pré-contratual, quer no que se refere ao contrato público-, o juiz nacional é igualmente convocado a intervir, de modo a que a sua regulação judicial reponha a ordem jurídica nacional violada e, principalmente, a ordem jurídica europeia.

X- Na verdade, assoma hodiernamente como incontroverso que o Direito da União criou o seu próprio Direito dos Contratos Públicos, e a utilização de diretivas, em virtude do previsto no art.º 288.º, § 4 do TFUE, tem constituído o instrumento usado pela União no sentido de parametrizar o Direito Europeu dos Contratos Públicos e, nessa medida, impor aos Estados-Membros a adoção de um conjunto de disposições no seu direito interno por forma a alcançar uma sintonia harmónica entre todos os regimes de contratação pública dos Estados-Membros.

XI- O momento formal de vinculação de cada Estado a uma Diretiva é assinalado pelo ato nacional de transposição dessa diretiva para o respetivo direito interno, que, naturalmente, deve suceder dentro do prazo estipulado na própria diretiva para tanto e de modo correto.

XII- As consequências jurídicas da não transposição da diretiva dentro do prazo, ou da sua transposição incorreta encontram-se descritas na Jurisprudência do TJUE, que já emitiu múltiplas pronúncias sobre esta temática (entre outros, os acórdãos de 05/10/2004, Pfeiffer e outros, C-397/01 a C-403/01; de 23/04/2009, Angelidaki e outros, C-378/07 a C-380/07; de 19/01/2010, Kükükdeveci, C-555/07; e de 24/01/2012, Dominguez, C-282/10), destacando-se a Jurisprudência do Caso Dominguez, pela sua abordagem sistemática e hierarquizada das soluções a utilizar.

XIII- Nesta senda, subsistindo uma incompatibilidade entre o Direito da União e o Direito interno de um Estado-Membro- seja por falta de transposição da diretiva após o decurso do prazo para tanto, seja pela transposição incorreta da diretiva-, o primeiro recurso a usar é o da interpretação conforme do direto nacional com as disposições da diretiva. Como explicita o TJUE no Acórdão Dominguez, “importa começar por assinalar que a questão de saber se uma disposição nacional, na medida em que seja contrária ao direito da União, deve deixar de ser aplicada só se coloca se uma interpretação conforme desta disposição não for possível”, pois que, “(…) é jurisprudência assente que, ao aplicar o direito interno, os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a interpretá-lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva em causa para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir assim o disposto no artigo 288.º, terceiro parágrafo, TFUE. Esta obrigação de interpretação conforme do direito nacional é inerente ao sistema do Tratado FUE, na medida em que permite aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar, no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito da União quando decidem dos litígios que lhes são submetidos” (considerandos 23 e 24).

XIV- Note-se que o recurso à interpretação conforme supõe determinadas balizas limitativas, dado que não deve servir de fundamento a uma interpretação contra legem do Direito nacional, nem ofender os princípios gerais de direito, sendo de recordar que “o princípio da interpretação conforme exige, além disso, que os tribunais nacionais façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração todo o direito interno e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, a fim de garantir a plena eficácia da diretiva em causa e alcançar uma solução conforme ao objetivo por ela prosseguido” (considerandos 25 e 27 do Acórdão Dominguez).

XV- Revertendo esta Jurisprudência ao caso da contratação pública, tal impõe que, “(…) se uma diretiva não for transposta dentro do prazo (…), os órgãos administrativos ou jurisdicionais dos Estados (…) estão obrigados (…) a interpretar e aplicar aquela norma em conformidade com a diretiva, como, aliás, em conformidade com todo o demais Direito da União.”

XVI- Frustrando-se o recurso à interpretação conforme no sentido de dissolver a divergência entre o Direito da União e o direito nacional, pode ser, ainda, invocado o efeito direto vertical da respetiva diretiva.

XVII- A este respeito, resulta de Jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que, em todos os casos em que, tendo em conta o seu conteúdo, disposições de uma diretiva sejam incondicionais e suficientemente precisas, os particulares têm o direito de as invocar nos tribunais nacionais contra o Estado, seja quando este não tenha transposto dentro do prazo a diretiva para o direito nacional, seja quando tenha feito uma transposição incorreta desta. Está aqui em causa o caráter self-executing da diretiva, que vem sendo trabalhado e aprimorado pelo TJUE desde o célebre caso Van Gend en Los (acórdão de 05/02/1963, no processo 26/62), passando pelos casos Grad (de 06/10/1970, processo 09/70), Van Duyn (de 04/02/1974, processo 41/74) e Ursula Becker (de 19/01/1982, processo 08/81) e, mais recentemente, nos casos Portgás (de 12/12/2013, no processo C-425/12) e Ambisig c. AICP (de 07/07/2016, no processo C-46/15), relativos a Portugal.

XVIII- Caso não seja possível a interpretação conforme com a diretiva nem a invocação do seu efeito direto, resta, somente, o recurso à via ressarcitória, convocando a responsabilidade civil extracontratual do Estado por danos causados pela não transposição da diretiva ou pela sua transposição incorreta, sendo de realçar, nesta oportunidade, que os critérios de efetivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado são ditados pelo Direito da União, na senda dos Acórdãos Francovich e Brasserie du Pécheur (acórdãos do TJUE de 19/11/1991 nos processos C-6/90 e 9/90, e de 05/03/1996 nos processos C-46/93 e C-48/93), uma vez que está em causa, precisamente, a violação do Direito da União.

XIX- Assim, é mister concluir pela inequívoca possibilidade de aplicação da referenciada Diretiva 2014/24/EU ao caso sob escrutínio, desde que, realmente, estejam reunidas as duas condições imprescindíveis a tanto, isto é, que se verifique uma discrepância entre as disposições da Diretiva e do Direito nacional que não possa ser dissolvida pelo recurso à interpretação conforme do direto nacional com os comandos do Direito da União, in casu, constantes da Diretiva relativa à contratação pública, e que seja possível invocar o efeito direto vertical da Diretiva, invocação esta que apenas é viável no caso de disposições incondicionais e suficientemente precisas.

XX- No procedimento pré-contratual em apreço, os requisitos de qualificação dos concorrentes acabam por estar reportados aos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, que eram os anos tomados em consideração no Programa do Concurso do acordo quadro de 2014, acontecendo que o número de trabalhadores, as declarações de clientes, os rácios económico-financeiros das empresas candidatas, em 2017, a executar um acordo quadro nos anos de 2018 e 2019 (e talvez até 2021, se o acordo quadro se renovar), seriam avaliados pela Recorrente de acordo com a realidade que se verificava entre 2010 e 2012.

XXI- A avaliação da capacidade técnica dos concorrentes, especialmente tendo em conta o objeto do contrato a celebrar, não deve ser realizada por referência a um passado relativamente longínquo da atividade do concorrente, mas antes por referência à atividade desenvolvida no passado recente, uma vez que apenas essa é que tem aptidão para demonstrar que o arcaboiço técnico e organizacional do concorrente confere garantias credíveis no sentido da boa execução do contrato a celebrar.

XXII- Sendo assim, a fixação de requisitos que consideram a atividade desenvolvida pelos concorrentes nos anos de 2010 a 2013 mostra-se claramente desadequada à avaliação da capacidade técnica para contratos a celebrar nos anos de 2017 até, potencialmente, 2021. E, por essa razão, no que tange ao art.º 9.º do Programa do Concurso, é de concluir positivamente pela violação do art.º 165.º, n.º 1 do CCP.

XXIII- Adicionalmente, na medida em que a demonstração dos requisitos de capacidade técnica implicam a referência a um período superior a três anos, impõe-se concluir, ainda, que o dito art.º 9.º do Programa do Concurso viola o mesmo art.º 165.º, n.º 1 do CCP, em virtude do Anexo XII, parte II, que concretiza o previsto no art.º 58.º da Diretiva 2014/24/EU, colocar uma limitação temporal de três anos ao período de referenciação dos requisitos. Diga-se, aliás, que a solução não poderia deixar de ser esta, visto que a dita limitação decorria já expressamente do art.º 48.º, n.º 2, al. a), ii) e al. g) da anterior Diretiva 2004/18/CE.

XXIV- E raciocínio idêntico serve para fincar a conclusão, quanto ao art.º 10.º do Programa do Concurso, da violação do disposto no art.º 165.º, n.º 2 do CCP, na versão em vigor à data da decisão de contratar, no que concerne aos requisitos mínimos de capacidade financeira. Realmente, diga-se que deriva do próprio Anexo IV ao CCP a estipulação do limite temporal de referenciação da avaliação, na medida em que o fator R da expressão matemática em causa manda atender ao valor médio dos resultados operacionais do candidato nos últimos três exercícios.

XXV- Sendo assim, para além da desadequação dos critérios elencados no art.º 10.º do Programa do Concurso à aferição e avaliação da capacidade financeira dos concorrentes- pois que os exercícios em causa não são os três últimos por referência à data de início do procedimento, mas os de 2010 a 2013-, a realidade é que a disposição concursal em causa viola, para além do art.º 165.º, n.º 2 do CCP, o Anexo IV ao próprio CCP, e bem assim, a parte I do Anexo XII da Diretiva 2014/24/EU, que concretiza o respetivo art.º 58.º, n.º 3. E, seja como for, é de ressaltar que este comando já decorria do art.º 47.º, n.º 1, al. c) da anterior Diretiva 2004/18/CE, pelo que, nenhuma novidade foi introduzida neste aspeto nos ordenamentos jurídicos europeu e nacional.

XXVI- A identificação das potenciais entidades adjudicantes nos procedimentos pré-contratuais destinados à celebração de acordos quadro constitui um foco de interesse crescente da Doutrina, principalmente, nos casos em que o acordo quadro será celebrado por uma central de compras.

XXVII- Nesse seguimento, a Doutrina tem vindo a assinalar a necessidade de, nas peças do procedimento, constar uma clara identificação das entidades adjudicantes que potencialmente celebrarão contratos ao abrigo do acordo quadro, especialmente quando o procedimento para celebração do acordo quadro é desencadeado por uma central de compras.

XXVIII- Este imperativo de identificação decorre, atualmente, do prescrito no art.º 33.º, n.º 2, § 2 da Diretiva 2014/24/EU e Considerando 60.

XXIX- Pelo que, mostra-se indiscutível e imperiosa a necessidade de materializar adequadamente o disposto no art.º 33.º, n.º 2, § 2 da Diretiva 2014/24/EU na prática juscontratual pública, consistindo a problemática em definir o que deve entender-se por “clara identificação” das entidades adjudicantes abrangidas pelo acordo-quadro, mormente no caso em que o procedimento destinado à celebração de acordos quadro é lançado por uma central de compras.

XXX- Assim, cumpre indagar se a exigência descrita no art.º 33.º, n.º 2, § 2 da Diretiva 2014/24/EU é aplicável ao procedimento pré-contratual a que respeita os autos, uma vez que aquele foi iniciado após ter findado o prazo para a transposição daquela Diretiva para o Direito nacional.

XXXI- Deste modo, a solução para a questão posta passará, primeiramente, pela avaliação da hipótese de compatibilização do regime vertido no CCP (na versão aplicável aos autos) com a citada disposição da Diretiva através da realização de uma interpretação conforme daquele regime com a disposição normativa comunitária. Frustrando-se aquele mecanismo, impõe-se, então, a avaliação da possibilidade de extração de um efeito direto daquela norma da Diretiva, que afaste a aplicação da regulação contida no regime nacional de contratação pública.

XXXII- Ora, ponderando o estabelecido nos art.ºs 1.º, n.º 4, 257.º, n.º 1, 259.º e 260.º do CCP, na versão em vigência na data em que se iniciou o presente procedimento pré-contratual, conclui-se que basta o recurso à interpretação conforme do Direito nacional com o que se encontra legislado no Direito da União para alcançar uma solução para a problemática ora em tratamento. Com efeito, ponderando e acolhendo o objetivo subjacente à norma do art.º 33.º, n.º 2, § 2 da Diretiva 2014/24/EU, ao fim e ao cabo resulta perfeitamente defensável a identificação clara e adequada das entidades adjudicantes em face do positivado nos art.ºs 1.º, n.º 4, 257.º, n.º 1, 259.º e 260.º do CCP, na versão em vigência na data em que se iniciou o presente procedimento pré-contratual.

XXXIII- E, se assim é, não se apresenta indispensável a convocação do efeito direto atinente à disposição contida no art.º 33.º, n.º 2, § 2 da Diretiva 2014/24/EU.

XXXIV- Seja como for- e para que fique claro-, entendemos ser perfeitamente defensável a produção de efeito direto por banda da norma ínsita no aludido art.º 33.º, n.º 2, § 2 da Diretiva 2014/24/UE, visto que o sentido de tal prescrição apresenta-se inequívoco e incondicional, bem como claro e preciso. Por conseguinte, nada obstava a que a Recorrida fizesse valer o efeito direto vertical daquela norma, invocando-a contra o Estado relapso por forma a daí retirar o efeito útil que o Direito da União pretendeu assegurar com a positivação daquela concreta disposição legal.

XXXV- Simplesmente, a nosso ver, a invocação de tal efeito direto não assoma como imprescindível na defesa dos direitos da Recorrida, uma vez que pela via da interpretação conforme dos art.ºs 1.º, n.º 4, 257.º, n.º 1, 259.º e 260.º do CCP (na versão em vigor à data do início do procedimento) logra-se obter o mesmo resultado.

XXXVI- Sendo assim, é imperativo assumir que subsiste um dever- neste caso, da Recorrente- de, nas peças do procedimento, proceder à adequada e clara identificação das entidades adjudicantes que, potencialmente, adjudicarão contratos ao abrigo do acordo quadro a que respeita o vertente procedimento pré-contratual.

XXXVII- E não se diga que a construção de tal asserção deveria ser precedida de reenvio prejudicial, pois que, consonantemente com o art.º 267.º do TFUE, o uso deste mecanismo está reservado aos casos em que a validade e/ou interpretação do Direito da União configura uma tarefa nebulosa para o tribunal do Estado-Membro, revelando-se, por isso, necessária a intervenção do órgão jurisdicional máximo da União. Ora, o caso subjudice não ergueu dificuldades ou dúvidas de monta, justificativas da formulação de um juízo de necessidade quanto à intervenção prejudicial do TJUE. Pelo contrário. O percurso lógico trilhado pelo Tribunal para dissolução da querela agora em apreciação mostrou-se, de certo modo, linear e inelutável.

XXXVIII- No que toca ao modo como, no art.º 1.º, al.s e), f) e g) do Caderno de Encargos, estão descritas as entidades potencialmente adjudicantes de contratos ao abrigo do acordo quadro, cumpre esclarecer que, ainda que se possa admitir outras formas de identificação que não a apresentação do elenco das entidades vinculadas à central de compras Recorrente, a verdade é que não pode aceitar-se que tal dever fique cumprido com uma alusão displicente a um conjunto de diplomas legais que regulam a atividade e atuação da Recorrente.

XXXIX- Ainda por cima porque, consultada a legislação referenciada pela Recorrente no dito art.º 1.º do Caderno de Encargos, verifica-se que, em lado algum consta o elenco das entidades públicas vinculadas, facto que não é despiciente atenta a miríade e pulverização de entidades públicas vinculadas, o que cria significativos obstáculos a uma identificação realista e adequada do universo potencial de adjudicantes no caso de um acordo quadro celebrado por uma central de compras com a envergadura da Recorrente.

XL- A cláusula de suspensão inscrita no art.º 13.º do Caderno de Encargos, não tendo correspondência com a suspensão prevista no art.º 297.º, nem como o regime estabelecido no art.º 298.º do CCP, é ilegal, por violação do princípio da proporcionalidade, bem como do direito à justa indemnização pelos prejuízos causados (seja pela suspensão, seja pela resolução do contrato), pois que não pode ser postergado, por um lado, o caráter taxativo da enumeração dos fundamentos de suspensão do contrato no art.º 297.º do CCP e, por outro lado, o princípio do equilíbrio entre as prestações das partes, o que conduz ao direito à reposição do equilíbrio financeiro em caso de modificação unilateral do contrato pelo contraente público e ao reconhecimento do direito à justa indemnização dos prejuízos causados pela resolução do contrato com o fundamento em interesse público.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO
ESPAP- Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, IP. (Recorrente), vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 16/12/2018 que, no âmbito da ação de contencioso pré-contratual proposta contra si por N...- ..., Ld.ª (Recorrida), julgou a ação procedente e, em consequência, no que concerne ao concurso limitado para o fornecimento de refeições confecionadas (publicitado através do anúncio n.º 6421/2017 no Diário da República, 2.ª série, n.º 143, parte L, de 26/07/2017 e através do anúncio n.º 2017/S 143-294721, publicado em 16/11/2013 no Jornal Oficial da União Europeia):
- declarou a invalidade das normas constantes dos art.ºs 9.º e 10.º do Programa do Concurso;
- declarou a invalidade do art.º 13.º do Caderno de Encargos;
- declarou a invalidade do concurso limitado; e
- anulou, subsequentemente, as decisões de exclusão de candidaturas e de qualificação, notificadas a 09,02,2018, de adjudicação dos lotes do procedimento, aprovada pela deliberação de 24.05.2018, bem como de todos os demais atos entretanto praticados no procedimento e de eventuais contratos que venham a ser celebrados.

As alegações do recurso apresentado pela Recorrente culminam com as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
A) A douta decisão recorrida, eivada de erro de direito, desconsidera, juridicamente, que ambos os procedimentos concursais em causa no caso sub iudice – o procedimento anulado e o procedimento respeitante à execução do julgado anulatório – foram abertos na vigência do Código dos Contratos Públicos de 2008 (Decreto-Lei n.º18/2008, de 29 de Janeiro), o qual se considera imperativamente aplicável “aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após a data da sua entrada em vigor e à execução dos contratos que revistam natureza de contrato administrativo celebrados na sequência de procedimentos de formação iniciados após essa data” (n.º 1 do artigo 16.º daquele Decreto-Lei).
B) À data do procedimento de execução do julgado anulatório aquele Código encontrava-se plenamente em vigor e, simultaneamente, ainda estava em curso o processo de transposição da Directiva 2014/24, que conduziria à revisão da versão originária do mesmo Código, que só viria a entrar em vigor em 1 de Janeiro de 2018, e conforme o determinado no n.º 1 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31/8 (“o presente decreto-lei só é aplicável aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após a sua data de entrada em vigor, bem como aos contratos que resultem desses procedimentos”).
C) E foram as disposições legais do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31/08, que transpuseram para do direito Nacional o regime da Directiva 2014/24/EU; no plano do direito em vigente, tal só viria a suceder com a entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos revisto, o que só ocorreu em 1 de Janeiro de 2018.
D) Ao contrário do que decide a douta Sentença recorrida, até àquela data, não se afigura, constitucional e legalmente, correcto concluir (e decidir) que a Directiva 2014/24, na parte II do seu Anexo XII, para onde remete o seu artigo 58.º, e na parte I do seu Anexo XII, já se encontrava em vigor no direito interno português, fundamentado, só por si, a invalidação judicial dos artigos 9.º e 10.º do Programa do Concurso.
E) O excurso da douta Sentença recorrida poderia levar a consequências que poderiam ser havidas como inaceitáveis pelos demais interessados no procedimento de execução do julgado anulatório.
F) Caso algum dos contra-interessados não viesse a preencher os novos critérios de qualificação técnica e financeira, actualizados por força do efeito vinculativo automático que a Sentença recorrida concede à Directiva 2014/24, a Recorrente poderia ser obrigada à prática de actos de exclusão de candidaturas com base em fundamentos que não encontravam expressava previsão na legislação interna portuguesa; e
G) Em tal situação, ser confrontada com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que já anulou procedimentos concursais de contratação pública, por as entidades adjudicantes terem proferido decisões de exclusão com fundamento em razões que não encontravam acolhimento no Código dos Contratos Públicos.
H) A douta Sentença recorrida procede a uma errada aplicação da lei processual administrativa quanto à relevância e limites da execução do julgado anulatório e a uma errada subsunção dos factos ao direito pertinente.
I) No caso sub iudice, o Acórdão do STA (transitado em julgado em 2017),declarou a invalidade de normas vertidas n.º 1 do artigo 9.º do Programa do Concurso, com fundamento na violação do artigo 165.º do Código dos Contratos Públicos, relativo à adequação dos requisitos de capacidade técnica, e declarou a validade de outras normas do mesmo n.º 1 daquele artigo, mantendo, no demais, o Acórdão do TCA Sul (de 2016) e o mais decidido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (2015), em particular a condenação da Recorrente a «retomar o procedimento, de forma a prosseguir com os procedimento, sem que se verifiquem os vícios acima apontados».
J) No respeito pelo julgado e a conformidade com o conteúdo da decisão do TAC de Lisboa e o Acórdão do STA, a Recorrente veio dar-lhe execução, expurgando as invalidades e retomando o procedimento que havia sido anulado com os critérios de qualificação técnica desse procedimento originário, repondo a situação de facto e de direito nos termos em que deveria ter ocorrido no momento em que as ilegalidades foram cometidas; a Sentença recorrida, igualmente pelo efeito direto que concede à Directiva 2014/24, determina a actualização desses critérios a 2017, declarando a invalidade do Programa do Concurso do procedimento de execução do julgado anulatório.
K) Esta interpretação da Sentença, pela errada aplicação do direito aos factos e da subsunção destes às normas processuais e substantivas de execução de julgados, poderia ainda conduzir a situações discriminatórias e, que, no limite, poderiam redundar que só a Recorrida cumprisse os novos critérios de qualificação actualizados a 2017 e os demais contra-interessados cumprissem os de 2013 (data a que se reporta o concurso originário).
L) A Recorrente, mesmo não sendo legalmente obrigada, procede à identificação das entidades que poderão vir a ser entidades adquirentes ao abrigo do acordo quadro: a douta Sentença recorrida insistindo, com erro de direito, no efeito directo de directivas não transpostas para o direito interno português, conclui que o procedimento de execução do julgado anulatório padece do vício de omissão de identificação das entidades adquirentes ao abrigo de acordo-quadro, violando o disposto no artigo 33.º, n.º 2, § 2.º, da Directiva n.º 2014/24.
M) No momento em que os procedimentos foram lançados nem a Directiva 2004/18, nem o Código dos Contratos Públicos faziam qualquer referência a tal obrigação, e o Código revisto, com entrada em vigor em 1-1-2018, apenas vem exigir uma identificação suficiente nos casos em que se permita a adesão posterior de novas entidades adjudicantes (cf. n.º 4 do artigo 257.º).
N) Ao contrário da Sentença recorrida, aquela disposição da Directiva 2014/24 padece de ausência de efeito-direto e, mesmo que o tivesse, a mesma deve ser interpretada apenas no sentido de exigir a indicação das entidades que podem utilizar o acordo quadro nos procedimentos a celebrar após a celebração do acordo quadro (os “call-offs”).
O) E, havendo alguma inobservância da Directiva 2014/24, a mesma não deverá ser assacada à Recorrente, mas ao próprio Códigos dos Contratos Públicos, estando reunidos requisitos que justificam um reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do disposto no 3.º parágrafo do artº. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
P) A douta Sentença recorrida, por erro de direito, concluiu pela ilegalidade do artigo 13.º do Caderno de Encargos do procedimento de execução do julgado anulatório, por aí se prever uma causa de suspensão do acordo quadro que não encontra correspondência nas causas legais de suspensão do contrato administrativo previstas no regime do Código dos Contratos Públicos, por violar os parâmetros legais definidos para a autonomia pública contratual, por não se fixar limite temporal à suspensão e pela previsão da inexistência de qualquer compensação ou indemnização.
Q) Para a douta decisão recorrida, laborando em erro de direito, o acordo quadro, por ser um contrato, tem de valer para ele plenamente o regime de execução do contrato administrativo, pautando-se por um critério de identidade ao nível da qualificação e ao nível do regime, incluindo ao nível indemnizatório/compensatório, de modificação e (re)equilíbrio económico-financeiro do contrato.
R) Ainda que os acordos quadro se possam reconduzir à figura de contrato público, é inultrapassável a distância que resulta entre um contrato que apenas visa disciplinar relações contratuais futuras e contratos administrativos que têm por objecto directo e imediato a execução de prestações, sendo a estes que se dirige o regime da Parte III do Código dos Contratos Públicos.
S) Na senda da identidade de regimes, a Sentença recorrida olvida que, no âmbito do Código dos Contratos Públicos, a Administração dispõe de um grau de autonomia pública contratual (seja em termos suspensão ou de modificação dos contratos apenas com fundamento em razões de interesse público) que não é menor do que o conferido à Recorrente pela proteção da “cláusula de interesse público” do artigo 13.º do Caderno de Encargos.
T) A douta Sentença recorrida, por erro de direito, fazendo plena similitude com o regime substantivo do contrato administrativo, incluindo no regime de modificação e de equilíbrio económico-financeiro do contrato, declara inválido o artigo 13.º do Caderno de Encargos, por excluir a indemnização ou compensação aos cocontratantes por virtude de suspensão total ou parcial do acordo quadro, olvidando que, por definição e por regime, os acordos quadro não garantem aos co-contratantes qualquer remuneração ou expectativa de remuneração, sendo remota a viabilidade de um pedido indemnizatório ou de (re)equilíbrio económico-financeiro, por não resultar do acordo quadro um qualquer direito ou expectativa de vir a obter um benefício económico, já que esse só virá a concretizar-se no âmbito dos call-offs (e se os houver).
U) A douta Sentença recorrida determina também a anulação de eventuais contratos que venham a ser celebrados, parecendo referir-se ao acordo-quadro e também aos contratos a celebrar na sequência dos call-offs, mas não se descortina qual a utilidade deste dispositivo, na medida em que não se celebrou o acordo quadro e não se realizaram call-offs.
Pelo exposto, deverá ter-se o presente recurso por procedente e, em consequência, ser anulada a decisão do Tribunal a quo, assim se fazendo, JUSTIÇA!”

A Recorrida, notificado para tanto, apresentou contra-alegações, concuindo do seguinte modo:
Conclusões:
1.ª Não merece qualquer provimento o recurso interposto, sendo a Douta Sentença uma decisão exaustiva, solidamente fundamentada e tecnicamente correcta.
2.ª A Recorrente centra o seu ataque à decisão de considerar todo o procedimento inválido na aplicação da Directiva 2014/24, o que prenuncia a inutilidade do recurso, já que a solução seria a mesma, mesmo que fossem aplicáveis as normas correspondentes da Directiva 2004/18, e bem assim, os dispositivos legais de Direito nacional que o Tribunal a quo também aplicou para chegar àquela decisão.
3.ª A Recorrente também não nega que as normas da Directiva aplicadas têm as características que permitem a sua aplicação através de efeito directo, o que igualmente permite concluir pela improcedência dessa parte do recurso.
4.ª É ainda improcedente o argumento, de difícil compreensão, segundo o qual as normas das directivas não poderiam aqui ser invocadas, por isso poder levar à aplicação de uns requisitos à Recorrida e outros requisitos a outros concorrentes. Nunca isso foi pedido pela Recorrida, e, claro, nunca poderia acontecer: quando a legalidade for reposta, sê-lo-á para todos.
5.ª Não colhe, também, o argumento de que a Recorrente estava a cumprir o julgado anulatório e que isso justificaria as ilegalidades cometidas. O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2016, o dispositivo dessa decisão, e a referência, que aí se faz, à tramitação de um procedimento isento dos vícios das peças procedimentais declaradas pela decisão, é uma cominação feita em abstracto.
6.ª Em concreto, pode verificar-se que não haja já qualquer maneira de dar corpo à abertura de um novo procedimento nos termos do anterior – o que é assumido no artigo 173.º, n.º 1, do CPTA, que se refere ao eventual poder de praticar um novo acto administrativo.
7.ª A Recorrente apenas promoveu o concurso de 2017 nos termos anacrónicos em que o fez por ter ignorado aquilo a que a melhor doutrina chama a relevância da situação de facto constituída.
8.ª A possibilidade de celebrar um acordo quadro nas condições de 2014, como se frisa, com pertinência, na Douta Sentença, deixou de existir a partir do momento em que foi celebrado e executado o acordo quadro de 2014, que esteve em vigor durante dois anos até ser anulado pelo STA.
9.ª A decisão do STA, embora se refira genericamente à retoma do procedimento, não tem por sentido ultrapassar a força da realidade, nem o de obrigar a aplicar requisitos de qualificação com critérios que já não são capazes de indicar a capacidade técnica e financeira das empresas para executar hoje o contrato.
10.ª À abertura de um novo procedimento nos termos promovidos pela Recorrente obstavam, inapelavelmente, a desactualização dos requisitos, a violação de diversos princípios jurídicos e até o surgimento superveniente de novas normas (as da Directiva 2014/24) que obrigavam à adaptação das peças procedimentais.
11.ª Nada tendo isto de especial ou anómalo, sendo a alteração superveniente do Direito aplicável uma das situações indicadas na lei como fundamento para a situação em que, apesar de o autor ter razão, não é possível dar satisfação em espécie à sua pretensão, como dispõe o artigo 45.º-A, n.º 2, in fine, do CPTA.
12.ª Nos artigos 41.º a 58.º das suas Alegações, insurge-se a Recorrente contra a parte da decisão sob recurso que considerou procedente o vício correspondente à falta de indicação, nas peças do procedimento, das entidades que poderão vir a utilizar o acordo quadro. Mais uma vez, sem razão.
13.ª A Recorrente defende uma argumentação desprovida de sentido, pois além da desconformidade com a letra do preceito, que constitui pressuposto e limite da interpretação (artigo 9.º do Código Civil), é manifesto que se fosse como a Recorrente pretende, a norma do artigo 33.º, n.º 2, 2.º parágrafo, da Directiva 2014/24 não conseguiria atingir o seu objectivo, que é o de dar a conhecer aos eventuais interessados em participar no acordo quadro quais são as entidades que poderão vir a utilizá-lo.
14.ª O preceito dispõe claramente que é no acordo quadro que têm de estar identificadas as entidades, assim como o Considerando 60 da Directiva, que explica também a ratio da norma, é inequívoco nesse sentido. A ratio do preceito, que é permitir aos interessados no acordo quadro decidir se apresentam proposta no mesmo, só é cumprida se existir indicação das entidades adjudicantes que poderão utilizá-lo, logo nessa sede.
15.ª Assim como é manifesto – e foi bem sublinhado na Douta Sentença, a pp. 118 – que também a indicação, completamente vaga e genérica, contida no programa do concurso, de que o acordo quadro poderia ser utilizado por quaisquer Unidades Ministeriais de Compras, entidades compradoras vinculadas e aderentes, não é suficiente para cumprir a exigência da Directiva.
16.ª Sendo, por isso, desnecessário o reenvio prejudicial a que alude, novamente, a Recorrente, e sobre o qual apenas cabe reiterar tudo o que a Recorrida já afirmou, a esse respeito, no seu articulado dos autos da acção principal, no qual afirmou ser desnecessário o reenvio e onde também, à cautela, formulou as perguntas que, na eventualidade de ser feito o reenvio, o devem integrar (e que são mais amplas e reflectem a totalidade das questões em discussão do que as perguntas sugeridas pela Recorrente), o que aqui se reitera.
17.ª Talvez consciente da improcedência do argumento anterior, a Recorrente vem ainda explorar um novo argumento, que apresenta nos artigos 53.º a 61.º da sua peça: o de que a indicação das entidades adjudicantes poderia, no fim de contas, ser enganosa, pois poderiam usar o acordo quadro muito menos entidades do que as indicadas.
18.ª O argumento não colhe, obviamente: quem está na posição de saber se apresenta proposta em acordo quadro o que precisa de saber é qual é o máximo do esforço que lhe pode ser exigido ao abrigo do acordo quadro; é isso que precisa de saber para “calibrar” a sua proposta de preço nesse acordo quadro; e por isso, é completamente irrelevante o ponto que a Recorrente levanta.
19.ª Por fim, a Recorrente também não logra infirmar a bondade da Douta Sentença nos artigos 63.º a 104.º das suas Alegações, nos quais se pronuncia sobre o artigo 13.º do Caderno de Encargos, que regula – de forma patentemente ilegal – a suspensão dos acordos quadro.
20.ª Desde logo, é inegável que os acordos são contratos; são contratos administrativos; e estão sujeitos à parte III do CCP, o que o próprio Caderno de Encargos assume, designadamente no seu artigo 27.º.
21.ª A Recorrente não consegue afastar o entendimento de que o artigo 13.º do CE, ao prever uma suspensão baseada num motivo de interesse público vago e genérico, viola o artigo 297.º do CCP.
22.ª Assim como não afasta a patente ilegalidade – e mesmo arbitrariedade – desse artigo 13.º, ao prever uma suspensão que a Recorrente pode decidir levantar ou não levantar, quando lhe aprouver; e mais, negando qualquer indemnização ou compensação, quando o CCP – como bem resulta dos próprios exemplos que a Recorrente utiliza – inequivocamente reconhece sempre ao co-contratante o direito à indemnização em resultado de qualquer vicissitude determinada sobre o contrato por motivo de interesse público, no que, diga-se, apenas está a cumprir a garantia constitucional da propriedade.
23.ª Não convencem minimamente as alegações da Recorrente sobre pretensos “aspectos definitórios e de regime particulares dos acordos quadro” (artigo 104.º das Alegações), que nunca explica; e uma suposta falta de expectativa dos agentes económicos em obterem alguma receita com os acordos quadro; aspectos que supostamente explicariam a arbitrariedade do artigo 13.º do CE.
24.ª Contudo, como qualquer contrato que depende da procura de terceiros, o acordo quadro tem uma equação económica, e uma expectativa de ganho para o fornecedor, que no caso, é bastante elevada, atendendo aos valores expectáveis dos lotes e à óbvia probabilidade muito elevada de adjudicação de contratos.
25.ª Só que para que isto possa acontecer, uma condição básica é que o contrato continue a vigorar em pleno, e que os fornecedores possam responder a call-offs: se o contrato for suspenso, “por motivos de interesse público”, sine die, e sem direito a qualquer compensação, como pretenderia o artigo 13.º do CE, isso representaria um sacrifício arbitrário e ilegal da posição dos fornecedores, que ficariam impedidos de obter os benefícios que a execução normal do contrato lhes traria.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se inteiramente a Douta Sentença proferida nos autos.”

*
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo também não emitiu parecer de mérito.
*
Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, consubstanciam-se em apreciar, em primeiro lugar, se a sentença recorrida apreciou e julgou incorretamente o caso posto no que concerne ao quadro normativo que lhe deve ser aplicável, especialmente, no tocante à Diretiva n.º 2014/24/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro.
Em segundo lugar, cumpre escrutinar do acerto da sentença impetrada no que concerne à anulação dos art.ºs 9.º e 10.º do Programa do Concurso, bem como à violação do art.º 33.º, n.º 2, § 2, da mencionada Diretiva n.º 2014/24/EU.
Finalmente, impõe-se apreciar da correção da decisão a quo no tocante à anulação do art.º 13.º do Caderno de Encargos.
III- FACTUALIDADE PROVADA
A sentença recorrida considerou provados os factos que se enumeram de seguida:
1.1) A entidade demandada lançou em dezembro de 2013 um procedimento concursal limitado por prévia qualificação, com vista à celebração de acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas, sendo o Aviso publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 249, de 24.12.2013 (cf. doc. 1 junto à petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1.2) No âmbito do procedimento referido em 1.1), o respetivo Programa do Concursos subordinava-se, além do mais, aos seguintes artigos: «Artigo 9.º
» Requisitos mínimos e obrigatórios de capacidade técnica
» a) Para os lotes 2, 4, 5, 6 e 7:
» i) Ter no mínimo 100 trabalhadores remunerados e registados na declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) de 2012;
» ii) Demonstrar ter no mínimo duas experiências em fornecimentos semelhantes ao objeto do presente concurso na região do lote a que se candidata, com valor mínimo de € 100 000,00, desde que o mesmo tenha sido efetuado entre 1 de janeiro de 2012 e a data da apresentação da candidatura, independentemente das datas de início e termo dos respetivos contratos.
» b) Para os lotes 1 e 3:
» i) Ter no mínimo 400 trabalhadores remunerados e registados na declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) de 2012;
» ii) Demonstrar ter no mínimo duas experiências em fornecimentos semelhantes ao objeto do presente concurso na região do lote a que se candidata, com valor mínimo de € 200 000,00, desde que o mesmo tenha sido efetuado entre 1 de janeiro de 2012 e a data da apresentação da candidatura, independentemente das datas de início e termo dos respetivos contratos.
» c) Para o lote 8:
» i) Ter no mínimo 500 trabalhadores remunerados e registados na declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) de 2012;
» ii) Demonstrar ter no mínimo duas experiências em fornecimentos semelhantes ao objeto do presente concurso na região do lote a que se candidata, com valor mínimo de € 500 000,00, desde que o mesmo tenha sido efetuado entre 1 de janeiro de 2012 e a data da apresentação da candidatura, independentemente das datas de início e termo dos respetivos contratos.
» 2. Os candidatos devem ainda deter uma das três certificações seguintes:
» a) NP EN ISO 9001:2008 Sistema de Gestão da Qualidade;
» b) NP EN ISO 14001:200
4 Sistema de Gestão Ambiental;
» c) NP EN ISO 22000:2005 Sistema de Gestão da Segurança Alimentar.
» Artigo 10.º
» Requisitos mínimos e obrigatórios de capacidade técnica
» 1. Os candidatos devem cumprir pelo menos um dos dois seguintes requisitos mínimos de capacidade financeira:
» a) Requisito de capacidade financeira traduzido de acordo com a seguinte expressão matemática, que consta do Anexo IV do Código dos Contratos Públicos (CÇP), aplicável por forca do n. ° 2 do artigo 165. ° do mesmo diploma:
» V × t ≤ R × f
» em que
» V= Valor económico estimado do contrato: » i) Para os lotes 2, 4, 5, 6 e 7: € 10 442 000,00 (dez milhões quatrocentos e quarenta e dois mil euros);
» ii) Para os lotes 1 e 3 : € 31 327 000,00 (trinta e um milhões, trezentos e vinte e sete mil euros);
» iii) Para o lote 8: € 62 654 000 (sessenta e dois milhões, seiscentos e cinquenta e quatro mil euros).
» t - Taxa de juro Euribor a seis meses, com três casas decimais, acrescida de 200 pontos base, divulgada no sitio do Banco de Portugal a data da publicação do anuncio do presente concurso no Diário da República;
» f = Fator definido para todos os lotes: 9.
» R= Valor médio dos resultados operacionais do candidato nos últimos três exercícios (2010,2011 e 2012), calculado através da fórmula constante da página 7 do Programa de Concurso.
» b) Em alternativa ao requisito de capacidade financeira descrito na alínea anterior, os candidatos podem apresentar Declaração Bancária de acordo com o modelo constante do Anexo I ao presente programa de concurso, ou, no caso de o candidato ser um agrupamento, um dos membros que o integram ser uma instituição de crédito que apresente documento comprovativo de que possui sede ou sucursal em Estado membro da União Europeia, emitido pela entidade que exerça a supervisão bancária nesse Estado.
» 2. Os candidatos devem ainda cumprir dois dos seguintes requisitos mínimos de capacidade financeira, consoante os lotes a que se candidatam:
» a) A média aritmética da liquidez geral dos últimos dois exercícios (2011 e 2012) deve ser igual ou superior a 1;
»b) A média do somatório dos Resultados Líquidos nos exercícios de 2011 e 2012 deve ser igual ou superior a 0;
» c) A média aritmética do volume de negócios dos últimos dois exercícios (2011 e 2012) deve ser igual ou superior a:
» i - Para os lotes 2, 4, 5, 6 e 7: € 750 000,00 (setecentos e cinquenta mil euros);
» ii - Para os lotes 1 e 3: € 4 000 000,00 (quatro milhões de euros);
» iii - Para o lote 8: € 7 500 000,00 (sete milhões e quinhentos mil euros) […]» (idem).

1.3) A aqui autora concorreu ao procedimento referido em 1.1) e apresentou propostas em todos os lotes, tendo apenas sido analisada a proposta apresentada ao lote 2, não sendo aí tida como qualificada para apresentar propostas aos lotes 1, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 por, em síntese, não cumprir os requisitos de capacidade técnica e financeira fixados nos artigos do Programa de Concurso referidos em 1.2) (idem).
1.4) Em janeiro de 2014 a aqui autora intentou neste Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa uma ação de contencioso pré-contratual, impugnando as peças do procedimento concursal referido em 1.1) e sustentando que alguns requisitos mínimos relativos à capacidade técnica e financeira contidos nos artigos 9.º e 10.º (em particular o n.º 1 e o n.º 2, alínea c)) do então Programa de Concurso, transcritos em 1.2), eram ilegais, não só porque eram desproporcionados, como porque eram, em alguns casos, abertamente discriminatórios (idem; facto também admitido por acordo — cf. artigos 1.º e 2.º da petição inicial, 4.º da contestação da entidade demandada com a retificação oportunamente apresentada, e 8.º da contestação da contrainteressada SUCH).

1.5) O processo referido em 1.4) correu termos neste Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa sob o n.º 172/14.7BELSB (idem).

1.6) Durante a pendência da ação referida em 1.5) e em resposta a um processo cautelar então proposto pela autora por apenso àquela ação, que corria termos neste Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa sob o n.º 171/14.9BELSB, a entidade demandada emitiu a resolução fundamentada a que alude o artigo 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, invocando o interesse público na tramitação do procedimento de concurso limitado que abrira (facto admitido por acordo — cf. artigos 12.º da petição inicial, 4.º da contestação da entidade demandada com a retificação oportunamente apresentada, e 8.º da contestação da contrainteressada SUCH).

1.7) A 08.09.2014 a entidade demandada celebrou e começou a executar os acordos quadro, com efeitos reportados a 09.09.2014 (idem; cf. doc. 5 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).

1.8) A aqui autora foi parte no acordo quadro referido em 1.7) apenas quanto ao lote 2 (idem).

1.9) No âmbito do processo referido em 1.5) foi a 30.06.2015 proferido acórdão pelo qual se julgou procedente a ação, e no qual se deixou consignado, além do mais, o seguinte, nos respetivos excurso fundamentador fáctico-jurídico e dispositivo: «O Direito
» Começa a A. por defender que as normas que estabelecem os requisitos de capacidade técnica e financeira contidas nos artigos 9.º, n.º 1, als. a), subalínea ii, b), subalínea ii e c), subalínea ii e 10.º, n.º 1, n.º 2, al. c) do Programa de Concurso, são inválidas apontando-lhes vários vícios de violação de lei e alega que tais normas obstam à sua qualificação para poder apresentar as suas propostas, com exceção do lote n.º 2.
» Estamos perante um procedimento concursal limitado por prévia qualificação, que segue o modelo simples, cuja disciplina específica se encontra prevista nos artigos 162.º a 192.º do CCP.
» Estatui o art.° 165.º do CCP que os requisitos mínimos de capacidade técnica devem ser adequados à natureza das prestações objeto do contrato e não devem ser fixados de forma discriminatória. Os requisitos mínimos de capacidade financeira devem reportar-se à aptidão estimada dos candidatos para mobilizar os meios financeiros previsivelmente necessários para o integral cumprimento das obrigações resultantes do contrato a celebrar.
» Para além da limitação que resulta dessa norma no que se refere à concreta configuração que podem assumir os requisitos de capacidade técnica e financeira, a entidade adjudicante está ainda vinculada a observar os princípios especificamente previstos no âmbito da contratação pública, bem assim como os gerais de direito administrativo e ainda as normas de direito comunitário aplicáveis.
» Nos termos do art.° 44.º, n.º 2 da Diretiva 2004/18, as entidades adjudicantes poderão exigir níveis mínimos de capacidade que os candidatos devem satisfazer, sendo que os mesmos devem estar ligados e ser proporcionais ao objeto do contrato.
» Do art.° 9.º. n.º 1. als. a), subalínea ii), b), subalínea ii) e c), subalínea ii) do PC.
» Estatuem as alíneas a), subalínea ii), b), subalínea ii) e c), subalínea ii) do n.º 1 do art.° 9.º do PC que os concorrentes devem ter, no mínimo, duas experiências em fornecimentos semelhantes ao objeto do presente concurso na região do lote a que se candidatam, com valor mínimo de 100 000,00€ para os lotes 2, e 4 a 7, de 200 000,00€ para os lotes 1 e 3 e de 500 000,00€ para o lote 8, exigindo-se ainda que os fornecimentos tenham sido efetuados entre 1 de janeiro de 2012 e a data da apresentação da candidatura, independentemente das datas de início e termo dos respetivos contratos.
» Para que tais normas se pudessem ter como válidas era necessário que as restrições delas resultantes se mostrassem, desde logo e face ao estatuído no art.° 165.º do CCP, adequadas à natureza das prestações objeto do contrato.
» Diz o R. que dividiu o objeto do concurso em oito lotes, por ter atendido à divisão do território em NUTS e que não se exige no PC que os concorrentes tenham sede ou “estabelecimento principal” em cada um dos lotes a que se candidatam. Alega ainda que a divisão foi efetuada para permitir a apresentação de candidaturas por empresas com capacidade e expressão a nível regional.
» É certo que a divisão do objeto do concurso em lotes incentiva a concorrência, uma vez que permite que candidatos de menor dimensão sejam admitidos ao procedimento, o que alarga o universo de potenciais interessados. Por força do princípio da concorrência, deve o R., dentro do que for possível em função do objeto do concurso, assegurar o mais amplo acesso ao procedimento por parte dos interessados, tudo de forma a obter as melhores propostas para a aplicação do dinheiro público. Não se trata de admissão irrestrita de candidatos. Nos procedimentos que comportam uma fase prévia de qualificação, visa-se determinar quem são os candidatos que têm as condições e meios necessários para garantir a boa execução do contrato e, portanto, são capazes para apresentar propostas válidas, vedando- se a possibilidade de concorrer àqueles que não preencham os requisitos mínimos de qualificação. Estes requisitos são, em boa parte, da escolha do adjudicante e devem ser fixados atendendo às particularidades do contrato a celebrar, às exigências das prestações contratuais. Não podem ser estabelecidos de forma discriminatória - n.º 5 do art.° 165.º do CCP. Devem estar ligados e ser proporcionais ao objeto do contrato - art.° 44.º da Diretiva 18/2004. As restrições que se impuserem à possibilidade dos interessados se apresentarem a concurso, têm, desde logo, de passar pelo crivo da proporcionalidade, devendo mostrar-se adequadas, racionais e apresentar-se justificadas face ao objeto do procedimento concursal. Neste sentido, confira-se o ac. do TCAN, proferido no proc.º n.º 01327/09.1BEPRT, de 22/04/2010, in www.dgsi.pt, referido por alguma doutrina da especialidade e pelas próprias partes nos articulados.

» No caso, a exigência, a título de requisito mínimo de capacidade técnica, de duas experiências em fornecimentos semelhantes na região do lote a que os interessados se candidatem, com a imposição de que tais experiências tenham ocorrido entre 1 de janeiro de 2012 e a data da apresentação da candidatura e atinjam os valores de 100 000,00€, de 200 000,00€ ou de 500 000,00€, consoante os lotes, não se mostra necessária, por ser dispensável para assegurar que o adjudicatário tem a necessária experiência para o cumprimento do contrato no lote a que se candidatar.
» É que não resulta das peças processuais que interesse local é esse que tem de ser satisfeito e que impõe que o concorrente tenha essas duas experiências em cada um dos lotes, tudo de forma a poder tê-lo aí como um corrente qualificado para poder apresentar uma proposta. Que especificidades existem em cada um dos lotes para que se imponha, como requisito mínimo de capacidade técnica, a existência de experiência no fornecimento de refeições na área de cada um dos lotes? Nada é dito. Não se vê porque é que a experiência que um interessado tem no fornecimento de refeições num dos lotes, não possa relevar e ser aproveitada para aferir da sua qualificação para os outros lotes e nem se percebe porque é que têm de ser duas experiências. Tal raciocínio sai reforçado se se considerar que entre 2010 a 2012 vigorou um acordo quadro com objeto idêntico ao do presente procedimento e em que, portanto, o número de operadores no mercado suscetível de apresentar as duas experiências ora requeridas no âmbito de um mesmo lote e no período de tempo estabelecido, fica condicionado por essa circunstância.
» Ou seja, a exigência das duas referidas experiências apresenta-se como um requisito mínimo que se introduziu no procedimento que não é adequado face ao objeto do procedimento, pois nada demonstra que concorrentes que tenham experiência em fornecimento de refeições em determinado lote, não possam ser tidos como qualificados para as fornecer noutros lotes. Constitui uma limitação que é discriminatória e apresenta-se injustificadamente restritiva do universo de interessados suscetíveis de ser admitidos a concorrer e contratar.
» Entende-se, por isso, que as alíneas a), subalínea ii, b), subalínea ii e c), subalínea ii, do n.º 1 do art.° 9.º do PC, violam o art.° 165.º do CCP, o princípio da proporcionalidade, de que é expressão essa norma, bem assim como os princípios da concorrência e igualdade.
» E, por ser assim, fica prejudicado o conhecimento do vício autónomo que a A. imputa à decisão de qualificação relativamente à candidatura que apresentou ao lote n.° 8, com fundamento de que o Júri teria violado o próprio art.° 9.º, n.º 1, al. c), subalínea ii do PC.
» Do art.° 9,°, n.° 1 als. a), subalínea i, b), subalínea i e c). subalínea i) do PC.
» A A. entende ainda que os requisitos mínimos relativos ao número mínimo de trabalhadores remunerados e registados na declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) do ano 2012, são desproporcionais, por não serem adequados ao fim visado, não constituírem o único meio, nem o menos gravoso, de satisfazer o interesse público e não suportarem uma análise custo - benefício.
» Para tanto, diz que não se exige que os trabalhadores tenham funções relevantes para o objeto do contrato, pelo que diz não se tratar de um indicador adequado a medir a capacidade técnica dos concorrentes; que não se permite a possibilidade de se recorrer a prestadores de serviços externos, ou trabalhadores contratados no âmbito do regime de trabalho temporário e também não se atendeu à circunstância das cantinas e refeitórios onde irão ser fornecidas as refeições já terem trabalhadores que transitarão para a sociedade adjudicatária nos termos do disposto no art.° 285.º do CT, não fazendo, por isso, sentido exigir aos candidatos que tenham um determinado número de trabalhadores, tanto mais que não existe a obrigação de manter esses trabalhadores após a celebração do contrato, exigência esta que, diz, seria mais acertada por ser apta a assegurar a capacidade de resposta da adjudicatária. Alega ainda que o referido requisito é absurdo por cada concorrente só ter ao serviço e em cada momento, o número de trabalhadores de que necessita e só se ganhar a adjudicação é que contratará os trabalhadores de que precisa para prestar o serviço e que se trata de um requisito desproporcionado por não existir a obrigação de afetar os referidos trabalhadores à execução do contrato, existindo, antes, nos termos do art.° 20.º, al. c) do CE, liberdade de afetação de meios no que toca ao número de trabalhadores ao serviço, tudo revertendo em favor de quem já está no mercado. Entende que a possibilidade de a entidade adjudicante solicitar o preenchimento de requisitos de capacidade técnica relativos ao próprio número e não apenas às concretas funções e experiência, dos seus recursos humanos, que resulta do disposto no art.° 165.º, n.º 1, b), do CCP e do art.° 48.º, n.º 2, al. g) da Diretiva 2004/18, deve observar o princípio da proporcionalidade, devendo tais requisitos estar ligados ao objeto do contrato a celebrar, nos termos do art. 165.º, proémio, do CCP, e 44.º, n.° 2, da Diretiva 2004/18; e devem sempre ter em conta “a natureza, a quantidade ou a importância e a finalidade das obras, dos produtos ou dos serviços”. Conclui que o requisito que impõe que, para aferir da capacidade técnica, os concorrentes tenham tido, em 2012, um determinado número de trabalhadores, não tem qualquer ligação com o objeto do contrato a celebrar. Invoca ainda a doutrina vertida nos acórdãos do TCA Norte datados de 22/04/2010 e de 25/03/2010, processos números 01327/09.1BEPRT e 01257/09.7BEPRT, respetivamente.
» Nos termos do art.° 48.º, n.º 2 da Direciva 2004/18, a capacidade técnica dos operadores económicos pode ser comprovada por um ou mais dos meios ali indicados, de acordo com a natureza, a quantidade ou a importância e a finalidade das obras, dos produtos ou dos serviços. O número de trabalhadores da empresa constitui um critério de aferição da capacidade técnica, como resulta do disposto na al. g) do n.º 2 daquele art.° 48.º.
» Estatui o art.° 165.º do CCP que os requisitos mínimos de capacidade técnica devem ser adequados à natureza das prestações objeto do contrato e não devem ser fixados de forma discriminatória.
» A imposição de requisitos mínimos de capacidade técnica, tem como efeito a limitação do universo de possíveis candidatos de forma a garantir que apenas se apresentarão ao procedimento aqueles que reúnam um conjunto de situações, qualidades, características ou outros elementos de facto que indiciem que têm a necessária aptidão para executarem o contrato. Tais requisitos, pela sua própria natureza, são discriminatórios, o que significa que o princípio da igualdade de tratamento dos agentes económicos que estão no mercado, no que ao acesso ao procedimento diz respeito, não vigora em toda a sua extensão, retraindo-se perante outros princípios a que há que atender em função das exigências impostas pelo objeto do contrato. O que é determinante é que as restrições resultantes da imposição dos requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira, se mostrem proporcionais, adequadas, necessárias, o que tem de se aferir face ao objeto do contrato.
» No caso, exige-se que os candidatos apresentem um determinado número mínimo de trabalhadores remunerados e registados na declaração de Informação Empresarial Simplificada de 2012: 100 trabalhadores, para os lotes 2 e 4 a 7, 400 trabalhadores para os lotes 1 e 3 e 500 trabalhadores para o lote 8. Estes números foram fixados na sequência da ponderação dos dados estatísticos publicados pelo Banco de Portugal relativos ao número médio de trabalhadores com vínculo laboral declarado pelas empresas que operam no sector, que, no ano de 2011, era de 113 trabalhadores nas zonas abrangidas pelos lotes 2 e 4 a 7 (tendo por base 13 empresas de média dimensão) e foram ainda considerados os dados médios apresentados pelas grandes empresas, que eram de 1477 colaboradores para os lotes 1, 3 e 8. Referiu ainda o R. que, na fixação do número mínimo de trabalhadores, considerou igualmente os dados detidos pelo SNCP relativos à experiência adquirida no âmbito do acordo quadro anteriormente vigente e ainda o número de trabalhadores que tinham, em 2012, os cocontratantes “alvo”, que são empresas do sector e que indicou na P.I. através do seguinte quadro, onde também figura a A:

» Se se compararem os números de trabalhadores que constam dos elementos de que se socorreu o R. e os números mínimos de trabalhadores fixados para os candidatos se poderem ter como qualificados nos vários lotes, não se pode concluir que estes últimos sejam desproporcionais. Ficam até abaixo dos números que resultam dos elementos estatísticos de que o R. se socorreu. Aliás, nem a A. vem dizer que o número mínimo de trabalhadores fixado para cada lote é excessivo relativamente ao número de trabalhadores que efetivamente são necessários para prestar o serviço. Tem-se, por isso, como adequada, a fixação de um critério de qualificação que atenda ao número de trabalhadores utilizados anteriormente pelos candidatos no exercício da sua atividade, pois não deixa de constituir um fator demonstrativo da sua capacidade técnica em termos de recursos humanos.
» Tal conclusão não fica prejudicada pela circunstância de, nas peças do procedimento, não se impor aos candidatos que tenham à data da apresentação das propostas um determinado número de trabalhadores, ou mantenham esse número ao seu serviço aquando da execução do contrato. Nas peças do procedimento exige-se que os concorrentes assegurem o número suficiente e adequado em termos de categorias profissionais à prestação do serviço. Concretamente, estabelece o art. 20.º, do CE, que o fornecedor está obrigado a “assegurar as competências e mão-de-obra necessárias para a execução de todas as atividades associadas ao serviço”, indicando-se aí um elenco exemplificativo de funcionários por categorias profissionais que devem ser afetos à prestação do serviço, existindo o dever de elaborar mapas de pessoal com enumeração das categorias e competências, cuja alteração posterior está sujeita a aprovação pela entidade adquirente. Mas nada indica que o número de trabalhadores exigido nas alíneas a), subalínea i, b), subalínea i e c), subalínea i) do n.º 1 do art.° 9.º do PC, não seja o necessário, ou esteja desfasado face ao número de trabalhadores que são necessários para a prestação do serviço. Acresce que, não se exigindo que os candidatos tenham um determinado número de trabalhadores à data do concurso, não saem eles lesados com a observância do disposto no art.° 285.º do CT, que impõe que os trabalhadores já existentes nas cantinas e refeitórios onde irão ser fornecidas as refeições transitem para a sociedade adjudicatária, pelo que não se vê onde está a contradição ou a desadequação do critério.
» Por outro lado, para a contagem do número mínimo de trabalhadores remunerados e registados na declaração IES de 2012 (que são os que relevam para efeitos de preenchimento do requisito mínimo de capacidade técnica imposto), podem considerar-se os trabalhadores de outras empresas que tenham trabalhado para a sociedade candidata, desde que por esta diretamente remunerados - cfr. o regime que consta do DL n.º 8/2007, de 17 de janeiro e a Portaria n.º 208/2007, de 16 de fevereiro, a Portaria n.º 8/2008, de 3 de janeiro, a Portaria n.º 64-A/2011, de 3 de fevereiro e a Portaria n.º 26/2012, de 27 de janeiro.
» Para a contagem do número mínimo de trabalhadores remunerados e registados na declaração IES de 2012, não podem ser tidos em conta os trabalhadores que não forem diretamente remunerados pelos candidatos, como sejam os trabalhadores que prestem serviço no âmbito do regime jurídico do trabalho temporário. Tais trabalhadores, embora sejam utilizados pelos candidatos, não são trabalhadores destes, ou seja e dito de outra forma, o contrato de trabalho não foi estabelecido com os candidatos, nem estes os remuneram, embora utilizem a sua força de trabalho.
» Os requisitos mínimos de capacidade técnica dos candidatos destinam-se a aferir se o concorrente tem a necessária dimensão, estrutura, capacidade para executar adequadamente o contrato. Nos termos dos artigos 168.º, n.º 4, e 179.º, n.º 2, ambos do CCP, admite-se que os candidatos possam invocar a capacidade técnica de terceiros para preencher esses requisitos e independentemente do vínculo jurídico estabelecido com eles, nomeadamente o de subcontratação.
» Se assim é, a restrição imposta pelas normas que constam das als. a), subalínea i, b), subalínea i e c), subalínea i) do n.º 1 do art.° 9.º do PC, donde resulta que apenas se podem considerar os trabalhadores ao serviço dos candidatos que sejam por estes (diretamente) remunerados e estejam registados na IES, não encontra justificação bastante face ao objeto do contrato, pois a natureza do vínculo jurídico que liga os trabalhadores às sociedades que se apresentem agora ao procedimento concursal e a circunstância destas pagarem diretamente ou não a remuneração aos trabalhadores, são irrelevantes para aferir da capacidade técnica ao dispor de cada um dos concorrentes, pelo que as normas que constam das referidas alíneas do n.º 1 do art.° 9.º do PC, são discriminatórias dos candidatos que, em 2012, tenham utilizado trabalhadores no âmbito do regime jurídico do contrato de trabalho temporário ou hajam subcontratado a mão de obra necessária à prestação do serviço e os candidatos que o não tenham feito, pelo que tais normas são inválidas por violação do princípio da igualdade - art.° 1.º, n.º 4 do CCP.
» Defende o R. que, com a referida restrição, procura prosseguir uma política de apoio às sociedades que privilegiam o emprego dos trabalhadores que utilizam na sua atividade. A Diretiva 2004/18/CE apenas faz referência à possibilidade de introduzir nos procedimentos concursais condições de execução dos contratos que visem o combate ao desemprego no seu considerando 33. No entanto, exige-se aí que tais medidas não podem ser direta ou indiretamente discriminatórias, o que não é o caso das normas do presente procedimento.
» Requisitos de capacidade financeira- o artigo 10.º, n.º 1. e n.º 2. alínea c), do PC.
» Diz a A. que a ESPAP sobredimensionou, para lá do que é admissível numa lógica de proporcionalidade e concorrência, os vários lotes do acordo quadro a celebrar — para os lotes 2, 4, 5, 6 e 7, o valor estimado do contrato é de € 10 442 000,00; para os lotes 1 e 3, é de € 31 327 000,00; e finalmente, para o lote 8, o valor é de € 62 654 000,00 — cfr. artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do PC. Refere que mesmo os lotes mais pequenos ficaram com um valor estimado — 10 442 000€ — superior em várias vezes à faturação bruta da maioria das empresas do ramo. Entende que a divisão em lotes, para celebração de um acordo quadro, tem de ter em conta a estrutura do mercado e o número de empresas que existem em condições de prestar os serviços para os lotes. Alega que havia outra forma menos gravosa para os interesses privados e que não punha em causa o interesse público para levar a cabo a divisão em lotes- a divisão de acordo com as áreas de um ou mais concelhos, ou de acordo com os ministérios ou estabelecer que cada empresa, mesmo que se candidatasse a um lote de valor estimado elevado, poderia limitar os contratos por si celebrados a um valor mais baixo do que o valor total estimado dos contratos a celebrar ao abrigo do acordo quadro - até porque, diz, essa limitação corresponde à prática corrente do funcionamento dos acordos quadro, uma vez que para cada prestação há uma série de quatro, cinco ou mais fornecedores possíveis, entende que o funcionamento das regras da concorrência leva a que seja praticamente impossível que um único fornecedor acabe por celebrar contrato na totalidade ou sequer na maioria do valor estimado.
» Refere que também na ponderação custo-benefício, há que considerar que a redução assinalável do número de fornecedores de refeições a entidades públicas redundará e m aumento de preços e diminuição da qualidade.
» Informa que não cumpre os requisitos de capacidade financeira previstos para os lotes 1, 3 e 8.
» Diz que é uma empresa com cerca de dois milhões de euros de faturação anual, que emprega cento e setenta trabalhadores, sem contar com os postos de trabalho indiretos que cria, que está no mercado há 17 anos, que tem clientes de elevado prestígio, muitos deles entidades públicas e que nunca foi objeto de uma resolução por incumprimento de contrato aplicada por entidade pública.
» Defende que as normas que constam do artigo 10.º, n.º 1, e n.º 2, alínea c), do PC violam os princípios da proporcionalidade e da concorrência.
» O R. alega que os concorrentes apenas têm de preencher ou o requisito resultante da fórmula prevista no anexo IV do CCP ou, então, devem apresentar declaração bancária nos termos do anexo VI do mesmo CCP.
» Quanto à referida fórmula, diz que o valor da variável “V” (valor estimado do contrato), foi definido com base no cruzamento do valor médio inscrito nos Orçamentos de Estado de 2010, 2011 e 2012, para a rubrica de refeições confecionadas, no montante de € 117 069 655,33, com o total dos pagamentos líquidos de 2012, no montante de € 104 424 180,80 (estes últimos dados provenientes da Direção Geral do Orçamento), o que diz estar em consonância com este último valor por o somatório do valor "V” de todos os lotes ser de € 104 423,00. Refere que a distribuição deste valor pelos lotes resulta de estimativas que têm em conta diversos fatores, tais como a dispersão geográfica dos organismos da Administração Pública e as linhas estratégias que norteiam a negociação centralizada ao nível das Unidades Ministeriais de Compras (UMC). Diz que em relação ao referido valor global cada uma das regiões dos Lotes 2, 4, 5, 6 e 7 representa cerca de 10%; cada uma das regiões dos Lotes 1 a 3 representa cerca de 30%; e que o Lote 8 (lote nacional) representa cerca de 60%.
» Alega ainda que estes valores têm apenas como referência a despesa anual e não a dos dois anos de vigência do contrato, o que foi feito com o objetivo de promover o acesso do maior número de empresas ao acordo quadro, sendo certo que a vigência do acordo quadro pode ser prorrogada até um máximo de 4 anos.
» Defende que o único indicador desta fórmula onde pode haver alguma discricionariedade é na definição do fator “f” que pode ir de “1” a “10”, sendo “10” o fator menos exigente e “1” o mais exigente. Diz mesmo que caso tivesse fixado em “10” para o valor de “f”, ainda assim a A. não preencheria este requisito para os Lotes 1, 3 e 8, pois a multiplicação do valor médio dos seus resultados operacionais nos últimos três exercícios por “10” seria, em qualquer circunstância, insuficiente para cumprimento deste requisito de capacidade financeira para os referidos lotes.
» Quanto aos restantes requisitos de capacidade financeira que não resultam diretamente do CCP, dos quais, apenas, se exige o cumprimento de dois (cfr. n.º 2 do artigo 10.º do PC), defende que os mesmos são um indicador fiável da solidez financeira dos candidatos e que foram fixados para assegurar que os contratos celebrados ao abrigo do acordo quadro possam ser eficazmente cumpridos. No que toca à média aritmética do volume de negócios nos exercícios de 2011 e 2012, a Ré definiu este requisito com vista a garantir que os candidatos têm uma indiciária capacidade para cumprir as obrigações do acordo quadro e que não se tornarão empresas demasiado dependentes da faturação proveniente da Administração Pública, tendo em conta os prazos de pagamentos normalmente praticados por esta. Alega que estes valores foram definidos pela análise efetuada ao desempenho dos cocontratantes do atual acordo quadro, bem como sustentados por dados estatísticos do Banco de Portugal que indicam que a média do volume de negócios para as pequenas empresas é de cerca de € 800 000,00, para as médias empresas de € 4 400 000,00 e para as grandes empresas de € 53 800 000,00 e que os mesmos se encontram em consonância com os definidos na al. c), do n.º 2, do art.° 10.º do PC, isto é, para os lotes 2, 4, 5, 6 e 7 € 750 000,00, para os lotes 1 e 3, € 4 000 000,00 e para o lote 8 de € 4 000 000,00.
» Relativamente à média aritmética da liquidez geral relativa aos anos de 2011 e 2012, diz que por ter sido fixada num valor igual ou superior a 1 em dois anos, a mesma garante, em termos indiciários, que os candidatos não se encontram numa situação extrema de incapacidade financeira de curto prazo e que dispõem de recursos financeiros para garantir a confeção de alimentos, o transporte e os recursos humanos necessários ao fornecimento das entidades adquirentes, tal como definido no presente Concurso, e para vigorar durante o período de vigência do acordo quadro.
» Quanto à média aritmética da autonomia financeira relativa aos anos de 2011 e 2012, diz que a fixou, para um período de 2 anos, em zero, o que diz estar de acordo com as boas práticas financeiras e que a mesma garante a cobertura das dívidas pelos capitais próprios.
» A fixação dos requisitos mínimos de capacidade financeira cai no âmbito dos poderes discricionários do R. e visa assegurar que os candidatos têm aptidão para mobilizar os meios financeiros necessários para o integral cumprimento das obrigações que resultem do contrato a celebrar - n.º 4 do art.° 165.º do CCP.
» Na fixação dos referidos requisitos, o R. encontra-se limitado, entre outros e para o que aqui interessa, pelos princípios da proporcionalidade e da concorrência. Por força do princípio da concorrência, o procedimento concursal deve ser gizado de forma a garantir a mais ampla admissão de concorrentes, não podendo fixar-se requisitos restritivos de qualificação que não encontrem uma base justificativa perante o objeto do contrato. O princípio da proporcionalidade impõe que os requisitos mínimos definidos para aferir da capacidade financeira, sejam necessários, adequados e proporcionais em sentido estrito. Refere-se no ac. do TCAN de 22/04/2010, proc.º n.º 01327/09, in www.dgsi.pt que “O principio da proporcionalidade, definido no n.º 2 do art. 5.º do CPA, é uma norma que numa relação de meio fim determina a medida certa, a «justa medida», e que no lado oposto estabelece a proibição do excesso, em qualquer das perspetivas em o mesmo se possa manifestar: falta de adequação, de necessidade e de equilíbrio. É um princípio de adequação, no sentido de que a medida adotada para a prossecução do interesse público deve ser apropriada ou idónea ao fim ou fins a ele subjacentes; um princípio de necessidade, no sentido de não haver outro meio adequado para alcançar o fim que seja menos oneroso para a comunidade e para os particulares, designadamente no que se refere á limitação ou ablação de direitos e interesses legalmente protegidos; e um princípio de equilíbrio, no sentido de que a medida tomada tem que ser um meio razoável, de modo a que as vantagens intentadas Mo devam estar em notória desproporcionalidade como os custos incorridos.”
» No caso e no que se refere à fixação dos valores “v” (valor económico estimado do contrato para cada lote) e “f’ (9, definido para todos os lotes, o qual pode variar entre 1 e 10, sendo este último valor o menos exigente) da fórmula a que se refere o anexo IV do CCP, diz o R. que tais valores tiveram como referência os dados estatísticos colhidos no OE dos anos de 2010, 2011 e 2012, relativos à despesa com refeições confecionadas, complementados com os valores dos pagamentos líquidos de 2012, donde resultou um valor global médio que serviu de estimativa para a fixação dos valores dos contratos a celebrar para os vários lotes, sendo que o valor do contrato relativo aos lotes 2, 4, 5, 6 e 7 corresponde a cerca de 10% do valor global, o relativo aos lotes 1 a 3, a cerca de 30% e o do lote 8 a 60% desse valor. O valor da variável “f’ foi fixado em 9 quando o máximo admissível e mais favorável à A. seria 10. Quanto a este valor, alega o R., no que não foi contraditado pela A., que, ainda que tivesse sido fixado o valor 10, a A. não cumpriria os requisitos mínimos de capacidade financeira para os lotes em que foi excluída (1, 3 e 8).
» No caso, não foi posto em causa o acerto, a exatidão, dos dados estatísticos de que o R. se serviu. Se se considerar a concreta dimensão dos lotes, tal como fixada no PC e os dados estatísticos que serviram de referência ao R., há que concluir que os valores económicos dos contratos que foram definidos pelo R. para cada um dos lotes, não se mostram desproporcionados, desequilibrados, em termos tais que os possamos ter por violadores dos princípios da concorrência e da proporcionalidade.
» É claro que se a dimensão dos lotes fosse mais reduzida, os valores económicos dos contratos que foram definidos para cada um dos lotes seria menor, o que poderia vir ter como efeito a qualificação de um maior número de candidatos ao concurso. E que se se tivesse estabelecido que cada empresa, mesmo que se candidatasse a um lote de valor estimado elevado, poderia limitar os contratos por si celebrados a um valor mais baixo do que o valor total previsto para os contratos a celebrar ao abrigo do acordo quadro, também daí poderiam emergir idênticas consequências.
» No entanto e desde logo e para que se pudessem ter por violados os princípios da concorrência e da proporcionalidade à luz dos referidos considerandos, era necessário que se pudesse concluir que foram os requisitos mínimos de capacidade financeira, tal como estão previstos no artigo 10.º, n.º 1, e n.º 2, alínea c), do PC, que levaram à alegada exclusão da maioria das empresas do sector que estão no mercado. No caso e com exceção dos elementos que se podem extrair dos dados estatísticos trazidos pelo R. aos autos, desconhece-se inclusivamente a composição do mercado, isto é, o número e a grandeza, por exemplo, em termos de volume de negócio, das empresas que operam no mercado, pelo que não se pode concluir que os referidos requisitos são de tal maneira restritivos que impedem, restringem ou falseiam a concorrência.
» Provou-se que apenas no lote 2 foram qualificados candidatos e admitidas propostas em número superior aos lugares existentes. Nos restantes lotes, o número de propostas admitidas é inferior ao número de lugares existentes, mas não se prova qual é a expressão que tal situação tem no conjunto das sociedades que operam no setor e, dentre estas, as que estariam em condições de pontualmente executar o contrato. Por outro lado e como já se referiu, também não se pode dar como provado que foram os requisitos mínimos de capacidade financeira que levaram a tal situação. A própria A., que se diz lesada com os requisitos mínimos de capacidade financeira fixados, apenas não preenche tais requisitos quanto aos lotes 1, 3 e 8, sendo que foi qualificada, quanto a esse fator, nos restantes 5 lotes a que se refere o procedimento.
» Pelo exposto, não se declara a invalidade das normas que estabeleceram os requisitos de capacidade financeira que constam do artigo 10.º, n.º 1, e n.º 2, alínea c), do PC.
» […]
» Da invalidade dos atos e contratos
Sofrendo as normas do PC e do CE dos vícios de violação de lei atrás apontados, as mesmas são nulas — cfr. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, in Direito Administrativo Geral, T. III, 2a ed., D. Quixote, 2009, pág. 267 e art.° 41.° e 51.° do CCP.
» Os atos que as aplicaram sofrem dos mesmos vícios: no caso, a decisão de qualificação, a decisão de exclusão das propostas da A. aos lotes 1 e 3 a 8 e as decisões de adjudicação proferidas, as quais se declaram inválidas com fundamento nos vícios acima verificados.
» Os acordos quadro celebrados no procedimento com os concorrentes selecionados através da aplicação das referidas normas e na sequência dos atos acima referidos, são também inválidos - art.° 283.° do CCP.
» *
» Decisão
» Pelo exposto e considerando o pedido:
» — declara-se a invalidade das normas que constam das alíneas a), subalíneas, i) e ii), b), subalíneas i) e ii) e c), subalíneas i) e ii) do n.º 1 do art.° 9.º do PC e do art.° 9.º do CE;
» — anulam-se os atos de qualificação e exclusão das propostas da A. aos lotes 1 e 3 a 8, bem assim como os atos de adjudicação proferidos nesses lotes;
» — declara-se a invalidade dos acordos quadro celebrados para os lotes 1 e 3 a 8;
» — condena-se o R. a retomar o procedimento, elaborando novos requisitos de capacidade técnica e a alterar a cláusula 9.ª do CE, de forma a prosseguir com o procedimento sem que se verifiquem os vícios acima apontados […]» (cf. doc. 1 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).

1.10) A ora autora e a aqui entidade demandada interpuseram recursos da decisão referida em 1.9), na parte em que lhes era desfavorável, para o Tribunal Central Administrativo Sul (facto admitido por acordo — cf. artigos 6.º da petição inicial, 4.º da contestação da entidade demandada com a retificação oportunamente apresentada, e 8.º da contestação da contrainteressada SUCH).

1.11) No âmbito do processo que correu termos no Tribunal Central Administrativo Sul sob o n.º 12539/15, foi a 10.03.2016 proferido acórdão no qual se deixou consignado, nos respetivos excurso fundamentador jurídico e dispositivo, além do mais, o seguinte: «II.2. De direito
» Considerando os vícios que vêm imputados à decisão recorrida, entendemos, na economia do presente acórdão, apreciar em primeiro lugar o recurso interposto pela Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, IP […]
» Relembremos as questões que somos nesta sede chamados a decidir:
» — Se o Tribunal a quo errou ao ter concluído pela invalidade do art. 9.º do PC e 9.º do CE, bem como os atos e contratos impugnados, por os mesmos não padecerem das ilegalidades apontadas pelo Tribunal a quo, tendo a aqui Recorrente demonstrado que todos os requisitos mínimos de capacidade técnica e de capacidade financeira são proporcionais e adequados às exigências contratuais envolvidas no acordo quadro a celebrar, sendo o procedimento de concurso limitado por prévia qualificação, que assentou no modelo simples de qualificação, conforme ao previsto nos art.s 162.º e s. do CCP (idem, I, K, P, X e Z);
» — Se o Tribunal a quo errou ao não ter concluído que a solução preconizada pela Recorrente é legalmente admissível no direito comunitário, quer face à Diretiva 2004/18/CE, quer face à Diretiva 2014/24/EU (idem, EE.);
» — Se o Tribunal a quo errou ao não ter considerado legalmente admissível incluir a experiência dos candidatos em fornecimentos anteriores como requisito de capacidade técnica, no âmbito de um concurso limitado por prévia qualificação, sendo que tal “experiência” mostra-se adequada à natureza do contrato, respeitando, por isso, o princípio da proporcionalidade (idem, FF.);
» — Se o Tribunal a quo errou ao não considerar que a atividade em questão se insere na discricionariedade técnica da Recorrente, pela que a definição do que é o interesse público relevante num determinado concurso público, traduzido na definição dos requisitos de admissão dos concorrentes, bem como das características mínimas de carácter técnico e funcional que determinados equipamentos devem possuir com vista a assegurar um certo nível de qualidade e fiabilidade, é matéria que só a si compete determinar (idem, RR.); e » — Se o Tribunal a quo errou ao ter concluído pela ilegalidade do sistema de remuneração da Recorrente pelos fornecedores, prevista no artigo 9.° do Caderno de Encargos (idem, YY.).
» Em suma, a Recorrente defende que são inteiramente válidas as exigências de qualificação. Alega que todos os requisitos mínimos de capacidade técnica e de capacidade financeira fixados nos artigos 9.º e 10.º do PC são proporcionais e adequados às exigências contratuais envolvidas no acordo quadro a celebrar. Advoga ainda que a solução preconizada por si é legalmente admissível no direito comunitário, quer face à Diretiva 2004/18/CE, quer face à Diretiva 2014/24/EU e que interpretação normativa efetuada na decisão recorrida viola, assim, o princípio do primado do direito da União Europeia.
» Vejamos se assim será.
» Para decidir no sentido criticado pela aqui Recorrente, o Tribunal a quo adotou o seguinte discurso fundamentador, que aqui optamos por transcrever na sua parte inicial:
» […]
» A prevalência do princípio da concorrência foi por este TCAS destacada no recente ac. de 29.10.2015, proc. n.º 11938/15: “É sabido que o princípio da concorrência - do qual a exigência de comparabilidade das propostas constitui um pressuposto essencial - e o princípio da igualdade constituem dois princípios estruturantes e fundamentais da contratação pública (cfr. artigo 1º, n.º 4 do CCP).
» O princípio da concorrência, assumindo-se como “a verdadeira trave-mestra da contratação pública, uma espécie de umbrela principle”, significa que “a contratação por parte de entidades adjudicantes do CCP, ou de qualquer outra pessoa sujeita ao dever de preceder um contrato (ou ato) seu de um procedimento concorrencial regulado pelo direito administrativo, realiza-se pública ou abertamente no mercado, através dele, dirigindo-se à concorrência aí existente, para que o maior e melhor número de pessoas ou empresas se interessem pela celebração do contrato em causa e, para tanto, concorram ou licitem umas contra as outras, oferecendo as contrapartidas necessárias para superar as que presumidamente os seus opositores serão capazes de oferecer” (in Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Almedina, págs. 185/186).
» Com este pano de fundo, vejamos então esta questão da experiência prévia em fornecimentos semelhantes ao objeto do presente acordo quadro, com um determinado valor consoante o lote a que se candidatem.
» Como já se disse, o Tribunal a quo concluiu que tal configurava uma limitação discriminatória e injustificadamente restritiva do universo de interessados suscetíveis de ser admitidos a concorrer e contratar. Mas, salvo o devido respeito, erradamente.
» Nesta matéria, importa não perder de vista que é à Administração que cabe, no âmbito da discricionariedade que detém e no da margem de livre decisão, inclusive, por razões de oportunidade, a definição do interesse público a prosseguir (artigos 111.º, n.º 1, da Constituição e 3.º, n.º 1, do CPTA). A determinação dos conceitos jurídicos indeterminados consubstancia aquilo que a doutrina alemã, desde a segunda metade da década de 60 tem designado de “entscheidungsspielraum”, ou seja, um espaço ou margem de livre decisão administrativa (e não verdadeiramente um espaço de livre apreciação, uma vez que os pressupostos em si não estão na disponibilidade da Administração). A Administração dispõe, portanto, de uma liberdade de preenchimento valorativo do conceito indeterminado, pautado pelos critérios fornecidos pela legalidade material, ou mais extensamente pelo bloco de legalidade (sobre esta matéria, extensamente, v. Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, 1987, pp. 119, 122, 128 e s. e 472 e s.).
» Isto significa, ao que aqui releva, que os tribunais administrativos não se podem substituir aos particulares na formulação de valorações que pertencem à respetiva autonomia privada, como também não se podem substituir às entidades públicas na formulação de valorações que, por já não terem carácter jurídico, mas envolverem a realização de juízos sobre a conveniência e oportunidade da sua atuação, se inscrevem no âmbito próprio da discricionariedade administrativa (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª ed., 2010, p. 36).
» Neste sentido, a admissibilidade de uma reserva geral de administração funda-se, em primeira linha, no princípio da separação de poderes e na sua função estruturante do poder do Estado. Este princípio faz com que seja reservado um domínio de atuação livre de influências ou ingerências de outros poderes. Do princípio da separação de poderes decorre ainda um imperativo de moderação e equilíbrio que impede cada órgão do Estado de invadir o núcleo essencial da competência de qualquer dos outros.
» Veja-se, a propósito do que temos vindo de dizer e em maior aproximação ao caso concreto, o entendimento firmado no acórdão do STA de 27.06.2007, proc. n.º 302/07, cujo sumário se transcreve:
» “(…)
» “II – A definição de qual o tipo de “experiência relevante”, ou de “capacidade técnica exigível” para a prestação do serviço objeto do concurso, é inegavelmente competência da entidade adjudicante, pois que quem contrata é que estabelece a experiência ou capacidade técnica mínimas exigíveis que pretende para levar a cabo a contratação.
» “III – Decorre naturalmente da própria génese do “concurso” a ideia de seleção, a qual, por seu turno, implica discriminação entre candidatos, numa primeira fase em termos de admissão ou exclusão de concorrentes (avaliação subjetiva) e depois em termos de admissão ou exclusão de propostas (avaliação objetiva).
» “IV – Só poder falar-se em violação dos princípios da igualdade e da concorrência se a discriminação operada pela aplicação dos regulamentos do concurso for infundada, injustificada e sem critério, ou seja, se a concretização do que é capacidade técnica adequada ao objeto do contrato (prestação de determinado serviço) consubstanciar, em termos reais e objetivos, a criação de uma situação arbitrária de desigualdade, violadora do núcleo essencial da igualdade e da concorrência.”
» Ora, no seguimento do que vem alegado pela aqui Recorrente, aceita-se que no que concerne à experiência prévia em fornecimentos semelhantes ao objeto do presente acordo quadro, com um determinado valor consoante o lote a que se candidatem, com este requisito se pretendeu garantir que os candidatos demonstram possuir capacidade mínima e a experiência necessária para fazer face às contratações que serão efetuadas ao abrigo do acordo quadro. A apresentação de duas declarações de clientes públicos ou privados que atestem serviços prestados entre 1 de janeiro de 2012 e a data de apresentação da candidatura (cerca de 2 anos) com os valores de EUR 100 000,00 (para os Lotes 2, 4, 5, 6 e 7), EUR 200 000,00 (para os Lotes 1 e 3) e EUR 500 000,00 (para o Lote 8), permite comprovar que o candidato possui os meios e as condições necessárias para fornecer refeições confecionadas de acordo com dimensão dos lotes. Sendo que a determinação dos valores para as declarações a apresentar para cada lote teve por base a experiência adquirida através da monitorização do anterior acordo quadro, refletida nos relatórios de faturação e contratação das entidades públicas contratantes. E pela análise destes números, como alega a Recorrente, é possível concluir que o requisito mínimo relativo a fornecimentos anteriores corresponde a valores em linha com as contratações evidenciadas, em que apenas 3 (três) contratos se situaram abaixo dos EUR 100 000,00.
» Nesta conformidade, contrariamente ao que foi entendido pelo tribunal a quo, os valores fixados obedecem ao princípio da proporcionalidade e não distorcem a concorrência.
» Aliás, este requisito mínimo de capacidade técnica encontra acolhimento na alínea a), do n.º 1, do artigo 165.º do CCP que prevê precisamente a “experiência curricular dos candidatos”.
» A fixação dos requisitos mínimos, sendo discricionária – rectius, preenchendo valorativamente o conceito de interesse público visado com o concurso em questão –, não é naturalmente arbitrária. Ou seja, o estabelecimento de uma fasquia de exigência técnica e/ou financeira que afasta da adjudicação quem não obedeça a esse grau mínimo de exigência – naturalmente um fator em si de limitação da concorrência – terá que estar em linha com um critério de necessidade e adequação face à natureza das prestações contratuais a adjudicar, sob pena de violação da concorrência.
» E, temos para nós que a experiência dos candidatos não pode deixar de ser atendida, uma vez que se trata de um fornecimento em que estará sempre em causa a saúde dos destinatários dos bens e serviços, devendo a contratação garantir a capacidade das entidades fornecedoras para a prestação do serviço objeto do acordo quadro. Ou seja, a regra encontrada e que aqui vem colocada em crise justifica-se e é proporcional aos objetivos a prosseguir.
» Procede, pois, o recurso nesta parte, não podendo a decisão recorrida manter-se neste ponto do dispositivo.
» O Tribunal a quo concluiu também que a restrição imposta pelas normas que constam das als. a), subalínea i, b), subalínea i e c), subalínea i) do n.º 1 do art.º 9.º do PC, donde resulta que apenas se podem considerar os trabalhadores ao serviço dos candidatos que sejam por estes (diretamente) remunerados e estejam registados na IES, não encontra justificação bastante face ao objeto do contrato, pois a natureza do vínculo jurídico que liga os trabalhadores às sociedades que se apresentem agora ao procedimento concursal e a circunstância destas pagarem diretamente ou não a remuneração aos trabalhadores, são irrelevantes para aferir da capacidade técnica ao dispor de cada um dos concorrentes. Pelo que, no entendimento do TAC de Lisboa, as normas que constam das referidas alíneas do n.º 1 do art.º 9.º do PC, são discriminatórias dos candidatos que, em 2012, tenham utilizado trabalhadores no âmbito do regime jurídico do contrato de trabalho temporário ou hajam subcontratado a mão de obra necessária à prestação do serviço e os candidatos que o não tenham feito, pelo que tais normas são inválidas por violação do princípio da igualdade.
» Contrapõe a aqui Recorrente o seguinte nas suas conclusões:
» “W) Importa sublinhar que, nos acordos quadros que celebra, a Recorrente pretende, também, qualificar empresas cujas políticas laborais passem pela promoção da segurança dos postos de trabalho e a diminuição da precariedade dos vínculos laborais. Este tipo de “contratação estratégica” já era legalmente admissível, e recomendado, na Diretiva n.º 2004/18/CE, conforme resulta cristalino no seu Considerando (33).
» “X) Em face do exposto, a Recorrente entende que se afigura conforme ao ordenamento jurídico, nacional e comunitário, a exigência de um requisito de qualificação, relativo à capacidade técnica dos candidatos, em que apenas se podem considerar os trabalhadores ao serviço dos candidatos que sejam por estes (diretamente) remunerados e estejam registados na IES.
» “Y) Ao decidir em sentido contrário, o Tribunal a quo interpretou e aplicou erroneamente o disposto nos arts 162.° e ss. do CCP, em especial no seu art. 165.°, bem como o disposto nos arts. 44.° e ss. da Diretiva n.° 2004/18/CE (e, bem assim, os artigos 56.°, 58.°, 60.°, 63.° e o Anexo II, da Diretiva 2014/24/UE), devendo, por isso, ser revogado em acórdão a proferir por esse Venerando Tribunal Superior.
» “Z) Considerando que a solução preconizada pela Recorrente é legalmente admissível no direito comunitário, quer face à Diretiva 2004/18/CE, quer face à Diretiva 2014/24/EU, é forçoso concluir que a interpretação normativa advogada no acórdão recorrido viola o princípio do primado do direito da União Europeia, consagrado no artigo 8.°, n.° 4, da CRP, o que, desde já, se invoca para todos os efeitos legais.
» “AA) Em ordem a acautelar o interesse público prosseguido no Concurso e no acordo quadro a celebrar, a fixação do número de trabalhadores que cada empresa devia apresentar para cada lote teve por base não só a dimensão das empresas, como também o número de trabalhadores afetos em fornecimentos anteriores, estando, por conseguinte, acautelada a sua adequação e proporcionalidade ao objeto do contrato a celebrar.”
» Mas a argumentação aqui aduzida, não é procedente, revelando-se como acertada a conclusão de que é injustificada e exigência de um requisito de qualificação, relativo à capacidade técnica do candidato, em apenas se poderem considerar os trabalhadores ao serviço dos candidatos que sejam por estes diretamente remunerados e estejam registados na IES.
» Com efeito, como dito pelo Tribunal a quo, os requisitos mínimos de capacidade técnica dos candidatos destinam-se a aferir se o concorrente tem a necessária dimensão, estrutura, capacidade para executar adequadamente o contrato.
» Ora, certo é que nos termos dos artigos 168.º, n.º 4, e 179.º, n.º 2, ambos do CCP, admite-se que os candidatos possam invocar a capacidade técnica de terceiros para preencher esses requisitos e independentemente do vínculo jurídico estabelecido com eles, nomeadamente o de subcontratação. E se assim é, a restrição imposta pelas normas que constam das als. a), subalínea i, b) subalínea i e c), subalínea i) do n.° 1 do art.° 9.º, do PC, donde resulta que apenas se podem considerar os trabalhadores ao serviço dos candidatos que sejam por estes (diretamente) remunerados e estejam registados na IES, não encontra justificação bastante face ao objeto do contrato, pois a natureza do vínculo jurídico que liga os trabalhadores às sociedades que se apresentem agora ao procedimento concursal e a circunstância destas pagarem diretamente ou não a remuneração aos trabalhadores, são irrelevantes para aferir da capacidade técnica ao dispor de cada um dos concorrentes. Tais normas são discriminatórias dos candidatos que, em 2012, tenham utilizado trabalhadores no âmbito do regime jurídico do contrato de trabalho temporário ou hajam subcontratado a mão de obra necessária à prestação do serviço e os candidatos que o não tenham feito, sendo inválidas por violação dos princípios da igualdade e da concorrência.
» Neste capítulo tem razão a Recorrida quando contra-alega: “O argumento, inatacável, do Tribunal, é que o requisito em questão, ao ignorar parcelas representativas de recursos humanos que podem ser utilizados pelas empresas — o douto acórdão refere expressamente os trabalhadores em regime de trabalho temporário, e os trabalhadores de empresas subcontratadas — fornece um quadro que não só é insuficiente, como é também discriminatório, pois diferencia de acordo com um fator que tem de ser estranho à entidade adjudicante, qual seja, o fator do tipo de relação jurídica que une o candidato ao trabalhador a que ele recorre”. Com efeito, como também por si referido, a posição seguida pelo Tribunal a quo está em sintonia com a doutrina que se pode extrair do acórdão deste TCAS de 7.02.2013, proc. n.º 9613/13.
» É certo que a Recorrente vem invocar que com esta limitação pretende contribuir para um fim de “contratação estratégica”, permitida pela Diretiva 2004/18/CE, bem como pela Diretiva 2014/24/EU. Sucede que os normativos por si invocados dizem respeito à execução do contrato e não à identificação de um requisito de capacidade técnica e situam-se numa outra dimensão.
» Veja-se o que se diz no considerando 98 da Diretiva 2014/24/EU: “As condições de execução do contrato poderão igualmente destinar-se a favorecer a aplicação de medidas de promoção da igualdade entre mulheres e homens no trabalho, aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho e conciliação da vida profissional com a vida privada, proteção do ambiente ou do bem-estar animal, o respeito, na sua substância, das convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e o recrutamento de mais pessoas desfavorecidas do que é exigido pela legislação nacional.”
» E se é certo que, de acordo com o disposto no art. 58.º, n.º 4, desta Diretiva: “No que respeita à capacidade técnica e profissional, as autoridades adjudicantes podem impor requisitos de molde a assegurar que os operadores económicos disponham dos recursos humanos e técnicos e da experiência necessários para assegurar um nível de qualidade adequado na execução do contrato”; mais adiante prevê-se no art. 63.º, n.º 1, que “um operador económico pode, se necessário e para um contrato determinado, recorrer às capacidades de outras entidades, independentemente da natureza jurídica do vínculo que tenha com elas”.
» O enquadramento do direito da União, veiculado pelas citadas diretivas, salvo o devido respeito, não é invocável no sentido pugnado pela aqui Recorrente, antes se direcionando para o incentivo da participação das PME’s no domínio da contratação pública (considerando 124 da Diretiva de 2014), ou, por exemplo, para a promoção de procedimentos de contratação pública a entidades e a operadores económicos cujo objetivo principal seja a integração social e profissional de pessoas com deficiência ou desfavorecidas, ou a reserva da execução desses contratos para o âmbito de programas de emprego protegido (art. 20.º da mesma diretiva). Isto concatenado com a admissibilidade de pelas Autoridades contratantes de condições especiais de execução de um contrato, como relativas a condições de emprego, desde que as mesmas estejam relacionadas com o objeto do contrato e sejam indicadas no anúncio de concurso ou nos documentos do concurso. Ora, manifestamente não é este o caso dos autos.
» Improcedendo nesta parte o recurso, terá a decisão recorrida que se manter neste ponto.
» Continuando, é tempo de verificar se o Tribunal a quo errou ao ter concluído pela ilegalidade do sistema de remuneração da Recorrente pelos fornecedores, prevista no artigo 9.° do Caderno de Encargos. E, podemos já adiantar, que não.
» […]
» Razão pela qual tem aqui o recurso que improceder.
» Em síntese, por razão de ordem:
» O presente recurso logra vencimento no que respeita à anulação efetuada pelo TAC de Lisboa do art. 9.º, n.º 1, al. a), subalínea ii), al. b), subalínea ii) e al. c), subalínea ii) do PC, devendo estes normativos considerar-se válidos.
» Quanto ao mais, improcede o recurso da Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I.P, sendo que a consequência legal a retirar dos vícios corretamente apreciados pelo Tribunal a quo é a decorrente do art. 283.º do CCP, que assim devem ser respetivamente mantidas, não havendo justificação para que deva ser considerada a aplicação do seu n.º 4, atenta, desde logo, a circunstância de as invalidades assinaladas condicionarem em grau elevado a concorrência na celebração dos contratos a celebrar e/ou celebrados.
» E quanto à condenação determinada em 1.ª Instância, que se mantém, a sua execução, naturalmente, terá que passar a respeitar o decidido no presente acórdão.
» •
» Vejamos agora o recurso interposto pela N...e […], que tem por objeto a parte da decisão recorrida que se apresenta como uma decisão de improcedência (parcial) da ação. Ou seja, o objeto deste recurso é expressamente limitado à decisão relativa à validade dos requisitos financeiros de qualificação, que resultam das normas constantes do artigo 10.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c), do Programa de Concurso e que levou ao seu afastamento do acesso aos lotes 1, 3 e 8.
» Conclui a aqui Recorrente para fundamentar o seu recurso que:
» “7. (…) ficou demonstrado que a ESPAP redigiu os requisitos expressamente dirigidos a admitir (apenas) grandes empresas, como fica claro pelo confronto dos valores estimados dos lotes com os valores de volume de negócios das pequenas, médias e grandes empresas apresentados aos autos pela própria 22 ESPAP; fica claro que a concorrência, efetivamente, não funcionou em nenhum dos lotes nos quais a N.............. não conseguiu aceder; ficou claro que de 18 empresas que levantaram o caderno de encargos, menos de metade apresentou candidatura; ficou claro que havia alternativas credíveis e menos lesivas da concorrência, que a ESPAP não procurou implementar para maximizar o acesso ao seu concurso; ficou claro, por fim, que ao definir tais requisitos de capacidade financeira (melhor, ao definir lotes de dimensão desmesurada com impacto nos requisitos de capacidade financeira), a ESPAP contribuiu para uma tendência, já bem presente, de concentração do mercado do sector.
» “8. Tais elementos inculcam, claramente, a conclusão de que os requisitos de capacidade financeira fixados são ilegais, porquanto violadores dos princípios da proporcionalidade e da concorrência.”
» Contra-alegou a Entidade de Serviços Partilhados, IP, concluindo que a ora Recorrente se limitou a formular conclusões genéricas sobre os factos dados como provados e os elementos considerados no acórdão recorrido, não tendo assim observado o especial ónus de alegação para impugnar a decisão da matéria de facto, e, quanto ao mais, que o julgamento efetuado pelo Tribunal a quo, no que respeita “à validade dos requisitos financeiros de qualificação, que resultam das normas constantes do artigo 10.º, n.º 1, e n.º 2, alínea c), do Programa de Concurso”, não merece qualquer censura. Alega, neste ponto, que ficou demonstrado nos autos que os requisitos mínimos de capacidade financeira (e também os de capacidade técnica, no entender da Recorrida) fixados nos artigos. 9.º e 10.º do PC são proporcionais e adequados às exigências contratuais envolvidas no acordo quadro a celebrar, o mesmo é dizer “adequados à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar”, designadamente “estimando as necessidades de pessoal para afetar à prestação do serviço”.
» Refira-se preliminarmente que a questão que nos vem aqui colocada não envolve a impugnação da matéria de facto fixada. E caso se interpretasse a conclusão 9.ª do recurso nesse sentido, manifesto era que a aqui Recorrente não deu o mínimo cumprimento ao ónus de alegação a que estava obrigada de acordo com o disposto no art. 640.º do CPC. É que nos termos do artigo 640.º do CPC, incumbe ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto o ónus de especificar, sob pena de rejeição, para além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Mais lhe sendo exigido, sob pena de rejeição do recurso na respetiva parte, que no caso de os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas terem sido gravados, a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos considerados relevantes.
» […]
» Resulta, pois, do citado artigo 640.º do CPC a consagração de um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, o qual impendia sobre a aqui Recorrente e que a mesma não satisfez, limitando-se a formular conclusões genéricas sobre o julgamento da matéria de facto.
» Por outro lado, não vindo sequer por aquela identificada a concreta factualidade que seria relevante e relativamente à qual, alegadamente, o Tribunal a quo não emitiu pronúncia no sentido de a levar ao probatório, torna-se inócuo discutir o alegado na conclusão 9.ª do recurso.
» Na verdade, a razão do dissídio reside na valoração da prova que foi efetuada pelo Tribunal a quo. O Tribunal a quo entendeu que para que se pudessem ter por violados os princípios da concorrência e da proporcionalidade, como pretendido pela aqui Recorrente, era necessário que se pudesse concluir que foram os requisitos mínimos de capacidade financeira, tal como estão previstos no artigo 10.º, n.º 1, e n.º 2, alínea c), do PC, que levaram à alegada exclusão da maioria das empresas do sector que estão no mercado. No caso e com exceção dos elementos que se podem extrair dos dados estatísticos trazidos pelo R. aos autos – não sujeitos a qualquer impugnação – desconhece-se inclusivamente a composição do mercado, isto é, o número e a grandeza, por exemplo, em termos de volume de negócio, das empresas que operam no mercado, pelo que não se pode concluir que os referidos requisitos são de tal maneira restritivos que impedem, restringem ou falseiam a concorrência. Afirmou neste particular o Tribunal a quo: “Provou-se que apenas no lote 2 foram qualificados candidatos e admitidas propostas em número superior aos lugares existentes. Nos restantes lotes, o número de propostas admitidas é inferior, ao número de lugares existentes, mas não se prova qual é a expressão que tal situação tem no conjunto das sociedades que operam no sector e, dentre estas, as que estariam em condições de pontualmente executar o contrato. Por outro lado e como já se referiu» também não se pode dar como provado que foram os requisitos mínimos de capacidade financeira que levaram a tal situação. A própria A., que se diz lesada com os requisitos mínimos de capacidade financeira fixados, apenas não preenche tais requisitos quanto aos lotes 1, 3 e 8, sendo que foi qualificada, quanto a esse fator, nos restantes 5 lotes a que se refere o procedimento”.
» Ora, em face do probatório fixado, não se vê razão para censurar o raciocínio efetuado pelo Tribunal a quo e que o levou a concluir que seria necessário, para que se pudesse estabelecer uma conexão de causa-efeito, que haviam sido os requisitos mínimos de capacidade financeira, tal como estão previstos no artigo 10.º, n.º 1, e n.º 2, alínea c), do PC, que tinham levado à alegada exclusão da maioria das empresas do sector que estão no mercado. O que os autos efetivamente não permitem minimamente indiciar.
» Com efeito, acompanhamos o raciocínio do Tribunal a quo quando deixa expresso:
» “Quanto aos restantes requisitos de capacidade financeira que não resultam diretamente do CCP, dos quais, apenas, se exige o cumprimento de dois (cfr. n.º 2 do artigo 10.º do PC), defende que os mesmos são um indicador fiável da solidez financeira dos candidatos e que foram fixados para assegurar que os contratos celebrados ao abrigo do acordo quadro possam ser eficazmente cumpridos. No que toca à média aritmética do volume de negócios nos exercícios de 2011 e 2012, a Ré definiu este requisito com vista a garantir que os candidatos têm uma indiciaria capacidade para cumprir as obrigações do acordo quadro e que não se tornarão empresas demasiado dependentes da faturação proveniente da Administração Pública, tendo em conta os prazos de pagamentos normalmente praticados por esta. Alega que estes valores foram definidos pela análise efetuada ao desempenho dos cocontratantes do atual acordo quadro, bem como sustentados por dados estatísticos do Banco de Portugal que indicam que a média do volume de negócios para as pequenas empresas é de cerca de € 800 000,00, para as médias empresas de € 4 400 000,00 e para as grandes empresas de € 53 800,000,00 e que os mesmos se encontram em consonância com os definidos na al. c), do n.º 2, do art.° 10.º do PC, isto é, para os lotes 2, 4, 5, 6 e 7: € 750 000,00, para os lotes l e 3 : € 4 000 000,00 e para o lote 8 de € 4 000 000,00.
» “Relativamente à média aritmética da liquidez geral relativa aos anos de 2011 e 2012, diz que por ter sido fixada num valor igual ou superior a 1 em dois anos, a mesma garante, em termos indiciários, que os candidatos não se encontram numa situação extrema de incapacidade financeira de curto prazo e que dispõem de recursos financeiros para garantir a confeção de alimentos, o transporte e os recursos humanos necessários ao fornecimento das entidades adquirentes, tal como definido no presente Concurso, e para vigorar durante o período de vigência do acordo quadro.
» “Quanto à média aritmética da autonomia financeira relativa aos anos de 2011 e 2012, diz que a fixou, para um período de 2 anos, em zero, o que diz estar de acordo com as boas práticas financeiras e que a mesma garante a cobertura das dívidas pelos capitais propícios.
» “A fixação dos requisitos mínimos de capacidade financeira cai no âmbito dos poderes discricionários do R. e visa assegurar que os candidatos têm aptidão para mobilizar os meios financeiros necessários para o integral cumprimento das obrigações que resultem do contrato a celebrar - n.º 4 do art.° 165.º do CCP.
» “Na fixação dos referidos requisitos, o R. encontra-se limitado, entre outros e para o que aqui interessa, pelos princípios da proporcionalidade e da concorrência. Por força do princípio da concorrência, o procedimento concursal deve ser gizado de forma a garantir a mais ampla admissão de concorrentes, não podendo fixar-se requisitos restritivos de qualificação que não encontrem uma base justificativa perante o objeto do contrato. O princípio da proporcionalidade impõe que os requisitos mínimos definidos para aferir da capacidade financeira, sejam necessários, adequados e proporcionais em sentido estrito. Refere-se no ac. do TCAN de 22/04/2010, proc.º n.º 01327/09, in www.dgsi.pt, que “O princípio da proporcionalidade, definido no n.º 2 do art. 5.º do CPA, é uma norma que numa relação de meio fim determina a medida certa, a «justa medida», e que no lado oposto estabelece a proibição do excesso, em qualquer das perspetivas em o mesmo se possa manifestar: falta de adequação» de necessidade e de equilíbrio. É um princípio de adequação, no sentido de que a medida adotada para a prossecução do interesse público deve ser apropriada ou idónea ao fim ou fins a ele subjacentes; um princípio de necessidade, no sentido de não haver outro meio adequado para alcançar o fim que seja menos oneroso para a comunidade e para os particulares, designadamente no que se refere á limitação ou ablação de direitos e interesses legalmente protegidos; e um principio de equilíbrio, no sentido de que a medida tomada tem que ser um meio razoável, de modo a que as vantagens intentadas não devam estar em notória desproporcionalidade como os custos incorridos.”
» “No caso e no que se refere à fixação dos valores “v” (valor económico estimado do contrato para cada lote) e "f” (9, definido para todos os lotes, o qual pode variar entre 1 e 10, sendo este último valor o menos exigente) da fórmula a que se refere o anexo IV do CCP, diz o R. que tais valores tiveram como referência os dados estatísticos colhidos no OE dos anos de 2010, 2011 e 2012, relativos à despesa com refeições confecionadas, complementados com os valores dos pagamentos líquidos de 2012, donde resultou um valor global médio que serviu de estimativa para a fixação dos valores dos contratos a celebrar para os vários lotes, sendo que o valor do contrato relativo aos lotes 2, 4, 5, 6 e 7 corresponde a cerca de 10% do valor global, o relativo aos lotes l a 3, a cerca de 30% e o do lote 8 a 60% desse valor. O valor da variável "f” foi fixado em 9 quando o máximo admissível e mais favorável à A. seria 10. Quanto a este valor, alega o R., no que não foi contraditado pela Á., que, ainda que tivesse sido fixado o valor 10» a A. não cumpriria os requisitos mínimos de capacidade financeira para os lotes em que foi excluída (1, 3 e 8).
» “No caso, não foi posto em causa o acerto, a exatidão, dos dados estatísticos de que o R. se serviu . Se se considerar a concreta dimensão dos lotes, tal como fixada no PC e os dados estatísticos que serviram de referência ao R., há que concluir que os valores económicos dos contratos que foram definidos pelo R, para cada um dos lotes, não se mostram desproporcionados, desequilibrados, em termos tais que os possamos ter por violadores dos princípios da concorrência e da proporcionalidade.”
» Para se poder concluir de modo diverso importava que a aqui Recorrente demonstrasse que os valores económicos dos contratos que foram definidos para cada um dos lotes eram desproporcionados ou desequilibrados, o que não logrou fazer. Dito de outra forma, permanecendo intocadas as premissas de facto, não se vê fundamento para alterar a conclusão alcançada num silogismo que se apresenta, quer formalmente, quer materialmente, correto.
» Pelo que, improcede este recurso.
» *
» III. Conclusões
» Alinhando as principais conclusões a extrair do que se vem de deixar estabelecido:
» […]
» ii) Os tribunais administrativos não se podem substituir aos particulares na formulação de valorações que pertencem à respetiva autonomia privada, como também não se podem substituir às entidades públicas na formulação de valorações que, por já não terem carácter jurídico, mas envolverem a realização de juízos sobre a conveniência e oportunidade da sua atuação, se inscrevem no âmbito próprio da discricionariedade administrativa.
» iii) É à Administração que cabe, no âmbito da discricionariedade que detém e no da margem de livre decisão, a definição do interesse público a prosseguir.
» iv) Encontra acolhimento na alínea a), do n.º 1, do artigo 165.º do CCP, que prevê precisamente a “experiência curricular dos candidatos”, o requisito mínimo de capacidade técnica que exige experiência prévia em fornecimentos semelhantes ao objeto do presente acordo quadro, com um determinado valor consoante o lote a que se candidatem.
» v) É injustificada e exigência de um requisito de qualificação, relativo à capacidade técnica do candidato, de apenas se poderem considerar os trabalhadores ao serviço dos candidatos que sejam por estes diretamente remunerados e estejam registados na IES. Tais normas são discriminatórias dos candidatos que, em 2012, tenham utilizado trabalhadores no âmbito do regime jurídico do contrato de trabalho temporário ou hajam subcontratado a mão de obra necessária à prestação do serviço e os candidatos que o não tenham feito, sendo inválidas por violação dos princípios da igualdade e da concorrência.
» vi) Nos termos dos artigos 168.º, n.º 4 e 179.º, n.º 2, ambos do CCP, admite-se que os candidatos possam invocar a capacidade técnica de terceiros para preencher esses requisitos e independentemente do vínculo jurídico estabelecido com eles, nomeadamente o de subcontratação.
» vii) A circunstância de na al. e) do n.º 2 do art. 10.º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 117-A/2012, de 14 de junho, se prever que a ESPAP, IP., dispõe de quaisquer outras receitas que lhe sejam atribuídas por lei, contrato ou outro título, não abarca as receitas que pode cobrar pelos serviços prestados no âmbito do SNCP, por a cobrança destas carecer e encontrar-se pendente de regulamentação.
» viii) Não vindo foi posto em causa o acerto, a exatidão, dos dados estatísticos de que a ESPAP, IP. se serviu para o efeito, a concreta dimensão dos lotes, tal como fixada no PC e os dados estatísticos que serviram de referência, terá que concluir-se que os valores económicos dos contratos que foram definidos, para cada um dos lotes, não se mostram desproporcionados, desequilibrados, em termos tais que possam ser tidos por violadores dos princípios da concorrência e da proporcionalidade.
» *
» IV. Decisão
» Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
» — Negar provimento ao recurso da N.............. – Sociedade ………………, Lda.;
» — Conceder parcial provimento ao recurso da Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I.P; e
» — Revogar a sentença recorrida na parte respeitante à anulação efetuada pelo TAC de Lisboa do art. 9.º, n.º 1, al. a), subalínea ii), al. b), subalínea ii) e al. c), subalínea ii) do PC, devendo estes normativos considerar-se válidos, mantendo-se o demais decidido […]» (cf. doc. 2 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).

1.12) A ora autora e a aqui entidade demandada interpuseram recurso de revista da decisão referida em 1.11), na parte em que lhes era desfavorável, para o Supremo Tribunal Administrativo (facto admitido por acordo — cf. artigos 7.º da petição inicial, 4.º da contestação da entidade demandada com a retificação oportunamente apresentada, e 8.º da contestação da contrainteressada SUCH).

1.13) No âmbito do processo que correu termo no Supremo Tribunal Administrativo sob o n.º 0571/16, foi a 08.09.2016 proferido acórdão no qual se deixou consignado, nos respetivos excurso fundamentador jurídico e dispositivo, além do mais, o seguinte: «II. O direito
» Resulta do anterior relato que a Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I.P. (ESPAP) abriu um concurso limitado por prévia qualificação com vista à celebração de um acordo-quadro, com a duração de 2 anos, para o fornecimento de refeições confecionadas, tendo dividido o seu objeto em oito lotes, correspondentes a outras tantas regiões geográficas do país, para os quais os interessados tinham de apresentar propostas individualizadas (al.ªs a) a f) da M.F.).
» O seu Programa de Concurso (PC), no art.º 9.º, estabeleceu os requisitos mínimos de capacidade técnica que os interessados deviam preencher para poderem concorrer a cada um desses lotes e, no art.º 10.º, fixou os requisitos mínimos de capacidade financeira (al.ªs i) e j) do probatório). E o Caderno de Encargos (CE) exigiu, no seu art.º 9.º, que os concorrentes remunerassem a ESPAP, semestralmente, pelos serviços por ela prestados “no âmbito das suas atribuições e relacionados com o acordo quadro, por um valor líquido correspondente a 1% sobre o total da faturação emitida, sem IVA, às entidades adquirentes naquele período.”
» Inconformada com o facto do Júri ter proposto “a sua passagem à fase seguinte do procedimento do concurso, em relação ao lote 2 e a não qualificação em relação aos lotes 1, 3, 4, 5, 6, 7 a 8, pois não reúne os requisitos da capacidade técnica constante da subalínea i) das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 9.º do PC para os lotes 1, 3 e 8, subalínea II) das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 9.º do PC para os lotes 1,4, 5, 6, 7 e 8, e da capacidade financeira estabelecidos no n.º 1 do artigo 10.º do PC para os lotes 1, 3 e 8” (al.ª x da M.F.) e convencida não só da ilegalidade das exigências referentes à capacidade técnica e financeira constantes dos art.ºs 9.º e 10.º do PC mas também da ilegalidade da obrigatoriedade da obrigação remuneratória contida no art.º 9.º do CE, a A N... …, Lda., intentou, no TAC de Lisboa, contra a ESPAP, ação de contencioso pré-contratual pedindo:
» 1 - Que se declarassem inválidos:
» a) Os requisitos de capacidade técnica e financeira fixados nos art.ºs 9.º e 10.º, n.º 1 e n.º 2, al.ª c), do Programa de Concurso - isto é, que se abolisse que os candidatos tinham de ter um mínimo de trabalhadores remunerados e registados na declaração de Informação Empresarial Simplificada e que não tivessem de demonstrar terem tido, entre 1 de Janeiro de 2012 e a data da apresentação da candidatura (10/02/2014), duas experiências de fornecimentos semelhantes ao objecto do concurso na região do lote a que se candidatavam e, no que tocava à capacidade financeira, que não tivessem de cumprir as exigências contidas no citado art.º 10.º
» b) A exigência remuneratória da ESPAP fixada na cláusula 9.ª do Caderno de Encargos.
» 2 - E que se condenasse a Ré a abster-se de praticar quaisquer atos, designadamente de qualificação, de adjudicação ou de exclusão de candidaturas, sem que as referidas peças concursais fossem corrigidas de acordo com a pretensão agora formulada e que se renovasse o procedimento de acordo com as novas regras substitutivas das anuladas, após o que o aquele deveria seguir os seus termos até à decisão final.
» Para tanto alegou que os referidos requisitos relativos à capacidade técnica e financeira eram ilegais, por um lado, porque, no tocante à capacidade técnica, as exigências relativas à experiência territorial e ao número mínimo de trabalhadores violavam os princípios da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade, por outro, porque os requisitos de capacidade financeira violavam os princípios da proporcionalidade e da concorrência e, finalmente, porque a cláusula 9.ª do Caderno de Encargos era inválida não só por carecer de habilitação legal como por ser excessiva e injustificada violando, por isso, o art.º 10.º/4 do DL 117-A/2012 e os princípios de proporcionalidade e boa fé.
» O TAC declarou “a invalidade das normas que constam das alíneas a), subalíneas, i) e ii), b), subalíneas i) e ii) e c), subalíneas i) e ii) do n.º 1 do art.° 9.º do PC e do art.° 9.º do CE" e “a invalidade dos acordos quadro celebrados para os lotes 1 e 3 a 8”, pelo que anulou “os atos de qualificação e exclusão das propostas da Autora aos lotes 1 e 3 a 8, bem assim como os atos de adjudicação proferidos nesses lotes” e, em consequência, condenou a Ré “a retomar o procedimento, elaborando novos requisitos de capacidade técnica e a alterar a cláusula 9.ª do CE, de forma a prosseguir com o procedimento sem que se verifiquem os vícios acima apontados.”
» Autora e Ré interpuseram recurso para o TCA Sul e este, por Acórdão de 10/03/2016, negou provimento ao recurso da Autora, centrado na decisão do TCA referente à capacidade financeira, e concedeu parcial provimento ao recurso da Ré, do que resultou a revogação da sentença recorrida apenas na “parte respeitante à anulação efetuada pelo TAC de Lisboa do art. 9.º, n.º 1, al. a), subalínea ii), al. b), subalínea ii) e al. c), subalínea ii) do PC, devendo estes normativos considerar-se válidos, mantendo-se o demais decidido.”
» É desta decisão que vêm os presentes recursos de revista interpostos tanto pela Autora como pela Ré os quais foram admitidos por ter sido considerado que os mesmos traziam “matérias complexas e de grande impacto na contratação pública, só por si justificativas da admissão das revistas.”
» Vejamos, pois, apreciando-se conjuntamente ambos os recursos, atenta a intercomunicação das questões neles suscitadas as quais, fundamentalmente, se centram na questão saber qual a margem de liberdade de que a Ré dispõe para estabelecer os requisitos de capacidade técnica e financeira no concurso ora em causa, isto é, para delimitar o âmbito da sua autonomia nessa matéria, e na questão de saber se lhe era, ou não, lícito impor às entidades adjudicatárias a obrigação de pagamento contida no art.º 9.º do CE.
» 1. O procedimento escolhido pela ESPAP, ao abrigo do art.º 18.º do Código dos Contratos Públicos (doravante CCP), foi o concurso limitado por prévia qualificação regulado nos seus art.ºs 162.º a 192.º, isto é, um procedimento a que só podia ter acesso quem preenchesse os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira por ela estabelecidos, os quais tinham de ser “adequados à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar”, designadamente à experiência curricular dos candidatos, aos seus recursos humanos, ao seu modelo e capacidade organizacional (vd. art.ºs 164.º 1/h) e i) e 165.º/1), 2) e 3) do mesmo Código).
» O que vale por dizer que a ESPAP tinha, logo à partida, o poder de afastar uma parte dos potenciais interessados ao concurso não só através do modelo de procedimento escolhido como da eleição dos mencionados requisitos. O que a obrigava a usar esse poder de forma criteriosa e fundamentada (art.º 38.º do CCP) pois que, se o não fizesse, poderia incorrer na violação dos princípios gerais que enformam a atividade administrativa, maxime dos princípios da concorrência, da proporcionalidade, da igualdade e da imparcialidade (art.ºs 3.º a 10.º do CPA) e dar azo a uma anulação do procedimento.
» Por ser assim a ESPAP, previamente àquela escolha, tinha de fazer uma ponderação valorativa de todos os requisitos que se propunha elencar como condição do acesso ao concurso sendo-lhe, no entanto, proibido eleger requisitos sem base racional e sem fundamento legal, destinados apenas a limitar de forma injustificada esse acesso e, nessa medida, requisitos que se apresentassem como um injustificado entrave à salutar concorrência afastando, logo nessa fase inicial de pré qualificação, interessados que poderiam reunir as condições necessárias a um cumprimento satisfatório do contrato. Ou seja, e dito de forma mais enfática e mais direta, era-lhe proibido estabelecer requisitos que permitissem a manipulação do concurso e, por via dela, facilitassem que o seu objeto fosse entregue a quem a ESPAP, antecipadamente, tinha selecionado. Só desse modo se garantia que a escolha do procedimento e os requisitos do seu acesso estavam de acordo com a lei e contribuíam para a real satisfação do interesse público.
» E o que ficou dito é essencial na economia da questão a resolver por esta ser, precisamente, a de saber se, por um lado, a ESPAP estabeleceu requisitos de capacidade técnica excessivamente restritivos e se, por essa razão, violou os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da concorrência e, por outro, saber em que medida e até que ponto é que essa fixação pode ser objeto de sindicância judicial.
» 2. É pacificamente aceite caber à Administração – e, portanto, no caso, à ESPAP – a definição dos termos do concurso e a fixação dos critérios que o enformarão por essa tarefa constituir uma competência sua, reservada, inserida na “margem de livre apreciação” ou das “prerrogativas de avaliação” de que dispõe. Como também se não discute que esse poder, inserido no âmbito da discricionariedade administrativa, não pode ser usado arbitrariamente visto a liberdade de que a Administração dispõe para esse efeito lhe ter sido concedida para melhor defender o interesse público e não para, injustificadamente, afastar do procedimento uma parte dos potenciais interessados. O que, de resto, se afeiçoa com uma verdade que, também, não sofre contestação: a de que o poder discricionário, por ser um poder fundado na lei, só pode ser exercido dentro dos limites por ela traçados, desde logo, os decorrentes dos já citados princípios gerais da atividade administrativa.
» Daí que o mesmo não esteja a salvo de sindicância judicial a qual, porém, não é plena por a mesma, sob pena de violação do princípio da separação do poder judicial do poder administrativo, não poder abarcar o juízo da Administração quando ele se contenha dentro de coordenadas técnicas ou de planos que não extravasam a sua margem de decisão nas situações de não vinculação. Regra que só pode ser quebrada quando for visível que, apesar do apelo a regras técnicas, a Administração agiu com um erro grosseiro ou manifesto a merecer uma censura particular ou quando seja visível que a invocação de tais regras e a formulação de tais juízos foi feita com violação dos princípios gerais a que a sua atividade está subordinada. Não ocorrendo esse tipo de situações, onde se compreende que a sindicância judicial vá além da dimensão garantística ou formal da atividade, o Tribunal tem de respeitar a autonomia e o poder de decisão administrativo, não lhe sendo lícito sobrepor os seus juízos e valorações aos juízos e valorações da Administração.
» Sendo assim, isto é, cabendo à Administração definir a forma e o conteúdo dos concursos que promove e agindo, nessa matéria, com manifesta liberdade decisória, o que limita a sua sindicabilidade judicial nos termos já expostos, resta apurar se, no caso, ocorreu a alegada violação dos citados princípios gerais da atividade administrativa na fixação dos requisitos de capacidade técnica fixados pela ESPAP no art.º 9.º do Programa do Concurso (PC), uma vez que no tocante à alegada ilegalidade dos requisitos da capacidade financeira o TAC concluiu que a Autora carecia de razão e, por isso, nessa parte, julgou a ação improcedente.
» Decisão que o Acórdão recorrido sufragou sem impugnação da Autora, como se pode ver das conclusões do seu recurso.
» Deste modo, e no tocante aos requisitos da capacidade financeira, a decisão sob censura tenha transitado.
» Resta-nos, pois, analisar se o Acórdão sob censura decidiu bem no tocante aos requisitos de capacidade técnica.
» 3. O art.º 9.º do PC estipulava que só poderia concorrer:
» — Quem demonstrasse ter tido, no mínimo, duas experiências em fornecimentos semelhantes ao objeto do concurso na região do lote a que se candidatava - com os valores de 100 000,00 euros (para os Lotes 2, 4, 5, 6 e 7), 200 000,00 euros (para os Lotes 1 e 3) e 500 000,00 euros (para o Lote 8) – as quais que tinham de ter ocorrido entre 1 de janeiro de 2012 e a data da apresentação da candidatura (10/02/2014) (vd. subalínea ii das suas al.ªs a), b) e c) do seu n.º 1).
» — E quem tivesse um determinado número de trabalhadores ao seu serviço remunerados e registados na declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) (subalíneas i das al.ªs a), b) e c), do mesmo n.º 1) – vd. al.ª i) da M.F.
» A Autora, repetindo o que vem dizendo desde a petição inicial, sustenta que tais exigências tiveram por único fito afastar do concurso empresas que, como ela, sempre estiveram no mercado com qualidade negando-lhes, por essa via, a possibilidade de virem a ser fornecedoras das muitas entidades públicas abrangidas pelo âmbito de aplicação do concurso ora em causa. E que, sendo assim, tais exigências eram desrazoáveis, desproporcionadas e discriminatórias, violando os princípios da concorrência, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento.
» Argumentação que, quer no tocante à exigência do número mínimo de trabalhadores remunerados e registados na declaração de IES que os concorrentes deveriam quer no que tange à exigência de experiências anteriores em fornecimentos semelhantes ao objeto do concurso na região do lote a que concorriam, convenceu o Tribunal de 1.ª instância que declarou esses requisitos ilegais o que o levou (1) a anular os atos de qualificação e exclusão das propostas da Autora aos lotes 1 e 3 a 8 e bem assim os correspondentes atos de adjudicação e (2) a condenar a ESPAP a retomar o procedimento após a correção dessas ilegalidades.
» Relativamente à exigência de experiências anteriores, ponderou o seguinte:
» “No caso, a exigência, a título de requisito mínimo de capacidade técnica, de duas experiências em fornecimentos semelhantes na região do lote a que os interessados se candidatem, com a imposição de que tais experiências tenham ocorrido entre 1 de janeiro de 2012 e a data da apresentação da candidatura e atinjam os valores de 100 000,00€, de 200 000,00€ ou de 500 000,00€, consoante os lotes, não se mostra necessária, por ser dispensável para assegurar que o adjudicatário tem a necessária experiência para o cumprimento do contrato no lote a que se candidatar.
» “É que não resulta das peças processuais que interesse local é esse que tem de ser satisfeito e que impõe que o concorrente tenha essas duas experiências em cada um dos lotes, tudo de forma a poder tê-lo aí como um concorrente qualificado para poder apresentar uma proposta. Que especificidades existem em cada um dos lotes para que se imponha, como requisito mínimo de capacidade técnica, a existência de experiência no fornecimento de refeições na área de cada um dos lotes? Nada é dito. Não se vê porque é que a experiência que um interessado tem no fornecimento de refeições num dos lotes, não possa relevar e ser aproveitada para aferir da sua qualificação para os outros lotes e nem se percebe porque é que têm de ser duas experiências. Tal raciocínio sai reforçado se se considerar que entre 2010 a 2012 vigorou um acordo quadro com objeto idêntico ao do presente procedimento e em que, portanto, o número de operadores no mercado suscetível de apresentar as duas experiências ora requeridas no âmbito de um mesmo lote e no período de tempo estabelecido, fica condicionado por essa circunstância.
» “Ou seja, a exigência das duas referidas experiências apresenta-se como um requisito mínimo que se introduziu no procedimento que não é adequado face ao objeto do procedimento, pois nada demonstra que concorrentes que tenham experiência em fornecimento de refeições em determinado lote, não possam ser tidos como qualificados para as fornecer noutros lotes. Constitui uma limitação que é discriminatória e apresenta-se injustificadamente restritiva do universo de interessados suscetíveis de ser admitidos a concorrer e contratar.”
» 4. Ora, o Acórdão recorrido reputou de errada essa decisão.
» Desde logo, porque a Ré ao fixar tal requisito agiu no âmbito da discricionariedade e da margem de livre decisão que detinha, dispondo de “uma liberdade de preenchimento valorativo do conceito indeterminado, pautado pelos critérios fornecidos pela legalidade material ou mais extensamente pelo bloco de legalidade.” O impedia que os Tribunais se pudessem “substituir às entidades públicas na formulação de valorações que, por já não terem carácter jurídico, mas envolverem a realização de juízos sobre a conveniência e oportunidade da sua atuação, se inscrevem no âmbito próprio da discricionariedade administrativa. Neste sentido, a admissibilidade de uma reserva geral de administração funda-se, em primeira linha, no princípio da separação de poderes e na sua função estruturante do poder do Estado. Este princípio faz com que seja reservado um domínio de atuação livre de influências ou ingerências de outros poderes. Do princípio da separação de poderes decorre ainda um imperativo de moderação e equilíbrio que impede cada órgão do Estado de invadir o núcleo essencial da competência de qualquer dos outros.”
» Por essa razão aceitou que, “no que concerne à experiência prévia em fornecimentos semelhantes ao objeto do presente acordo quadro, com um determinado valor consoante o lote a que se candidatem” se pudesse exigir que os candidatos demonstrassem possuir capacidade mínima e a experiência necessária para fazer face às contratações que seriam efetuadas ao abrigo do acordo-quadro e que, por isso, nada de ilegal existia nas normas concursais que exigiam a “apresentação de duas declarações de clientes públicos ou privados que atestem serviços prestados entre 1 de janeiro de 2012 e a data de apresentação da candidatura (cerca de 2 anos) com os valores de EUR 100 000,00 (para os Lotes 2, 4, 5, 6 e 7), EUR 200 000,00 (para os Lotes 1 e 3) e EUR 500 000,00 (para o Lote 8)”, uma vez que tal permitia “comprovar que o candidato possui os meios e as condições necessárias para fornecer refeições confecionadas de acordo com dimensão dos lotes. Sendo que a determinação dos valores para as declarações a apresentar para cada lote teve por base a experiência adquirida através da monitorização do anterior acordo quadro, refletida nos relatórios de faturação e contratação das entidades públicas contratantes. E pela análise destes números, como alega a Recorrente, é possível concluir que o requisito mínimo relativo a fornecimentos anteriores corresponde a valores em linha com as contratações evidenciadas, em que apenas 3 (três) contratos se situaram abaixo dos EUR 100 000,00.
» “Nesta conformidade, contrariamente ao que foi entendido pelo tribunal a quo, os valores fixados obedecem ao princípio da proporcionalidade e não distorcem a concorrência.
» “Aliás, este requisito mínimo de capacidade técnica encontra acolhimento na alínea a), do n.º 1, do artigo 165.º do CCP que prevê precisamente a “experiência curricular dos candidatos”.
» “A fixação dos requisitos mínimos, sendo discricionária … não é naturalmente arbitrária. Ou seja, o estabelecimento de uma fasquia de exigência técnica e/ou financeira que afasta da adjudicação quem não obedeça a esse grau mínimo de exigência – naturalmente um fator em si de limitação da concorrência – terá que estar em linha com um critério de necessidade e adequação face à natureza das prestações contratuais a adjudicar, sob pena de violação da concorrência.
» “E, temos para nós que a experiência dos candidatos não pode deixar de ser atendida, uma vez que se trata de um fornecimento em que estará sempre em causa a saúde dos destinatários dos bens e serviços, devendo a contratação garantir a capacidade das entidades fornecedoras para a prestação do serviço objeto do acordo quadro. Ou seja, a regra encontrada e que aqui vem colocada em crise justifica-se e é proporcional aos objetivos a prosseguir.
» “Procede, pois, o recurso nesta parte, não podendo a decisão recorrida manter-se neste ponto do dispositivo.”
» 5. Decisão que a Autora rejeita por considerar que a mesma decorre de uma errada interpretação dos “artigos 1.º, n.º 4, 165.º, n.ºs 1 e 5, e 252.º, n.º 2, todos do CCP, na parte em que formulam os princípios da concorrência, da igualdade de tratamento e não discriminação e da proporcionalidade, bem como as normas, que igualmente consagram esses princípios ou dimensões dos mesmos, dos artigos 56.º e 61.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e dos artigos 32.º, n.º 2, 5.º par. e 44.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2004/18/CE, de 28 de março”, pelo que requer a sua revogação.
» E há que reconhecer que tais críticas têm razão de ser.
» Vejamos porquê.
» 6. Surpreende, com efeito, que para avaliação da capacidade técnica de um concorrente só relevassem as experiências em fornecimentos semelhantes que o mesmo teve num curto período temporal - entre janeiro de 2012 e fevereiro de 2014 - na região do lote a que concorria e que todas as outras não fossem valorizadas. O que levou o TAC, com toda a pertinência, a perguntar: “Que especificidades existem em cada um dos lotes para que se imponha, como requisito mínimo de capacidade técnica, a existência de experiência no fornecimento de refeições na área de cada um dos lotes?” Pergunta a que a ESPAP não deu resposta.
» Ora, se, como a ESPAP sustenta, aquela exigência visava garantir a solvabilidade, a qualidade e a fiabilidade do concorrente para satisfazer os fornecimentos que lhe pudessem ser adjudicados não se percebe porque razão é que tais experiências tinham de ter tido lugar na região do lote a que se candidatava e que a todas as outras fossem irrelevantes para o efeito. E isto porque, socorrendo-nos da lógica e da razoabilidade, a competência de um concorrente para fornecer refeições de qualidade numa região será, por certo, replicada nas outras regiões onde também forneça refeições e que só razões excecionais impedirão que assim não seja.
» Daí não fazer sentido desconsiderar por inteiro a experiência do concorrente no fornecimento das refeições objeto do concurso noutras regiões e, consequentemente, desvalorizar por completo a importância desse trabalho na avaliação da sua competência para satisfazer o correto cumprimento do contrato. Só assim não seria se a ESPAP demonstrasse que esse raciocínio fundado na lógica e na razoabilidade era falacioso e que só poderia ficar tranquila e prever que os seus objetivos seriam cumpridos se a decisão que tinha de tomar só pudesse ser ancorada na análise das refeições fornecidas na região do lote a que os candidatos concorriam, demonstrando porque razão as experiências tidas noutras regiões do país eram imprestáveis.
»Ora, tal não foi feito.
» Nesta conformidade, e não se questionando o direito da ESPAP de, logo na fase de qualificação dos candidatos, estabelecer um requisito de capacidade técnica que podia afastar do concurso quem não o respeitasse, é forçoso concluir que essa liberdade não lhe permitia estabelecer requisitos sem base racional e sem que os mesmos fossem adequados e proporcionais em relação ao objeto do concurso pondo em causa, dessa forma, os princípios da concorrência e da proporcionalidade.
» Ora, foi isso que aconteceu in casu, conclusão que se retira do facto da referida exigência ser ilógica e da ESPAP não ter demonstrado que a mesma era indispensável para garantir que o candidato possuía os meios e as condições necessárias para fornecer satisfatoriamente as refeições confecionadas de acordo com dimensão dos lotes a que concorria. Exigência que era tanto mais incompreensível quanto é certo, como refletiu o TAC, “que entre 2010 a 2012 vigorou um acordo quadro com objeto idêntico ao do presente procedimento e em que, portanto, o número de operadores no mercado suscetível de apresentar as duas experiências ora requeridas no âmbito de um mesmo lote e no período de tempo estabelecido, fica condicionado por essa circunstância.”
» Deste modo, haverá que concluir que tal requisito era injustificadamente limitativo e, nessa medida, desadequado e desproporcional face à natureza das prestações contratuais a adjudicar só podendo ser interpretado como uma forma de restringir, sem fundamento legal, as candidaturas dos potenciais interessados afastando-os, arbitrariamente, do procedimento.
» O referido requisito constituiu, assim, uma violação do que se prescreve no art.º 165.º do CCP, bem como dos princípios da concorrência, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento.
» O recurso da Autora procede, pois, nesta parte o que conduz à declaração de invalidade das subalíneas ii das al.ªs a), b) e c) do n.º 1 do art.º 9.º do PC.
» 7. A ESPAP, por seu turno, insurge-se com o Acórdão quando este - sufragando a decisão do TAC - declarou que restrição imposta pelas subalíneas i das al.ªs a), b) e c), do n.º 1, do art.º 9.º do PC não encontrava justificação bastante face ao objeto e às finalidades do contrato e que, sendo assim, tais normas eram ilegais.
» Decisão que foi assim fundamentada:
» “Com efeito, como dito pelo Tribunal a quo, os requisitos mínimos de capacidade técnica dos candidatos destinam-se a aferir se o concorrente tem a necessária dimensão, estrutura, capacidade para executar adequadamente o contrato.
» “Ora, certo é que nos termos dos artigos 168.°, n.º 4 e 179.°, n.º 2, ambos do CCP, admite-se que os candidatos possam invocar a capacidade técnica de terceiros para preencher esses requisitos e independentemente do vínculo jurídico estabelecido com eles, nomeadamente o de subcontratação. E se assim é, a restrição imposta pelas normas que constam das als. a), subalínea i, b) subalínea i e c), subalínea i) do n.º 1 do art.° 9.°, do PC, donde resulta que apenas se podem considerar os trabalhadores ao serviço dos candidatos que sejam por estes (diretamente) remunerados e estejam registados na IES, não encontra justificação bastante face ao objeto do contrato, pois a natureza do vínculo jurídico que liga os trabalhadores às sociedades que se apresentem agora ao procedimento concursal e a circunstância destas pagarem diretamente ou não a remuneração aos trabalhadores, são irrelevantes para aferir da capacidade técnica ao dispor de cada um dos concorrentes. Tais normas são discriminatórias dos candidatos que, em 2012, tenham utilizado trabalhadores no âmbito do regime jurídico do contrato de trabalho temporário ou hajam subcontratado a mão de obra necessária à prestação do serviço e os candidatos que o não tenham feito, sendo inválidas por violação dos princípios da igualdade e da concorrência.
» “Neste capítulo tem razão a Recorrida quando contra-alega: «O argumento, inatacável, do Tribunal, é que o requisito em questão, ao ignorar parcelas representativas de recursos humanos que podem ser utilizados pelas empresas - o douto acórdão refere expressamente os trabalhadores em regime de trabalho temporário, e os trabalhadores de empresas subcontratadas - fornece um quadro que não só é insuficiente, como é também discriminatório, pois diferencia de acordo com um fator que tem de ser estranho à entidade adjudicante, qual seja, o fator do tipo de relação jurídica que une o candidato ao trabalhador a que ele recorre». Com efeito, como também por si referido, a posição seguida pelo Tribunal a quo está em sintonia com a doutrina que se pode extrair do acórdão deste TCAS de 7.02.2013, proc. n.º 9613/13.
» “É certo que a Recorrente vem invocar que com esta limitação pretende contribuir para um fim de “contratação estratégica”, permitida pela Diretiva 2004/18/CE, bem como pela Diretiva 2014/24/EU. Sucede que os normativos por si invocados dizem respeito à execução do contrato e não à identificação de um requisito de capacidade técnica e situam-se numa outra dimensão.
» “…
» “O enquadramento do direito da União, veiculado pelas citadas diretivas, salvo o devido respeito, não é invocável no sentido pugnado pela aqui Recorrente, antes se direcionando para o incentivo da participação das PME’s no domínio da contratação pública (considerando 124 da Diretiva de 2014), ou, por exemplo, para a promoção de procedimentos de contratação pública a entidades e a operadores económicos cujo objetivo principal seja a integração social e profissional de pessoas com deficiência ou desfavorecidas, ou a reserva da execução desses contratos para o âmbito de programas de emprego protegido (art. 20.º da mesma diretiva). Isto concatenado com a admissibilidade de pelas Autoridades contratantes de condições especiais de execução de um contrato, como relativas a condições de emprego, desde que as mesmas estejam relacionadas com o objeto do contrato e sejam indicadas no anúncio de concurso ou nos documentos do concurso. Ora, manifestamente não é este o caso dos autos.
» “Improcedendo nesta parte o recurso, terá a decisão recorrida que se manter neste ponto.”
» A ESPAP rejeita este entendimento por considerar, por um lado, que o número de trabalhadores exigido pelo art.º 9 do PC foi calculado tendo em conta os dados oficiais publicados pelo Banco de Portugal para as empresas do setor e, por outro, que tal requisito visava garantir que os candidatos possuíam “os recursos necessários para fornecer a procura esperada em cada região do país e que esses recursos possuem vínculos laborais à empresa … não podendo, atentas as dimensões expectáveis dos fornecimentos, ser consideradas as pequenas e micro empresas que são, assim, as únicas a não poderem integrar o acordo quadro.”
» Daí que fosse conforme ao ordenamento jurídico nacional e comunitário instituir um requisito restringindo o concurso a quem tivesse um número mínimo de trabalhadores que fossem por eles diretamente remunerados e estivessem registados na IES. E daí que o mesmo fosse adequado e proporcional ao objeto do concurso, não infringindo nenhuma das normas que o Acórdão considerou violadas.
» Vejamos se litiga com razão.
» 8. O que está em causa nesta matéria é saber se a exigência feita nas subalíneas i das al.ªs a), b) e c) do n.º 1 do art.º 9.º do PC – que impunham que só podia concorrer quem tivesse um determinado número de trabalhadores ao seu serviço remunerados e registados na declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) - extravasou os poderes discricionários de que a ESPAP dispunha e se, por essa razão, o estabelecimento de tal requisito constituiu violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da concorrência.
» Questão a que o Acórdão, confirmando a decisão do TAC, respondeu positivamente por entender que tal exigência se traduzia numa discriminação dos concorrentes que utilizaram trabalhadores no âmbito do regime jurídico do contrato de trabalho temporário ou subcontrataram a mão-de-obra necessária à prestação do serviço, colocando-os numa situação de irrazoável e injustificável desvantagem em relação àqueles que se só serviam dos seus trabalhadores com contrato de trabalho sem prazo.
» Mas não se pode sufragar este entendimento.
» Com efeito, e pese embora ser certo que essa exigência introduz alguma discriminação entre os referidos concorrentes também o é que a mesma não é ilegal uma vez que ela só o seria se tal discriminação se traduzisse numa forma encapotada de afastar, sem qualquer justificação racional e adequada, parte deles.
» Ora, tal não acontece.
» Desde logo, porque se é verdade - como nos é dito no Acórdão do TAC, sem qualquer desmentido - que, de acordo com as estatísticas publicadas pelo Banco de Portugal, o número médio de trabalhadores com vínculo laboral às empresas que operam no setor era superior ao número de trabalhadores exigido pelas controvertidas normas, ter-se-á que concluir que aquele requisito não constituiu uma restrição injustificada e sem base racional do número dos potenciais interessados no procedimento. De resto, a comprová-lo estão - como se vê das al.ªs bb) a ii) do probatório - os diversos interessados admitidos a cada um dos lotes postos a concurso.
» Depois, porque se compreende que a ESPAP quisesse assegurar que só pudesse concorrer quem tivesse a capacidade necessária, em termos de recursos humanos, que lhe garantisse o correto cumprimento do objeto do contrato e parece-nos claro que essa garantia podia ser melhor prestada por quem tivesse um certo número de trabalhadores registados na declaração de IES.
» Finalmente, porque, como a ESPAP alega, faz sentido que um organismo público com especiais responsabilidades no setor pugne por uma política de combate ao trabalho precário.
» Acresce que tal restrição não viola o n.º 4 do art.º 168.º do Código dos Contratos Públicos que estatui que “Quando, para efeitos do preenchimento dos requisitos mínimos de capacidade técnica, o candidato recorra a terceiros, independentemente do vínculo que com eles estabeleça, nomeadamente o de subcontratação, a respetiva candidatura é ainda constituída por uma declaração através da qual estes se comprometam, incondicionalmente, a realizar determinadas prestações objeto do contrato a celebrar” E estatuição de conteúdo semelhante se encontra no n.º 2 do art.º 175.º do mesmo Código, já que esta norma não é contraditória com o disposto nas controvertidas subalíneas.
» Nem conflitua com o que se estatui no n.º 5 do art.º 165.º do CCP – onde se lê que “os requisitos mínimos de capacidade técnica … não devem ser fixados de forma discriminatória” – uma vez que essa discriminação só será ilegal quando for infundada, racionalmente injustificável e sem critério.
» Com efeito, e sendo que o concurso limitado por prévia qualificação implica sempre um certo grau de discriminação já que na sua génese está a ideia de seleção “entre candidatos, numa primeira fase em termos de admissão ou exclusão de concorrentes (avaliação subjetiva) e depois em termos de admissão ou exclusão de propostas (avaliação objetiva), com vista à seleção final da proposta escolhida” só poderá “falar-se em violação dos apontados princípios da igualdade e da concorrência se a discriminação operada pela aplicação dos regulamentos do concurso fosse infundada, injustificada e sem critério, ou seja, se a concretização, efetuada naqueles regulamentos, do que é capacidade técnica adequada ao objeto do contrato (prestação de determinado serviço) consubstanciasse, em termos reais e objetivos, a criação de uma situação arbitrária de desigualdade, violadora do núcleo essencial da igualdade e da concorrência.” – Acórdão deste STA de 27/06/2007 (rec.º 0302/07)
» Ora, que não aconteceu in casu.
» É, pois, forçoso concluir que tal limitação, muito embora constituísse uma limitação à possibilidade de todos os que operam no sector poderem concorrer, não era desproporcional, não falseava a concorrência nem era desadequada face ao objeto e finalidades do seu objeto e, portanto, não era uma restrição intolerável violadora dos princípios gerais que enformam a atividade administrativa, maxime os da concorrência, proporcionalidade e igualdade.
» Daí que nesta parte o recurso da ESPAP proceda.
» […]
» 10. Finalmente, a ESPAP pretende que, nos termos do art.º 283.º do CCP, a declaração de invalidade e a anulação das normas ora em causa do PC e do CE não acarrete a declaração de invalidade dos atos subsequentes praticados e dos contratos já celebrados requerendo, por isso, que se não anulem tais atos e contratos.
» Mas não tem razão.
» E isto porque, muito embora seja verdade que a citada norma autoriza que os Tribunais não anulem os contratos celebrados na sequência de procedimentos inquinados por atos anulados, também o é que tal só poderá acontecer “quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do ato procedimental em causa, a anulação do contrato se revele desproporcionada ou contrária à boa fé ou quando se demonstre inequivocamente que o vício não implicaria uma modificação subjetiva no contrato celebrado nem uma alteração do seu conteúdo essencial.” (seu n.º 4).
» O que quer dizer que aquela prerrogativa só pode ser utilizada quando o Tribunal, posto perante os interesses públicos e privados em presença e ponderada a gravidade da ofensa que determinou a anulação do ato, conclua que a anulação do contrato será desproporcionada ou contrária à boa fé ou que a correção do vício não alteraria as partes nem o conteúdo essencial do contrato celebrado.
» Ora, in casu, não se verificam tais requisitos uma vez que os vícios que determinaram a anulação das apontadas normas concursais são graves e podem acarretar uma modificação não só do número dos concorrentes a admitir mas também do próprio conteúdo do contrato a celebrar.
» Deste modo, falece razão à ESPAP o que determina o indeferimento da sua pretensão.
» DECISÃO
» Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam, concedendo parcial provimento aos recursos, em:
» a) Declarar a invalidade das subalíneas ii das al.ªs a), b) e c) do n.º 1 do art.º 9.º do PC.
» b) Declarar a validade das subalíneas i das al.ªs a), b) e c) do n.º 1 do art.º 9.º do PC.
» c) No demais mantém-se o Acórdão recorrido […]» (cf. doc. 3 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).

1.14) A entidade demandada, por não se conformar com o acórdão referido em 1.13), recorreu dele para o Tribunal Constitucional (facto admitido por acordo — cf. artigos 9.º da petição inicial, 4.º da contestação da entidade demandada com a retificação oportunamente apresentada, e 8.º da contestação da contrainteressada SUCH).
1.15) A 28.10.2016 foi elaborado e subscrito pelo Conselho Diretivo da entidade demandada um instrumento escrito em papel timbrado daquela autoridade administrativa, sob a designação «Deliberação do Conselho Diretivo da ESPAP, IP. 28/10/2016», com o seguinte teor: «Em 9 de setembro de 2014 foi celebrado o Acordo Quadro de Refeições Confecionadas (AQ-RC), na sequência do concurso limitado por prévia qualificação, lançado através do anúncio n.º 6477/2013 publicado no Diário da República e anúncio n.º 2013/S 250-438934 publicado no Jornal Oficial da União Europeia.
» No decurso da primeira fase do referido procedimento a N... - Sociedade Nacional de Restauração, Lda., (adiante N...) interpôs providência cautelar e ação de contencioso pré- contratual de impugnação de normas do referido procedimento (invalidade dos requisitos de capacidade técnica e financeira, bem como da cláusula de remuneração da ESPAP) para o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TAC Lisboa), que julgou improcedente o processo cautelar, tendo, todavia, julgado a ação procedente.
» A decisão, que declarou a invalidade da cláusula do caderno de encargos relativa à remuneração, foi objeto de recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo do Sul.
» Foi proferido acórdão por este tribunal mantendo a decisão de 1.ª instância, facto que determinou a interposição de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA).
» Proferiu, este tribunal superior, acórdão declarando inválidas as normas das peças do procedimento que exigiam a demonstração de o mínimo de duas experiências em fornecimentos semelhantes ao objeto do concurso na região do lote a que o concorrente se candidatava, bem como as que fixavam a remuneração da ESPAP por parte dos cocontratantes em 1% sobre o valor da faturação emitida ao abrigo do AQ-RC.
» Por se entender violado o princípio da separação de poderes consagrado na Constituição da República Portuguesa, no que diz respeito à declaração de invalidade dos requisitos de capacidade técnica, a ESPAP decidiu interpor recurso para o Tribunal Constitucional (TC).
» A interposição desse recurso suspende os efeitos do acórdão, o qual transitará em julgado logo que seja proferida uma decisão (final e irrecorrível) pelo TC.
» Apesar de a ESPAP estar firmemente convicta de que a sua atuação era conforme à lei, o que também resulta do escrutínio feito por entidades de fiscalização e controlo [designadamente na auditoria realizada pela inspeção Geral das Finanças em 2014 e na auditoria realizada pelo Tribunal de Contas em 2015] sem que tenha havido qualquer recomendação sobre esta matéria, mas por também estar em causa uma prática seguida, ao abrigo da lei, pela ANCP, E.P.E., desde a fundação do SNCP, e considerando a expetativa criada em torno do procedimento e a confiança de que, em última instância, o interesse público subjacente seria salvaguardado, o certo é que não se pode olvidar o facto do aludido recurso para o TC não ter como objeto a decisão do STA quanto à invalidade da obrigação de remuneração por parte dos cocontratantes ao abrigo do AQ-RC, a qual manteve a decisão contida no Acórdão do Tribunal de 1.ª Instância que obriga a «retomar o procedimento», declarando a invalidade de todos os contratos celebrados ao abrigo do mesmo.
» Pelo exposto, cumpre decidir pela suspensão do AQ-RC por motivos de interesse público, conforme previsto no n.º 1 do artigo 14.º do caderno de encargos do referido acordo quadro.
» Com efeito, até que seja proferida uma decisão definitiva pelo TC, e por forma a conter o risco de lançamento de novos procedimentos ao abrigo do AQ-RC em que os contratos a celebrar possam sofrer vicissitudes impostas pelo Acórdão do STA, considera-se ser necessário agir de acordo com um elevado grau de prudência, que, no caso vertente, recomenda a suspensão dos efeitos daquele acordo quadro, sem que isso represente a aceitação, expressa ou tácita, dos efeitos invalidantes produzidos pelo acórdão do STA sobre os requisitos de capacidade técnica fixados no programa de concurso do AQ-RC, matéria de objeto do recurso para o TC.
» De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 14.º do caderno de encargos do acordo quadro em causa “A suspensão produz os seus efeitos a contar do dia seguinte ao da notificação dos cocontratantes no acordo quadro, salvo se da referida notificação constar data posterior, e é efetuada através de carta registada com aviso de receção.”
» Com a notificação da suspensão do AQ-RC ficam os cocontratantes impedidos de apresentar proposta a qualquer procedimento que seja lançado ao abrigo do mesmo.
» Nos termos, motivos e fundamentos supra aduzidos o Conselho Diretivo da ESPAP, I.P., delibera proceder à suspensão do Acordo Quadro de Refeições Confecionadas.» (facto de conhecimento ex officio, estando a deliberação aludida disponível na página oficial da entidade demandada, integralmente disponível e acessível para consulta online na presente data in https://www.espap.pt/Documents/servicos/compras/Suspens%C3%A3o_AQ_RC_2014.pdf, juntando-se o ficheiro em formato pdf à presente decisão, a final, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 2, in fine, do Código de Processo Civil).

1.16) No âmbito do processo que correu termos na 1.ª secção do Tribunal Constitucional sob o n.º 847/2016, por força do requerimento de recurso referido em 1.14), foi proferida decisão sumária, pelo relator, no sentido do não conhecimento do objeto daquele recurso (facto admitido por acordo — cf. artigos 9.º da petição inicial, 4.º da contestação da entidade demandada com a retificação oportunamente apresentada, e 8.º da contestação da contrainteressada SUCH).

1.17) Da decisão sumária referida em 1.16) recorreu a entidade demandada para a conferência da 1.ª secção do Tribunal Constitucional (idem).

1.18) No âmbito do processo referido em 1.16) foi a 14.02.2017 foi proferido pela 1.ª secção do Tribunal Constitucional o acórdão n.º 58/2017, indeferindo-se a reclamação deduzida pela Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, IP, mantendo-se a decisão reclamada de não conhecimento do objeto do recurso (cf. doc. 4 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).

1.19) A 01.03.2017 foi elaborado e subscrito pelo Conselho Diretivo da entidade demandada um instrumento escrito em papel timbrado daquela autoridade administrativa, sob a designação «Deliberação do Conselho Diretivo da ESPAP, IP. 01/03/2017», com o seguinte teor: «Por deliberação de 28/10/2016, o Conselho Diretivo da ESPAP determinou a suspensão do Acordo Quadro de Refeições Confecionadas, por motivos de interesse público, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º do Caderno de Encargos do referido acordo quadro, até que fosse proferida decisão definitiva pelo Tribunal Constitucional (TC), no âmbito do recurso interposto pela ESPAP relativamente ao acórdão anulatório do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 08/09/ 2016.
» Considerando que, por acórdão proferido em 14/02/2017, e notificado à ESPAP em 20/02/2017, o TC decidiu não tomar conhecimento do objeto do mencionado recurso;
» Considerando que, por força do referido acórdão, se mantêm todos os efeitos decorrentes do aresto do STA, e que a seguir se enunciam:
» (i) a declaração de invalidade das subalíneas ii das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 9.º do Programa de Concurso;
» (ii) a anulação dos atos de qualificação e exclusão das propostas da N..., Lda. aos lotes 1 e 3 a 8, bem assim como os atos de adjudicação proferidos nesses lotes;
» (iii) a declaração de invalidade dos acordos quadro celebrados para os lotes 1 e 3 a 8;
» (iv) a condenação da ESPAP a retomar o procedimento, elaborando novos requisitos de capacidade técnica e a alterar a Cláusula 9.ª do Caderno de Encargos, de forma a prosseguir com o procedimento sem que se verifiquem os vícios acima apontados.
» Considerando ainda que, após o trânsito em julgado do acórdão do TC de 14/02/2017, que ocorre em 02/03/07, se torna necessário dar execução ao acórdão anulatório do STA de 08/09/2016, dentro do prazo procedimental de 90 dias úteis (cfr. n.º 1 do art. 175.º do CPTA), a contar do aludido trânsito em julgado, prazo esse que termina em 12/07/2017;
» O Conselho Diretivo da ESPAP recomenda às Entidades Públicas Adquirentes que se abstenham de:
» a) dar execução aos contratos celebrados ao abrigo do Acordo Quadro de Refeições Confecionadas, atenta a declaração de invalidade do acordo quadro e, consequentemente, dos atos e contratos que daquele dependem, à medida que, com a maior brevidade possível, procedam ao lançamento, e concluam novos procedimentos aquisitivos, em ordem a assegurar a regularidade e continuidade do fornecimento dos bens e serviços em causa;
» b) de efetuar quaisquer renovações ou prorrogações expressas ou tácitas do prazo de vigência desses contratos.» (facto de conhecimento ex officio, estando a deliberação disponível na página oficial da entidade demandada, integralmente disponível para consulta online na presente data in https://www.espap.pt/Documents/servicos/compras/Delibera%C3%A7%C3%A3o_AQ_RC2014_CD_ESPAP_01032017.pdf, juntando-se o ficheiro em formato pdf à presente decisão, a final, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 2, in fine, do Código de Processo Civil).

1.20) Face à decisão referida em 1.18), o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo referido em 1.13) transitou em julgado a 02.03.2017 (facto admitido por acordo — cf. artigos 11.º da petição inicial, 4.º da contestação da entidade demandada com a retificação oportunamente apresentada, e 8.º da contestação da contrainteressada SUCH).

1.21) Até à data do trânsito em julgado referido em 1.20), os contratos celebrados e executados na vigência do AQ-2014 foram os seguintes (cf. listagem extraída do SERVI — — a 20.06.2017, e que consta como anexo ao doc. 1 junto ao instrumento processual apresentado pela entidade demandada com o n.º de documento SITAF 007766083, com o registo n.º 565 106, a fls. 1211 ss. dos autos em paginação eletrónica):





1.22) A 16.05.2017 foi elaborado e subscrito pelo Conselho Diretivo da entidade demandada um instrumento escrito em papel timbrado daquela autoridade administrativa, sob a designação «Deliberação do Conselho Diretivo da ESPAP. 16/07/2017», na qual, depois de se aludirem as ocorrências processuais referidas em 1.13) e 1.20), se deixou consignado, além do mais, o seguinte: «II — Da execução do julgado anulatório
» Sob a epígrafe (“Dever de executar”), dispõe o artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”):
» “1 — Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.”
» Estabelece ainda o n.º 1 do artigo 175.º do CPTA que, “[s]alvo ocorrência de causa legítima de inexecução, o dever de executar deve ser integralmente cumprido, no máximo, no prazo procedimental de 90 dias.”
» Por seu turno, determina o artigo 163.º, n.ºs 1 e 2, ex vi artigo 175.º, n.º 2, ambos do CPTA, que “[s]ó constituem causa legítima de inexecução a impossibilidade absoluta e o excecional prejuízo para o interesse público na execução da sentença”, sendo que a “causa legítima de inexecução pode respeitar a toda a decisão ou a parte dela”.
» Resulta do acima exposto que a anulação, por sentença ou acórdão, de um ato administrativo constitui a Administração no dever de praticar os atos jurídicos e adotar as operações materiais necessários à reintegração efetiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, tendo por base os factos e o direito vigente à data do ato anulado (o que decorre do princípio tempus regit actus).
» No entanto, tal dever cessa sempre que ocorrer “causa legítima de inexecução” (cfr. o citado n.º 1 do artigo 175.º), tema a desenvolver no capítulo seguinte.
» Considerando que o acórdão anulatório do STA transitou em julgado em 02/03/2017, e atendendo a que o dever de executar deve ser integralmente cumprido no prazo procedimental de 90 dias úteis (cfr. n.º 1 do art. 175.º do CPTA), a ESPAP deve executar espontaneamente o julgado anulatório até ao dia 12/07/2017, salvo se, como se referiu, ocorrer causa legítima de inexecução.
» Na situação em apreço, e como resulta do presente Capítulo, o acórdão do STA de 08/09/2016 produziu os seguintes efeitos:
» (i) a declaração de invalidade das subalíneas ii) das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 9.º do Programa de Concurso (“PC”);
» (ii) a anulação dos atos de qualificação e exclusão das propostas da N..., Lda. aos lotes 1 e 3 a 8, bem assim como os atos de adjudicação proferidos nesses lotes;
» (iii) a declaração de invalidade dos acordos quadro celebrados para os lotes 1 e 3 a 8;
» (iv) a condenação da ESPAP a retomar o procedimento, elaborando novos requisitos de capacidade técnica e a alterar a Cláusula 9.ª do Caderno de Encargos ("CE"), de forma a prosseguir com o procedimento sem que se verifiquem os vícios acima apontados.
» Por conseguinte, a declaração de invalidade e a anulação das normas do PC e do CE em causa, acarretam a invalidade consequente dos atos subsequentes e dos contratos celebrados ao abrigo do AQ-RC, ou seja, os efeitos invalidantes do acórdão anulatório do STA projetam-se sobre todos os atos praticados, e normas aprovadas, pela ESPAP, bem como sobre os contratos celebrados na sequência de consulta ao abrigo do AQ-RC, quer os já concluídos, quer os ainda em execução.
» Ora, no âmbito do Concurso em causa, foram praticados pela ESPAP os atos de adjudicação para cada um dos lotes em 22/07/2014, tendo sido celebrados os respetivos acordos quadro em 08/09/2014.
» Sucede que, antes do trânsito em julgado do acórdão anulatório do STA, e em ordem a evitar a constituição de novos direitos e obrigações ao abrigo do Acordo Quadro de Refeições Confecionadas {"AQ-RC"), o Conselho Diretivo da ESPAP deliberou, em 28/10/2016, suspender o AQ-RC, por motivos de interesse público, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º do CE do referido acordo quadro, até que fosse proferida decisão definitiva pelo TC, no âmbito do recurso interposto pela ESPAP relativamente ao aludido acórdão do STA (cfr. Anexo I).
» Com o mesmo propósito, o Conselho Diretivo da ESPAP deliberou, em 01/03/2017, que fosse notificado a todas as Unidades Ministeriais de Compras ("UMC's"), às entidades do Sistema Nacional de Compras Públicas ("SNCP") e aos cocontratantes, a rejeição do recurso interposto para o TC e, consequentemente, a necessidade de executar o acórdão anulatório do STA até ao dia 12/07/2017, tendo ainda recomendado às entidades públicas adquirentes que se abstivessem de: “i) dar execução aos contratos celebrados ao abrigo do Acordo Quadro de Refeições Confecionadas, atenta a declaração de invalidade do acordo quadro e, consequentemente, dos atos e contratos que daquele dependem, à medida que procedam ao lançamento, e concluam, novos procedimentos aquisitivos, em ordem a assegurar a regularidade e continuidade do fornecimento dos bens e serviços em causa;
» “ii) de efetuar quaisquer renovações ou prorrogações expressas ou tácitas do prazo de vigência desses contratos.” (cfr. Anexo II).
» Foi ainda objeto de deliberação em 01/03/2017, notificar as Unidades Ministeriais de Compras e entidades adquirentes do SNCP para, querendo, no prazo de 10 dias úteis, manifestarem interesse na invocação de causa legitima de inexecução e, nesse caso, habilitarem a ESPAP com os fundamentos e documentos necessários para o efeito (cfr. Anexo III).
» No seguimento da deliberação de 01/03/2017, acima mencionada, e tendo ainda a ESPAP conhecimento através do Sistema de Recolha e Validação de Informação (“SRVI”) da ESPAP e da plataforma eletrónica de contratação (“PEC”), disponibilizada pelo SNCP, de 26 contratos celebrados ao abrigo do AQ-RC, cujos períodos de vigência e respetivos valores se encontram melhor identificados no quadro resumo em anexo (cfr. Anexo IV), o Conselho Diretivo da ESPAP deliberou em 23/03/2017, conceder um prazo adicional de 5 dias úteis às entidades para, querendo, disponibilizarem à ESPAP a informação necessária à invocação de causa legítima de inexecução de sentença, tendo igualmente reforçado que, na ausência dessa informação, se presumiria que as entidades teriam adotado as devidas diligências e, bem assim, feito cessar os referidos contratos (cfr. Anexo V).
» Em consequência das diligências adotadas pela ESPAP e anteriormente descritas, vieram as entidades abaixo indicadas remeter a informação e documentação tida por relevante para efeitos da invocação de causa legítima de inexecução, que aqui se dá por integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais, designadamente do disposto no artigo 153.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo ("CPA"):
» i) Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (cfr. Anexo VI);
» ii) Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (cfr. Anexo VII);
» iii) Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. (cfr. Anexo VIII);
» iv) Serviços de Ação Social do Instituto Politécnico de Santarém cfr. Anexo IX);
» v) serviços de Ação Social do Instituto Politécnico de Portalegre (cfr. Anexo X);
» vi) Serviços de Ação Social da Universidade do Porto (cfr. Anexo XI);
» vii) Serviços de Ação Social da Universidade de Lisboa (cfr. Anexo XII);
» viii) Serviços de Ação Social do Instituto Politécnico de Viseu (cfr. Anexo XIII); e
» ix) Instituto Politécnico de Beja (cfr. Anexo XIV)
» x) Escola Superior de enfermagem do Porto (cfr. Anexo XV);
» xi) Município de Espinho (cfr. Anexo XVI);
» xii) Município de Tavira (cfr. Anexo XVII);
» xiii) Município de Santa Comba Dão (cfr. Anexo XVIII);
» xiv) Município da Póvoa do Varzim (cfr. Anexo XIX);
» xv) Município da Marinha Grande ((cfr. Anexo XIX);
» III— Da invocação de causa legítima de inexecução
» Como se referiu no Capítulo anterior, a anulação de um ato ou normas procedimentais implica a destruição de todos os seus efeitos e, consequentemente, de tudo quanto foi feito com fundamento nesses atos e normas, ficando assim em causa, não só o procedimento tendente à celebração do AQ-RC e o próprio contrato quadro, mas também os atos/normas procedimentais praticados ao abrigo do mesmo e os contratos entretanto celebrados ao abrigo do AQ-RC, em função da denominada “invalidade derivada ou consequente”. Tais efeitos anulatórios só se produzem com o trânsito em julgado da decisão anulatória e assumem relevância em sede de execução de sentença, na medida em que a entidade demandada fica obrigada a reconstituir a situação que existiria para o autor não fora a prática dos atos e normas inválidas (a designada “reconstituição da situação atual hipotética”).
» Todavia, nem sempre é possível, quer no plano dos factos, quer no plano do direito, reconstituir a situação que existiria caso não tivessem sido praticados os atos/normas inválidos, ou celebrados os contratos, sendo, nesses casos, admissível a invocação (através de ato fundamentado) de causa legítima de inexecução da sentença, por impossibilidade absoluta (no caso, dos atos e relações jurídicas constituídas no passado e que, à data do trânsito em julgado, já esgotaram todos os seus efeitos), ou por excecional prejuízo para o interesse público (no caso dos contratos em curso, cujas prestações asseguram serviços essenciais do Estado e cuja continuidade importa assegurar de forma ininterrupta).
» Quer a doutrina, quer a jurisprudência, têm vindo a assinalar que as “causas legítimas de inexecução constituem situações excecionais, as quais tornam lícita, para todos os efeitos, a inexecução das sentenças dos tribunais administrativos”, sublinhando que “a impossibilidade não se deve bastar com a mera dificuldade ou onerosidade da prestação: é necessário que ao cumprimento se oponha, em absoluto, um impedimento irremovível. Por este motivo, a lei deixou de falar apenas em impossibilidade, para passar a falar em impossibilidade absoluta.”
» Relativamente ao “excecional” (outrora “grave”) prejuízo para o interesse público, tem-se entendido que “ele apenas deve ser reconhecido em situações-limite, muito excecionais, de claro desequilíbrio entre os interesses em presença, nas quais se possa realmente afirmar que os prejuízos que, para a comunidade, adviriam da realização da prestação devida são claramente superiores ao sacrifício que para o interessado representa a não satisfação do seu direito. Trata-se de uma válvula de escape do sistema que, como tal, só deve ser chamada a funcionar em situações de emergência.”
» Ora, relativamente aos atos procedimentais e a todos os contratos celebrados ao abrigo do AQ-RC que se encontram integralmente executados, ou seja, aqueles cujos efeitos já se esgotaram na sua plenitude, verifica-se indiscutivelmente uma impossibilidade objetiva, absoluta, de dar execução ao julgado anulatório, pois não é mais possível reconstituir a situação atual hipotética, na medida em que o fornecimento dos bens e prestação dos serviços associados foi integralmente concretizado (as refeições foram confecionadas e fornecidas nas escolas, prisões, hospitais, etc.) e os destinatários dos mesmos (alunos, reclusos, utentes, etc.) usufruíram desses mesmos bens e serviços (as refeições foram consumidas e pagas).
» Na medida em que não se afigura possível à ESPAP, assim como às entidades públicas adquirentes, restituir em espécie as prestações efetuadas pelos cocontratantes, também não se mostra lícito exigir destes a devolução das importâncias recebidas como contrapartida dos serviços prestados, sob pena de enriquecimento sem causa por parte dos referidos entes públicos.
» Atento o circunstancialismo acima descrito, e relativamente aos atos procedimentais e a todos os contratos celebrados ao abrigo do AQ-RC já executados, é absolutamente impossível fazer retroagir o julgado anulatório à data da celebração dos acordos quadro — 08/09/2014 — e, muito menos ainda, à data do lançamento do Concurso para celebração do AQ-RC — 24/12/2013 —, considerando os vícios apontados às peças do Procedimento e que inquinaram os principais atos praticados no seu âmbito pela ESPAP, incluindo o próprio AQ-RC e os contratos celebrados ao abrigo do AQ-RC.
» Relativamente aos contratos celebrados ao abrigo do AQ-RC e ainda em execução, importa atentar, sucintamente, à informação e documentação remetida pelas entidades públicas adquirentes à ESPAP para efeitos da invocação de causa legítima de inexecução, que se dá por integralmente reproduzida, e cujo teor, em parte, se transcreve:
» […]
» Decorre das transcrições supra, assentes em informação remetida pelas entidades públicas adquirentes à ESPAP, à qual se adere para efeitos do disposto no artigo 153.º, n.º 1, do CPA, que os contratos em causa têm por objeto a prestação de serviços essenciais para a comunidade e que, por imposição constitucional, representam uma função prioritária do Estado.
» Na verdade, dentro do específico contexto que presidiu à sua celebração, tais contratos prosseguem fins de relevante interesse público, designadamente para satisfação de necessidades coletivas, sendo crucial salvaguardar que esses serviços são prestados com qualidade, mas acima de tudo, de forma regular e ininterrupta.
» Neste pressuposto, entende a ESPAP que a cessação imediata dos efeitos dos aludidos contratos, por força dos efeitos invalidantes decorrentes do acórdão anulatório do STA, acarretaria um excecional prejuízo para os interesses públicos em presença, amplamente demonstrados na fundamentação que antecede, pelo que, no caso vertente, não só se justifica, como se impõe, a invocação de causa legítima de inexecução, nos termos e para os efeitos dos artigos 175.º, n.ºs 1 e 2, e 163.º, do CPTA.
» Com efeito, considerando as relevantes atribuições que as aludidas entidades públicas prosseguem ao disponibilizar os serviços em causa (quer em ambiente escolar, quer em ambiente prisional ou tutelar educativo), afigura-se incontornável concluir que estamos perante uma “situação-limite” em que existe um “claro desequilíbrio entre os interesses em presença”, perante o qual se pode “realmente afirmar que os prejuízos que, para a comunidade, adviriam da realização da prestação devida são claramente superiores ao sacrifício que para o interessado representa a não satisfação do seu direito”, tudo a configurar, pois, um excecional prejuízo para interesse público na execução da sentença. Nesta conformidade, e verificando-se causa legítima de inexecução do acórdão anulatório do STA, os contratos celebrados pelas entidades referidas nos pontos i) a xv) devem manter-se em vigor, produzindo os respetivos efeitos, pelo período de tempo estritamente necessário ao lançamento e conclusão, com a maior brevidade possível, de novo procedimento de contratação destinado a assegurar a regularidade e continuidade do fornecimento dos bens e serviços em causa, ficando, no entanto, vedadas quaisquer renovações ou prorrogações expressas ou tácitas do prazo de vigência desses contratos.
» IV — Da condenação da ESPAP a retomar o procedimento e da devolução aos cococontratantes dos montantes pagos, e recebidos pela ESPAP, ao abrigo do artigo 9.º do CE do AQ-RC
» No que respeita à condenação da ESPAP a retomar o Procedimento em causa, “elaborando novos requisitos de capacidade técnica e a alterar a cláusula 9.º do CE, de forma a prosseguir com o procedimento sem que se verifiquem os vícios acima apontados”, será lançado o procedimento tendente à celebração de acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas dentro do prazo legalmente estabelecido para a execução espontânea do anulatório do STA de 08/09/2016, expurgando-se desse concurso os critérios de qualificação declarados inválidos no referido aresto e que constavam “das subalíneas ii) das al.ªs a), b) e c) do n.9 1 do art.º 9.º do PC”, bem como a cláusula 9.º do CE (relativa à obrigação dos cocontratantes remunerarem a ESPAP).
» Relativamente ainda ao segmento decisório do acórdão do STA que confirmou a invalidade do artigo 9.º do Caderno de Encargos do AQ-RC (relativo à obrigação dos cocontratantes remunerarem a ESPAP), por falta de norma habilitante, importa retirar os devidos efeitos dessa declaração de invalidade em sede de execução de sentença, o que, no caso, impõe a devolução aos cocontratantes dos montantes pagos, e recebidos pela ESPAP, ao abrigo do referido artigo 9.9 do CE do AQ-RC.
» IV — Proposta de decisão
» Em face de tudo quanto antecede, o Conselho Diretivo da ESPAP delibera o seguinte:
» 1) A invocação de causa legítima de inexecução do acórdão anulatório do STA de 08/09/2016, por impossibilidade absoluta, relativamente aos atos procedimentais e a todos os contratos celebrados ao abrigo do AQ-RC que se encontrem à data integralmente executados, tendo por base os fundamentos enunciados na presente deliberação;
» 2) A invocação de causa legítima de inexecução do acórdão anulatório do STA de 08/09/2016, por excecional prejuízo para o interesse público, relativamente aos contratos celebrados pelas entidades referidas nos pontos i) a xv) da presente deliberação e que ainda se encontrem em vigor, tendo por base os fundamentos enunciados na mesma e, bem assim, na documentação anexa. Os mencionados contratos continuarão a produzir efeitos pelo período de tempo estritamente necessário ao lançamento e conclusão, com a maior brevidade possível, de novo procedimento de contratação destinado a assegurar a regularidade e continuidade do fornecimento dos bens e serviços em causa, ficando, no entanto, vedadas quaisquer renovações ou prorrogações expressas ou tácitas do prazo de vigência desses contratos;
» 3) A devolução dos montantes pagos pelos cocontratantes do AQ-RC, ao abrigo do artigo 9.º do Caderno de Encargos entretanto declarado inválido, dentro do prazo legalmente estabelecido para a execução espontânea do anulatório do STA de 08/09/2016;
» 4) O lançamento de um procedimento para celebração de acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas, dentro do prazo legalmente estabelecido para a execução espontânea do anulatório do STA de 08/09/2016, expurgando-se desse concurso os critérios de qualificação declarados inválidos no referido aresto e que constavam “das subalíneas ii) das al.ªs a), b) e c) do n.º 1 do art.2 9.9 do PC”, bem como a cláusula 9.º do CE (relativa à obrigação dos cocontratantes remunerarem a ESPAP).
» 5) A notificação da N... do teor da presente deliberação, ao abrigo do n.º 3 do artigo 163.º, aplicável ex vi n.º 2 do artigo 175.º, ambos do CPTA, para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias úteis, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 122.º do Código do Procedimento de Administrativo […]» (cf. doc. 2 junto ao instrumento processual apresentado pela entidade demandada a instâncias do tribunal, após prolação de despacho saneador, e que corresponde ao requerimento com o n.º de documento SITAF 007766475, com o registo n.º 565 174, a fls. 2265 ss. dos autos em paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


1.23) A entidade demandada expediu a 18.05.2017 ofício com a referência «2017/1057», endereçado à aqui autora, notificando-a do teor da deliberação referida em 1.22), também para que se pronunciasse, querendo e no prazo de 10 dias, ao abrigo do disposto no artigo 122.º do Código de Procedimento Administrativo (cf. doc. 3 junto ao instrumento processual apresentado pela entidade demandada a instâncias do tribunal, após prolação de despacho saneador, e que corresponde ao requerimento com o n.º de documento SITAF 007766475, com o registo n.º 565 174, a fls. 2265 ss. dos autos em paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1.24) A aqui autora apresentou a 12.06.2017 e a 11.07.2017 dois instrumentos escritos, em resposta à comunicação referida em 1.23) e tendo por referência a deliberação referida em 1.22) (cf. doc. 4 junto ao instrumento processual apresentado pela entidade demandada a instâncias do tribunal, após prolação de despacho saneador, e que corresponde ao requerimento com o n.º de documento SITAF 007766475, com o registo n.º 565 174, a fls. 2265 ss. dos autos em paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1.25) Na sequência de proposta dos serviços jurídicos da entidade demandada constante da informação n.º 2017/GAJ/259, foi a 16.07.2017 elaborado e subscrito pelo Conselho Diretivo da entidade demandada um instrumento escrito em papel timbrado daquela autoridade administrativa, sob a designação «Deliberação do Conselho Diretivo da ESPAP. 16/07/2017», na qual deixou consignado o seguinte:

«Imagem no original»


(cf. doc. 6 junto ao instrumento processual apresentado pela entidade demandada a instâncias do tribunal, após prolação de despacho saneador, e que corresponde ao requerimento com o n.º de documento SITAF 007766475, com o registo n.º 565 174, a fls. 2265 ss. dos autos em paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1.26) A 24.07.2017 foi elaborado em papel timbrado da entidade demandada um instrumento escrito, sob a designação «Informação Interna», com a referência «N.º 2017/DCP/9…», subordinada ao assunto «Execução do acórdão do STA de 08.09.2016 (Recurso n.º 571/16-11) sobre o AQ- RC2014-Aprovação do lançamento do Concurso Público com publicidade Internacional para a celebração de acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas (RC)» e com o seguinte teor: «Considerando que:
» Em 16.05.2017, o Conselho Diretivo da ESPAP aprovou a informação n.º 2017/GAJ/1…, relativa à proposta de plano de execução do acórdão do STA de 08.09.2016 (Recurso n.º 571/16-11) sobre o AQ-RC 2014, contendo o plano de execução da sentença a notificar à N... - …, Lda., doravante N..., ao abrigo do n.º 3 do artigo 163.º aplicável ex vi n.º 2 do artigo 175.º, ambos do CPTA, para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias úteis, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 122.º do Código do Procedimento de Administrativo.
» Através do ofício com a referência 2017/1057, datado de 18.05.2017, foi a N... notificada em 29.05.2017 do teor da deliberação do Conselho Diretivo de 16.05.2017 acima melhor identificada.
» Findo o prazo de audiência prévia em 11.07.2017, e uma vez analisadas as pronúncias apresentadas em 12.06.2017 e 11.07.2017, o Conselho Diretivo aprovou em 16.07.2017 a informação n.º 2017/GAJ/259 e respetiva deliberação em anexo (notificada à N... em 18.07.2017), na qual, em suma, decidiu considerar improcedentes as pronúncias apresentadas pela N... ao abrigo do direito de audiência prévia, mantendo, nos seus precisos termos, a deliberação do Conselho Diretivo da ESPAP de 16.05.2017, que aprovou o plano de execução do acórdão anulatório do STA.
» Na referida deliberação de 16.05.2017, o Conselho Diretivo da ESPAP adotou, entre outras medidas, o seguinte em ordem à execução plena do julgado anulatório do STA:
» “(...) 4) O lançamento de um procedimento para celebração de acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas, dentro do prazo legalmente estabelecido para a execução espontânea do acórdão anulatório do STA de 08/09/2016, expurgando-se desse concurso os critérios de qualificação declarados inválidos no referido aresto e que constavam “das subalíneas ii) das al.°s a), b) e c) do n.º 1 do art° 9.º do PC”, bem como a cláusula 9.ª do CE (relativa à obrigação dos cocontratantes remunerarem a ESPAP).
» Em face do que se antecede, propõe-se ao Conselho Diretivo que, em ordem à execução do acórdão do STA, supra citado:
» 1. Autorize a abertura do procedimento de concurso limitado por prévia qualificação com publicação no Jornal Oficial da União Europeia para a celebração de acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas, assim como a inerente despesa da publicação do anúncio em Diário da República que se estima em cerca de 1 500,00€ (mil e quinhentos euros), cujo cabimento se encontra no anexo II da presente informação;
» 2. Aprove as peças do procedimento contantes no anexo I à presente informação: programa de concurso, caderno de encargos e respetivos anexos;
» 3. Aprove a fixação do prazo de 46 dias para a apresentação de candidaturas;
» 4. Aprove a designação do júri conforme proposto:
» […]
» Submete-se à consideração superior […]» (cf. ficheiro constante do processo administrativo a que aludem os artigos 1.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo e 84.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante designado abreviadamente por processo administrativo instrutor, junto aos autos em suporte informático físico CD-ROM, na pasta «1. Informação Abertura», sob a designação «[CD]RC_20170725 DCP_949-AQ-RC_signed.pdf», cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1.27) A informação referida em 1.26) e os respetivos anexos foram aprovados pelo Conselho Diretivo da entidade demandada a 25.07.2017 (idem).

1.28) O anexo I à informação referida em 1.26) era composto pelo Programa de Concurso e pelo Caderno de Encargos (idem).

1.29) O Programa de Concurso referido em 1.28) subordinava-se, além do mais, aos seguintes artigos: «Artigo 9.º
» Requisitos mínimos e obrigatórios de capacidade técnica
» 1 - Os candidatos devem cumprir os seguintes requisitos de capacidade técnica:
» a) Para os lotes 2, 4, 5, 6 e 7:
» Ter no mínimo 100 trabalhadores remunerados e registados na declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) de 2012;
» b) Para os lotes 1 e 3:
» Ter no mínimo 400 trabalhadores remunerados e registados na declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) de 2012;
» c) Para o lote 8:
» Ter no mínimo 500 trabalhadores remunerados e registados na declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) de 2012;
» 2 - Os candidatos devem ainda deter uma das três certificações seguintes:
» a) NP EN ISO 9001:2008 Sistema de Gestão da Qualidade;
» b) NP EN ISO 14001:2004 Sistema de Gestão Ambiental;
» c) NP EN ISO 22000:2005 Sistema de Gestão da Segurança Alimentar.
» Artigo 10.º
» Requisitos mínimos e obrigatórios de capacidade financeira
» 1. Os candidatos devem cumprir pelo menos um dos dois seguintes requisitos mínimos de capacidade financeira:
» a) Requisito de capacidade financeira traduzido de acordo com a seguinte expressão matemática, que consta do Anexo IV do Código dos Contratos Públicos (CCP), aplicável por força do n.º 2 do artigo 165.º do mesmo diploma:
» V × t ≤ R × f
» Sendo
» V = Valor económico estimado do contrato:
» — Para os lotes 2, 4, 5, 6 e 7: € 10 442 000,00 (dez milhões quatrocentos e quarenta e dois mil euros);
» — Para os lotes 1 e 3: € 31 327 000,00 (trinta e um milhões, trezentos e vinte e sete mil euros);
» — Para o lote 8: € 62 654 000,00 (sessenta e dois milhões, seiscentos e cinquenta e quatro mil euros).
» t = Taxa de juro Euribor a seis meses, com três casas decimais, acrescida de 200 pontos base, divulgada no sítio do Banco de Portugal à data da publicação no Diário da República, do anúncio do concurso do acordo quadro anterior com o mesmo objeto:
» — Taxa de 0,392% de 24 de dezembro de 2013, acrescida de 200 pontos base.
» f = Fator definido para todos os lotes: 9.
» R = Valor médio dos resultados operacionais do candidato nos últimos três exercícios (2010, 2011 e 2012), calculado através da seguinte fórmula:

» Em que:
» EBITDA (i) = Resultado obtido através do seguinte cálculo com recurso aos valores contidos nos seguintes campos das declarações de IES:
» A5020 Resultado Operacional (antes de gastos de financiamento e Impostos) + A5018 Gastos/Reversões de depreciação e de amortizações + A5011 Provisões (aumentos/reduções)
» i1, i2 e i3 = Exercícios de 2010, 2011 e 2012.
» Notas:
» — No caso de o candidato se ter constituído há menos de três exercidos, para efeitos do cálculo de R. só são tidos em conta os resultados operacionais do candidato nos exercícios concluídos, sendo o denominador de função adaptado em conformidade.
» — No caso de candidatos com contabilidade organizada nos termos do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) criado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, o resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos, definidos como previsto no anexo n.º 2 à Portaria n.º 986/2009. de 7 de setembro;
» — No caso de candidatos com contabilidade organizada nos termos do Plano Oficial de Contabilidade (POC) criado pelo Decreto-Lei n.º 47/77, de 7 de fevereiro, os proveitos operacionais deduzidos das reversões de amortizações e ajustamentos e dos custos operacionais, mas sem inclusão das amortizações, dos ajustamentos e das provisões, apresentados pelo candidato no exercício i, sendo este um dos três últimos exercícios concluídos, desde que com as respetivas contas legalmente aprovadas;
» — No caso de os valores da faturação serem expressos noutra moeda, tomar-se-á, para o efeito de verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior, o respetivo contravalor em Euros, calculado com base na taxa indicativa do Banco Central Europeu vigente no último dia de cada um daqueles exercícios.
» b) Em alternativa ao requisito de capacidade financeira, descrito na alínea anterior, os candidatos podem apresentar Declaração Bancária de acordo com o modelo constante do Anexo I ao presente programa de concurso, ou, no caso de o candidato ser um agrupamento, um dos membros que o integram ser uma instituição de crédito que apresente documento comprovativo de que possui sede ou sucursal em Estado membro da União Europeia, emitido pela entidade que exerça a supervisão bancária nesse Estado.
» 2. Os candidatos devem ainda cumprir dois dos seguintes requisitos mínimos de capacidade financeira, consoante os lotes a que se candidatam:
» a) A média aritmética da liquidez geral dos últimos dois exercícios (2011 e 2012) deve ser igual ou superior a 1;
» b) A média do somatório dos Resultados Líquidos nos exercícios de 2011 e 2012 deve ser igual ou superior a 0;
» c) A média aritmética do volume de negócios dos últimos dois exercícios (2011 e 2012) deve ser igual ou superior a:
» i - Para os lotes 2, 4, 5, 6 e 7: € 750 000,00 (setecentos e cinquenta mil euros);
» ii - Para os lotes 1 e 3: € 4 000 000,00 (quatro milhões de euros);
» iii - Para o lote 8: € 7 500 000,00 (sete milhões e quinhentos mil euros).
» […]
» Artigo 14.º
» Critério de qualificação
» São qualificados todos os candidatos que preencham os requisitos de capacidade técnica e de capacidade financeira enunciados nos artigos 9.º e 10.º do presente programa de concurso.
» Artigo 15.º
» Relatório preliminar da fase de qualificação
» 1 — Após a análise das candidaturas e a aplicação às mesmas do critério de qualificação, o Júri elabora um relatório preliminar fundamentado, no qual deve propor a qualificação dos candidatos.
» 2 — No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o Júri deve também propor a exclusão das candidaturas relativamente às quais se verifique alguma das situações a que alude o n.º 2 do artigo 184.º do CCP.
» Artigo 16.º
» Audiência prévia
» Elaborado o relatório preliminar referido no artigo anterior, o Júri envia-o a todos os candidatos para que, querendo, se pronunciem por escrito através da plataforma, no prazo que para o efeito lhes for fixado, não podendo o mesmo ser inferior a 5 dias úteis.
» Artigo 17.º
» Relatório final da fase de qualificação
» Cumprido o disposto no artigo anterior, o Júri elabora um relatório final fundamentado nos termos do disposto no artigo 186.º do CCP.
» […]
» CAPÍTULO III
» FASE DAS PROPOSTAS
» Artigo 19.º
» Convite
» Com a notificação da decisão de qualificação, o órgão competente para a decisão de contratar envia aos candidatos qualificados um convite á apresentação de propostas.
» Artigo 20.º
» Erros e omissões do caderno de encargos
» Até ao termo do quinto sexto do prazo fixado no convite para apresentação das propostas, os concorrentes podem apresentar ao órgão competente para a decisão de contratar uma lista na qual identifiquem, expressa e inequivocamente, os erros e omissões detetados no caderno de encargos, nos termos do artigo 61.º do CCP […]» (cf. ficheiro constante do processo administrativo instrutor, junto aos autos em suporte informático físico CD-ROM, na pasta «2. Peças Procedimento», sob a designação «ProgramaConcurso_AQRC2017.pdf», cujo teor se dá por integralmente reproduzido; vide também doc. 11 junto à petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1.30) O Caderno de Encargos referido em 1.28) subordinava-se, além do mais, aos seguintes artigos: «Artigo 1.º
» Definições
» Para efeitos do presente acordo quadro entende-se por:
» a) Acordo-quadro — contrato celebrado entre a ESPAP e um ou mais cocontratantes com vista a disciplinar relações contratuais futuras a estabelecer ao longo de um determinado período de tempo, mediante a fixação antecipada dos respetivos termos;
» […]
» c) Contratos — contratos a celebrar entre a ESPAP, UMC ou entidades adquirentes e os cocontratantes, nos termos do presente acordo quadro;
» d) Cocontratantes — os adjudicatários do acordo quadro e dos contratos a celebrar ao seu abrigo;
» […]
» f) Entidades adquirentes — qualquer das entidades que integram o Sistema Nacional de Compras Públicas (SNCP) como entidades compradoras vinculadas, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de fevereiro, bem como qualquer das entidades compradoras voluntárias que venha a celebrar contratos de adesão com a ESPAP, nos termos definidos no n.º 3 da mesma disposição legal, cujo objeto compreenda os serviços incluídos no presente acordo quadro;
» g) Entidades agregadoras — as entidades que representam um agrupamento de entidades adquirentes. Consideram-se entidades agregadoras as Unidades Ministeriais de Compras (UMC) com as competências definidas no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de fevereiro, e a ESPAP;
» […]
» Artigo 2.º
» Objeto do acordo-quadro
» 1 — O acordo quadro tem por objeto a seleção de cocontratantes para o fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados em instalações próprias ou geridas pela entidade adquirente.
» 2 -—O acordo quadro compreende os seguintes lotes:
» — Lote 1 – Fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados na Região Norte;
» — Lote 2 – Fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados na Região Centro;
» — Lote 3 – Fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados na Região de Lisboa e Vale do Tejo;
» — Lote 4 – Fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados na Região do Alentejo;
» — Lote 5 – Fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados na Região do Algarve;
» — Lote 6 – Fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados na Região Autónoma dos Açores;
» — Lote 7 – Fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados na Região Autónoma da Madeira;
» — Lote 8 – Fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados no Território Nacional.
» 3 — O âmbito geográfico definido para os lotes indicados no número anterior é o seguinte:
» a) Lotes 1 a 7 - Regiões definidas pelo Nível II das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos (NUTS II);
» b) Lote 8 – A totalidade do território nacional, englobando as regiões definidas pelo Nível I das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos (NUTS I).
» 4 — O acordo quadro disciplina as relações contratuais futuras a estabelecer entre os cocontratantes e a ESPAP, UMC, entidades adquirentes vinculadas e voluntárias.
» Artigo 3.º
» Prazo de vigência
» 1 — O acordo quadro tem a duração de 2 anos, a contar da data da sua entrada em vigor, e considera-se automaticamente renovado por períodos de um ano, se nenhuma das partes o denunciar mediante notificação à outra parte por carta registada com aviso de receção, com a antecedência mínima de 60 dias em relação ao seu termo.
» 2 — Findos os primeiros 2 anos de vigência, a denúncia do acordo quadro pode ser efetuada a qualquer momento, desde que seja precedida de notificação à outra parte, por carta registada com aviso de receção, com uma antecedência mínima de 60 dias em relação à data do termo pretendida.
» 3 — O prazo máximo de vigência do acordo quadro, incluindo renovações, é de 4 anos. acordo quadro terá a duração de 2 anos, a contar da data de entrada em vigor, prorrogado por períodos sucessivos de 1 ano, se nenhuma das partes o denunciar, até ao limite máximo total de 4 anos.
» […]
» Artigo 12.º
» Suspensão ou resolução sancionatória por incumprimento contratual
» 1— O incumprimento das obrigações dos cocontratantes que resultam do presente acordo quadro ou dos contratos celebrados ao seu abrigo confere à ESPAP o direito à suspensão ou resolução do acordo quadro relativamente ao cocontratante faltoso, bem como o direito de solicitar o correspondente ressarcimento de todos os prejuízos causados.
» 2 — Sem prejuízo de outras disposições legais e contratuais aplicáveis, consubstancia
incumprimento a verificação de qualquer das seguintes situações:
» a) Incumprimento das obrigações relativas aos pagamentos das contribuições à administração fiscal ou à segurança social;
» b) Prestação de falsas declarações;
» c) Incumprimento da obrigação de apresentação dos relatórios de faturação;
» d) Incumprimento das obrigações que resultam dos contratos celebrados ao abrigo do acordo quadro;
» e) Incumprimento da obrigação de apresentação de proposta aos convites efetuados ao abrigo do acordo quadro;
» f) Apresentação de proposta não válida, condicionada ou que possa ter custos indiretos ou futuros que não se encontrem previstos nos procedimentos pré-contratuais;
» g) Incumprimento da obrigação de remuneração à ESPAP;
» h) Incumprimento da obrigação de apresentação dos certificados NP EN ISO apresentados no procedimento que conduziu à celebração do acordo quadro.
» 3 — Em função da ponderação da gravidade e reiteração do incumprimento, a verificação das situações previstas no número anterior podem determinar a aplicação da sanção de suspensão do cocontratante do acordo quadro, com a consequente inibição de participação em futuros procedimentos iniciados ao seu abrigo.
» 4 — Considera-se haver incumprimento definitivo, suscetível de aplicação da sanção de resolução sancionatória quando, após notificação e concessão de prazo para o cumprimento da obrigação em falta, o cocontratante continue a incorrer em incumprimento.
» 5 — A sanção de resolução ou suspensão é notificada ao cocontratante por carta registada com aviso de receção com a indicação da situação de incumprimento e respetivos fundamentos, devendo a mesma ser publicitada no CNCP.
» 6 — A resolução do acordo quadro relativamente a um cocontratante não prejudica a aplicação de qualquer das sanções previstas no artigo anterior.
» Artigo 13.º
» Suspensão do acordo quadro
» 1 — Por motivos de interesse público a ESPAP pode suspender total ou parcialmente a execução do acordo quadro.
» 2 — A suspensão produz os seus efeitos a contar do dia seguinte ao da notificação dos
cocontratantes no acordo quadro, salvo se da referida notificação constar data posterior, e é efetuada através de carta registada com aviso de receção.
» 3 — A ESPAP pode, a qualquer momento, levantar a suspensão da execução do acordo quadro.
» 4 — Os cocontratantes não podem reclamar ou exigir qualquer compensação ou indemnização com base na suspensão total ou parcial do acordo quadro.
» 5 — A suspensão do acordo quadro não determina a suspensão ou revogação dos procedimentos já lançados ao abrigo do mesmo, nem tem qualquer impacto nos contratos em execução […]» (cf. ficheiro constante do processo administrativo instrutor, junto aos autos em suporte informático físico CD-ROM, na pasta «2. Peças Procedimento», sob a designação «CadernoEncargos_AQRC2017.pdf», cujo teor se dá por integralmente reproduzido; vide também doc. 12 junto à petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1.31) A 26.07.2017 foi publicado no Diário da República, 2.ª série, N.º 143, o anúncio de procedimento n.º 6421/2017, para a realização de um concurso público limitado por prévia qualificação, em que figura entidade adjudicante a ora entidade demandada, e no qual se deixou consignado, além do mais, o seguinte: «2 — OBJETO DO CONTRATO
» Designação do contrato: Acordo Quadro para o fornecimento de refeições confecionadas
» […]
» 3 — INDICAÇÕES ADICIONAIS
» O concurso destina-se à celebração de um acordo quadro: Sim
» Com várias entidades
» Prazo de vigência: 2 anos
» […]
» 5 — DIVISÃO EM LOTES, SE FOR O CASO
» Lote n.º 1
» Designação do lote: Fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados na Região Norte
» […]
» Lote n.º 2
» Designação do lote: Fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados na Região Centro
» […]
» Lote n.º 3
» Designação do lote: Fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados na Região de Lisboa e Vale do Tejo
» […]
» Lote n.º 4
» Designação do lote: Fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados na Região do Alentejo
» […]
» Lote n.º 5
» Designação do lote: Fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados na Região do Algarve
» […]
» Lote n.º 6
» Designação do lote: Fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados na Região Autónoma dos Açores
» […]
» Lote n.º 7
» Designação do lote: Fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados na Região Autónoma da Madeira
» […]
» Lote n.º 2
» Designação do lote: Fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados no Território Nacional
» […]
» 7 — PRAZO DE EXECUÇÃO DO CONTRATO
» Restantes contratos.
» Prazo contratual de 24 meses a contar da celebração do contrato.
» […]
» 12 — REQUISITOS MÍNIMOS
» 12.1 — Requisitos mínimos de capacidade técnica: Os referidos no artigo 9.º do Programa do Concurso.
» 12.2 — Requisitos mínimos de capacidade financeira: Os referidos no artigo 10.º do Programa do Concurso […]» (cf. doc. 6 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).

1.32) A 08.08.2017 a sociedade Eurest (Portugal) apresentou no portal eletrónico o no qual estava a ser tramitado o procedimento aprovado pela deliberação referida em 1.27) e lançado pelo Aviso referido em 1.31) um instrumento escrito com solicitação de esclarecimentos e retificações, no qual se consignou, além do mais, o seguinte: «EUREST (PORTUGAL) […] vem, ao abrigo do disposto no artigo 50.º, n.º 1 do Código dos Contratos Públicos (“CCP”), e no artigo 4.º, n.º 1 do Programa do Concurso (“PC”), requerer a V. Exa. o seguinte:
» I- Programa de Concurso:
» 1. Artigo 10.º, n.º 1, alínea a):
» Determina-se a expressão matemática para a avaliação do requisito de capacidade financeira, definindo-se “t”, como a “[t]axa de juro Euribor a seis meses, com três casas decimais, acrescida de 200 pontos base, divulgada no sítio do Banco de Portugal, à data da publicação, no Diário da República, do anúncio do concurso do acordo quadro anterior com o mesmo objeto: - [t]axa de 0,392% de 24 de dezembro de 2013, acrescida de 200 pontos base”.
» Sucede, porém, que, nos termos do n.º 1 do Anexo IX ao CCP, “t” é “a taxa de juro EURIBOR, a seis meses, acrescida de 200 pontos base, divulgada à data da publicação do anúncio do concurso no Diário da República”. Significa isto que deve ter-se por referência a taxa de juro EURIBOR que tenha sido divulgada à data da publicação do anúncio do concurso para que se concorre – portanto, não do concurso anterior. Com efeito, se em 24 de dezembro de 2013, a taxa de juro EURIBOR a seis meses era de 0,392%, à data da publicação do anúncio do presente concurso, a taxa era de – 0,272% (cfr. http://www.euribor-rates.eu/euribor-rate-6-months.asp). Verifica-se, pois, a desconformidade do determinado na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do PC e o previsto no n.º 1 do Anexo IV do CCP. Por conseguinte, solicita-se a retificação, sob pena de ilegalidade, ao abrigo do disposto no artigo 51.º do CCP.
» Acresce que se define “n” em relação aos “últimos três exercícios (2010, 2011, 2012)”. » Todavia, os últimos três exercícios referem-se aos anos de 2014, 2015 e 2016. Solicita-se, pois, a referida retificação.
» Por fim, define-se “EBITDA (i) = Resultado obtido através do seguinte cálculo com recurso aos valores contidos nos seguintes campos das declarações de IES: A5020 Resultado Operacional (antes de gastos de financiamentos e impostos) + A5018 Gastos/Reversões de depreciação e de amortizações + A5011 Provisões (aumentos/reduções)”. Sucede que, nos termos do disposto no n.º 1 do Anexo IV do CCP, o EBITDA é diferenciado consoante o candidato tenha contabilidade organizada nos termos do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), criado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, ou nos termos do Plano Oficial de Contabilidade (POC), criado pelo Decreto-Lei n.º 47/77, de 7 de fevereiro.
» Ora, no caso dos candidatos com contabilidade organizada em conformidade com o SNC, o EBITDA é o “resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos, definidos como previsto no anexo n.º 2 à Portaria n.º 986/2009, de 7 de setembro”. No outro caso, vigorando o POC, o EBITDA equivale aos “proveitos operacionais deduzidos das reversões de amortizações e ajustamentos e dos custos operacionais, mas sem inclusão das amortizações, dos ajustamentos e das provisões, apresentados pelo candidato no exercício i, sendo este um dos três últimos exercícios concluídos, desde que com as respetivas contas legalmente aprovadas”.
» Verifica-se, consequentemente, que a definição de EBITDA, constante do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do PC, não corresponde a nenhuma das definições constantes do n.º 1 do Anexo IV do CCP.
» Solicita-se, pois, a devida retificação, sob pena de ilegalidade, ao abrigo do disposto no artigo 51.º do CCP.
» […]
» II — Caderno de Encargos — Parte I:
» […]
» 2. Artigo 13.º, n.º 1:
» Determina-se que “[p]or motivos de interesse público a ESPAP pode suspender total ou parcialmente a execução do acordo quadro”. Porém, determina-se, no artigo 297.º do CCP, que “[a] execução das prestações que constituem o objeto do contrato pode ser, total ou parcialmente, suspensa com os seguintes fundamentos: | a) [a] impossibilidade temporária de cumprimento do contrato, designadamente em virtude de mora do contraente público na entrega ou na disponibilização de meios ou bens necessários à respetiva execução; ou | b) [a] exceção de não cumprimento”. Significa isto que, estando em causa uma situação especialmente restritiva da esfera do cocontratante – já que não será remunerado no período da suspensão contratual – e em face do elemento literal do proémio do artigo 297.º do CCP (que não adota o advérbio “nomeadamente” ou similar), se deverá considerar a enumeração constante do artigo 297.º como sendo taxativa. Por conseguinte, o contraente público apenas poderá determinar a suspensão do contrato quando se verifique: (i) a impossibilidade temporária do seu cumprimento; ou (ii) a exceção de não cumprimento.
» Ora, a suspensão por “motivos de interesse público” não se enquadra em nenhuma das referidas situações.
» Por conseguinte, solicita-se a retificação, sob pena de ilegalidade, ao abrigo do disposto no artigo 51.º, n.º 1 do CCP. […]» (cf. ficheiro constante do processo administrativo instrutor, junto aos autos em suporte informático físico CD-ROM, na pasta «4. Esclarecimentos e Retificações das Peças», sob a designação «[1. Eurest.pdf», cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1.33) Nos dias 11, 14 e 17 de agosto de 2017 reuniu o Júri do procedimento aprovado pela deliberação referida em 1.27) e lançado pelo Aviso referido em 1.31), que deliberou por unanimidade aprovar as respostas ao pedido de esclarecimentos referido em 1.32), ficando consignado no anexo I à referida ata, além do mais, o seguinte: «Programa de Concurso
» Artigo 10.º, n.º 1, alínea a): Requisitos de Capacidade Financeira
» P1. Determina-se a expressão matemática para a avaliação do requisito de capacidade financeira, definindo-se “t”, como a “taxa de juro Euribor a seis meses, com três casas decimais, acrescida de 200 pontos base, divulgada no sítio do Banco de Portugal, à data da publicação, no Diário da República, do anúncio do concurso do acordo quadro anterior com o mesmo objeto: - taxa de 0,392% de 24 de dezembro de 2013, acrescida de 200 pontos base”.
» Sucede, porém, que, nos termos do n.º 1 do Anexo IX ao CCP, “t” é “a taxa de juro EURIBOR, a seis meses, acrescida de 200 pontos base, divulgada à data da publicação do anúncio do concurso no Diário da República”. Significa isto que deve ter-se por referência a taxa de juro EURIBOR que tenha sido divulgada à data da publicação do anúncio do concurso para que se concorre – portanto, não do concurso anterior. Com efeito, se em 24 de dezembro de 2013, a taxa de juro EURIBOR a seis meses era de 0,392%, à data da publicação do anúncio do presente concurso, a taxa era de –0,272% (cfr. http://www.euribor-rates.eu/euribor-rate-6-months.asp). Verifica-se, pois, a desconformidade do determinado na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do PC e o previsto no n.º 1 do Anexo IV do CCP. Por conseguinte, solicita-se a retificação, sob pena de ilegalidade, ao abrigo do disposto no artigo 51.º do CCP.
» R1. O presente concurso e respetivas peças procedimentais correspondem à execução fiel do julgado anulatório do Supremo Tribunal Administrativo de 08.09.2016, no âmbito do qual a ESPAP, I.P. foi condenada a «retomar o procedimento, elaborando novos requisitos de capacidade financeira e alterando a cláusula 9.ª do caderno de Encargos, de forma a prosseguir com o procedimento sem que se verifiquem os vícios apontados.»
» Deste modo, ainda que nos termos do artigo 51.º do Código dos Contratos Públicos, doravante CCP, as normas constantes do mesmo prevaleçam sobre quaisquer peças do procedimento com elas desconformes, essas mesmas normas não prevalecem sobre o dever de executar a sentença, reconstituindo a situação atual hipotética, a que esta entidade está adstrita por via do artigo 173.º do CPTA, pelo que o lançamento deste «novo» procedimento se encontra limitado pela autoridade do caso julgado.
» Por essa razão, o presente procedimento corresponde à execução da sentença sem reincidir nos vícios apontados.
» P2. Acresce que se define “n” em relação aos “últimos três exercícios (2010, 2011, 2012)”. Todavia, os últimos três exercícios referem-se aos anos de 2014, 2015 e 2016. Solicita-se, pois, a referida retificação.
» R2. Já respondido em R1.
» P3. Por fim, define-se “EBITDA (i) = Resultado obtido através do seguinte cálculo com recurso aos valores contidos nos seguintes campos das declarações de IES: A5020 Resultado Operacional (antes de gastos de financiamentos e impostos) + A5018 Gastos/Reversões de depreciação e de amortizações + A5011 Provisões (aumentos/reduções)”. Sucede que, nos termos do disposto no n.º 1 do Anexo IV do CCP, o EBITDA é diferenciado consoante o candidato tenha contabilidade organizada nos termos do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), criado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, ou nos termos do Plano Oficial de Contabilidade (POC), criado pelo Decreto-Lei n.º 47/77, de 7 de fevereiro.
» Ora, no caso dos candidatos com contabilidade organizada em conformidade com o SNC, o EBITDA é o “resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos, definidos como previsto no anexo n.º 2 à Portaria n.º 986/2009, de 7 de setembro”. No outro caso, vigorando o POC, o EBITDA equivale aos “proveitos operacionais deduzidos das reversões de amortizações e ajustamentos e dos custos operacionais, mas sem inclusão das amortizações, dos ajustamentos e das provisões, apresentados pelo candidato no exercício i, sendo este um dos três últimos exercícios concluídos, desde que com as respetivas contas legalmente aprovadas”.
» Verifica-se, consequentemente, que a definição de EBITDA, constante do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do PC, não corresponde a nenhuma das definições constantes do n.º 1 do Anexo IV do CCP.
» Solicita-se, pois, a devida retificação, sob pena de ilegalidade, ao abrigo do disposto no artigo 51.º do CCP.
» R3. O Código dos Contratos Públicos (CCP), para efeitos de determinação da capacidade financeira dos candidatos no âmbito de procedimentos limitados por prévia qualificação, definiu no seu anexo IV a respetiva fórmula, na qual constava o EBITDA, isto é, «earnings before interests, taxes, depreciation and amortization». O legislador entendeu por bem concretizar a fórmula de cálculo deste conceito (apesar de ser universalmente utilizado), definindo-a como «… os proveitos operacionais deduzidos das reversões de amortizações e ajustamentos e dos custos operacionais, mas sem inclusão das amortizações, dos ajustamentos e das provisões, apresentados pelo candidato no exercício i, sendo este um dos três últimos».
» O CCP entrou em vigor ainda no tempo do Plano Oficial de Contabilidade (POC), sendo à luz desse regime que era aplicável a fórmula atrás transcrita. Entretanto, este regime foi substituído pelo Sistema de Normalização Contabilística (SNC), o qual suscitou dificuldades de aplicação da dita fórmula, razão pela qual, aliás, foi promovida a alteração legal do anexo IV.
» Assim, aquele indicador financeiro passou a ser calculado como «o resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e de impostos, definidos como previsto no Anexo n.º 2 à Portaria n.º 986/2009, de 7 de setembro», valor que conseguimos encontrar na fórmula descrita do artigo 10.º do programa do concurso, recorrendo aos campos da Informação Empresarial Simplificada (IES) aí mencionados.
» No que respeita aos anos, remete-se para o já respondido em R1.
» […]
» Caderno de Encargos — Parte I
» […]
» Artigo 13.º, n.º 1: Suspensão do Acordo Quadro
» P7. Determina-se que “por motivos de interesse público a ESPAP pode suspender total ou parcialmente a execução do acordo quadro”. Porém, determina-se, no artigo 297.º do CCP, que “a execução das prestações que constituem o objeto do contrato pode ser, total ou parcialmente, suspensa com os seguintes fundamentos: | a) a impossibilidade temporária de cumprimento do contrato, designadamente em virtude de mora do contraente público na entrega ou na disponibilização de meios ou bens necessários à respetiva execução; ou | b) a exceção de não cumprimento”. Significa isto que, estando em causa uma situação especialmente restritiva da esfera do cocontratante – já que não será remunerado no período da suspensão contratual – e em face do elemento literal do proémio do artigo 297.º do CCP (que não adota o advérbio “nomeadamente” ou similar), se deverá considerar a enumeração constante do artigo 297.º como sendo taxativa. Por conseguinte, o contraente público apenas poderá determinar a suspensão do contrato quando se verifique: (i) a impossibilidade temporária do seu cumprimento; ou (ii) a exceção de não cumprimento.
» Ora, a suspensão por “motivos de interesse público” não se enquadra em nenhuma das referidas situações.
» Por conseguinte, solicita-se a retificação, sob pena de ilegalidade, ao abrigo do disposto no artigo 51.º, n.º 1 do CCP.
» R7. Conforme já referido, as peças do presente procedimento correspondem às peças do AQ-RC 2014, expurgadas dos vícios apontados pelo STA em cumprimento do dever de execução do julgado anulatório […]» (cf. doc. 7 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).

1.34) A 01.09.2017 08.08.2017 a aqui autora apresentou no portal eletrónico no qual estava a ser tramitado o procedimento aprovado pela deliberação referida em 1.27) e lançado pelo Aviso referido em 1.31) um instrumento escrito com lista de erros e omissões, no qual deixou consignado, além do mais, o seguinte: «I. Introdução
» 1. É entender da N... que o presente procedimento padece de um conjunto de problemas que determinarão inapelavelmente que seja colocado em causa, em sede própria.
» 2. A presente lista não esgota todos esses problemas, visando apenas, dado o momento procedimental em que se insere, chamar a atenção para aspetos que constituem erros ou omissões do Caderno de Encargos, incluindo de natureza jurídica, que possam configurar-se como omissão de prestações que sejam essenciais à execução do contrato, ou condições inexequíveis (artigo 61º, nº 1, alínea a), subalíneas ii) e iii), respetivamente, do Código dos Contratos Públicos).
» II. A questão da remuneração a pagar à ESPAP
» 3. Assim, e desde logo, verifica-se que o Caderno de Encargos padece de uma gravíssima e patente omissão, que o torna ininteligível quanto a um aspeto que, como se compreenderá, é determinante para a execução do contrato a celebrar, e é também determinante para a formação da vontade de contratar (e de apresentar candidatura) por parte dos agentes económicos.
» 4. Com efeito, o Caderno de Encargos refere, em dois pontos diferentes, de forma inequívoca, que o adjudicatário tem a obrigação de remunerar a ESPAP, ao abrigo do acordo quadro a celebrar.
» 5. Isso decorre do artigo 12.º, n.º 2, alínea g), do Caderno de Encargos, que fixa como causa de resolução do contrato por parte da ESPAP o “Incumprimento da obrigação de remuneração à ESPAP”, e ainda do artigo 26.º, n.º 2, o qual, a propósito dos agrupamentos, dispõe que “O contrato deve prever um dos membros do consórcio como chefe ao qual deve ser conferida a competência para o representar junto da ESPAP, incluindo a competência para apresentação dos relatórios de faturação e para o cumprimento da obrigação de remuneração da ESPAP conforme previsto no presente caderno de encargos.”
» 6. Porém, e apesar de o artigo 26.º, n.º 2, dizer expressamente, como se vê, que o modo de cumprimento da obrigação de remuneração da ESPAP estaria “previsto no presente caderno de encargos”, é notório que isso não acontece.
» 7. Admite-se que possa não ter sido considerada, na aprovação das peças do presente concurso, a saída do artigo 9.º do Caderno de Encargos do concurso aberto, pela ESPAP, em 2014, e cuja fórmula de remuneração foi, como é sabido, declarada ilegal por decisão judicial transitada em julgado.
» 8. Mesmo que assim seja, porém, isso não elimina o ponto fundamental, que é o de que o Caderno de Encargos configura como uma prestação essencial a executar pelo adjudicatário a remuneração à ESPAP, mas nada estabelece quanto a essa prestação essencial.
» 9. O que configura uma evidente omissão nos termos e para os efeitos do artigo 61.º do CCP, que terá de ser corrigida, sob pena de, como se disse, o Caderno de Encargos ficar pura e simplesmente ininteligível quanto a um ponto que é essencial para que os agentes económicos possam decidir se apresentam ou não candidatura ao presente concurso.
» III. A questão da não identificação das entidades que poderão utilizar o acordo quadro
» 10. O artigo 33.º, n.º 2, 2.º parágrafo, da Diretiva n.º 2014/24/UE, relativa aos procedimentos de adjudicação de contratos públicos, dispõe que “Esses procedimentos [isto é, os procedimentos de aquisição ao abrigo de acordo quadro] só são aplicáveis entre, por um lado, as autoridades adjudicantes claramente identificadas para o efeito no convite à apresentação de propostas ou no convite à confirmação de interesse e, por outro, os operadores económicos que sejam partes no acordo-quadro, nos termos nele previstos.”
» 11. A disposição em causa é inovadora: não constava da Diretiva n.º 2004/18/CE, e por isso, também não consta do CCP.
» 12. Dela decorre, como tem sido salientado, a obrigação, para as entidades que conduzem um procedimento que leva à celebração do acordo quadro, de procederem, nas peças do procedimento, àquela identificação clara das entidades adjudicantes que poderão vir a utilizar o acordo quadro.
» 13. É sabido que a Diretiva n.º 2014/24/UE não se encontra ainda transposta para o Direito português, apesar de ter já terminado, em abril de 2016, o prazo para o efeito. Porém, é igualmente certo que, nos termos da conhecida e pacífica doutrina do efeito direto das diretivas, as disposições inequívocas, suficientemente precisas e incondicionais destes atos de Direito Europeu podem ser invocadas pelos particulares perante as entidades públicas, após o decurso do prazo de transposição, se esta não tiver ocorrido.
» 14. É o que agora se faz, pois a disposição em causa é inequívoca, suficientemente precisa e incondicional, sendo evidente o seu propósito principal, que é o de permitir aos agentes económicos como a N..., quando participam num procedimento tendente à celebração de um acordo quadro, terem um horizonte de previsibilidade quanto às entidades que podem vir a utilizar esse acordo quadro. Esse horizonte de previsibilidade é fundamental para que os agentes económicos possam decidir se têm interesse em contratar, e também para decidirem que condições propor para o acordo quadro.
» 15. Pois bem, sobre este tema – que há de considerar-se um elemento essencial para a delimitação das prestações que incumbem ao adjudicatário no acordo quadro a celebrar – também o Caderno de Encargos é omisso.
» 16. O que consta do artigo 2.º, n.º 4, do Caderno de Encargos deve, com efeito, ser desprezado para este efeito: dizer que “O acordo quadro disciplina as relações contratuais futuras a estabelecer entre os cocontratantes e a ESPAP, UMC, entidades adquirentes vinculadas e voluntárias” é manifestamente insuficiente para cumprir o dever exigido pela Diretiva, o qual, recorde-se, pressupõe que as autoridades adjudicantes [estejam] claramente identificadas.
» 17. Deve assim ser corrigida mais esta omissão do Caderno de Encargos, a qual, reitera-se, obsta, para todos os efeitos – tal como a omissão referente à remuneração – à adequada formação da vontade dos agentes económicos em contratar e, por isso, em apresentar candidatura, pelo que não existem dúvidas de que, a manter-se esta omissão sem correção, os atos subsequentes do procedimento, bem como o acordo quadro, serão inválidos.
» 18. Nem se responda – como a ESPAP respondeu em sede de pedidos de esclarecimentos – que se trata de cumprir rigorosamente o que foi determinado por sentença judicial transitada em julgado: mesmo que esse argumento, por hipótese de raciocínio, fosse de aceitar, ele não vale contra Direito da União Europeia, tendo em conta o conhecido primado do Direito Europeu.
» IV. Conclusão
» 19. Assim, e em conclusão, o caderno de encargos padece de omissões que o tornam ininteligível em aspetos determinantes para a formação da vontade dos agentes económicos em contratar, em concreto, relativamente ao preço e condições económicas dos contratos a celebrar e às entidades abrangidas pelo futuro acordo quadro, encontrando-se mesmo violadas disposições de Direito Europeu vinculativas da entidade adjudicante.
» 20. A sanação destes vícios só pode ocorrer com uma revisão importante das peças do procedimento, que não deixará de implicar uma prorrogação do prazo de apresentação de candidaturas equivalente ao prazo já decorrido.
» 21. Caso tal correção não ocorra, manifestamente, as decisões a tomar no procedimento serão inválidas, bem como o subsequente contrato, pelo que serão, sem dúvida, contestadas judicialmente.
» 22. A N... requer, por isso, a V. Exas. as melhores diligências no sentido da correção dos mencionados problemas e na atribuição da prorrogação do prazo de candidaturas que, nos termos do artigo 64.º do CCP, aqui aplicável, necessariamente acompanhará essa correção […]» (cf. doc. 9 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).

1.35) A 07.09.2017 reuniu o Júri do procedimento aprovado pela deliberação referida em 1.27) e lançado pelo Aviso referido em 1.31), que deliberou por unanimidade aprovar as respostas à lista de erros e omissões apresentada pela autora, referida em 1.34), bem como propor ao Conselho Diretivo da entidade demandada retificações ao Caderno de Encargos e a prorrogação do prazo para apresentação das candidaturas, ficando consignado no anexo I à referida ata, além do mais, o seguinte: «Anexo I
» Listas de Erros e Omissões
» Lista de erros e omissões n.º 1
» Interessasdo: N... […]
» Questão
» P1
» 3. Assim, e desde logo, verifica-se que o Caderno de Encargos padece de uma gravíssima e patente omissão, que o torna ininteligível quanto a um aspeto que, como se compreenderá, é determinante para a execução do contrato a celebrar, e é também determinante para a formação da vontade de contratar (e de apresentar candidatura) por parte dos agentes económicos.
» 4. Com efeito, o Caderno de Encargos refere, em dois pontos diferentes, de forma inequívoca, que o adjudicatário tem a obrigação de remunerar a ESPAP, ao abrigo do acordo quadro a celebrar.
» 5. Isso decorre do artigo 12.º, n.º 2, alínea g), do Caderno de Encargos, que fixa como causa de resolução do contrato por parte da ESPAP o “Incumprimento da obrigação de remuneração à ESPAP”, e ainda do artigo 26.º, n.º 2, o qual, a propósito dos agrupamentos, dispõe que “O contrato deve prever um dos membros do consórcio como chefe ao qual deve ser conferida a competência para o representar junto da ESPAP, incluindo a competência para apresentação dos relatórios de faturação e para o cumprimento da obrigação de remuneração da ESPAP conforme previsto no presente caderno de encargos.”
» 6. Porém, e apesar de o artigo 26.º, n.º 2, dizer expressamente, como se vê, que o modo de cumprimento da obrigação de remuneração da ESPAP estaria “previsto no presente caderno de encargos”, é notório que isso não acontece.
» 7. Admite-se que possa não ter sido considerada, na aprovação das peças do presente concurso, a saída do artigo 9.º do Caderno de Encargos do concurso aberto, pela ESPAP, em 2014, e cuja fórmula de remuneração foi, como é sabido, declarada ilegal por decisão judicial transitada em julgado.
» 8. Mesmo que assim seja, porém, isso não elimina o ponto fundamental, que é o de que o Caderno de Encargos configura como uma prestação essencial a executar pelo adjudicatário a remuneração à ESPAP, mas nada estabelece quanto a essa prestação essencial.
» 9. O que configura uma evidente omissão nos termos e para os efeitos do artigo 61.º do CCP, que terá de ser corrigida, sob pena de, como se disse, o Caderno de Encargos ficar pura e simplesmente ininteligível quanto a um ponto que é essencial para que os agentes económicos possam decidir se apresentam ou não candidatura ao presente concurso.
» R 1.1: O presente concurso e respetivas peças procedimentais correspondem à execução fiel do julgado anulatório do Supremo Tribunal Administrativo de 08.09.2016, no âmbito do qual a ESPAP, I.P. foi condenada a «retomar o procedimento, elaborando novos requisitos de capacidade financeira e alterando a cláusula 9.ª do caderno de encargos, de forma a prosseguir com o procedimento sem que se verifiquem os vícios apontados».
» Nessa conformidade, foi eliminada a cláusula 9.ª do caderno de encargos que previa a obrigação dos cocontratantes remunerarem a ESPAP, razão pela qual os artigos do Caderno de Encargos cuja aplicação pressupõe a existência dessa obrigação não são exequíveis, impondo-se, igualmente, quanto a estes, a sua eliminação, cfr., retificação constante do anexo II à presente ata.
» P2.
» III. A questão da não identificação das entidades que poderão utilizar o acordo quadro
» 10. O artigo 33.º, n.º 2, 2º parágrafo, da Diretiva n.º 2014/24/UE, relativa aos procedimentos de adjudicação de contratos públicos, dispõe que “Esses procedimentos [isto é, os procedimentos de aquisição ao abrigo de acordo quadro] só são aplicáveis entre, por um lado, as autoridades adjudicantes claramente identificadas para o efeito no convite à apresentação de propostas ou no convite à confirmação de interesse e, por outro, os operadores económicos que sejam partes no acordo-quadro, nos termos nele previstos.”
» 11. A disposição em causa é inovadora: não constava da Diretiva n.º 2004/18/CE, e por isso, também não consta do CCP.
» 12. Dela decorre, como tem sido salientado, a obrigação, para as entidades que conduzem um procedimento que leva à celebração do acordo quadro, de procederem, nas peças do procedimento, àquela identificação clara das entidades adjudicantes que poderão vir a utilizar o acordo quadro.
» 13. É sabido que a Diretiva n.º 2014/24/UE não se encontra ainda transposta para o Direito português, apesar de ter já terminado, em Abril de 2016, o prazo para o efeito. Porém, é igualmente certo que, nos termos da conhecida e pacífica doutrina do efeito direto das diretivas, as disposições inequívocas, suficientemente precisas e incondicionais destes atos de Direito Europeu podem ser invocadas pelos particulares perante as entidades públicas, após o decurso do prazo de transposição, se esta não tiver ocorrido.
» 14. É o que agora se faz, pois a disposição em causa é inequívoca, suficientemente precisa e incondicional, sendo evidente o seu propósito principal, que é o de permitir aos agentes económicos como a N..., quando participam num procedimento tendente à celebração de um acordo quadro, terem um horizonte de previsibilidade quanto às entidades que podem vir a utilizar esse acordo quadro. Esse horizonte de previsibilidade é fundamental para que os agentes económicos possam decidir se têm interesse em contratar, e também para decidirem que condições propor para o acordo quadro.
» 15. Pois bem, sobre este tema – que há de considerar-se um elemento essencial para a delimitação das prestações que incumbem ao adjudicatário no acordo quadro a celebrar – também o Caderno de Encargos é omisso.
» 16. O que consta do artigo 2.º, n.º 4, do Caderno de Encargos deve, com efeito, ser desprezado para este efeito: dizer que “O acordo quadro disciplina as relações contratuais futuras a estabelecer entre os cocontratantes e a ESPAP, UMC, entidades adquirentes vinculadas e voluntárias” é manifestamente insuficiente para cumprir o dever exigido pela Diretiva, o qual, recorde-se, pressupõe que as autoridades adjudicantes [estejam] claramente identificadas.
» 17. Deve assim ser corrigida mais esta omissão do Caderno de Encargos, a qual, reitera-se, obsta, para todos os efeitos – tal como a omissão referente à remuneração – à adequada formação da vontade dos agentes económicos em contratar e, por isso, em apresentar candidatura, pelo que não existem dúvidas de que, a manter-se esta omissão sem correção, os atos subsequentes do procedimento, bem como o acordo quadro, serão inválidos.
» 18. Nem se responda – como a ESPAP respondeu em sede de pedidos de esclarecimentos – que se trata de cumprir rigorosamente o que foi determinado por sentença judicial transitada em julgado: mesmo que esse argumento, por hipótese de raciocínio, fosse de aceitar, ele não vale contra Direito da União Europeia, tendo em conta o conhecido primado do Direito Europeu.
» R 1.2: O presente concurso e respetivas peças procedimentais correspondem à execução fiel do julgado anulatório do Supremo Tribunal Administrativo de 08.09.2016, no âmbito do qual a ESPAP, I.P. foi condenada a «retomar o procedimento, elaborando novos requisitos de capacidade financeira e alterando a cláusula 9.ª do caderno de encargos, de forma a prosseguir com o procedimento sem que se verifiquem os vícios apontados».
» Sem prejuízo do atrás exposto, sempre se poderá dizer o seguinte: i) o artigo 33.º n.º 2, 2.º parágrafo da Diretiva refere-se a contratos baseados em acordo quadro; ii) a identificação do universo de entidades adjudicantes decorre da leitura conjugada do artigo 3.º do Decreto-lei n.º 37/2007, de 19 de fevereiro, em conjugação com o artigo 1.º, alínea f) e artigo 2.º, n.º 4 do Caderno de Encargos do Procedimento; iii) ainda que o CCP na versão em vigor nada refira sobre esta disposição, no passado dia 31 de agosto foi publicada a nona alteração ao Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, que transpõe as Diretivas n.os 2014/23/UE, 2014/24/UE e 2014/25/UE, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014 e a Diretiva n.º 2014/55/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, que entra em vigor em 1 de janeiro de 2018, que admite no n.º 4 do artigo 257.º «a adesão de novas entidades adjudicantes desde que o programa do procedimento ou o convite relativos ao procedimento tenha indicado tal possibilidade e tenha identificado, de forma suficiente, designadamente por recurso a categorias gerais ou delimitação geográfica, as entidades adjudicantes que poderiam aderir», pelo que não se aceita o erro e omissão detetados, porquanto a identificação das entidades adjudicantes é feita de forma suficiente mediante o recurso a categorias gerais (ESPAP, UMC´s, entidades vinculadas e entidades voluntárias), pelo que resulta afastada a violação do direito comunitário. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a disposição não é suficientemente inequívoca para que se possa invocar o efeito direto da mesma. […]» (cf. doc. 10 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).

1.36) Em função da aprovação de retificações propostas pela ata referida em 1.35), o prazo de apresentação das candidaturas foi prorrogado até 18.09.2017, por via do Aviso de Prorrogação de Prazo n.º 1409/2017, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 174, de 8 de setembro (cf. doc. 8 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).

1.37) A 28.11.2017 foi elaborado e subscrito pelos membros do procedimento aprovado pela deliberação referida em 1.27) e lançado pelo Aviso referido em 1.31) um instrumento escrito em papel timbrado da entidade demandada, sob a designação de «Relatório Preliminar de análise das candidaturas ao Concurso Limitado por Prévia Qualificação para celebração do Acordo Quadro para o fornecimento de Refeições Confecionadas», no qual se deixou consignado, além do mais, o seguinte: «1. Do concurso
» O concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas foi aberto por anúncio publicado no Jornal Oficial da União Europeia, de 28 de julho de 2017, com o n.º 2017/S 143-294721 e no Diário da República, n.º 143, II série – parte L, de 26 de julho de 2017, com o n.º 6421/2017.
» Foram disponibilizadas em plataforma eletrónica as peças do procedimento – programa de concurso (PC), caderno de encargos (CE) e respetivos anexos.
» Os prazos para a formulação e para a prestação de esclarecimentos terminaram nos dias 09 e 24 de agosto, respetivamente, conforme n.ºs 1 e 2 do artigo 4.º do PC.
» O prazo para a formulação de erros e omissões terminou no dia 01 de setembro. A respetiva decisão sobre esta lista foi publicitada no dia 08 de setembro.
» O prazo para a entrega das candidaturas, de acordo com o n.º 1 do artigo 6.º do PC, terminaria inicialmente no dia 11 de setembro. Contudo, foi prorrogado até ao dia 18 de setembro, tempo equivalente ao decorrido entre a apresentação da lista de erros e omissões e a publicitação da decisão que recaiu sobre esta.
» 2. Esclarecimentos e retificações
» Nos termos do n.º 1 do artigo 166.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), foram solicitados esclarecimentos por um dos interessados sobre a interpretação das peças concursais, os quais foram prestados pelo Júri do concurso e publicados na plataforma eletrónica no dia 18 de agosto de 2017.
» Nos termos do n.º 2 do artigo 166.º do CCP, o Júri do concurso procedeu igualmente a retificação adicional ao PC, publicada igualmente na plataforma eletrónica no mesmo dia.
» Cumpre relembrar que, de acordo com o n.º 4 do artigo 4.º do PC, “os esclarecimentos e as retificações fazem parte integrante das peças do concurso a que dizem respeito e prevalecem sobre estas em caso de divergência.”
» Os esclarecimentos prestados e as mencionadas retificações fazem parte da Ata n.º 1 do Júri do Concurso, e vão juntos como Anexo I ao presente relatório, dele fazendo parte integrante.
» 3. Erros ou omissões
» Nos termos do n.º 2 do artigo 61.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), foi apresentado por um dos interessados uma lista de erros e omissões, que após decisão do órgão competente para a decisão de contratar foi a mesma publicada pelo Júri na plataforma eletrónica no dia 08 de setembro de 2017.
» Foram igualmente aprovadas pelo órgão competente para decisão de contratar retificações adicionais ao CE, as quais foram publicadas na plataforma eletrónica no mesmo dia, tendo ainda sido prorrogada a data limite de apresentação das candidaturas para o dia 18 de setembro de 2017, conforme anúncio publicado no Diário da República, n.º 174, II série – parte L, de 08 de setembro de 2017, com o n.º 1409/2017.
As mencionadas retificações fazem parte da Ata n.º 2 do Júri do Concurso, e vão juntas como Anexo II ao presente relatório, dele fazendo parte integrante.
» 4. Lista de candidatos
» O prazo de entrega das candidaturas terminou às 23h59 do dia 18 de setembro de 2017.
» Dando cumprimento ao disposto no artigo 177.º do CCP, o Júri reuniu no dia 19 de setembro de 2017 e procedeu à desencriptação do procedimento e das candidaturas na plataforma eletrónica com o intuito de verificar a tempestividade das mesmas, procedendo seguidamente à publicitação da lista dos candidatos na mesma plataforma, ordenados em razão do momento da respetiva apresentação, listagem essa que se reproduz no quadro seguinte:
«Imagem no original»
» 5. Abertura dos documentos que constituem as candidaturas
» O Júri, reunido no dia 19 de setembro de 2017, para abertura das candidaturas na plataforma eletrónica, verificou que todos os documentos se encontravam em condições de serem publicitados, tendo por isso procedido à disponibilização na plataforma eletrónica de todos os documentos que constituem cada uma das candidaturas submetidas. Elaborou ainda a respetiva ata que constitui o Anexo III ao presente relatório e que dele faz parte integrante.
» 6. Resumo da análise das candidaturas, verificação do cumprimento dos requisitos mínimos relativos à capacidade técnica e financeira e aplicação do critério de qualificação
» O Júri procedeu à análise das candidaturas, reproduzindo-se nos quadros abaixo o resumo dos elementos formais, materiais e aritméticos que constituem as candidaturas a concurso.
» Para a elaboração destes mapas síntese, o Júri realizou todos os cálculos aritméticos de forma a verificar o cumprimento de todos aqueles requisitos mínimos relativos a cada um dos candidatos.
» Estes cálculos constam de dois documentos anexos – Anexos IV e V - ao presente relatório, fazendo dele parte integrante.
» Salienta-se que, relativamente à certificação NP EN ISO 14001:2004 (Sistema de Gestão Ambiental), foi igualmente considerada a NP EN ISSO 140001:2012, uma vez que esta última substitui a primeira e que todos os candidatos possuem o número mínimo exigido de certificações.
«Imagem no original»
» 7. Proposta de qualificação de candidaturas ao abrigo do n.º 1 do artigo 184.º do CCP
» […]
» 7.5 Candidato n.º 5: N... – …, Lda.
» a) O candidato apresentou candidatura para os lotes 1 a 8.
» b) A candidatura foi apresentada mediante a utilização de certificado de assinatura eletrónica qualificada, nos termos do n.º 1 do artigo 30.º do PC.
» c) O candidato entregou toda a documentação em conformidade com o solicitado no n.º 1 do artigo 12.º do PC.
» d) Qualificação Financeira – artigo 10.º do Programa de Concurso
» Requisito 1:
» Para cumprimento do requisito 1, o candidato tinha que comprovar o cumprimento da expressão matemática prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º e constante do anexo IV do CCP ou, em sua substituição, a apresentação de declaração bancária conforme modelo constante do Anexo VI ao CCP.
» Da análise da candidatura e de acordo com os cálculos em anexo ao presente relatório, constata-se que o candidato cumpre a expressão matemática atrás referida, apenas para os lotes 2, 4, 5, 6 e 7.
» Requisito 2:
» Para cumprimento do requisito 2, o candidato tinha de comprovar o cumprimento de dois dos três requisitos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 10.º: média aritmética da liquidez geral 2011/2012 ≥ 1, média do somatório dos resultados líquidos de 2011/2012 ≥ 0 e média aritmética do volume de negócios de 2011/2012 ≥ x (em que x varia de acordo com os montantes previstos e lotes a que concorre).
» Da análise da candidatura e de acordo com os cálculos em anexo ao presente relatório, constata-se que o candidato cumpre dois dos requisitos atrás elencados para todos os lotes, pelo que se conclui que cumpre o requisito 2 relativo à qualificação financeira.
» e) Qualificação Técnica – artigo 9.º do Programa de Concurso
» Requisito 1:
» O candidato, na sua IES/2012, possui 170 trabalhadores registados, pelo que cumpre o requisito de capacidade técnica, exigido no n.º 1 do artigo 9.º, relativo ao número mínimo de trabalhadores, apenas para os lotes 2, 4, 5, 6 e 7.
» Requisito 2:
» Para cumprimento do requisito 2, o candidato tinha que deter uma das três certificações elencadas no n.º 2 do artigo 9.º: a certificação relativa ao Sistema de Gestão da Qualidade (NP EN ISSO 9001:2008), a certificação relativa ao Sistema de Gestão Ambiental (NP EN ISSO 14001:2004) e a certificação relativa ao Sistema de Gestão da Segurança alimentar (NP EN ISSO 22000:2005).
» Da análise da candidatura, verifica-se que o candidato detém uma certificação válida, pelo que se conclui que cumpre o requisito 2 relativo à qualificação técnica.
» Assim sendo, o Júri, nos termos do artigo 14.º do PC, propõe a qualificação do Candidato n.º 5: N... – Sociedade Nacional de Restauração, Lda. ao presente concurso, ficando este candidato em condições de passar à fase seguinte do procedimento concursal, para os lotes 2, 4, 5, 6 e 7.
» Propõe ainda a não qualificação do candidato para os lotes 1, 3 e 8, nos termos do disposto nas alíneas d) e l) do n.º 2 do artigo 184.º do CCP por não reunir os requisitos de qualificação financeira e técnica exigidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 9.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Programa de Concurso, relativo ao número mínimo de trabalhadores e ao cumprimento da expressão matemática ali prevista, respetivamente.
» […]
» 8. Conclusão
» Tendo analisado, nos termos que antecedem, as candidaturas e os documentos que as constituem, o Júri elaborou o presente Relatório Preliminar da fase de qualificação, no qual delibera:
» a) Propor, nos termos do n.º 1 do artigo 184.º e do n.º 1 do artigo 179.º do CCP, a qualificação, nos respetivos lotes, dos candidatos elencados no quadro abaixo:
«Imagem no original»
» b) Propor a não qualificação nos lotes a seguir mencionados, do candidato elencado, nos termos do disposto nas alíneas d) e l) do n.º 2 do artigo 184.º do CCP, conjugado com as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 9.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Programa de Concurso:
«Imagem no original»

» De tudo o que anteriormente foi exposto, propõe-se a publicação na Plataforma Eletrónica do presente Relatório Preliminar da Fase de Qualificação, fixando-se um prazo de cinco dias para os candidatos se pronunciarem, por escrito, através da plataforma eletrónica, ao abrigo do direito da Audiência Prévia, nos termos do artigo 185.º do Código dos Contratos Públicos.» (cf. doc. 13 junto à petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1.38) O relatório preliminar referido em 1.37) continha, além do mais, um Anexo IV, subordinado à análise da capacidade financeira dos concorrentes, e tinha o seguinte teor (idem):
«Imagem no original»

1.39) O relatório preliminar referido em 1.37) continha, além do mais, um Anexo V, subordinado à análise da capacidade financeira dos concorrentes para aferição do 2.º requisito fixado no Programa de Concurso referido em 1.27) e tinha o seguinte teor (idem):

«Imagem no original»

1.40) A entidade demandada publicitou o relatório referido em 1.37) na plataforma eletrónica onde estava a ser tramitado o procedimento aprovado pela deliberação referida em 1.27) e lançado pelo Aviso referido em 1.31) a 15.12.2017 (cf. ficheiro constante do processo administrativo instrutor, junto aos autos em suporte informático físico CD-ROM, sob a designação «Fluxo_AQRC2017_20180509.pdf», cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1.41) A autora, visualizando o relatório preliminar na plataforma eletrónica onde estava a ser tramitado o procedimento aprovado deliberação referida em 1.27) e lançado pelo Aviso referido em 1.31), não se pronunciou, em sede de audiência prévia, sobre a proposta constante do relatório referido em 1.33) (idem).

1.42) A aqui autora intentou neste Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por apenso à ação referida em 1.5), a ação executiva n.º 172/14.7BELSB-A, visando o arbitramento de indemnização por causa legítima de inexecução do julgado anulatório do Supremo Tribunal Administrativo referido em 1.13), invocada pela entidade demandada nas deliberações referidas em 1.22) e 1.25) (facto de conhecimento ex officio, constando da petição inicial de execução de julgado que corre termos neste Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa sob o n.º 172/14.7BELSB-A, sendo junto à presente decisão, a final, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 2, in fine, do Código de Processo Civil).

1.43) A 19.01.2018 foi elaborado e subscrito pelos membros do procedimento aprovado pela deliberação referida em 1.27) e lançado pelo Aviso referido em 1.31) um instrumento escrito em papel timbrado da entidade demandada, sob a designação de «Relatório Final de análise das candidaturas ao Concurso Limitado por Prévia Qualificação para celebração do Acordo Quadro para o fornecimento de Refeições Confecionadas», no qual se deixou consignado, além do mais, o seguinte: «1. Do concurso
» O concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas foi aberto por anúncio publicado no Jornal Oficial da União Europeia, de 28 de julho de 2017, com o n.º 2017/S 143-294721 e no Diário da República, n.º 143, II série – parte L, de 26 de julho de 2017, com o n.º 6421/2017.
» Foram disponibilizadas em plataforma eletrónica as peças do procedimento – programa de concurso (PC), caderno de encargos (CE) e respetivos anexos.
» Os prazos para a formulação e para a prestação de esclarecimentos terminaram nos dias 09 e 24 de agosto, respetivamente, conforme n.ºs 1 e 2 do artigo 4.º do PC.
» O prazo para a formulação de erros e omissões terminou no dia 01 de setembro. A respetiva decisão sobre esta lista foi publicitada no dia 08 de setembro.
» O prazo para a entrega das candidaturas, de acordo com o n.º 1 do artigo 6.º do PC, terminaria inicialmente no dia 11 de setembro. Contudo, foi prorrogado até ao dia 18 de setembro, tempo equivalente ao decorrido entre a apresentação da lista de erros e omissões e a publicitação da decisão que recaiu sobre esta.
» 2. Esclarecimentos e retificações
» Nos termos do n.º 1 do artigo 166.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), foram solicitados esclarecimentos por um dos interessados sobre a interpretação das peças concursais, os quais foram prestados pelo Júri do concurso e publicados na plataforma eletrónica no dia 18 de agosto de 2017.
» Nos termos do n.º 2 do artigo 166.º do CCP, o Júri do concurso procedeu igualmente a retificação adicional ao PC, publicada igualmente na plataforma eletrónica no mesmo dia.
» Cumpre relembrar que, de acordo com o n.º 4 do artigo 4.º do PC, “os esclarecimentos e as retificações fazem parte integrante das peças do concurso a que dizem respeito e prevalecem sobre estas em caso de divergência.”
» Os esclarecimentos prestados e as mencionadas retificações fazem parte da Ata n.º 1 do Júri do Concurso, e vão juntos como Anexo I ao presente relatório, dele fazendo parte integrante.
» 3. Erros ou omissões
» Nos termos do n.º 2 do artigo 61.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), foi apresentado por um dos interessados uma lista de erros e omissões, que após decisão do órgão competente para a decisão de contratar foi a mesma publicada pelo Júri na plataforma eletrónica no dia 08 de setembro de 2017.
» Foram igualmente aprovadas pelo órgão competente para decisão de contratar retificações adicionais ao CE, as quais foram publicadas na plataforma eletrónica no mesmo dia, tendo ainda sido prorrogada a data limite de apresentação das candidaturas para o dia 18 de setembro de 2017, conforme anúncio publicado no Diário da República, n.º 174, II série – parte L, de 08 de setembro de 2017, com o n.º 1409/2017.
» As mencionadas retificações fazem parte da Ata n.º 2 do Júri do Concurso, e vão juntas como Anexo II ao presente relatório, dele fazendo parte integrante.
» 4. Lista de candidatos
» O prazo de entrega das candidaturas terminou às 23h59 do dia 18 de setembro de 2017.
» Dando cumprimento ao disposto no artigo 177.º do CCP, o Júri reuniu no dia 19 de setembro de 2017 e procedeu à desencriptação do procedimento e das candidaturas na plataforma eletrónica com o intuito de verificar a tempestividade das mesmas, procedendo seguidamente à publicitação da lista dos candidatos na mesma plataforma, ordenados em razão do momento da respetiva apresentação, listagem essa que se reproduz no quadro seguinte:

«Imagem no original»

» 5. Análise das candidaturas e elaboração do Relatório Preliminar
» Em cumprimento do artigo 184.º do CCP, o júri procedeu à análise das candidaturas, tendo elaborado o respetivo relatório preliminar que publicou na plataforma eletrónica no dia 15 de dezembro de 2017, constando igualmente do Anexo I ao presente relatório e aqui é dado como reproduzido, no qual procedeu à análise das candidaturas, tendo proposto:
» a) A qualificação dos seguintes candidatos para os lotes indicados:
«Imagem no original»

» b) A exclusão do seguinte candidato para os lotes indicados:
«Imagem no original»

» 6. Audiência Prévia
» Nos termos do artigo 185.º do CCP o júri procedeu ao envio do relatório preliminar a todos os candidatos, tendo fixado prazo até ao dia 22 de dezembro de 2017 para se pronunciarem, querendo, por escrito, através da plataforma eletrónica dos concursos da Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública (ESPAP), ao abrigo do direito da audiência prévia, não tendo sido apresentadas pronúncias.
» 7. Conclusão
» Em face do que antecede, o júri elaborou o presente relatório final da fase de qualificação, no qual delibera, manter o teor e conclusões do relatório preliminar, nos termos a seguir sintetizados:
» a) Propor, nos termos do n.º 1 do artigo 179.º do CCP, a qualificação, nos respetivos lotes, dos candidatos elencados no quadro abaixo, os quais devem passar em condições de igualdade à fase seguinte deste concurso limitado, nos termos do n.º 2 do artigo 187.º do CCP:
«Imagem no original»

» b) Propor a não qualificação, nos respetivos lotes, do candidato elencado no quadro abaixo, com os fundamentos referidos no relatório preliminar, que segue em Anexo I ao presente relatório final, dele fazendo parte integrante:
«Imagem no original»

» c) Nos termos do n.º 3 do artigo 186.º do CCP, enviar o presente relatório final, juntamente com os demais documentos que compõem o processo de concurso, ao Conselho Diretivo da Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, IP, para que este se pronuncie sobre as propostas contidas no presente relatório, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 186.º do CCP.» (cf. doc. 14 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).

1.44) A 06.02.2018 o Conselho Diretivo da entidade demandada aprovou o relatório final referido em 1.43) (cf. ficheiro pdf constante do processo administrativo instrutor, junto aos autos em suporte informático físico CD-ROM, na pasta «9. Deliberação do CD», sob a designação «[CD]RC_2018-02-06 DCP_43-Deliberação CD.pdf», cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1.45) A 09.02.2018 a entidade demandada publicitou o relatório final referido em 1.43) na plataforma eletrónica onde estava a ser tramitado o procedimento aprovado pela deliberação referida em 1.27) e lançado pelo Aviso referido em 1.31) (cf. ficheiro em formato pdf constante do processo administrativo instrutor, junto aos autos em suporte informático físico CD-ROM, sob a designação «Fluxo_AQRC2017_20180509.pdf», cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1.46) Na mesma data a entidade demandada editou, na plataforma eletrónica onde estava a ser tramitado o procedimento aprovado pela deliberação referida em 1.27) e lançado pelo Aviso referido em 1.31), o estado do relatório preliminar referido em 1.33) de «Em edição após audiência prévia» para «Aprovado» e logo depois para «Confirmado» (idem).

1.47) A autora, visualizando o relatório final na plataforma eletrónica onde estava a ser tramitado o procedimento aprovado pela deliberação referida em 1.27) e lançado pelo Aviso referido em 1.31), não o impugnou administrativamente perante a própria entidade demandada, nem às normas do procedimento, ao abrigo do disposto no artigo 269.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos (idem).

1.48) A 09.03.2018 a aqui autora intentou a presente ação neste tribunal, peticionando impugnação de normas das peças do procedimento e aos atos procedimentais praticados e a praticar no procedimento concursal aprovado pela deliberação referida em 1.27) e lançado pelo Aviso referido em 1.31), bem como eventuais contratos celebrados, sendo desde logo impugnadas as decisões de exclusão de candidaturas e de qualificação (cf. fls. 1 dos autos em paginação eletrónica e petição inicial).

1.49) A 24.05.2018, foram aprovados pelo Conselho Diretivo da entidade demandada o Relatório Final do concurso limitado por prévia qualificação para a celebração do Acordo-Quadro para o Fornecimento de Refeições Confecionadas, e respetiva proposta de adjudicação e a minuta do contrato, nos seguintes termos (cf. doc. 1 junto ao instrumento processual produzido pela entidade demandada a 08.06.2018, com o documento SITAF n.º 007681165, registo n.º 550 769, a fls. 601 ss. dos autos em paginação eletrónica, cujo teor se dá por reproduzido):

«Imagem no original»

1.50) A 25.05.2018, foi efetuada, na plataforma eletrónica onde estava a ser tramitado o procedimento aprovado pela deliberação referida em 1.27) e lançado pelo Aviso referido em 1.31), a notificação da deliberação de adjudicação e relatório final referida em 1.49) aos concorrentes, bem como da minuta do contrato e para entrega dos documentos de habilitação, aos adjudicatários (idem).

1.51) A 30.05.2018 a aqui autora apresentou nestes autos instrumento processual de ampliação objetiva da instância aos atos referidos em 1.49), disso notificando o ilustre mandatário da entidade demandada (cf. instrumento processual produzido pela autora a 30.05.2018, com o documento SITAF n.º 007672860, registo n.º 549 765, a fls. 535 ss. dos autos em paginação eletrónica, cujo teor se dá por reproduzido).

1.52) Na sequência da notificação referida em 1.51), o Conselho Diretivo da entidade demandada deliberou a 05.06.2018 suspender a execução dos efeitos da sua Deliberação de Adjudicação referida em 1.49), também em observância do disposto no artigo 103.º-A, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (cf. doc. 2 junto ao instrumento processual produzido pela entidade demandada a 08.06.2018, com o documento SITAF n.º 007681165, registo n.º 550 769, a fls. 601 ss. dos autos em paginação eletrónica, cujo teor se dá por reproduzido).

1.53) A deliberação referida em 1.52) foi notificada aos concorrentes, na plataforma eletrónica onde estava a ser tramitado o procedimento aprovado pela deliberação referida em 1.27) e lançado pelo Aviso referido em 1.31), nesse mesmo dia 05.06.2018 (cf. doc. 3 junto ao instrumento processual produzido pela entidade demandada a 08.06.2018, com o documento SITAF n.º 007681165, registo n.º 550 769, a fls. 601 ss. dos autos em paginação eletrónica, cujo teor se dá por reproduzido).

*
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não há factos alegados e a dar como não provados com interesse para a decisão a proferir nos autos.
*
3. MOTIVAÇÃO
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, aqui aplicável mutatis mutandis por força da remissão operada pelo artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, faz-se consignar que o tribunal atendeu à factualidade essencial alegada pelas partes, bem como à factualidade instrumental que decorreu da instrução da causa [artigo 5.º, n.os 1 e 2, alínea a), do Código de Processo Civil].
Para o efeito, atendemos a todos os factos invocados e trazidos ao conhecimento do tribunal, bem como a todas as provas documentais carreadas para os autos, independentemente de aproveitarem ou não à parte que as produziu (artigo 413.º do Código de Processo Civil), e ainda à factualidade de que tivemos conhecimento por ofício (artigo 412.º do mesmo diploma).
A esta luz, consigna-se que a convicção do tribunal se formou essencialmente com base na análise crítica da documentação junta aos articulados e subsequentes instrumentos processuais apresentados pelas partes, bem como no processo administrativo a que aludem os artigos 1.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo e 84.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 607.º, n.º 5, in fine, do Código de Processo Civil).
Tudo nos termos descritos em cada uma das alíneas do probatório.”


IV- APRECIAÇÃO DO RECURSO
A Recorrente propôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Círculo de Lisboa em 16/12/2018 ação de contencioso pré-contratual, peticionando a declaração de invalidade das normas constantes dos artigos 9.º e 10.º do Programa do Concurso e a cláusula 13.ª do Caderno de Encargos, a declaração de invalidade das decisões de exclusão de candidaturas e qualificação notificadas em 09/02/2018, bem como de todos os atos procedimentais entretanto praticados no âmbito do concurso limitado para o fornecimento de refeições confecionadas, publicitado através do anúncio n.º 6421/2017 no Diário da República, 2.ª série, n.º 143, parte L, de 26/07/2017 e através do anúncio n.º 2017/S 143-294721, publicado em 16/11/2013 no Jornal Oficial da União Europeia.
O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por sentença proferida em 16/12/2018, julgou procedente a ação e, em consequência:
- declarou a invalidade das normas constantes dos art.ºs 9.º e 10.º do Programa do Concurso, por violação de lei (violação do imperativo da adequação dos requisitos ao objeto do contrato a celebrar, consagrado no artigo 165.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos, violação das partes I e II do anexo XII da Diretiva n.º 2014/24/UE, para onde remete o seu artigo 58.º, e violação do Anexo IV ao Código dos Contratos Públicos em vigor à data de lançamento do procedimento), erro sobre os pressupostos de facto e violação dos princípios da concorrência e transparência, da proporcionalidade e adequação, da prossecução do interesse público e da boa administração e da justiça;
- declarou a invalidade do art.º 13.º do Caderno de Encargos, por violação de lei (artigo 297.º do Código dos Contratos Públicos) e do princípio da proporcionalidade;
- declarou a invalidade do concurso limitado, por omissão de identificação das entidades adquirentes ao abrigo de acordo-quadro (artigo 33.º, n.º 2, § 2.º, da Diretiva n.º 2014/24/UE); e
- anulou, subsequentemente, as decisões de exclusão de candidaturas e de qualificação, notificadas a 09.02.2018, de adjudicação dos lotes do procedimento, aprovada pela deliberação de 24.05.2018, bem como de todos os demais atos entretanto praticados no procedimento e de eventuais contratos que venham a ser celebrados.

Discorda a Recorrente do julgado na Instância a quo, imputando-lhe erros de julgamento, concretamente, no que concerne à escolha da lei aplicável ao caso em julgamento, o desrespeito do quadro normativo que deve ser aplicável ao caso posto, especialmente, no tocante à Diretiva n.º 2014/24/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro.
Em segundo lugar, cumpre escrutinar do acerto da sentença impetrada no que concerne à anulação dos art.ºs 9.º e 10.º do Programa do Concurso
Em terceiro lugar, importa indagar se a sentença impetrada se mostra correta no que concerne ao juízo de violação do art.º 33.º, n.º 2, § 2, da mencionada Diretiva n.º 2014/24/EU.
Finalmente, impõe-se apreciar da correção da decisão a quo no tocante à anulação do art.º 13.º do Caderno de Encargos.

Vejamos, então, se o recurso apresentado pela Recorrente merece acolhimento.

1. A Recorrente vem defender que a sentença recorrida apresenta-se flagrantemente incorreta no que concerne ao quadro normativo aplicável à situação agora em julgamento. Efetivamente, perpassa das conclusões A) a O) do recurso da Recorrente um ataque à sentença recorrida com os fundamentos de que- primo- está em causa a execução de um julgado anulatório de 2017 atinente a um procedimento pré-contratual aberto em 2013, e de que- secundo- as disposições da Diretiva 2014/24/EU do Parlamento Europeu e Conselho, de 26/02/2014 (doravante, apenas Diretiva 2014/24), apenas entraram em vigor no ordenamento jurídico português em 01/01/2018, com a transposição realizada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto.
Na verdade, impera clarificar, antes do mais, que o procedimento concursal pré-contratual agora em discussão configura o desenrolar de um conjunto de vicissitudes, dentre as quais se destaca a circunstância da Recorrente ESPAP ter lançado, em 24/12/2013, um procedimento concursal limitado por prévia qualificação com vista à celebração de um acordo-quadro para o fornecimento de refeições confecionadas, procedimento este a que a Recorrida N... apresentou a sua proposta, sucedendo que apenas foi admitida a proposta apresentada ao lote 2, não tendo a Recorrida sido qualificada para apresentar proposta aos lotes 1, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 por não cumprir os requisitos de capacidade técnica e financeira fixados nos art.ºs 9.º e 10.º do Programa do Concurso.
Nessa senda, a Recorrida propôs, então, ação de contencioso pré-contratual, impugnando as peças do concurso, mormente os art.ºs 9.º e 10.º (em particular, o n.º 1 e o n.º 2, al. c)) do Programa do Concurso, afirmando a ilegalidade de tais peças em virtude de alguns requisitos atinentes à capacidade técnica e financeira aí contidos serem desproporcionados e discriminatórios. Esta ação correu termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa com o n.º de processo 172/14.7BELSB.
Seja como for, em virtude da apresentação de resolução fundamentada, a ora Recorrente- em 08/09/2014, mas com efeitos reportados a 09/09/2014- celebrou e começou a executar os acordos quadro quanto a todos os lotes, sendo que a Recorrida N..., no que concerne apenas ao lote 2, foi parte no respetivo acordo quadro.
Em 30/06/2015, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou procedente a ação em causa e, nesse seguimento, declarou a invalidade das normas que constavam das alíneas a), subalíneas i) e ii), b), subalíneas i) e ii) e c), subalíneas i) e ii) do n.º 1 do art.º 9.º do Programa do Concurso e do art.º 9.º do Caderno de Encargos; anulou os atos de qualificação e exclusão das propostas da A. aos lotes 1 e 3 a 8, bem assim como os atos de adjudicação proferidos nesses lotes; declarou a invalidade dos acordos quadro celebrados para os lotes 1 e 3 a 8; e condenou a agora Recorrente a retomar o procedimento, elaborando novos requisitos de capacidade técnica e a alterar a cláusula 9.ª do Caderno de Encargos, de forma a prosseguir com o procedimento sem que se verifiquem os vícios apontados.
Foram interpostos recursos para este Tribunal Central Administrativo Sul que, em 10/03/2016, proferiu acórdão nos termos do qual, concedendo parcial provimento ao recurso da ora Recorrente, revogou a sentença na parte em que declarou a invalidade das normas que constavam das alíneas a), subalínea ii), b), subalínea ii) e c), subalínea ii) do n.º 1 do art.º 9.º do Programa do Concurso, mantendo a decisão recorrida quanto ao demais decidido pela Instância a quo.
Foram ainda interpostos recursos de revista para o Supremo Tribunal Administrativo que, em Acórdão prolatado em 08/09/2016, concedeu parcial provimento aos recursos interpostos e, revogando em parte o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo, declarou a invalidade da subalínea ii) das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 9.º do Programa do Concurso e declarou a validade da subalínea i) das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 9.º do Programa do Concurso, mantendo o demais julgado.
Deste acórdão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, sucedendo que em 14/02/2017 foi prolatado o Acórdão n.º 58/2017, que indeferiu a reclamação deduzida pela ESPAP e manteve a decisão reclamada de não conhecimento do objeto do recurso.
Quer isto significar, por conseguinte, que o Acórdão promanado pelo Supremo Tribunal Administrativo em 08/09/2016 transitou em julgado em 02/03/2017, sendo que, por via de tal ocorrência, foi declarada a invalidade da subalínea i) das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 9.º do Programa do Concurso; foi declarada a invalidade da cláusula 9.ª do Caderno de Encargos; foram anulados os atos de qualificação e exclusão das propostas da agora Recorrida N... aos lotes 1 e 3 a 8, bem assim como os atos de adjudicação proferidos nesses lotes; foi declarada “a invalidade dos acordos quadro celebrados para os lotes 1 e 3 a 8”; e foi a agora Recorrente condenada “a retomar o procedimento, elaborando novos requisitos de capacidade técnica e a alterar a cláusula 9.ª do Caderno de Encargos, de forma a prosseguir com o procedimento sem que se verifiquem os vícios apontados”.
Entretanto, por deliberação do Conselho Diretivo da ESPAP de 28/10/2016 tinha sido suspenso o acordo quadro atinente à aquisição de refeições confecionadas, muito embora, até à data do trânsito em julgado do sobredito Aresto do Supremo Tribunal Administrativo (02/03/2017) já tivessem sido celebrados, ao abrigo do acordo quadro em questão, 26 contratos de aquisição de refeições confecionadas, no valor global de 193.081.357,94 Euros, sendo que muitos desses contratos já se encontravam integralmente executados, outros prestes a alcançar o seu terminus e alguns com o respetivo fim do prazo de execução ainda longínquo.
Assim, por deliberação de 16/05/2017, o Conselho Diretivo da ESPAP veio, claramente, invocar causa legítima de inexecução do Acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Administrativo, bem como determinar os termos em que prosseguiria com a execução do julgado anulatório no que concerne ao decidido relativamente à cláusula 9.ª do Caderno de Encargos, tudo do seguinte modo:
“(…)
» Ora, relativamente aos atos procedimentais e a todos os contratos celebrados ao abrigo do AQ-RC que se encontram integralmente executados, ou seja, aqueles cujos efeitos já se esgotaram na sua plenitude, verifica-se indiscutivelmente uma impossibilidade objetiva, absoluta, de dar execução ao julgado anulatório, pois não é mais possível reconstituir a situação atual hipotética, na medida em que o fornecimento dos bens e prestação dos serviços associados foi integralmente concretizado (as refeições foram confecionadas e fornecidas nas escolas, prisões, hospitais, etc.) e os destinatários dos mesmos (alunos, reclusos, utentes, etc.) usufruíram desses mesmos bens e serviços (as refeições foram consumidas e pagas).
» Na medida em que não se afigura possível à ESPAP, assim como às entidades públicas adquirentes, restituir em espécie as prestações efetuadas pelos cocontratantes, também não se mostra lícito exigir destes a devolução das importâncias recebidas como contrapartida dos serviços prestados, sob pena de enriquecimento sem causa por parte dos referidos entes públicos.
» Atento o circunstancialismo acima descrito, e relativamente aos atos procedimentais e a todos os contratos celebrados ao abrigo do AQ-RC já executados, é absolutamente impossível fazer retroagir o julgado anulatório à data da celebração dos acordos quadro — 08/09/2014 — e, muito menos ainda, à data do lançamento do Concurso para celebração do AQ-RC — 24/12/2013 —, considerando os vícios apontados às peças do Procedimento e que inquinaram os principais atos praticados no seu âmbito pela ESPAP, incluindo o próprio AQ-RC e os contratos celebrados ao abrigo do AQ-RC.
» Relativamente aos contratos celebrados ao abrigo do AQ-RC e ainda em execução, importa atentar, sucintamente, à informação e documentação remetida pelas entidades públicas adquirentes à ESPAP para efeitos da invocação de causa legítima de inexecução, que se dá por integralmente reproduzida, e cujo teor, em parte, se transcreve:
» […]
» Decorre das transcrições supra, assentes em informação remetida pelas entidades públicas adquirentes à ESPAP, à qual se adere para efeitos do disposto no artigo 153.º, n.º 1, do CPA, que os contratos em causa têm por objeto a prestação de serviços essenciais para a comunidade e que, por imposição constitucional, representam uma função prioritária do Estado.
» Na verdade, dentro do específico contexto que presidiu à sua celebração, tais contratos prosseguem fins de relevante interesse público, designadamente para satisfação de necessidades coletivas, sendo crucial salvaguardar que esses serviços são prestados com qualidade, mas acima de tudo, de forma regular e ininterrupta.
» Neste pressuposto, entende a ESPAP que a cessação imediata dos efeitos dos aludidos contratos, por força dos efeitos invalidantes decorrentes do acórdão anulatório do STA, acarretaria um excecional prejuízo para os interesses públicos em presença, amplamente demonstrados na fundamentação que antecede, pelo que, no caso vertente, não só se justifica, como se impõe, a invocação de causa legítima de inexecução, nos termos e para os efeitos dos artigos 175.º, n.ºs 1 e 2, e 163.º, do CPTA.
» Com efeito, considerando as relevantes atribuições que as aludidas entidades públicas prosseguem ao disponibilizar os serviços em causa (quer em ambiente escolar, quer em ambiente prisional ou tutelar educativo), afigura-se incontornável concluir que estamos perante uma “situação-limite” em que existe um “claro desequilíbrio entre os interesses em presença”, perante o qual se pode “realmente afirmar que os prejuízos que, para a comunidade, adviriam da realização da prestação devida são claramente superiores ao sacrifício que para o interessado representa a não satisfação do seu direito”, tudo a configurar, pois, um excecional prejuízo para interesse público na execução da sentença. Nesta conformidade, e verificando-se causa legítima de inexecução do acórdão anulatório do STA, os contratos celebrados pelas entidades referidas nos pontos i) a xv) devem manter-se em vigor, produzindo os respetivos efeitos, pelo período de tempo estritamente necessário ao lançamento e conclusão, com a maior brevidade possível, de novo procedimento de contratação destinado a assegurar a regularidade e continuidade do fornecimento dos bens e serviços em causa, ficando, no entanto, vedadas quaisquer renovações ou prorrogações expressas ou tácitas do prazo de vigência desses contratos.
» IV — Da condenação da ESPAP a retomar o procedimento e da devolução aos cocontratantes dos montantes pagos, e recebidos pela ESPAP, ao abrigo do artigo 9.º do CE do AQ-RC
» No que respeita à condenação da ESPAP a retomar o Procedimento em causa, “elaborando novos requisitos de capacidade técnica e a alterar a cláusula 9.º do CE, de forma a prosseguir com o procedimento sem que se verifiquem os vícios acima apontados”, será lançado o procedimento tendente à celebração de acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas dentro do prazo legalmente estabelecido para a execução espontânea do anulatório do STA de 08/09/2016, expurgando-se desse concurso os critérios de qualificação declarados inválidos no referido aresto e que constavam “das subalíneas ii) das al.ªs a), b) e c) do n.9 1 do art.º 9.º do PC”, bem como a cláusula 9.º do CE (relativa à obrigação dos cocontratantes remunerarem a ESPAP).
» Relativamente ainda ao segmento decisório do acórdão do STA que confirmou a invalidade do artigo 9.º do Caderno de Encargos do AQ-RC (relativo à obrigação dos cocontratantes remunerarem a ESPAP), por falta de norma habilitante, importa retirar os devidos efeitos dessa declaração de invalidade em sede de execução de sentença, o que, no caso, impõe a devolução aos cocontratantes dos montantes pagos, e recebidos pela ESPAP, ao abrigo do referido artigo 9.9 do CE do AQ-RC.
» IV — Proposta de decisão
» Em face de tudo quanto antecede, o Conselho Diretivo da ESPAP delibera o seguinte:
» 1) A invocação de causa legítima de inexecução do acórdão anulatório do STA de 08/09/2016, por impossibilidade absoluta, relativamente aos atos procedimentais e a todos os contratos celebrados ao abrigo do AQ-RC que se encontrem à data integralmente executados, tendo por base os fundamentos enunciados na presente deliberação;
» 2) A invocação de causa legítima de inexecução do acórdão anulatório do STA de 08/09/2016, por excecional prejuízo para o interesse público, relativamente aos contratos celebrados pelas entidades referidas nos pontos i) a xv) da presente deliberação e que ainda se encontrem em vigor, tendo por base os fundamentos enunciados na mesma e, bem assim, na documentação anexa. Os mencionados contratos continuarão a produzir efeitos pelo período de tempo estritamente necessário ao lançamento e conclusão, com a maior brevidade possível, de novo procedimento de contratação destinado a assegurar a regularidade e continuidade do fornecimento dos bens e serviços em causa, ficando, no entanto, vedadas quaisquer renovações ou prorrogações expressas ou tácitas do prazo de vigência desses contratos;
» 3) A devolução dos montantes pagos pelos cocontratantes do AQ-RC, ao abrigo do artigo 9.º do Caderno de Encargos entretanto declarado inválido, dentro do prazo legalmente estabelecido para a execução espontânea do anulatório do STA de 08/09/2016;
» 4) O lançamento de um procedimento para celebração de acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas, dentro do prazo legalmente estabelecido para a execução espontânea do anulatório do STA de 08/09/2016, expurgando-se desse concurso os critérios de qualificação declarados inválidos no referido aresto e que constavam “das subalíneas ii) das al.ªs a), b) e c) do n.º 1 do art.2 9.9 do PC”, bem como a cláusula 9.º do CE (relativa à obrigação dos cocontratantes remunerarem a ESPAP).
» 5) A notificação da N... do teor da presente deliberação, ao abrigo do n.º 3 do artigo 163.º, aplicável ex vi n.º 2 do artigo 175.º, ambos do CPTA, para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias úteis, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 122.º do Código do Procedimento de Administrativo […]» (cf. doc. 2 junto ao instrumento processual apresentado pela entidade demandada a instâncias do tribunal, após prolação de despacho saneador, e que corresponde ao requerimento com o n.º de documento SITAF 007766475, com o registo n.º 565 174, a fls. 2265 ss. dos autos em paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). (…)”
Em 25/07/2017, o Conselho Diretivo da ESPAP deliberou, então, proceder à “abertura do procedimento de concurso limitado por prévia qualificação com publicação no Jornal Oficial da União Europeia para a celebração de acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas”, bem como aprovar “as peças do procedimento (…): programa de concurso, caderno de encargos e respetivos anexos”, aprovar “a fixação do prazo de 46 dias para a apresentação de candidaturas” e, finalmente, aprovar “a designação do júri”.
Nesse seguimento, em 26/07/2017, foi publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 143, o anúncio de procedimento n.º 6421/2017, para realização de um concurso público limitado por prévia qualificação, com vista à celebração de acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas, com um prazo de dois anos e prorrogável até ao prazo máximo de quatro anos, e com os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira estabelecidos nos art.ºs 9.º e 10.º, respetivamente, do Programa do Concurso.
Narradas as vicissitudes anteriores à abertura do procedimento concursal a que respeitam os presentes autos, urge determinar, portanto, se este procedimento concursal constitui um mero retomar de um procedimento pré-contratual anteriormente aberto, concretizando a execução do julgado, ou se, diversamente, está em causa a abertura de um novo procedimento.
A decisão recorrida trilhou um percurso intelectual lógico e racional, conducente à conclusão de que o procedimento concursal aberto através do anúncio de procedimento n.º 6421/2017, publicado em 26/07/2017, configura, em bom rigor, um novo procedimento e não a mera retoma de um procedimento já nascido antecedentemente. Assentou esta asserção na fundamentação que, de seguida, se transcreve:
“(…)
VI. Já o sabemos: de um modo geral, a execução das sentenças anulatórias dos tribunais administrativos impõe à Administração o dever de desenvolver uma atividade de execução por forma a pôr a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão de provimento do recurso contencioso.
VII. Esse dever, de acordo com as noções sedimentadas na doutrina e na jurisprudência no último quartel do século transato — antes ainda do cogente Código de Processo nos Tribunais Administrativos, portanto, ou seja, ainda na vigência do vetusto e revogado Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de junho [veja-se, neste sentido e inter alia, o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 08.05.2003, proferido no recurso n.º 40821/A, e, na doutrina da especialidade, os contributos de FREITAS DO AMARAL (1967: 36 a 45) e AROSO DE ALMEIDA (2004: 127 ss.)] —, traduzia-se em dois aspetos essenciais: i) por um lado, no dever de respeitar o julgado, conformando-se com o conteúdo da sentença e com as limitações que daí resultam para o eventual reexercício dos seus poderes (efeito preclusivo, inibitório ou conformativo); e ii) por outro lado, no dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o ato ilegal ou se esse ato tivesse sido praticado sem a ilegalidade que deu causa à anulação (princípio da reconstituição da situação hipotética atual).
VIII. O labor doutrinário evoluiu entretanto, sobretudo a partir da antológica e angular obra de referência a este respeito, a que se reporta a tese de doutoramento do Professor Doutor Mário AROSO DE ALMEIDA (2002), com expresso acolhimento legislativo no cogente Código de Processo nos Tribunais Administrativos, coevo daquela obra.
IX. Hoje é sabido, pois, que a sentença anulatória de um ato administrativo tem diversos efeitos. São eles, em suma, os seguintes: i) um efeito constitutivo, que, em regra, consiste na invalidação do ato impugnado, fazendo-o desaparecer do mundo jurídico desde o seu nascimento; ii) um efeito preclusivo ou inibitório, próprio de toda e qualquer sentença de um tribunal, seja qual for a natureza deste, que advém da força do caso julgado, que exclui, no mínimo, a possibilidade de a Administração reproduzir o ato com os mesmos vícios individualizados e condenados pelo juiz administrativo; iii) um efeito repristinatório, reconstitutivo ou reconstrutivo, que é o da reconstituição da situação hipotética atual, segundo o qual a Administração tem o dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o ato ilegal ou se o ato tivesse sido praticado sem a ilegalidade; e, finalmente, iv) um eventual efeito ultraconstitutivo, quando a Administração não queira, não saiba ou não possa proceder à reconstituição da situação que era definida pelo julgado anulatório, nada mais restando ao administrado, ao abrigo do quadro normativo definido, do que ir novamente ao tribunal solicitar a execução do julgado peticionando a especificação do conteúdo dos atos e operações a adotar pela Administração e o prazo para a sua prática (artigo 179.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), bem como a declaração de nulidade dos atos desconformes com a sentença e a anulação dos que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal.
X. Estes deveres resultam, de um modo geral, do próprio enunciado normativo constante do n.º 1 do artigo 173.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, do qual resulta que os deveres em que a Administração pode ficar constituída por efeito da anulação de um ato administrativo reportam-se a três planos distintos: i) reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação; ii) cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu durante a vigência do ato ilegal, porque esse ato disso a dispensava; iii) eventual substituição do ato ilegal, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas (renovação do ato anulado)
XI. In casu, lido com atenção o teor do dispositivo do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 08.09.2016, concatenado com a respetiva fundamentação fáctico-jurídica de todas as decisões que se deixaram reproduzidas nos pontos 1.9), 1.11) e 1.13) do probatório, concluímos que a situação ora em apreço reconduz-se, em primeira linha, à última hipótese a que aludimos a montante. Ou seja: impunha-se à entidade executada a renovação de ato (recte: de procedimento). Na verdade, seja do efeito cassatório, preclusivo da anulação dos artigos 9.º do Caderno de Encargos (quanto à remuneração da entidade demandada) e das subalíneas ii) das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 9.º do Programa de Concurso (exigência de no mínimo duas experiências em fornecimentos semelhantes ao objeto do presente concurso na região do lote a que se candidatavam os concorrentes), seja do segmento condenatório expressamente consignado naquelas decisões, resultava que o cumprimento integral da decisão exequenda só seria observado pela renovação do procedimento pré-contratual, expurgado da(s) ilegalidade(s) detetada(s). É, pois, apodítico que pela mera anulação dos atos de qualificação e exclusão das propostas da autora aos lotes 1 e 3 a 8, bem como os atos de adjudicação nesses lotes, não se lograva repristinar a regulação administrativa anterior, até porque esse ato anulado não revogou qualquer ato anterior; tratou-se de um ato que regulou, pela primeira vez e de forma inovatória, a adjudicação para os lotes em apreço no âmbito do acordo-quadro de refeições confecionadas para os anos de 2014 e seguintes. Por isso, só com a renovação desse procedimento, (todo ele, na íntegra), em substituição do ato anulado e expurgado das ilegalidades detetadas na decisão exequenda, lograria a situação ficar novamente regulada e conforme à integridade do ordenamento jurídico e ao accertamento imposto pela decisão que se pretende ver executada. Hoc sensu, vide, por todos, AROSO DE ALMEIDA (2002: 561 e 562).
XII. Entretanto, a entidade demandada, precisamente na sequência do trânsito em julgado do citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo e em execução do julgado anulatório, lançou, em julho de 2017, novo concurso limitado por prévia qualificação, utilizando os mesmos requisitos de qualificação que havia usado no procedimento de 2014, tendo somente procedido à retirada daqueles requisitos que o Supremo Tribunal Administrativo declarara inválidos, bem como à retirada, do Caderno de Encargos, das disposições relativas à remuneração da ESPAP, que foram igualmente consideradas inválidas pelo acórdão transitado em julgado [cf. pontos 1.26) a 1.31) do probatório]. À primeira vista, portanto, pareceria ser acertada a promoção, pela entidade demandada, da execução do julgado anulatório.
*
XIII. Há, contudo, uma especificidade decisiva no caso em apreço: é que, em bom rigor, a decisão exequenda determinava que a entidade demandada e autoridade adjudicante retomasse o procedimento, expurgado das ilegalidades detetadas. Ora, esta alusão expressa a retomar o procedimento diverge do comando em renovar ou repetir o procedimento. E porquê?
XIV. Porque, no primeiro caso, há um procedimento em curso, que se mantém, apesar do accertamento devido, que pode passar apenas pela mera reformulação de algumas peças procedimentais e normas concursais. Neste caso, há uma realidade (jurídica, sim, mas também ontológica e material) que se reporta à data da abertura do procedimento. É ainda essa realidade que vai determinar as regras do procedimento, entretanto retomado, que assim se terão de reportar à materialidade juridicamente relevada e existente à data da abertura desse procedimento. Como ensinam os tratadistas, «[p]odem as regras constantes das peças do procedimento, depois de cessar a sua vigência por verificação do respetivo termo, ser objeto de “repristinação” [que] tem lugar no caso de o procedimento que por elas fora regulado, um qualquer ato dele ou um contrato celebrado na sua sequência virem a ser invalidados e, nesse caso, se a reposição da ordem jurídica houver de fazer-se retomando o procedimento a partir do ato ou do momento geradores de tal invalidade, é necessário repescar, relembrar, as normas ou as cláusulas do programa ou do convite e do caderno de encargos, que já estavam esquecidas (exceto no processo judicial pendente) e — se a invalidade do ato ou contrato não derivar da própria invalidade dessas normas ou cláusulas — aplicá-las ao procedimento expurgado da ilegalidade invalidante que havia sido cometida […]» (ESTEVES DE OLIVEIRA & ESTEVES DE OLIVEIRA, 2016: 331 e 332).
XV. Ao invés, no segundo caso, a renovação do procedimento implica já um novo ato de abertura, uma nova publicitação da decisão de contratar e todo um novo procedimento. E esse novo procedimento vai regular ex novo uma situação compreendida nos anos em que se destinar a vigorar o contrato a outorgar pelas partes, e não o procedimento que entretanto já se esgotara anteriormente.
XVI. A decisão de contratar envolve já «[…] necessariamente a apreciação de um ou mais interesses públicos cuja prossecução represente atribuição do Estado e a identificação do contrato e, dentro deste amplo género, de um contrato com uma determinada causa-função, como meio mais idóneo para satisfazê-lo […]» (SÉRVULO CORREIA, 1987: 537). A relevância constitutiva desta decisão de contratar é, aliás, não só bem frisada pela doutrina da especialidade [vide, inter alia, REBELO DE SOUSA (1994: 43), GONÇALVES (1999: 205), ESTORNINHO (2006: 381), VIEIRA DE ANDRADE (2003: 316 a 318) e DUARTE (2008: 147 e passim, maxime 157)], como foi expressamente reconhecida pelo legislador (cf. artigo 36.º do Código dos Contratos Públicos). «Na sua fórmula e efeito mais simples, a decisão de contratar é, pois, um ato cujo efeito jurídico se traduz na legitimação jurídica […] da necessidade ou conveniência do contrato em causa, das prestações que a entidade adjudicante se propõe obter através dele, e do instrumento (pré-contratual) através do qual pretende adquiri-las, constituindo assim o pressuposto básico da validade do procedimento de contratação pública que daí saia e do contrato celebrado na sua sequência» (ESTEVES DE OLIVEIRA & ESTEVES DE OLIVEIRA, 2016: 777).
XVII. A decisão de contratar é, destarte, o ato inicial do procedimento, o «[…] primeiro ato decisório do procedimento […]» (SÉRVULO CORREIA, 1987: 658), motivo pelo qual o artigo 36.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos tenha estabelecido que «[o] procedimento de formação de qualquer contrato [se inicia] com a decisão de contratar».
XVIII. Ademais, a partir do momento em que essa decisão de contratar seja publicitada em Diário da República ou no Jornal Oficial da União Europeia, passa a ser dotada de eficácia externa, vinculando a entidade adjudicante perante terceiros e sendo constitutiva de direitos para o mercado. Uma vez publicitada a decisão de contratar, passam a sua existência e conteúdo a constituir condicionantes da validade jurídica do procedimento subsequente e do próprio contrato gerado. Hoc sendsu, vide ESTEVES DE OLIVEIRA & ESTEVES DE OLIVEIRA (2016: 779), VIEIRA DE ANDRADE (2003: 316 a 318), DUARTE (2008: 156) e REBELO DE SOUSA & SALGADO DE MATOS (2008: 97).
XIX. Porque assim é, a decisão de contratar tem naturais implicações ou efeitos jurídicos. «Assim, a data da decisão de contratar define desde logo, por força do art. 16.º/1 do diploma que aprovou o Código [dos Contratos Públicos], a lei procedimental aplicável […]» (ESTEVES DE OLIVEIRA & ESTEVES DE OLIVEIRA, 2016: 778). Mas também se vai repercutir, com manifesto interesse para a economia da presente decisão, como se verá infra, na própria delimitação temporal, quer do regime jurídico substantivo aplicável, quer dos requisitos de qualificação técnica e financeira dos concorrentes.
XX. Neste conspecto, importa ter presente que as peças do procedimento e as normas aí plasmadas «[…] destinam-se a regular apenas o procedimento em vista do qual foram elaboradas e decretadas. [Daí que comecem] a vigorar, pois, a partir do momento da publicação dos restivos anúncios no Diário da República ou no JOUE — melhor, antes disso, a partir da data simultânea do envio de tais anúncios para publicação, pois a lei reporta a esse dia o momento do início das funções do júri e (pior) o início da contagem do prazo para apresentação das propostas e das candidaturas […]» (ESTEVES DE OLIVEIRA & ESTEVES DE OLIVEIRA, 2016: 330).
XXI. Refira-se que aquela alusão expressa a retomar, constante do julgado anulatório que a entidade demandada se propôs executar, justifica-se pela circunstância de que, a 30.06.2015, data em que foi proferida a decisão de 1.ª instância (e foi nela que pela primeira vez se aflorou a necessidade de retomar o procedimento), era ainda perfeitamente possível retomar o procedimento, porque o mesmo estava ainda plenamente em vigência e os contratos celebrados ao abrigo do acordo-quadro ainda seriam vigentes por mais de 2 anos — sem vicissitudes anómalas, até setembro de 2017 [cf. ponto 1.21) do probatório]. No entanto, quando esse julgado anulatório transitou em julgado, em março de 2017, já assim não era: não só muitos contratos já estavam completamente executados, cumpridos, consumidos e consumados, como os que ainda estavam em execução terminariam poucos meses volvidos (em agosto ou, no limite, setembro desse mesmo ano). E porquê? Porque durante a pendência da ação corria termos neste Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa sob o n.º 171/14.9BELSB, a entidade demandada emitiu a resolução fundamentada a que alude o artigo 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, invocando o interesse público na tramitação do procedimento de concurso limitado que abrira, tendo celebrado e começado a executar a 08.09.2014 os acordos quadro, com efeitos reportados a 09.09.2014, o que apenas cessaria, já depois da notificação do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, pela deliberação de 28.10.2016 [cf. pontos 1.6), 1.7) e 1.15) do probatório].
XXII. Por esse mesmo motivo, de resto, a própria entidade demandada prefigurou, corretamente, a existência de causa legítima de inexecução (parcial) da decisão anulatória entretanto transitada em julgado, consignando-a nas deliberações de 16.05.2017 e de 16.07.2017, reproduzidas em 1.22) e 1.25) do probatório. E, quanto ao mais, predispondo-se a cumprir o julgado anulatório, lançou um novo procedimento [cf. pontos 1.26) e 1.27) dos factos provados].
XXIII. Ora, se se trata de um novo procedimento, ainda que ao respaldo de força e sobretudo autoridade de caso julgado da decisão do Supremo Tribunal Administrativo, a entidade adjudicante não poderia ignorar, não só a factualidade material que já se consumira integralmente e que não poderia ser regulada ex novo ao abrigo do mesmo procedimento (já esgotado), como também o jus cogens que informava o procedimento à data em que este era lançado. Dito por outras palavras: ao lançar um novo procedimento, a entidade demandada já não estava, verdadeiramente, a cumprir o julgado anulatório, posto que não retomara o procedimento anulado, que de resto já se encontrava, em grande medida e no essencial, executado, motivo pelo qual foi invocada pertinentemente causa legítima de inexecução. E, porque assim, se não retomou o procedimento, não cumpriu o julgado anulatório; e se lançou um novo procedimento, apenas tinha de observar aquilo que, ex vi persuasiva própria de decisão jurisdicional, se deixara consignado no aresto do Supremo Tribunal Administrativo quanto às ilegalidades das regras procedimentais apontadas — sem desconsiderar, no entanto e quanto às demais normas procedimentais, o enquadramento verificado à data desse novo procedimento, quer ao nível do enquadramento normativo vigente, quer ao nível da realidade ontológica.
XXIV. Vale isto por dizer, ao cabo e ao resto, que o dever de execução do julgado, previsto no artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não impunha à entidade demandada a obrigação lançar o procedimento nos exatos termos em que foi lançado, repetindo ipsis verbis (expurgando apenas as normas julgadas ilegais pelas decisões jurisdicionais que transitaram em julgado) num procedimento novo, destinando a vigorar para os anos de 2017 e seguintes, regras de um procedimento de 2014. E isto por duas ordens de razão distintas: i) seja pela correta interpretação do dever de execução e dos seus limites, que passe pela repetição ou renovação de atos anteriores, mas agora sem vícios; ii) seja pela existência de normas imperativas sobre o tempo relevante para a prática de certos atos ou condutas – como a conduta de lançar um procedimento de contratação pública. Vamos por partes.
XXV. Por um lado, como esclarece a doutrina da especialidade, a propósito da temática relativa à renovação de ato (mas cujos ensinamentos se podem considerar aplicáveis, mutatis mutandis, à renovação de procedimento), «[…] a existência efetiva, na sequência da anulação, da possibilidade da prática de um ato administrativo de conteúdo diferente daquele que foi anulado é essencial para que, ao mesmo tempo, se justifique e seja possível a substituição do ato anulado por outro, no reexercício da mesma competência. E isto por uma razão simples: se, no caso em apreço, não existe a possibilidade da prática de um ato de conteúdo diferente daquele que foi anulado, isso deve-se ao facto de já não subsistir, no plano dos factos, a necessidade de interesse público a que o ato anulado pretendeu dar resposta, mercê da alteração irreversível do quadro factual entretanto ocorrida. [Prossegue o excurso, mais adiante, com a constatação de que r]econhecer isto é, naturalmente, reconhecer relevância à situação de facto constituída pelo ato anulado. Na verdade, o reconhecimento de que o novo ato substitutivo do ato anulado não viria dar hoje resposta a uma necessidade de interesse público assenta no reconhecimento de que essa necessidade deixou de existir em consequência do ato anulado e, portanto, no reconhecimento dos efeitos irreversíveis que a execução material do ato anulado produziu no plano dos factos. [De tal sorte que se pode mesmo asseverar que nos encontramos, nesses casos,] perante um tipo de situação em que não se pode deixar de reconhecer o que, de facto, aconteceu sob a égide do ato anulado durante o período de tempo que precedeu o momento da sua anulação e, portanto, os limites da construção da anulação como uma ficção. A situação de facto irreversivelmente constituída ao abrigo do ato anulado impede, na verdade, a Administração de retomar o procedimento como se ainda estivessem em aberto as opções de que dispunha à partida. A verdade é que essas opções já não estão em aberto e não há ficção que se possa sobrepor a essa realidade […]» (AROSO DE ALMEIDA, 2009: 28 e 29 — sublinhados nossos).
XXVI. In casu, a entidade demandada, ao promover o concurso de 2017 nos moldes em que o fez, reproduzindo nos exatos termos normas procedimentais próprias do procedimento de 2014, olvidou e desconsiderou a relevância da situação de facto constituída, neste caso, pelo procedimento e acordo quadro anulados. Na verdade, não era adequado (recte: sequer possível) fazer, em 2017, o acordo quadro nos termos que não se fizera em 2014. A possibilidade de celebrar um acordo quadro com aqueles valores estimados de contrato, com aqueles requisitos de qualificação relativos ao triénio 2010 a 2012 e com aquela taxa Euribor ficou lá atrás, no passado, e não podia em 2017 ser retomada.
XXVII. Não o negamos: o esforço exequendo da entidade demandada foi sério e honesto, com um apego (excessivamente) rigoroso à letra do julgado anulatório no exercício de observância do comando de reconstituir a situação existente.
XXVIII. Porém, sem que se possa negar pertinência a esta observação, também não podemos deixar de asseverar que esse comando não pode ultrapassar a realidade. De tal sorte que a decisão exequenda, embora se refira genericamente à retoma do procedimento, não tem por sentido ultrapassar a força da realidade, nem o de obrigar à celebração de um contrato que não tem sentido. É uma condenação genérica, que notoriamente exige uma consideração posterior, casuística, sobre se há condições jurídicas e materiais para a concretizar — ponderação de que a entidade demandada, aliás, lançou efetivamente mão, ao invocar causa legítima de inexecução, embora daí não tenha extraído todos os corolários exegéticos devidos.
XXIX. A este respeito, importa ainda recordar que o próprio artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos dispõe que, «[s]em prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado» (sublinhados nossos).
XXX. Como é consabido, do ponto de vista hermenêutico, «[n]ão pode ser […] considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil português), sendo ainda certo que «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3). Se assim é, e se o legislador teve o cuidado de incluir o adjetivo «eventual» no artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, é porque devem os operadores judiciários e administrativos equacionar que a anulação de um ato não tem necessariamente de ser sempre seguida da existência do poder de o renovar. Uma das vicissitudes que poderá obstar a esse poder será a ocorrência de factos que situem rigorosamente no passado a utilidade potencial de um ato ou contrato. É o caso presente.
XXXI. De resto, o mesmo legislador do Código de Processo nos Tribunais Administrativos reforçou esta constatação, quando, ao abrigo da nova redação daquele diploma que viria a ser atribuída pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, passou a referir, no novo artigo 45.º—A, n.º 1, alínea a), que «[o] disposto no artigo anterior [modificação objetiva da instância por verificação de causa legítima de inexecução] é aplicável quando, tendo sido deduzido pedido respeitante à invalidade de contrato por violação das regras relativas ao respetivo procedimento de formação, o tribunal [v]erifique que já não é possível reinstruir o procedimento pré-contratual, por entretanto ter sido celebrado e executado o contrato».
XXXII. Por outro lado, a existência de normas imperativas sobre a localização temporal de certos efeitos de Direito também obsta à existência do dever (e portanto, da possibilidade) de retomar o procedimento como se estivéssemos em 2014. O legislador processual deixou-o bem patente com a predita reforma de 2015, estabelecendo o n.º 2 do artigo 45.º—A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ser admissível a modificação objetiva da instância mediante a invocação de causa legítima de inexecução «[…] quando, na pendência de ação de condenação à prática de ato devido, se verifique que a entidade demandada devia ter satisfeito a pretensão do autor em conformidade com o quadro normativo aplicável, mas a alteração superveniente desse quadro normativo impeça a procedência da ação».
(…)”
O discurso fundamentador vindo de transcrever possui inequívoco acerto, revelando uma análise profunda da problemática tratada e um enquadramento dotado de absoluto senso, lógica e racionalidade.
Realmente, não podemos deixar de assinalar que a opção da agora Recorrente ESPAP, no tocante ao modo como entendeu proceder à execução do julgado anulatório, encontra-se ferida de manifesta incoerência, pois que, em boa verdade, reconhecendo a subsistência de causa legítima de inexecução do julgado anulatório no que concerne aos contratos celebrados ao abrigo do acordo quadro para aquisição de refeições confecionadas- quer os que já tinham sido integralmente executados, quer os que ainda se encontravam em execução-, o que se lhe impunha, quando muito, era a retirada dos devidos efeitos em termos ressarcitórios (fosse de acordo com o disposto no art.º 45.º-A, quer com o previstos nos art.ºs 175.º, n.ºs 1 e 2, 176.º, n.º 7, 177.º, n.º 3 e 178.º, todos do CPTA) e não, como fez, a abertura de novo procedimento com vista à celebração de acordo quadro para vigorar pelo quadriénio de 2018 a 2021, mas com recuperação dos requisitos habilitacionais dos concorrentes prescritos no procedimento concursal iniciado em 2013.
Como explica PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ (Impossibilidade de Execução de Sentença Anulatória em Contencioso Pré-Contratual e Determinação do Montante da Indemnização Devida, in Jornadas de Direito dos Contratos Públicos, coordenação de Miguel Assis Raimundo, fevereiro de 2020, AAFDL Editora, p. 213), “(…) o que cabe discutir é em que termos o ordenamento jurídico reage quando, tendo detectado a ocorrência de um facto (activo ou omissivo) ilícito de uma entidade adjudicante que lesa um sujeito num procedimento de contratação pública, verifica, porém, já ter ocorrido a consumação desse facto que impede a pura restauração da legalidade. Precisa-se então de apurar em que termos e com que montantes o ordenamento impõe o pagamento de uma indemnização susceptível de ressarcir o lesado por uma acção ou omissão ilícita num procedimento pré-contratual.”
Efetivamente, tendo a agora Recorrente ESPAP, nas suas deliberações de 16/05/2017 e 25/07/2017, reconhecido e declarado a ocorrência de causa legítima de inexecução do julgado anulatório por forma a salvaguardar e manter intactos os contratos celebrados ao abrigo do acordo quadro concursado- quer os que já tinham sido integralmente executados, quer os que ainda se encontravam em execução-, grassa à evidência que nada mais restava de útil que determinasse a retoma do procedimento concursal aberto em 2013, atenta a execução integral (já terminada ou a terminar) dos contratos celebrados ao abrigo do aludido acordo quadro, bem como atenta a proximidade do prazo final de vigência do mesmo acordo quadro.
Sendo assim, estamos, manifestamente, perante a situação em que “a ilegalidade procedimental já ocorrida, mesmo quando comprovada judicialmente, não dará origem a uma reconstituição da legalidade, a qual ficará prejudicada pela consumação de uma situação ilícita” (PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, ob. cit., p. 221), pois que, “se a realidade material foi já sujeita a factos consumados que impedem a reconstituição natural da posição lesada- não sendo possível levar um procedimento pré-contratual até ao seu devido termo (…)-, só a responsabilidade da entidade pública contratante, concretizada por via pecuniária, pode restaurar o valor global do património lesado” (idem, p.222).
Destarte, impera concluir, como fez a sentença recorrida, que o atual procedimento pré-contratual, quer pelas suas próprias características, quer pela consumação do acordo quadro celebrado ao abrigo do procedimento concursal aberto em 2013, não pode configurar-se como uma mera retoma desse procedimento iniciado em 2013, mas antes como um novo procedimento.
E, sendo assim, não assiste razão à Recorrente ESPAP no que tange à defesa da tese de que o vertente procedimento pré-contratual, iniciado em 2017, constitui, somente, a execução do julgado anulatório.

Assente que o procedimento pré-contratual a que respeita o anúncio de procedimento n.º 6421/2017, publicado em 26/07/2017, no Diário da República, 2.ª série, n.º 143, constitui um novo procedimento com vista à celebração de acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas, impõe-se agora determinar qual o quadro normativo aplicável ao dito procedimento pré-contratual.
A sentença recorrida considerou que a este novo procedimento pré-contratual deveriam ser aplicadas diretamente as disposições da Diretiva 2014/24/EU do Parlamento Europeu e Conselho, de 26/02/2014. E fê-lo pelas razões que se transcrevem:
“(…)
XXXIII. Ora, como bem refere a autora na sua petição inicial, no presente caso há de facto normas imperativas que, por situarem temporalmente de forma clara os efeitos a que dizem respeito, não permitem que se faça hoje, nem fizesse em 2017, o mesmo concurso de 2014. É o que sucede nomeadamente com as normas da Diretiva 2014/24/UE, entretanto sobrevinda, e que têm de ser aplicadas — ao menos as dotadas de efeito direto — a partir do momento em que cessa o prazo de transposição. A este respeito, o Tribunal de Justiça, no recente acórdão de 08.02.2018, proferido no âmbito do processo C-144/17 (Lloyd’s of London), decidiu que «[…] decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a diretiva aplicável é, em princípio, a que está em vigor no momento em que a entidade adjudicante escolhe o tipo de procedimento que vai adotar e decide definitivamente a questão de saber se existe ou não a obrigação de proceder à abertura prévia de um concurso para a adjudicação de um contrato público. Em contrapartida, não são aplicáveis as disposições de uma diretiva cujo prazo de transposição tenha expirado após esse momento» (cf. o n.º 25, que cita ainda outra jurisprudência em abono da mesma ideia, sendo nossos os sublinhados).
XXXIV. Pois bem, em julho de 2017, quando a entidade demandada lançou o procedimento sub judicio, e que é em bom rigor um novo procedimento, destinado a um novo período temporal (posto que o período de vigência do AQ 2014 já se consumira e era irrepetível), estava já em vigor a Diretiva 2014/24/UE, e já tinha decorrido o prazo de transposição. A esta luz, e por força do Direito europeu, já não seria possível aplicar um regime de 2014 num concurso iniciado em 2017.
XXXV. Além disso, e antecipando aqui em parte o que teremos oportunidade de deixar estabelecido infra, as próprias normas jurídicas aqui aplicáveis situam o momento temporal de referência para os requisitos de qualificação no momento do lançamento do concurso – no caso da taxa Euribor – ou, no máximo, até três anos antes desse lançamento – no caso geral dos requisitos de capacidade técnica e financeira. Ou, noutra perspetiva e no mínimo, aquelas normas fazem uma exigência de adequação ao objeto do contrato que não pode deixar de passar por uma atualidade dos requisitos de qualificação estabelecidos, tendo em conta a função destes, acima referida, de garantir a boa execução do contrato futuro.
XXXVI. Em suma e concluindo este enquadramento preliminar, tudo isto nos traz à inegável conclusão que constitui simultaneamente o ponto de partida do presente excurso: por um lado, a celebração e execução do contrato tornou impossível a recuperação plena da situação de facto anterior, reportada a um período de execução contratual já esgotado e irrepetível; por outro lado, a autoridade administrativa, na execução do julgado anulatório, não tomou em linha de consideração a necessidade observar normas supervenientemente aplicáveis que impediam a repetição, nos exatos termos, do ato ou procedimento anulado. De resto, a própria lei de processo estabelece hodiernamente, como se deixou estabelecido supra, não só que passa a não ser possível reinstruir o procedimento (quer dizer, reinstruí-lo como ele foi inicialmente feito, mesmo que se retire o vício que levou à anulação), como também que a entrada em vigor supervenientemente de normas imperativas que, por situarem temporalmente de forma clara os efeitos a que dizem respeito, não permitam a execução integral de julgado anulatório ou condenatório pode fundamentar uma causa legítima de inexecução.
(…)”
Quer tudo isto significar, na economia da sentença recorrida, que ao vertente procedimento pré-contratual pode ser aplicável o quadro normativo que resulta da Diretiva 2014/24/EU, ao menos as disposições possuidoras de efeito direto, devendo as peças do procedimento conformarem-se com tais disposições, que são prevalecentes sobre as nomas de direito interno, in casu, o CCP na versão anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto.
Ora, a Recorrente ESPAP discorda frontalmente da extração de efeitos diretos da Diretiva 2014/24/EU no que tange ao vertente procedimento pré-contratual, uma vez que o regime que dimana daquele instrumento de Direito da União apenas entrou em vigor no ordenamento jurídico português em 01/01/2018, com a transposição realizada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, ou seja, em data posterior à da abertura e início do procedimento pré-contratual visado nos presentes autos. Pelo que, no seu entendimento, as disposições da referenciada Diretiva apenas podem ser aplicadas aos procedimentos iniciados após a entrada em vigor do instrumento legislativo que opera a sua transposição, isto é, após a entrada em vigor das alterações introduzidas ao CCP pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, e cuja vigência teve início em 01/01/2018.
Vejamos, pois, se assim é.
Examinando o caso agora posto, verifica-se que a decisão de contratar que despoletou o início formal do vertente procedimento pré-contratual sucedeu em 25/07/2017, tendo sido publicado o correspetivo anúncio de procedimento n.º 6421/2017 em 26/07/2017.
A decisão de contratar consubstancia o ato propulsor do procedimento concursal tendente à celebração do contrato público e marca, formalmente, o início do procedimento adjudicatório (cfr. art.º 36.º, n.º 1 do CCP), pois que congrega na sua própria substância a síntese das operações previamente desenvolvidas no sentido de identificar uma necessidade pública e o modo mais adequado de a suprir, exteriorizando, em consequência, o conjunto dos elementos essenciais do contrato concursado.
Por conseguinte, é o momento da prolação da decisão de contratar que marca o início do procedimento e, por isso, é esse mesmo momento que define e determina a lei aplicável a tal procedimento, independentemente do momento em que a decisão de contratar venha a ser objeto de publicação (inequivocamente, neste sentido, veja-se PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, Direito da Contratação Pública, Volume I, janeiro de 2020, AAFDL Editora, p. 565, e PEDRO COSTA GONÇALVES, Direito dos Contratos Públicos, 4.ª edição, setembro de 2020, Almedina, pp. 441 a 443. Mais desenvolvidamente sobre a natureza, regime e efeitos da decisão de contratar, ver PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, Direito da Contratação Pública, idem, pp. 559 a 572; PEDRO COSTA GONÇALVES, ob. cit., pp. 441 a 457; DÉBORA MELO FERNANDES, a Decisão de Contratar no Código dos Contratos Públicos Revisto, in Comentários à Revisão do Código dos Contratos Públicos, coordenação de Carla Amado Gomes, Ricardo Pedro, Tiago Serrão e Marco Caldeira, 3.ª edição, outubro de 2019, AAFDL Editora, pp. 311 a 341; e TIAGO DUARTE, A Decisão de Contratar no Código dos Contratos Públicos: da Idade do Armário à Idade dos Porquês, in Estudos de Contratação Pública, Volume I, organização de Pedro Gonçalves, dezembro de 2008, Coimbra Editora, pp. 147 a 180). De resto, este é o ditame que decorre do Direito Europeu, conformemente com a Jurisprudência que assim o afirma, emanada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em 05/10/2000 no processo C-337/98- Comissão vs França; em 10/07/2014 no processo C-213/13- Impresa Pizzarotti; e em 28/02/2018 nos processos C-523/16 e C-536/16- MA. T. I. Sud.
Quer isto dizer que, tendo a decisão de contratar sido emitida em 25/07/2017, é mister concluir que ainda não tinha, sequer, sido transposta para o Direito interno a Diretiva 2014/24/EU. Com efeito, cumpre notar que esta Diretiva foi objeto de transposição para o Direito nacional através do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, sucedendo que as alterações ao CCP daí resultantes iniciaram a sua vigência em 01/01/2018, sendo aplicáveis, somente, aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após 01/01/2018, de acordo com o que prescrevem os art.ºs 13.º e 12.º, n.º 1 do próprio Decreto-Lei n.º 111-B/2017.
Por conseguinte, ao procedimento pré-contratual agora sob escrutínio são aplicáveis as disposições do CCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, com as alterações introduzidas pelos sucessivos diplomas e até à publicação do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, mas com exclusão deste.
Acontece, porém, que na data em que foi proferida a decisão de contratar não só já vigorava no ordenamento jurídico europeu a Diretiva 2014/24/EU como, aliás, encontrava-se já expirado o prazo para transposição da mesma para o direito interno dos Estados-Membros.
Com efeito, a Diretiva em apreço, datada de 26/02/2014, foi publicada em 28/03/2014 no Jornal Oficial da União Europeia, entrou em vigor 17/04/2014 (cfr. art.º 93.º da Diretiva) e estipulou a data-limite de 18/04/2016 para que os Estados-Membros adotassem as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva, de acordo com o disposto no seu art.º 90.º, n.º 1.
Significa isto que, o Estado Português, na data em que foi iniciado o presente procedimento concursal pré-contratual, encontrava-se em incumprimento, face ao que se encontra estabelecido nos art.ºs 288.º, 1. ª e 3.ª partes e 291.º, n.º 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE, em diante), e em concretização do princípio da cooperação leal, plasmado no art.º 4.º, n.º 3 do Tratado da União Europeia (apenas TUE doravante).
Neste contexto, a questão que se coloca é a de saber quais são as consequências jurídicas da transposição tardia de uma Diretiva no ordenamento jurídico nacional, mormente, em termos de decorrências quanto à validade e eficácia dos atos pré-contratuais e dos contratos públicos em caso de divergência com a disciplina jurídica europeia, e como se procede ao controlo judicial dessas situações.
Não subsiste qualquer dúvida de que o labor construtivo da solução para a interrogação anterior cumpre, em última ratio, aos Tribunais, pois como já tivemos ocasião de explanar noutra sede (ver o nosso Auxílios de Estado no Domínio do Direito Europeu da Concorrência: O Controlo da Comissão e a Atuação dos Tribunais Nacionais, PAULA CRISTINA OLIVEIRA LOPES DE FERREIRINHA LOUREIRO, Relatório de Atividade Profissional apresentado para obtenção do Grau de Mestre em Direito da União Europeia, Escola de Direito da Universidade do Minho, abril de 2016, publicado e consultável em https://repositorium.sdum.uminho.pt, pp. 182 a 188), os Tribunais nacionais são, indiscutivelmente, tribunais funcionalmente europeus, uma vez que a organização judicial europeia integra, além dos tribunais organicamente europeus- o Tribunal de Justiça da União Europeia, que inclui o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral (cfr. art.º 19.º do TUE)-, os Tribunais dos Estados membros.
“(…)
Este status quo da organização judicial europeia responde à exigência de integração europeia e decorre, em primeiro lugar, do facto da União Europeia constituir uma União de direito. Esta fórmula propugna e determina que as instituições europeias estão submetidas, na sua atuação, ao direito que dimana dos Tratados constitutivos, sendo que estes operam como uma Constituição da União Europeia, na medida em que consagram uma ordem jurídica fundamental vinculante para todo o poder público europeu. Ou seja, a Constituição Europeia tem uma dupla dimensão atuante: serve, simultaneamente, de fundamento e de limite a todas as instituições europeias.
Realce-se que não se estabelece uma tradicional relação de hierarquia entre a Constituição da União Europeia e os ordenamentos jurídicos dos Estados membros, no sentido de que os atos normativos e os atos jurídicos destes devem obediência e respeito ao direito europeu. A relação entre estas realidades jurídicas apresenta-se bem mais complexa, visto que o direito europeu integra o próprio ordenamento jurídico dos Estados membros, revelando-se aqui uma arquitetura multinível e de interconstitucionalidade (ALESSANDRA SILVEIRA, Cidadania Europeia e Direitos Fundamentais, in “Direito da União Europeia, Elementos de Direito e Políticas da União”, Alessandra Silveira, Mariana Canotilho, Pedro Madeira Froufe (Coord.s), Almedina, janeiro, 2016, pp. 17 a 72).
O princípio da lealdade europeia, cristalizado no artigo 4.º, n.º 3 do Tratado da União Europeia, configura o outro fundamento da racionalidade subjacente à organização judicial europeia.
Com efeito, o princípio da lealdade europeia postula a assistência, o respeito e a cooperação mútua entre os Estados membros no cumprimento das missões consagradas nos Tratados, pressupondo a vivência de um vínculo de lealdade em três planos: entre os próprios Estados membros; destes para com a União Europeia; e desta para com aqueles. A plena operatividade do Direito da União é o instrumento materializador do princípio da lealdade europeia que, por seu turno, exige um modelo federativo na organização da justiça europeia.
Como exemplarmente expõe ALESSANDRA SILVEIRA “E a partir deste princípio de lealdade expressamente consagrado nos tratados constitutivos, o TJUE decompôs uma série de outros princípios que densificam a lealdade e revelam-se indispensáveis à própria sobrevivência do sistema federativo europeu. Tais princípios seriam, designadamente, 1) princípio do primado do Direito da União Europeia sobre o direito nacional (implica a não aplicação do direito nacional incompatível com o Direito da União, a supressão ou reparação das consequências de um ato nacional contrário ao Direito da União, e a obrigação dos Estados membros fazerem respeitar o Direito da União); 2) princípio do efeito direto das normas europeias (autoriza os particulares a invocarem as normas europeias que imponham deveres/reconheçam direitos de forma suficientemente clara e incondicionada, inclusivamente contra normas nacionais violadoras do Direito da União); 3) princípio da efetividade do Direito da União (postula que as autoridades nacionais devem garantir o efeito útil das disposições europeias); 4) princípio da equivalência (postula que as autoridades nacionais devem assegurar que as pretensões decorrentes do Direito da união resultam tão protegidas quanto as pretensões do direito nacional- o que amplia consideravelmente os poderes do juiz, pois se o direito nacional não oferece um recurso efetivo ao particular, o juiz o deve criar); 5) princípio da interpretação conforme (postula que o intérprete e o aplicador do direito nacional, nomeadamente o juiz e a administração, devem atribuir às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com o Direito da União); 6) princípio da responsabilidade do Estado por violação das obrigações europeias (impõe a indemnização dos particulares afetados e inclui todos os seus órgãos e instituições- seja o legislador, a administração ou o juiz); 7) princípio da tutela jurisdicional efetiva (postula que a efetividade do Direito da União depende da garantia judicial das suas normas; integra o direito de acesso à justiça, o direito a um processo equitativo, o direito a um recurso efetivo; e implica a aplicação de providências cautelares pelo juiz nacional tendentes a evitar danos irreparáveis nos direitos dos particulares decorrentes do Direito da União, mesmo que tais providências não tenham previsão ou estejam proibidas pelo direito nacional)” (negro nosso). (Os Princípios de Direito da União Europeia, 2.ª edição, Quid Juris, 2011, pp. 104 e 105), brotam deste princípio da lealdade os seguintes valores principiológicos concretizadores: o princípio do primado do Direito da União Europeia, o princípio do efeito direto das normas europeias, o princípio da efetividade do Direito da União, o princípio da equivalência, o princípio da interpretação conforme, o princípio da responsabilidade do Estado por violação das obrigações europeias, e o princípio da tutela jurisdicional efetiva.
O princípio do primado do Direito da União sobre o direito nacional tem vocação atuante não só contra os Estados membros, mas também contra as próprias instituições europeias, na medida em que, v.g. pratiquem atos invasivos das competências próprias dos Estados membros à luz dos Tratados constitutivos. Este princípio pugna pela primazia na aplicação do direito europeu, no sentido de que veda, nomeadamente aos poderes públicos dos Estados membros, a aplicação de direito nacional incompatível com o Direito da União. Não obstante, e como se referiu já, este princípio não estabelece uma relação hierárquica entre o Direito da União e o direito nacional, visto que o primado assenta na aplicação preferente de umas normas sobre outras de fonte diversa, sendo todas em princípio válidas (sobre esta matéria, ver ALESSANDRA SILVEIRA, Os Princípios de Direito da União Europeia, cit., pp. 129 a 140; JÓNATAS E. M. MACHADO, Direito da União Europeia, cit., pp. 62 a 78 e MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES, Direito da União, 7.ª edição, agosto de 2014, Almedina, pp. 325 a 397).
Quer isto dizer que, o funcionamento deste princípio implica, portanto, e com especial relevância para os Tribunais nacionais, a não aplicação do direito nacional incompatível com o Direito da União, a supressão ou reparação das consequências de um ato nacional contrário ao Direito da União, e a obrigação dos Estados membros fazerem respeitar o Direito da União (Idem, ibidem). A desaplicação do direito nacional incompatível com o direito europeu configura uma obrigação do Tribunal nacional, devendo o juiz nacional desaplicar ex officio as normas nacionais desconformes com as normas europeias.
Do princípio do efeito direto das normas europeias deriva a possibilidade de os particulares invocarem contra os poderes públicos de um Estado membro as normas europeias que imponham deveres ou reconheçam direitos de forma suficientemente clara e incondicionada, inclusivamente contra normas nacionais violadoras do Direito da União. E impõe aos Tribunais nacionais, em virtude do primado do Direito da União, a extração das consequências jurídicas, para o caso concreto, do efeito direto da norma europeia em causa, esteja esta incluída nos Tratados ou numa diretiva.
Este princípio encontra-se umbilicalmente ligado ao princípio da interpretação conforme, segundo o qual o intérprete e o aplicador do direito nacional, especialmente o juiz nacional, devem atribuir às normas nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições do Direito da União. É, aliás, reconhecida e indiscutível a obrigação do juiz nacional de interpretar o seu direito nacional de modo a harmonizá-lo com o direito originário e derivado da União, na medida do possível (a propósito, ver Processo C-212/04, Acórdão Adeneler e Outros, de 04/07/2006. Igualmente, MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES, Direito da União, cit., pp. 385 a 390).
O princípio da efetividade do Direito da União funda-se na ideia de efeito útil e de plena eficácia na realização e concretização do projeto europeu. Ou seja, grosso modo, pretende significar que as autoridades nacionais devem garantir o efeito útil das disposições europeias. No que especialmente tange ao juiz nacional, este tem a obrigação de assegurar o pleno efeito dessas normas deixando na necessidade inaplicadas, por sua própria autonomia, toda a disposição contrária da legislação nacional, mesmo posterior, sem que tenha de perguntar ou de esperar a eliminação prévia destas por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (L’Autonomie Institutionnelle et Procédurale et le Droit Administratif, in “Droit Administratif Européen”, dir. J-B Auby/J. Dutheil de La Rochère, Bruylant, 2007, p. 709, Apud MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES, Direito da União, cit., p. 346).
O princípio da efetividade é reforçado pelo princípio da equivalência, na medida em que este impõe que as autoridades nacionais, mormente os Tribunais nacionais, assegurem que as pretensões decorrentes do Direito da União gozam de proteção similar às pretensões do direito nacional. O conteúdo deste princípio é concretizado, designadamente, pela criação ad hoc de instrumentos jusprocessuais aptos a oferecer cobertura jurídica à pretensão do particular, função que o juiz nacional deve conduzir e chancelar.
O princípio da tutela jurisdicional efetiva constitui outra decorrência da primazia do Direito da União e contribui para a concretização da efetividade deste ordenamento. Estabelece, em traços simples, que a efetividade do Direito da União depende da garantia judicial das suas normas, o que impõe o direito de acesso à justiça, o direito a um processo equitativo e o direito a um recurso efetivo.
Num outro plano, acarreta a aplicação de medidas cautelares pelo juiz nacional tendentes a evitar danos irreparáveis nos direitos dos particulares decorrentes do Direito da União, mesmo que tais providências não tenham previsão ou estejam proibidas pelo direito nacional (ALESSANDRA SILVEIRA, Princípios de Direito da União Europeia, cit., pp. 229 a 254).
Finalmente, deriva do princípio da responsabilidade do Estado por violação das obrigações europeias o dever do Estado de indemnizar os particulares afetados por essa violação, e inclui todos os seus órgãos e instituições, independentemente da natureza das mesmas: o legislador, a administração ou o juiz (idem, Ibidem, pp.177 a 197. Também, MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES, Direito da União, cit., pp. 390 a 397).
Os Tribunais nacionais e os seus juízes têm, portanto, uma função relevantíssima na interpretação e aplicação do direito da União, laborando, desse modo, no aprofundamento da harmonização e uniformização do Direito da União. Na verdade, o grande obreiro na eficácia interna do direito da União é o juiz nacional, que exerce a sua função por forma a, imperiosamente, assegurar a plena eficácia das normas europeias, ainda que à custa do afastamento e desaplicação do direito nacional que se revele incompatível com o direito europeu (ver JOSÉ LUÍS CARAMELO GOMES, O Juiz Nacional e o Direito Comunitário, Almedina, Coimbra, outubro de 2003, reimpressão de 2006, p.14).
(…)”
No caso da contratação pública, quer no que se refere ao procedimento pré-contratual, quer no que se refere ao contrato público, o juiz nacional é igualmente convocado a intervir, de modo a que a sua regulação judicial reponha a ordem jurídica nacional violada e, principalmente, a ordem jurídica europeia.
Na verdade, assoma hodiernamente como incontroverso que o Direito da União criou o seu próprio Direito dos Contratos Públicos, que se identifica como “Direito Administrativo Europeu harmonizado”, usando as palavras de FAUSTO DE QUADROS (Breve nota sobre o controlo judicial da aplicação das diretivas da União Europeia aos contratos públicos em Portugal, Revista de Contratos Públicos, n.º 23, abril de 2020, CEDIPRE, Almedina, p.11). E a utilização de diretivas, em virtude do previsto no art.º 288.º, § 4 do TFUE, tem constituído o instrumento usado pela União no sentido de parametrizar o Direito Europeu dos Contratos Públicos e, nessa medida, impor aos Estados-Membros a adoção de um conjunto de disposições no seu direito interno por forma a alcançar uma sintonia harmónica entre todos os regimes de contratação pública dos Estados-Membros.
Ora, é consabido que a entrada em vigor de uma diretiva na Ordem Jurídica da União origina um conjunto de obrigações para o Estados-Membros, que se produzem na esfera destes antes mesmo da respetiva transposição para a sua ordem interna. Tal sucede, por um lado, por força do princípio da cooperação leal e, por outro, porque o próprio Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE, em diante) já exprimiu claramente tal asserção nos Acórdãos proferidos, nomeadamente, em 12/12/2013 no processo C-425/12- caso Portgás, em 15/04/2008 no processo C-268/06- caso Impact, em 22/11/2005 no processo C-144/04- caso Mangold, e em 10/04/1984 no processo 14/83- caso von Colson. Todavia, o momento formal de vinculação de cada Estado à diretiva é assinalado pelo ato nacional de transposição dessa diretiva para o respetivo direito interno, que, naturalmente, deve suceder dentro do prazo estipulado na própria diretiva para tanto e de modo correto.
A problemática que agora se coloca é a de saber quais as consequências jurídicas da não transposição da diretiva dentro do prazo, ou até da sua transposição incorreta. Relembre-se que, no caso dos autos, a querela posta é a de determinar qual o quadro normativo aplicável ao procedimento pré-contratual a que se refere o anúncio de procedimento n.º 6421/2017, que publicitou a decisão de contratar tomada em 25/07/2017, uma vez que a Diretiva 2014/24/EU ainda não tinha sido transposta para o direito nacional, muito embora já tivesse decorrido, há muito, o prazo para efetivar a aludida transposição.
A resposta a esta interrogação é dada pela Jurisprudência do TJUE, que já emitiu múltiplas pronúncias sobre esta temática (entre outros, os acórdãos de 05/10/2004, Pfeiffer e outros, C-397/01 a C-403/01; de 23/04/2009, Angelidaki e outros, C-378/07 a C-380/07; de 19/01/2010, Kükükdeveci, C-555/07; e de 24/01/2012, Dominguez, C-282/10), destacando-se a Jurisprudência do Caso Dominguez, pela sua abordagem sistemática e hierarquizada das soluções a utilizar.
Nesta senda, subsistindo uma incompatibilidade entre o Direito da União e o Direito interno de um Estado-Membro- seja por falta de transposição da diretiva após o decurso do prazo para tanto, seja pela transposição incorreta da diretiva-, o primeiro recurso a usar é o da interpretação conforme do direto nacional com as disposições da diretiva. Como explicita o TJUE no Acórdão Dominguez, “importa começar por assinalar que a questão de saber se uma disposição nacional, na medida em que seja contrária ao direito da União, deve deixar de ser aplicada só se coloca se uma interpretação conforme desta disposição não for possível”, pois que, “(…) é jurisprudência assente que, ao aplicar o direito interno, os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a interpretá-lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva em causa para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir assim o disposto no artigo 288.º, terceiro parágrafo, TFUE. Esta obrigação de interpretação conforme do direito nacional é inerente ao sistema do Tratado FUE, na medida em que permite aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar, no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito da União quando decidem dos litígios que lhes são submetidos” (considerandos 23 e 24).
Note-se que o recurso à interpretação conforme supõe determinadas balizas limitativas, dado que não deve servir de fundamento a uma interpretação contra legem do Direito nacional, nem ofender os princípios gerais de direito (v.g., os princípios da segurança jurídica e da não retroatividade, em consonância com a Jurisprudência que dimana, p. ex., do Acórdão Adeneler, proferido em 04/07/2006 no processo C-212/04), sendo de recordar que “o princípio da interpretação conforme exige, além disso, que os tribunais nacionais façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração todo o direito interno e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, a fim de garantir a plena eficácia da diretiva em causa e alcançar uma solução conforme ao objetivo por ela prosseguido” (considerandos 25 e 27 do Acórdão Dominguez).
Revertendo esta Jurisprudência ao caso da contratação pública, tal impõe que, “(…) se uma diretiva não for transposta dentro do prazo (…), os órgãos administrativos ou jurisdicionais dos Estados (…) estão obrigados (…) a interpretar e aplicar aquela norma em conformidade com a diretiva, como, aliás, em conformidade com todo o demais Direito da União.” (FAUSTO DE QUADROS, cit., p. 17).
Frustrando-se o recurso à interpretação conforme no sentido de dissolver a divergência entre o Direito da União e o direito nacional, pode o particular, ainda, invocar o efeito direto vertical da respetiva diretiva. A este respeito, resulta de Jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que, em todos os casos em que, tendo em conta o seu conteúdo, disposições de uma diretiva sejam incondicionais e suficientemente precisas, os particulares têm o direito de as invocar nos tribunais nacionais contra o Estado, seja quando este não tenha transposto dentro do prazo a diretiva para o direito nacional, seja quando tenha feito uma transposição incorreta desta. Está aqui em causa o caráter self-executing da diretiva, que vem sendo trabalhado e aprimorado pelo TJUE desde o célebre caso Van Gend en Los (acórdão de 05/02/1963, no processo 26/62), passando pelos casos Grad (de 06/10/1970, processo 09/70), Van Duyn (de 04/02/1974, processo 41/74) e Ursula Becker (de 19/01/1982, processo 08/81) e, mais recentemente, nos casos Portgás (de 12/12/2013, no processo C-425/12) e Ambisig c. AICP (de 07/07/2016, no processo C-46/15), relativos a Portugal.
Caso não seja possível a interpretação conforme com a diretiva nem a invocação do seu efeito direto, resta, somente, o recurso à via ressarcitória, convocando a responsabilidade civil extracontratual do Estado por danos causados pela não transposição da diretiva ou pela sua transposição incorreta (neste sentido também, FAUSTO DE QUADROS, cit., pp. 19 a 21). É de realçar, nesta oportunidade, que os critérios de efetivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado são ditados pelo Direito da União, na senda dos Acórdãos Francovich e Brasserie du Pécheur (acórdãos do TJUE de 19/11/1991 nos processos C-6/90 e 9/90, e de 05/03/1996 nos processos C-46/93 e C-48/93), uma vez que está em causa, precisamente, a violação do Direito da União.
Ora, ponderados os contributos doutrinários e jurisprudenciais vindos de expor, recorta-se com clareza a resposta a dar à questão içada nos autos. Efetivamente, a excursão jurisprudencial e doutrinária teve em vista determinar se é possível a aplicação da Diretiva 2014/24/EU ao procedimento pré-contratual visado nos autos, dado que a referida Diretiva não tinha sido, ainda, objeto de transposição para o direito nacional no momento em que o procedimento foi iniciado.
Considerando os contributos que se foram destacando e citando, e atentando no facto de o prazo de transposição da mencionada Diretiva já ter terminado há muito no momento em que o procedimento pré-contratual foi iniciado, é mister concluir pela inequívoca possibilidade de aplicação da referenciada Diretiva 2014/24/EU ao caso sob escrutínio, desde que, realmente, estejam reunidas as duas condições imprescindíveis a tanto.
A primeira das condições é que se verifique uma discrepância entre as disposições da Diretiva e do Direito nacional que não possa ser dissolvida pelo recurso à interpretação conforme do direto nacional com os comandos do Direito da União, in casu, constantes da Diretiva relativa à contratação pública. A segunda condição, que seja possível invocar o efeito direto vertical da Diretiva, invocação esta que apenas é viável no caso de disposições incondicionais e suficientemente precisas.
Por conseguinte, recuperando a argumentação da Recorrente ESPAP no que concerne a esta problemática, impera concluir que a mesma claudica redondamente em face da hipótese pacifica de aplicação da Diretiva aos procedimentos concursais iniciados antes da sua transposição, mas após o terminus do prazo para a transposição.
Sendo assim, também não se vislumbra incorreção da sentença nesta parte.

Destarte, falece a impetração da Recorrente quanto às problemáticas vindas de apreciar.

2. Cumpre agora escrutinar do acerto da sentença impetrada no que concerne à anulação dos art.ºs 9.º e 10.º do Programa do Concurso.
Examinada a decisão impetrada, verifica-se que a anulação dos art.ºs 9.º e 10.º do Programa do Concurso, que estabelecem, respetivamente, os requisitos mínimos de capacidade técnica e de capacidade financeira, foi originada pela violação do art.º 165.º, n.º 1 do CCP, pela violação das partes I e II do anexo XII da Diretiva n.º 2014/24/UE, para onde remete o seu artigo 58.º, e violação do Anexo IV ao Código dos Contratos Públicos em vigor à data de lançamento do procedimento, bem como por erro sobre os pressupostos de facto e violação dos princípios da concorrência e transparência, da proporcionalidade e adequação, da prossecução do interesse público e da boa administração e da justiça.
Indaguemos, então, do acerto da decisão recorrida no que se refere à julgada violação do art.º 165.º, n.º 1 do CCP, bem como das partes I e II do anexo XII da Diretiva n.º 2014/24/UE, para onde remete o seu artigo 58.º, e violação do Anexo IV ao Código dos Contratos Públicos em vigor à data de lançamento do procedimento.
A sentença recorrida exarou, a este propósito, o seguinte discurso fundamentador:
“(…)
1.2. Do erro sobre os pressupostos de direito
XXXVIII.Sabemos que a entidade demandada lançara em 2014 um acordo-quadro no âmbito de fornecimento de refeições, oportunamente impugnado pela autora em ação de contencioso pré-contratual no âmbito do qual viria a transitar em julgado a 02.03.2017 uma decisão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.09.2016, nos termos da qual se declarou a invalidade das subalíneas ii) das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 9.º do Programa de Concurso e se declarou a validade das subalíneas i) das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 9.º do mesmo Programa de Concurso. Também sabemos que, na sequência do trânsito em julgado do citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo e pretendendo dar execução ao julgado anulatório, a entidade demandada lançou, em julho de 2017, novo concurso limitado por prévia qualificação.
XXXIX. Assim, a 26.07.2017 foi publicado no Diário da República, 2. série, N.º 43, o anúncio de procedimento n.º 6421/2017, para a realização de um concurso público limitado por prévia qualificação, cujo objeto era a celebração de “acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas”. Nos termos do n.º 5 do anúncio, o objeto do concurso foi dividido em oito lotes: um para a Região Norte, um para a Região Centro, um para a Região de Lisboa e Vale do Tejo, um para a região do Alentejo, um para a Região do Algarve, um para a Região Autónoma dos Açores, um para a Região Autónoma da Madeira e um para o território nacional. E, no n.º 7 do anúncio, intitulado “Prazo de execução do contrato”, pode ler-se: «Restantes contratos. Prazo contratual de 24 meses a contar da celebração do contrato». Finalmente, no n.º 12 do anúncio, intitulado “Requisitos Mínimos”, pode ler-se: «12.1 — Requisitos mínimos de capacidade técnica: Os referidos no artigo 9.º do Programa do Concurso. || 12.2 — Requisitos mínimos de capacidade financeira: Os referidos no artigo 10.º do Programa do Concurso» [cf. ponto 1.31) do probatório].
XL. Por seu turno, o Programa de Concurso do procedimento agora aberto em 2017 [parcialmente transcrito no ponto 1.29) dos factos provados], estabelecia como requisitos mínimos de capacidade técnica, no seu artigo 9.º, os seguintes: «a) Para os lotes 2, 4, 5, 6 e 7: ter no mínimo 100 trabalhadores remunerados e registados na declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) de 2012; b) Para os lotes 1 e 3: ter no mínimo 400 trabalhadores remunerados e registados na declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) de 2012; c) Para o lote 8: ter no mínimo 500 trabalhadores remunerados e registados na declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) de 2012».
XLI. Já os requisitos mínimos de capacidade financeira estavam previstos no artigo 10.º do mesmo Programa de Concurso, que tinha o seguinte teor:
«1. Os candidatos devem cumprir pelo menos um dos dois seguintes requisitos mínimos de capacidade financeira:
» a) Requisito de capacidade financeira traduzido de acordo com a seguinte expressão matemática, que consta do Anexo IV do Código dos Contratos Públicos (CCP), aplicável por força do n.º 2 do artigo 165.º do mesmo diploma:
» V × t ≤ R × f
» Sendo
» V = Valor económico estimado do contrato:
» — Para os lotes 2, 4, 5, 6 e 7: € 10 442 000,00 (dez milhões quatrocentos e quarenta dois mil euros);
» — Para os lotes 1 e 3: € 31 327 000,00 (trinta e um milhões, trezentos e vinte e sete mil euros);
» — Para o lote 8: € 62 654 000,00 (sessenta e dois milhões, seiscentos e cinquenta e quatro mil euros).
» t = Taxa de juro Euribor a seis meses, com três casas decimais, acrescida de 200 pontos base, divulgada no sítio do Banco de Portugal à data da publicação no Diário da República, do anúncio do concurso do acordo quadro anterior com o mesmo objeto:
» — Taxa de 0,392% de 24 de dezembro de 2013, acrescida de 200 pontos base.
» f = Fator definido para todos os lotes: 9.
» R = Valor médio dos resultados operacionais do candidato nos últimos três exercícios (2010, 2011 e 2012), calculado através da seguinte fórmula:
(…)
» EBITDA (i) = Resultado obtido através do seguinte cálculo com recurso aos valores contidos nos seguintes campos das declarações de IES:
» A5020 Resultado Operacional (antes de gastos de financiamento e Impostos) + A5018 Gastos/Reversões de depreciação e de amortizações + A5011 Provisões (aumentos/reduções)
» i1, i2 e i3 = Exercícios de 2010, 2011 e 2012.
» […]
» 2. Os candidatos devem ainda cumprir dois dos seguintes requisitos mínimos de capacidade financeira, consoante os lotes a que se candidatam:
» a) A média aritmética da liquidez geral dos últimos dois exercícios (2011 e 2012) deve ser igual ou superior a 1;
» b) A média do somatório dos Resultados Líquidos nos exercícios de 2011 e 2012 deve ser igual ou superior a 0;
» c) A média aritmética do volume de negócios dos últimos dois exercícios (2011 e 2012) deve ser igual ou superior a:
» i - Para os lotes 2, 4, 5, 6 e 7: € 750 000,00 (setecentos e cinquenta mil euros);
» ii - Para os lotes 1 e 3: € 4 000 000,00 (quatro milhões de euros);
» iii - Para o lote 8: € 7 500 000,00 (sete milhões e quinhentos mil euros)[…]» (sublinhados nossos).
XLII. Em suma: a entidade demandada utilizou os mesmos requisitos de qualificação que havia usado no procedimento de 2014, tendo somente procedido à retirada daqueles requisitos que o Supremo Tribunal Administrativo declarara inválidos. Sucede que, ao fixar os requisitos de capacidade técnica e financeira nas peças do procedimento sindicadas nos termos em que fixou, reportando-os a 2014, a entidade demandada acabou por determinar, na prática, que: i) os requisitos estão reportados a 2010, 2011, 2012 e 2013, que eram os anos relevantes para os candidatos demonstrarem o preenchimento das condições exigidas pelo Programa de Concurso do acordo quadro de 2014; ii) o número de trabalhadores, as declarações de clientes, os rácios económico-financeiros das empresas candidatas, em 2017, a executar um acordo quadro nos anos de 2018 e 2019 (e talvez até 2021, se o acordo quadro se renovar), seriam avaliados, pela entidade demandada, de acordo com a realidade que se verificava entre 2010 e 2012; iii) a taxa EURIBOR considerada é a que estava em vigor em dezembro de 2013; e iv) as estimativas do valor dos vários lotes, que presidem à determinação dos requisitos de capacidade financeira, são as mesmas que constavam do Programa de Concurso de 2014.
XLIII. Olvidou-se a entidade demandada, porém, que, como tivemos oportunidade de deixar estabelecido adrede, as próprias normas jurídicas aqui aplicáveis situam o momento temporal de referência para os requisitos de qualificação no momento do lançamento do concurso – no caso da taxa Euribor – ou, no máximo, até três anos antes desse lançamento – no caso geral dos requisitos de capacidade técnica e financeira. Ou, noutra perspetiva e no mínimo, aquelas normas fazem uma exigência de adequação ao objeto do contrato que não pode deixar de passar por uma atualidade dos requisitos de qualificação estabelecidos, tendo em conta a função destes, acima referida, de garantir a boa execução do contrato futuro.
XLIV. Ora, como é consabido, a avaliação da capacidade financeira destina-se «[…] a garantir que a empresa tem ao seu dispor, logo que se afigure necessário, os meios e recursos financeiros adequados para garantir que a empresa em causa se manterá em exercício e desenvolverá a sua atividade durante o período contratual, executará integralmente o contrato adjudicado e poderá satisfazer qualquer demanda indemnizatória decorrente da execução do contrato […]» (GOUVEIA MARTINS. 2008: 260).
XLV. Porque assim é, não é legítimo nem razoável supor que, com requisitos reportados a 2010, 2011 e 2012, as peças do procedimento sub judicio tenham logrado assegurar a capacidade dos concorrentes para cumprir um contrato que vai ser executado em 2018 e anos seguintes.
XLVI. É, pois, manifesto que as normas aqui sindicadas padecem do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, por postergarem, desde logo, o imperativo da adequação dos requisitos ao objeto do contrato a celebrar, consagrado no artigo 165.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos.
XLVII. Ademais, o artigo 10.º do Programa de Concurso viola ainda a parte II do anexo XII da Diretiva n.º 2014/24/UE, para onde remete o seu artigo 58.º [solução que já decorria do artigo 48.º, n.º 2, alínea a), subalínea ii), e alínea g), da Diretiva n.º 2004/18/CE], que, ao prever os meios de prova da capacidade técnica dos candidatos em procedimentos onde sejam definidos “critérios de seleção” (figura a que no direito português corresponde, como se sabe, a dos “requisitos de qualificação”), proíbe a utilização de requisitos de capacidade técnica, quer no que diz respeito a declarações de fornecedores (apenas com uma exceção relativa à promoção da concorrência, que manifestamente não se verifica aqui), quer no que diz respeito a pessoal, com referência a um período anterior a três anos.
XLVIII. Do mesmo modo, o artigo 9.º do mesmo Programa de Concurso padece igualmente do vício de lei por erro sobre os pressupostos de direito, ao violar a parte I do Anexo XII da Diretiva 2014/24 [e, antes, o artigo 47.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2004/18], segundo a qual é permitido, como meio de prova da capacidade financeira, «[u]ma declaração relativa ao volume de negócios global e, eventualmente, ao volume de negócios no domínio de atividades objeto do contrato, respeitante no máximo aos últimos três exercícios disponíveis, em função da data de criação ou do início de atividades do operador económico, desde que estejam disponíveis dados sobre esse volume de negócios».
XLIX. Por último, e como pertinentemente já fora apontado pela concorrente EUREST logo a 08.08.2017, em instrumento com solicitação de esclarecimentos e retificações ao abrigo do disposto no artigo 50.º, n.º 1 do Código dos Contratos Públicos e no artigo 4.º, n.º 1 do Programa do Concurso [cf. ponto 1.32) dos factos provados], o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Programa de Concurso, ao determinar a expressão matemática para a avaliação do requisito de capacidade financeira com definição de “t” como a “[t]axa de juro Euribor a seis meses, com três casas decimais, acrescida de 200 pontos base, divulgada no sítio do Banco de Portugal, à data da publicação, no Diário da República do anúncio do concurso do acordo quadro anterior com o mesmo objeto”, fixando uma taxa de 0,392% de 24 de dezembro de 2013, acrescida de 200 pontos base, viola o Anexo IV ao Código dos Contratos Públicos em vigor à data de lançamento do procedimento, segundo o qual a taxa Euribor a considerar para efeitos de cálculo e aplicação da capacidade financeira mínima dos candidatos teria de ser «[…] a taxa de juro EURIBOR, a seis meses, acrescida de 200 pontos base, divulgada à data da publicação do anúncio do concurso no Diário da República». Naturalmente, isso só pode significar que deve ter-se por referência a taxa de juro EURIBOR que tenha sido divulgada à data da publicação do anúncio do concurso para que se concorre – portanto, não do concurso anterior. E esta discrepância não era despicienda: é que, se a 24.12.2013 a taxa de juro EURIBOR a seis meses era de 0,392%, já à data da publicação do anúncio do concurso sub judicio essa taxa era de – 0,272% (cfr. http://www.euribor-rates.eu/euribor-rate-6-months.asp).
L. Em suma: os artigos 9.º e 10.º do Programa de Concurso padecem do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, pelos motivos acima indicados (inobservância do imperativo da adequação dos requisitos ao objeto do contrato a celebrar, previsto no artigo 165.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos; violação da parte II do anexo XII da Diretiva n.º 2014/24/UE, para onde remete o seu artigo 58.º; violação da parte I do Anexo XII da Diretiva 2014/24; e violação do Anexo IV ao Código dos Contratos Públicos em vigor à data de lançamento do procedimento). Procede, neste ponto, a pretensão da autora.
(…)”
Analisada a fundamentação espraiada no trecho da sentença recorrida vindo de transcrever, cumpre assumir, de imediato, que não se descortina qualquer incorreção, quer quanto ao raciocínio aí desenvolvido, quer quanto às consequências jurídicas estabelecidas.
Efetivamente, o art.º 9.º do Programa do Concurso plasmou os requisitos mínimos de capacidade técnica e o art.º 10.º da mesma peça do procedimento enunciou os requisitos mínimos de capacidade financeira dos concorrentes.
Sucede que, como bem assinala a sentença impetrada, os requisitos de qualificação dos concorrentes acabam por estar reportados aos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, que eram os anos tomados em consideração no Programa do Concurso do acordo quadro de 2014, acontecendo que o número de trabalhadores, as declarações de clientes, os rácios económico-financeiros das empresas candidatas, em 2017, a executar um acordo quadro nos anos de 2018 e 2019 (e talvez até 2021, se o acordo quadro se renovar), seriam avaliados pela Recorrente de acordo com a realidade que se verificava entre 2010 e 2012.
Ora, de acordo com o previsto no art.º 165.º, n.º 1 do CCP, na versão em vigor à data da decisão de contratar, os requisitos mínimos de capacidade técnica (…) devem ser adequados à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar, descrevendo situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos, designadamente, à experiência curricular dos candidatos; aos recursos humanos, tecnológicos, de equipamento ou outros; ao modelo e capacidade organizacionais dos candidatos, etc..
Ora, parece-nos evidente que a avaliação da capacidade técnica dos concorrentes, especialmente tendo em conta o objeto do contrato a celebrar, não deve ser realizada por referência a um passado relativamente longínquo da atividade do concorrente, mas antes por referência à atividade desenvolvida no passado recente, uma vez que apenas essa é que tem aptidão para demonstrar que o arcaboiço técnico e organizacional do concorrente confere garantias credíveis no sentido da boa execução do contrato a celebrar. Sendo assim, a fixação de requisitos que consideram a atividade desenvolvida pelos concorrentes nos anos de 2010 a 2013 mostra-se claramente desadequada à avaliação da capacidade técnica para contratos a celebrar nos anos de 2017 até, potencialmente, 2021. E, por essa razão, no que tange ao art.º 9.º do Programa do Concurso, é de concluir positivamente pela violação do art.º 165.º, n.º 1 do CCP.
Adicionalmente, na medida em que a demonstração dos requisitos de capacidade técnica implicam a referência a um período superior a três anos, impõe-se concluir, ainda, que o dito art.º 9.º do Programa do Concurso viola o mesmo art.º 165.º, n.º 1 do CCP, em virtude do Anexo XII, parte II, que concretiza o previsto no art.º 58.º da Diretiva 2014/24/EU, colocar uma limitação temporal de três anos ao período de referenciação dos requisitos. Diga-se, aliás, que a solução não poderia deixar de ser esta, visto que a dita limitação decorria já expressamente do art.º 48.º, n.º 2, al. a), ii) e al. g) da anterior Diretiva 2004/18/CE.
E raciocínio idêntico serve para fincar a conclusão, quanto ao art.º 10.º do Programa do Concurso, da violação do disposto no art.º 165.º, n.º 2 do CCP, na versão em vigor à data da decisão de contratar, no que concerne aos requisitos mínimos de capacidade financeira. Realmente, diga-se que deriva do próprio Anexo IV ao CCP a estipulação do limite temporal de referenciação da avaliação, na medida em que o fator R da expressão matemática em causa manda atender ao valor médio dos resultados operacionais do candidato nos últimos três exercícios.
Sendo assim, para além da desadequação dos critérios elencados no art.º 10.º do Programa do Concurso à aferição e avaliação da capacidade financeira dos concorrentes- pois que os exercícios em causa não são os três últimos por referência à data de início do procedimento, mas os de 2010 a 2013-, a realidade é que a disposição concursal em causa viola, para além do art.º 165.º, n.º 2 do CCP, o Anexo IV ao próprio CCP, e bem assim, a parte I do Anexo XII da Diretiva 2014/24/EU, que concretiza o respetivo art.º 58.º, n.º 3. Seja como for, é de ressaltar que este comando já decorria do art.º 47.º, n.º 1, al. c) da anterior Diretiva 2004/18/CE, pelo que, nenhuma novidade foi introduzida neste aspeto nos ordenamentos jurídicos europeu e nacional.
A sentença recorrida prolonga o seu excurso no que toca à invalidade dos art.ºs 9.º e 10.º do Programa do Concurso do seguinte modo:
“(…)
1.3. Do erro sobre os pressupostos de facto
LI. Mas não se queda por aqui a desconformidade dos artigos 9.º e 10.º do Programa de Concurso sub judicio. Ao fazer reportar os requisitos de capacidade técnica e financeira dos concorrentes aos exercícios de 2010 a 2012, num procedimento de 2017, para a posterior celebração de contratos a vigorar pelo menos em 2018 e 2019, a entidade demandada laborou em erro também sobre os pressupostos de facto.
LII. Façamos o seguinte exercício: é ou não possível que quem tinha certo requisito de experiência ou solvabilidade em 2012, poderá não o ter em 2017, cinco anos depois? A fortiori, sê-lo-á ou não possível, se esses índices de solvabilidade se tiverem degradado sucessivamente nos anos de 2010, 2011 e 2012, indicando ou sugerindo um depauperamento progressivo e gradual da saúde financeira dos concorrentes? No limite, é ou não possível que uma empresa que tinha solvência em 2012 possa estar em 2017 em pré-insolvência? A resposta a estas questões é, como se depreende com clareza, afirmativa.
LIII. Perguntemo-nos então agora se, sendo possíveis as vicissitudes aludidas supra, será adequado que, num procedimento aberto em 2017 para a celebração de um contrato que será executado em 2018 e anos seguintes, se fixe a bitola da capacidade financeira e técnica dos concorrentes pelo padrão de 2010 a 2012, possibilitando, no limite, a empresas que já não estão com os mesmos níveis de capacidade financeira e técnica serem qualificados para os lotes a concurso? Como é apodítico, a resposta é negativa.
LIV. Aliás, é a própria entidade adjudicante quem parece reconhecer essa desadequação da solução que ela própria definiu. No Relatório Preliminar, ao invocar a caducidade (em 2017) de um dos certificados ISO apresentados pela autora, o júri do procedimento tomou como momento relevante, para a aferição da existência das certificações ISO referidas no artigo 9.º, n.º 2, do Programa do Concurso, não o momento em que foi lançado o primeiro procedimento (como seria coerente com o seu critério), mas sim o momento em que foram apresentadas as candidaturas. Cf. ponto 1.37) do probatório.
LV. Acresce ainda, por importante, que as fórmulas de avaliação da capacidade financeira dos candidatos fazem apelo aos valores estimados dos contratos a celebrar (artigo 10.º, n.º 1, do Programa do Concurso, no que concerne à variável “V” da fórmula aí apresentada). Esses valores estimados dos contratos a celebrar ao abrigo do acordo quadro são retirados da execução orçamental do ano anterior. Logo, os valores contidos no Programa do Concurso de um concurso aberto em 2017 deveriam refletir a estimativa de 2016 — sendo certo, não obstante, que refletem a estimativa de valores de 2013, no máximo.
LVI. Daqui decorre, ao cabo e ao resto, não só que a entidade demandada utilizou, para filtrar os candidatos ao concurso de 2017, valores que nada têm que ver com os valores estimados do acordo quadro que vai celebrar, como também que se propõe excluir (ou admitir) operadores económicos com base em valores completamente desprovidos de qualquer sentido. E daqui decorre ainda, por último, que o Programa do Concurso induz os concorrentes em erro, pois diz-lhes que os contratos ao abrigo dos lotes têm um valor estimado que não pode, absolutamente, corresponder à efetiva estimativa que deveria ter sido utilizada.
LVII. Como tal, procede a pretensão da autora também com fundamento no vício de erro sobre os pressupostos de facto reportado aos artigos 9.º e 10.º do Programa de Concurso.
*
1.4. Da violação de princípios
LVIII. Alega ainda a autora que os artigos 9.º e 10.º do Programa de Concurso traduzem uma violação dos princípios da concorrência e transparência (artigos 1.º-A, n.º 1, e 252.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos), da proporcionalidade, na vertente da adequação (artigo 7.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo), da prossecução do interesse público e da boa administração (artigos 3.º e 5.º do Código de Procedimento Administrativo) e da justiça (artigo 8.º do Código de Procedimento Administrativo).
LIX. O princípio da transparência, garantia preventiva dos princípios da imparcialidade e da igualdade de tratamento, vigora no domínio da contratação pública, ex vi artigo 2.º da Diretiva 2004/18/CE, artigo 10.º da Diretiva 2004/17/CE e n.º 1 do artigo 1.º—A do Código dos Contratos Públicos. Implica, desde logo, a publicidade da intenção de contratar, das regras do procedimento, dos requisitos de acesso, das condições de qualificação dos candidatos e dos critérios de adjudicação.
LX. Este princípio deve surgir associado, no específico domínio da contratação pública, ao princípio da concorrência, expressamente consagrado no mesmo artigo 1.º—A, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos. Na verdade, «[…] e apesar de muitas das potencialidades jurídicas que se lhe assacam poderem igualmente imputar-se ao princípio da igualdade ou a outros (como os da imparcialidade, da transparência e da publicidade), com maior lastro histórico e dogmático, o princípio da concorrência é atualmente a verdadeira trave-mestra da contratação pública, uma espécie de umbrella principle, tornando aqueles corolários ou instrumentos seus ou, se se quiser, “contaminando-os”, exigindo ao intérprete que proceda à densificação de tais princípios numa perspetiva concorrencial ou segundo a lógica e objetivos da contratação pública. [De tal sorte que, se é] de facto no respeito pela concorrência e simultaneamente na sua promoção que assenta hoje o valor nuclear dos procedimentos adjudicatórios[, se] é a ela (concorrência) que estes se dirigem e é no aproveitamento das respetivas potencialidades que se baseia o seu lançamento [e] se é na concorrência que se funda o mercado da contratação pública, isso há de significar que a tutela de uma concorrência sã entre os competidores interessados deve estar na primeira linha das preocupações do sistema jurídico […]» (ESTEVES DE OLIVEIRA, 2008: 66 e 67).
LXI. Neste conspecto, pode mesmo asseverar-se que «[c]hamar a concorrência, interpelar ou provocar o mercado, pressupõe, portanto, considerar os candidatos ou concorrentes como opositores em condições de igualdade […]» (idem, ibidem: 67, com sublinhados nossos), assumindo o princípio da concorrência importantes manifestações ao longo de toda a vida contratual. Assim, «[n]o plano procedimental, um corolário da concorrência é, desde logo, o dever de a entidade adjudicante não definir requisitos de acesso ao procedimento tais […] que resultem numa limitação desproporcionada do mercado habilitado a participar nesse procedimento […]. Outra manifestação deste princípio é a da estrita igualdade de todos os concorrentes em matéria de condições de acesso e de adjudicação. E é também, por exemplo, a exigência de que as propostas sejam elaboradas por referência a um padrão único ou a exigência da prévia enunciação especificada (e ordenada) dos critérios e fatores de adjudicação […]» (idem, ibidem: 69 e 70; os sublinhados são novamente da nossa lavra).
LXII. Ora, os aludidos artigos 9.º e 10.º do Programa de Concurso em apreço, pelos motivos atrás enunciados, traduzem manifestas entropias ao desenvolvimento são e transparente da concorrência na contratação verificada no procedimento em apreço e nos procedimentos subsequentes que se seguirão ao acordo-quadro. E isto por três ordens de razão, interligadas, de que damos conta muito sucintamente de seguida.
LXIII. Assim é, desde logo, porque, ao atender a um período temporal desadequado à realidade a contratar para os anos de 2018 ss., as peças do procedimento divulgam elementos que servirão de base às propostas que são desprovidos de qualquer atualidade e ligação ao contrato a celebrar. Ergo, consagram critérios de aferição de capacidade técnica e financeira que não refletem nem permitem aferir a verdadeira saúde e robustez dos projetos dos concorrentes à data da contratação, introduzindo um nível de opacidade nas candidaturas que acabará por contagiar necessariamente as subsequentes escolhas e valorações do júri.
LXIV. Assim é também porque restringe o mercado com critérios absurdos e desprovidos de ligação ao contrato a celebrar.
LXV. Assim é, por último, porque, retomando o que tivemos oportunidade de deixar estabelecido, a celebração e execução do contrato torna impossível, em regra, a recuperação plena da situação de facto anterior. Daí que, também de acordo com o artigo 45.º—A, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, passa a não ser possível reinstruir o procedimento – quer dizer, reinstruí-lo como ele foi inicialmente feito, mesmo que se retire o vício que levou à anulação. Logo, repetindo em 2017 um concurso ocorrido em 2014, com aferição dos requisitos de capacidade financeira e técnica nos exatos termos em que haviam sido apreciados então, e sabendo já os concorrentes os preços propostos pelos outros concorrentes, em 2014, para um caderno de encargos exatamente igual ao atual, não estão reunidas as mínimas condições de concorrência entre os agentes económicos.
LXVI. Por outro lado, a fixação de requisitos de avaliação da capacidade técnica e financeira deve nortear-se, desde logo, pelo princípio da adequação (artigo 165.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos). A este requisito ligam-se intimamente os da proporcionalidade e do favor da concorrência, associados à proibição de discriminação. «O princípio da proporcionalidade joga, de resto, um papel fundamental nesta matéria, impondo que a entidade adjudicante só exija aos candidatos requisitos que […] sejam efetivamente justificados e adequados, não podendo, portanto, servir-se disso para, sem motivo atendível, restringir a concorrência […]» (ESTEVES DE OLIVEIRA & ESTEVES DE OLIVEIRA, 2016: 454).
LXVII. Porque assim é, os artigos 9.º e 10.º do Programa de Concurso também violam os princípios da proporcionalidade, na sua vertente de adequação, que impõe à Administração que escolha vias de satisfação do interesse público adequadas aos fins a atingir (artigo 7.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo) e da justiça (artigo 8.º do mesmo diploma), na sua dimensão de (falta absoluta de) razoabilidade (e mesmo de racionalidade), por todas as razões já apontadas (porque está, seguramente, fora do quadro de atuação razoável de qualquer entidade pública pretender executar um contrato, em 2018 e anos vindouros, confiando em requisitos de qualificação que têm por referência os anos de 2010 a 2012). Ora, tendo tais normas esse conteúdo, e sendo normas notoriamente imperativas, não pode deixar de entender-se que elas vedam que se faça, em 2017, o concurso de 2014.
LXVIII. Por último, julgamos que aquelas normas procedimentais violam ainda os princípios da prossecução do interesse público e da boa administração (artigos 3.º e 5.º do Código de Procedimento Administrativo), por potenciarem a adoção de decisões pelas autoridades adjudicantes que, com toda a probabilidade, virão a ser lesivas dos seus interesses económicos, dado que poderão ser obrigadas a contratar agentes económicos que já tiveram em tempos, mas poderão já não ter hoje, capacidade, assim como, inversamente, podem ficar privadas de contratar agentes económicos que em 2010-2012 não tinham capacidade (ou nem sequer existiam), mas em 2017 já teriam capacidade para participar.
LXIX. Face ao exposto, procede, sem necessidade de mais considerações, a pretensão da autora também com base neste vício.
(…)”.
Acompanhamos, uma vez mais e inteiramente, o julgado pela Instância a quo, que não só reforça a convicção da invalidade dos art.ºs 9.º e 10.º do Programa do Concurso em razão da afronta do prescrito no art.º 165.º, n.ºs 1 e 2 do CCP, como ainda desvela a projeção factualmente desadequada da Recorrente ESPAP e, principalmente, a ofensa aos princípios da concorrência e transparência, da proporcionalidade e adequação, da prossecução do interesse público e da boa administração.
Emerge inelutavelmente do que vem de expender-se a improcedência das conclusões A) a K) do recurso interposto pela Recorrente, motivo que determina o insucesso da impetração, pelo menos nesta parte.
3. Em terceiro lugar, importa indagar se a sentença impetrada se mostra correta no que concerne ao juízo de violação do art.º 33.º, n.º 2, § 2, da mencionada Diretiva n.º 2014/24/EU.
Efetivamente, a Recorrente dedica as conclusões L) a O) do seu recurso à impetração do decidido pela Instância recorrida no que tange à identificação das entidades potencialmente adjudicantes de contratos a celebrar ao abrigo dos acordos quadro firmados no âmbito do presente procedimento pré-contratual. Defende a Impetrante que o CCP em vigor na data de início do procedimento não contém tal exigência e que mesmo as alterações introduzidas ao CCP pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017 também não contemplam essa exigência, limitando-se a prescrever uma identificação suficiente nos casos em que se permita a adesão posterior de novas entidades adjudicantes (cfr. art.º 257.º, n.º 4 do CCP, na versão em vigor a partir de 01/01/2018). Contesta, por isso, que o art.º 33.º, n.º 2, § 2 da Diretiva 2014/24/EU contenha efeito direto e, de toda a maneira, a pretender-se tal, impunha-se a utilização do reenvio prejudicial.
Mas, em boa verdade, não tem qualquer razão a Recorrente.
A identificação das potenciais entidades adjudicantes nos procedimentos pré-contratuais destinados à celebração de acordos quadro constitui um foco de interesse crescente da Doutrina, principalmente, nos casos em que o acordo quadro será celebrado por uma central de compras.
Realmente, assinale-se que CLÁUDIA VIANA, já em 2009 (O Acordo-Quadro, in Revista de Direito Público e Regulação, n.º 3, setembro de 2009, p. 21, acessível em www.fd.uc.pt/cedipre), exteriorizava a preocupação atinente à identificação das entidades adjudicantes dos futuros contratos a celebrar ao abrigo do acordo quadro: “(…) A criação de uma central de compras determina que ficam abrangidas pela contratação centralizada as entidades previstas no diploma da sua criação.
No caso do Sistema Nacional de Compras Públicas, como já disse, constituem entidades compradoras vinculadas os serviços da administração directa do Estado e os institutos públicos. Podem ainda aderir ao Sistema Nacional de Compras Públicas, na qualidade de entidades compradoras voluntárias, entidades da administração autónoma e o sector empresarial público.
Pois bem, a identificação das partes no acordo-quadro é especialmente importante quando este é promovido por uma central de compras, que age como intermediária. Neste caso, e dada a natureza fechada do acordo-quadro, as peças do procedimento deverão indicar as entidades adjudicantes que podem celebrar contratos individuais ao abrigo do acordo-quadro. Acresce que este documento deve permitir identificar a data a partir da qual aquelas entidades adquiriram este direito. Esta disposição compreende-se e justifica-se quer pela já referida natureza fechada do acordo-quadro quer pela necessidade de dar aos operadores económicos todas as informações pertinentes de modo a que possam aferir do seu interesse em concorrer, pois será, sem dúvida, diferente, apresentar uma proposta para a previsível celebração de contratos com 10, 100 ou 1000 entidades. (…)”
Por seu turno, MARCO CALDEIRA, em 2016 (Os Acordos-Quadro nas Diretivas de 2014 sobre contratação pública, in Revista de Contratos Públicos, n.º 13, agosto de 2016, CEDIPRE, Almedina, pp.143 a 166), notava que “quanto ao âmbito subjetivo dos acordos-quadro, a Diretiva [referindo-se à Diretiva 2014/24/UE] consagra um modelo fechado, o que, concomitantemente, impõe a transparência através da identificação clara e prévia das entidades que podem recorrer aos acordos-quadro.
O carácter fechado do modelo resulta, desde logo, do segundo parágrafo do n.º 2 do artigo 33.º, no qual se estabelece que os procedimentos de adjudicação de contratos ao abrigo de acordos-quadro “só são aplicáveis entre, por um lado, as autoridades adjudicantes claramente identificadas para o efeito (...) e, por outro, os operadores económicos que sejam partes no acordo-quadro, nos termos nele previstos”. Esta previsão é coerente com o Considerando (60), primeiro parágrafo, que dispõe que “os acordos-quadro não deverão ser utilizados pelas autoridades adjudicantes que não estejam neles identificadas”. Deve, pois, ser possível identificar “fácil e inequivocamente as entidades adjudicantes que podem adquirir obras / bens / serviços ao abrigo de cada acordo-quadro, as quais têm, por conseguinte, de “ser claramente indicadas pelo nome ou por outros meios, tais como uma referência a dada categoria de autoridades adjudicantes numa zona geográfica claramente delimitada”.
Como bem se vê, esta identificação prévia das entidades adjudicantes destina-se, em primeira linha, a circunscrever o elenco das entidades que podem recorrer ao acordo-quadro e a evitar que o seu carácter fechado venha, na prática, a ser defraudado pela ausência de controlo relativamente às entidades que efectuam as suas aquisições ao abrigo daquele acordo. O que não impede que, secundariamente, esta prévia identificação sirva também um outro propósito, o de auxiliar os operadores económicos, os quais, sabendo de antemão qual o leque de possíveis adquirentes das obras / bens / serviços objecto do acordo-quadro, podem, nessa conformidade, aferir do seu interesse na participação no acordo e, também, da sua capacidade para assegurar todos os contratos a que poderão vir a ser chamados a executar.
No entanto, apesar do tom peremptório na proclamação do carácter fechado dos acordos-quadro, a Directiva não deixa de suscitar algumas dúvidas quanto ao alcance dessa afirmação - mais concretamente, quanto à questão de saber se o acordo-quadro “nasce”, “vive” e “morre” fechado ou se, pelo contrário, são admissíveis alterações subjectivas durante a sua vigência.
A questão coloca-se, paradoxalmente, logo no Considerando (60), pois, imediatamente após a afirmação taxativa de que, “uma vez celebrado, nenhum acordo-quadro deverá estar aberto à entrada de novos operadores económicos”, a Directiva concretiza a proibição de entrada de novos operadores através do seguinte exemplo:
“Tal implica, por exemplo, que, quando uma central de compras utiliza um registo global das autoridades adjudicantes ou respetivas categorias, tais como as autoridades locais de uma determinada área geográfica, que estão habilitadas a recorrer aos acordos-quadro por si celebrados, deverá fazê-lo de uma forma que permita verificar não só a identidade da autoridade adjudicante em causa, mas também a data a partir da qual está habilitada a recorrer ao acordo-quadro celebrado pela central de compras, uma vez que essa data determina qual a acordo-quadro especifico que a autoridade adjudicante deverá ser autorizada a utilizar”.
(…)
Para finalizar quanto a este ponto, a solução preconizada pela Directiva, de tendencial estabilidade (rectius, imutabilidade) subjectiva do acordo-quadro desde a sua celebração até à sua cessação de vigência, está essencialmente pensada para impedir o alargamento do número de entidades que nele participam ao longo da respectiva execução, mas não obsta em absoluto a que, em determinadas circunstâncias, possa ocorrer uma redução desse número ou, eventualmente, uma alteração da identidade dos participantes: será o caso, especialmente, das “modificações não substanciais” do acordo-quadro que se traduzem na substituição do adjudicatário, nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 72.º da Directiva. (…)”
O mesmo autor, desta feita em ocasião mais recente (MARCO CALDEIRA, O âmbito subjetivo da centralização das compras públicas em Portugal, in Centralização e Agregação de Compras Públicas, coord. Miguel Assis Raimundo, maio de 2019, Almedina, pp. 142 a 144), a propósito do disposto no art.º 257.º, n.º 1 do CCP (com a introdução das alterações levadas a cabo pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto) e do prescrito no art.º 33.º, n.º 2, § 2 da Diretiva 2014/24/EU e Considerando 60, veio reiterar que “esta exigência de identificação prévia das entidades adjudicantes, se, por um lado, visa evitar que o carácter fechado do acordo-quadro venha, na prática, a ser defraudado pela ausência de controlo relativamente às entidades que ali efectuam as suas aquisições, por outro lado revela-se também da maior importância para os operadores económicos, os quais, sabendo de antemão qual o leque de possíveis adquirentes das obras/bens/serviços objeto do acordo-quadro, podem, nessa conformidade, aferir do seu interesse na participação no acordo e, também, da sua capacidade para assegurar todos os contratos a que poderão vir a ser chamados a executar (…).
Por esse motivo, é fundamental perceber quando é que pode considerar-se que as entidades adjudicantes passíveis de vir a aderir ao acordo-quadro se encontram identificadas de “forma suficiente” (…)”.
Anotação similar é realizada por ANA GOUVEIA MARTINS (Os acordos quadro e os contratos celebrados ao seu abrigo: em especial, o regime da sua modificação, in Centralização e Agregação de Compras Públicas, coord. Miguel Assis Raimundo, maio de 2019, Almedina, pp. 213 e 214), que destaca, a este propósito, o teor do Considerando 60 da Diretiva 2015/24/UE e as implicações daí advenientes em termos de concreta identificação das entidades adjudicantes.
Ainda mais recentemente, PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ (ob. cit., volume II, p. 820) referiu, a propósito do recurso a centrais de compras situadas noutros Estados-Membro da União, que “não pode esquecer-se a necessidade de articulação com a mencionada exigência de estabilidade subjetiva do acordo-quadro, que impõe a prévia identificação das entidades adjudicantes beneficiárias no momento da formação desse acordo-quadro (n.º 2 do artigo 33.º da Diretiva 2014/24). (…). Isto implica que a entidade adjudicante portuguesa que queira ser beneficiária de um acordo-quadro preparado por outra central de compras deveria ser indicada como tal no seu procedimento formativo (…).”
Quer isto significar que a questão agora colocada não constitui uma novidade, como se constata pela Doutrina convocada a título exemplificativo. De resto, e pelo menos atualmente, mostra-se indiscutível e imperiosa a necessidade de materializar adequadamente o disposto no art.º 33.º, n.º 2, § 2 da Diretiva 2014/24/EU na prática juscontratual pública, consistindo a problemática em definir o que deve entender-se por “clara identificação” das entidades adjudicantes abrangidas pelo acordo-quadro, mormente no caso em que o procedimento destinado à celebração de acordos quadro é lançado por uma central de compras.
Regressando ao caso dos autos, desde já se antecipa a aplicação da exigência descrita no art.º 33.º, n.º 2, § 2 da Diretiva 2014/24/EU, uma vez que, como abundantemente se explicou em momento antecedente, o presente procedimento pré-contratual foi iniciado após ter findado o prazo para a transposição daquela Diretiva para o Direito nacional.
Deste modo, a solução para a questão posta passará, primeiramente, pela avaliação da hipótese de compatibilização do regime vertido no CCP (na versão aplicável aos autos) com a citada disposição da Diretiva através da realização de uma interpretação conforme daquele regime com a disposição normativa comunitária. Frustrando-se aquele mecanismo, impõe-se, então, a avaliação da possibilidade de extração de um efeito direto daquela norma da Diretiva, que afaste a aplicação da regulação contida no regime nacional de contratação pública.
O art.º 1.º do Caderno de Encargos identifica os contratos a celebrar ao abrigo do acordo quadro e as entidades adjudicantes da seguinte forma:
Artigo 1.º
» Definições
» Para efeitos do presente acordo quadro entende-se por:
» a) Acordo-quadro- contrato celebrado entre a ESPAP e um ou mais cocontratantes com vista a disciplinar relações contratuais futuras a estabelecer ao longo de um determinado período de tempo, mediante a fixação antecipada dos respetivos termos;
» […]
» c) Contratos- contratos a celebrar entre a ESPAP, UMC ou entidades adquirentes e os cocontratantes, nos termos do presente acordo quadro;
» d) Cocontratantes- os adjudicatários do acordo quadro e dos contratos a celebrar ao seu abrigo;
» […]
» f) Entidades adquirentes- qualquer das entidades que integram o Sistema Nacional de Compras Públicas (SNCP) como entidades compradoras vinculadas, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de fevereiro, bem como qualquer das entidades compradoras voluntárias que venha a celebrar contratos de adesão com a ESPAP, nos termos definidos no n.º 3 da mesma disposição legal, cujo objeto compreenda os serviços incluídos no presente acordo quadro;
» g) Entidades agregadoras- as entidades que representam um agrupamento de entidades adquirentes. Consideram-se entidades agregadoras as Unidades Ministeriais de Compras (UMC) com as competências definidas no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de fevereiro, e a ESPAP;
» […]
Quer isto significar que, é perante o concreto modo como foram identificadas as entidades adjudicantes dos futuros contratos a celebrar que deve ser verificada a suficiência de identificação das referenciadas, à luz do art.º 33.º, n.º 2, § 2 da Diretiva 2014/24/UE.
Vejamos, agora, como julgou o Tribunal a quo:
“(…)
2. Da omissão de identificação das entidades adquirentes
LXX. Alega ainda a autora que o procedimento padece do vício de omissão de identificação das entidades adquirentes ao abrigo de acordo-quadro, assim violando o disposto no artigo 33.º, n.º 2, § 2.º, da Diretiva n.º 2014/24/UE, que, embora não estivesse transposto para o direito interno (o que apenas viria a suceder com o novo artigo 257.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos revisto pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, que entrou em vigor a 01.01.2018), é uma disposição dotada de efeito direto nos termos da conhecida eficácia das diretivas europeias não transpostas — efeito esse que apenas depende de ter decorrido o prazo de transposição da diretiva (o que ocorreu a 18.04.2016, nos termos do artigo 90.º da Diretiva 2014/24), e de a norma que se pretende invocar ser suficientemente clara, precisa e incondicional, nos termos pacíficos da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União [v.gr. os n.os 57 e 58 do acórdão de 25-06-2015, proc. C-671/13 («Indéliø ir investicijø draudimas» VÁ), disponível em http://curia.eu.]. De todo o modo, aquela omissão de identificação das entidades que poderão utilizar o acordo quadro sempre seria violadora, em qualquer caso e ainda segundo a autora, dos princípios da concorrência e transparência (artigo 1.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos, na redação em vigor à data do lançamento do concurso, e 1.º-A, n.º 1, na redação atual).
LXXI. Vejamos: do Caderno de Encargos deste procedimento, reproduzido em 1.30) do probatório, resulta que o acordo quadro tinha por objeto a seleção de cocontratantes para o fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados em instalações próprias ou geridas pela entidade adquirente (artigo 2.º, n.º 1).
LXXII. De acordo com as noções plasmadas no artigo 1.º do Caderno de Encargos, entendia-se: i) por acordo-quadro, o «contrato celebrado entre a ESPAP e um ou mais cocontratantes com vista a disciplinar relações contratuais futuras a estabelecer ao longo de um determinado período de tempo, mediante a fixação antecipada dos respetivos termos» [alínea a)]; ii) por contratos, os «contratos a celebrar entre a ESPAP, UMC ou entidades adquirentes e os cocontratantes, nos termos do presente acordo quadro» [alínea c)]; iii) por cocontratantes, «os adjudicatários do acordo quadro e dos contratos a celebrar ao seu abrigo» [alínea d)]; iv) por entidades adquirentes, «qualquer das entidades que integram o Sistema Nacional de Compras Públicas (SNCP) como entidades compradoras vinculadas, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de fevereiro, bem como qualquer das entidades compradoras voluntárias que venha a celebrar contratos de adesão com a ESPAP, nos termos definidos no n.º 3 da mesma disposição legal, cujo objeto compreenda os serviços incluídos no presente acordo quadro» [alínea f)]; e v) por entidades agregadoras, «as entidades que representam um agrupamento de entidades adquirentes. Consideram-se entidades agregadoras as Unidades Ministeriais de Compras (UMC) com as competências definidas no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de fevereiro, e a ESPAP» [alínea g].
LXXIII. O artigo 33.º, n.º 2, 2.º parágrafo, da Diretiva n.º 2014/24/UE, relativa aos procedimentos de adjudicação de contratos públicos, estabelece, a propósito dos procedimentos de aquisição ao abrigo de acordo quadro, que «[…] só são aplicáveis entre, por um lado, as autoridades adjudicantes claramente identificadas para o efeito no convite à apresentação de propostas ou no convite à confirmação de interesse e, por outro, os operadores económicos que sejam partes no acordo-quadro, nos termos nele previstos» (sublinhados nossos). Pode ler-se, a este respeito, no Considerando 60 da Diretiva 2014/24/UE, que «[o] instrumento dos acordos-quadro tem sido amplamente utilizado e é considerado uma técnica de contratação eficiente em toda a Europa; deverá pois ser globalmente mantido na forma atual. Contudo, alguns aspetos têm de ser esclarecidos, em particular o facto de que os acordos-quadro não deverão ser utilizados pelas autoridades adjudicantes que não estejam neles identificadas. Para esse efeito, as autoridades adjudicantes que sejam partes num acordo-quadro específico desde o início deverão ser claramente indicadas pelo nome ou por outros meios, tais como uma referência a dada categoria de autoridades adjudicantes numa zona geográfica claramente delimitada, de modo a que as autoridades adjudicantes em causa possam ser fácil e inequivocamente identificadas».
LXXIV. Da disposição aludida decorre, pois, a obrigação, para as entidades que conduzem um procedimento que leva à celebração do acordo quadro, de procederem, nas peças do procedimento, àquela identificação clara das entidades adjudicantes que poderão vir a utilizar o acordo quadro.
LXXV. Não o negamos: trata-se de uma disposição inovadora, porquanto não constava da Diretiva n.º 2004/18/CE, nem do Código dos Contratos Públicos. À data do lançamento do concurso, apesar de já ter terminado, em abril de 2016, o prazo para a transposição, ainda não estava em vigor o diploma legal (Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto) que transpôs a Diretiva n.º 2014/24/UE.
LXXVI. Será esta uma vicissitude decisiva, no sentido de apartar a aplicação da força cogente daquela disposição, do procedimento sub judicio? Julgamos que não.
LXXVII. O artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa estabelece hodiernamente que «[a]s disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático».
LXXVIII. Também por força desta expressa previsão constitucional, a relação entre o direito nacional da República Portuguesa, enquanto Estado membro da União Europeia, e o direito comunitário é dominada e informada por dois princípios fundamentais: o princípio do primado do direito comunitário; e o princípio da aplicabilidade direta (ou imediatividade) do direito comunitário.
LXXIX. Quanto ao primeiro, deve reconhecer-se que, tendo o primado como consequência a inaplicabilidade das normas nacionais contrárias ao direito comunitário, as autoridades e as jurisdições nacionais devem abster-se de reconhecer a eficácia do direito nacional incompatível com o direito comunitário e de o aplicar.
LXXX. Por seu turno, de acordo com o princípio da aplicabilidade direta, o direito da União Europeia, seja originário, seja derivado, é apto a vigorar diretamente na ordem jurídica interna dos diversos Estados-membros. Como tal, é suscetível de aplicação direta por todos os seus órgãos decisórios (administrativos ou jurisdicionais).
LXXXI. Apesar desse princípio de aplicabilidade direta, e com relevância para a economia da presente decisão, importa ter presente que, no seio do direito comunitário, há instrumentos dotados de diversas características, natureza e força cogente. Para o que agora interessa apurar, as diretivas comunitárias contêm normas dirigidas, não aos sujeitos das relações jurídicas nelas reguladas, nem aos tribunais a quem compete torná-las efetiva, mas sim aos Estados-membros, tendo em vista a harmonização ou até uniformização interna das diversas legislações na matéria a que respeitem por via da respetiva transposição. As diretivas apenas vinculam os Estados-membros quanto ao resultado a alcançar, deixando às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios de o alcançarem. Daí que, à partida, seja próprio do regime das diretivas, ao contrário do que sucede com os regulamentos comunitários, a necessidade de serem complementadas com uma concreta medida estatal que lhe dê execução, transpondo-a para o direito interno, sendo esse ato interno de transposição que constitui a fonte jurídica internamente vinculativa sobre a matéria em causa.
LXXXII. Porém, sem que se possa negar pertinência e acerto a estas proposições, daí não resulta que as disposições constantes das diretivas não se apliquem direta e imediatamente aos procedimentos adjudicatórios das entidades portuguesas, ou que as autoridades administrativas ou judiciais não se encontrem habilitadas (ou até mesmo obrigadas), nesses procedimentos adjudicatórios ou nos processos judiciais com eles conexos, a reconhecer direitos aos particulares com base nas próprias diretivas. Com efeito, seguindo aqui de perto a exposição da doutrina da especialidade (ESTEVES DE OLIVEIRA & ESTEVES DE OLIVEIRA, 2016: 63 e passim), a aplicação dos princípios da ordem jurídica comunitária às diretivas cedo levou a que se reconhecesse às diretivas, pelas mãos do Tribunal de Justiça da União Europeia, efeitos jurídicos e normativos, cada vez mais fundos e intensos, no seio do ordenamento internos dos Estados-membros. Essa jurisprudência comunitária, paulatinamente firmada, constitui já um verdadeiro código normativo da União Europeia, pelo qual se rejeita o mencionado pressuposto da ineficácia normativa interna das diretivas comunitárias não transpostas.
LXXXIII. O ponto de partida para a sedimentação jurisprudencial do efeito direito positivo das diretivas pode ser encontrado no seminal acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 05.02.1936 (processo n.º 26/62, caso Van Gend en Loos vs. Administração Fiscal neerlandesa), no qual se se aflorou pela primeira vez a construção jurisprudencial do efeito direito vertical das diretivas comunitárias. Segundo esta construção jurisprudencial, aquelas normas de direito derivado comunitário são suscetíveis de serem invocadas enquanto tais pelos particulares, como fonte de poderes ou direitos e de posições jurídicas subjetivas nas suas relações com autoridades públicas e também com terceiros. Assim, podem os particulares prevalecer-se desses direitos e invocá-los diretamente perante jurisdições nacionais e europeias.
LXXXIV. Esta construção viria a sedimentar-se decisivamente a partir do acórdão de 04.12.1974 (processo n.º 41/74, caso Van Duyn vs. Home Office do reino Unido), no qual se consagrou em definitivo a possibilidade de os particulares poderem invocar as disposições de diretivas na defesa dos seus interesses contra as autoridades públicas, sempre que se constatasse preencherem elas os requisitos da precisão e da incondicionalidade normativas. Esta jurisprudência viria a ser entretanto reiterada e confirmada pelos acórdãos de 05.04.1979 (processo n.º 148/78, caso Ratti), 19.01.1982 (processo n.º 8/81, caso Becker), 10.02.1982 (processo n.º 76/81, caso Transporoute), 26.02.1986 (processo n.º 152/84, caso Marshall) e 20.09.1988 (processo n.º 31/87, caso Bentjees), todos acessíveis online in https://curia.europa.eu.
LXXXV. Dados estes passos decisivos, pressupondo-se que já transcorreu o prazo de transposição para o direito interno, deve reconhecer-se às normas de diretivas comunitárias, mesmo que não transpostas, efeito direito, conquanto as respetivas disposições preenchessem os mencionados requisitos de previsão e incondicionalidade normativas.
LXXXVI. Uma disposição das diretivas será precisa se os seus termos resultarem claramente do preceito, se não forem vagos nem demasiado genéricos ou ambíguos, sendo possível delimitar com segurança os elementos da sua previsão e o conteúdo da sua estatuição. Preencherá portanto o requisito da precisão qualquer norma que imponha deveres ou atribua direitos de forma suficientemente clara e completa, bastando-se a sis própria.
LXXXVII. Por sua vez, essa disposição de diretiva será incondicional quando não esteja sujeita a nenhum prazo, nenhuma condição ou reserva, ou quando tal condição ou reserva já se tenham verificado.
LXXXVIII. De regresso ao caso dos autos, julgamos que a disposição em causa é inequívoca, suficientemente precisa e incondicional. É, desde logo, bem patente o seu propósito principal: permitir aos agentes económicos, quando participam num procedimento tendente à celebração de um acordo quadro, terem um horizonte de previsibilidade quanto às entidades que podem vir a utilizar esse acordo quadro. Esse horizonte de previsibilidade é fundamental para que os agentes económicos possam decidir se têm interesse em contratar, e também para decidirem que condições propor para o acordo quadro.
LXXXIX. Pois bem, sobre este tema, o Caderno de Encargos é omisso. Designadamente, o que consta do artigo 2.º, n.º 4, do Caderno de Encargos, ao aludir sucintamente que «[o] acordo quadro disciplina as relações contratuais futuras a estabelecer entre os cocontratantes e a ESPAP, UMC, entidades adquirentes vinculadas e voluntárias», é manifestamente insuficiente para cumprir o dever exigido pela Diretiva, o qual, recorde-se, pressupõe que as autoridades adjudicantes estejam claramente identificadas logo ab initio.
XC. Do mesmo modo, não podemos julgar procedentes os argumentos invocados pelo júri do concurso, na sua ata de 07.09.2017, no âmbito da resposta a erros e omissões, a uma questão colocada pela ora autora [cf. ponto 1.35) do probatório] e reproduzidos, no essencial, na contestação da entidade demandada nos presentes autos. Aí se ensaiou um argumentário visando afastar o efeito direto da Diretiva 2014/24/UE, invocado pela demandante na lista de erros e omissões, fazendo a entidade demandada assentar esse argumentário em duas ideias essenciais: a primeira era a de que a identificação das entidades que poderão vir a ser entidades adquirentes resulta da combinação de diversos elementos, em particular da lei; a segunda era a de que Diretiva apenas exigiria a indicação das entidades que podem utilizar o acordo quadro nos procedimentos a celebrar após a celebração do acordo quadro (os vulgarmente designados “call-offs”). Detenhamo-nos um pouco ante cada um dos argumentos.
XCI. O primeiro argumento da entidade demandada não procede, porquanto o dever imposto pela Diretiva não se satisfaz nem se observa com uma alusão, conclusiva e genérica, a todas as entidades administrativas que podem vir a ser adquirentes no âmbito do acordo quadro. Se assim fosse, compaginar-se-ia com uma norma inútil. A ratio daquela norma, compaginada com o considerando 60 e o escopo aí bem patentes, apenas se satisfaz com um mínimo de indicação aos potenciais candidatos, algo que lhes permita aferir a real dimensão do universo para o qual terão de prestar serviços. Impõe-se, portanto, uma indicação específica, tão individualizada e rigorosa quanto for possível no momento em que o procedimento para a celebração do acordo quadro é lançado, sobre que categorias de entidades estão em causa, qual o seu número, ainda que aproximado, e quais as áreas geográficas em que intervêm. No mínimo, isso implicaria descrever nas peças do novo concurso o número, as categorias e a distribuição territorial das entidades que utilizavam o acordo quadro anterior, que o novo concurso vem substituir — sendo esta uma informação que a entidade adjudicante tem ou tem obrigação de ter, atento o facto de ter gerido esse acordo quadro até 2016, e que não pode ser dispensada para que os interessados possam formar adequadamente a sua vontade de se candidatar ao concurso.
XCII. O segundo argumento também é improcedente. Se a norma visa garantir as condições de concorrência na celebração do acordo quadro, assegurando que os interessados em contratar formam adequadamente a sua vontade de concorrer ou não concorrer ao acordo quadro, não se pode aceitar que se satisfaz com uma indicação das entidades que podem utilizar o acordo quadro nos procedimentos a celebrar após a celebração do acordo quadro (os vulgarmente designados “call-offs”). À luz dos princípios da concorrência e da transparência, torna-se mister, também nos termos da Diretiva 2014/24/UE, que seja esclarecido, de forma inequívoca e logo no procedimento que leva à celebração do acordo quadro, quais as entidades que futuramente o poderão utilizar. Só essa identificação garante e assegura a observância do princípio da concorrência. De outra forma, a identificação dessas entidades a posteriori (apenas quando já tenham sido selecionados os contraentes do acordo quadro, quando depois já mais nenhum contraente privado pode juntar-se ao acordo quadro) postergaria as exigências de transparência.
XCIII. Neste conspecto, a norma só é eficaz se for colocada no momento inicial, do lançamento do procedimento que leva à celebração do acordo quadro. A este respeito é claro o considerando 60 da Diretiva 2014/24/UE, ao dizer que é desde o início que devem estar indicadas as entidades adjudicantes que poderão utilizar o acordo quadro.
XCIV. Nesse mesmo sentido depõe o princípio da transparência, que impõe que todos os elementos relevantes para a análise e avaliação das propostas sejam levados ao conhecimento dos interessados em participar no procedimento pré-contratual, para que estes possam, num primeiro momento, decidir participar (ou não participar) no procedimento, e, decidindo-se pela participação, para que possam elaborar as suas propostas em condições de igualdade – em condições que permitam, em particular, a efetiva comparabilidade dessas propostas. Não podendo deixar de considerar-se que saber quem pode vir a comprar ao abrigo do acordo quadro é uma condição essencial para a decisão de apresentar candidatura, e para a elaboração da proposta: os preços a apresentar necessariamente dependerão da expectativa que os interessados quanto às características do universo para que vão prestar serviços.
XCV. Hoc sensu, vide, na doutrina, GONÇALVES (2015: 147) e, na jurisprudência, inter alia, os n.os 35 e 36 do acórdão do Tribunal de Justiça de 02.06.2016 (processo C-27/15, caso Pippo Pizzo), ou, entre nós, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 19.03.2013 no processo que aí correu termos sob o n.º 587/12.
XCVI. Verifica-se, assim, e desde logo, que as peças do procedimento são ilegais, e como tal, inválidas, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 2, 2.º parágrafo, da Diretiva 2014/24/UE, que, embora não estivesse transposto para o direito interno (o que apenas viria a suceder com o novo artigo 257.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos revisto pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, que entrou em vigor a 01.01.2018), é uma disposição dotada de efeito direto nos termos da conhecida eficácia das diretivas europeias não transpostas. Efeito esse que apenas depende de ter decorrido o prazo de transposição da diretiva (o que ocorreu a 18.04.2016, nos termos do artigo 90.º da Diretiva 2014/24/EU), e de a norma que se pretende invocar ser suficientemente clara, precisa e incondicional, nos termos pacíficos da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União – veja-se, por mais recente, os n.os 57 e 58 do acórdão de 25.06.2015 (proc. C-671/13, caso «Indëliø ir investicijø draudimas» VÁ), disponível em http://curia.e.
XCVII. Sempre se refira, adicionalmente, que ainda que assim não se entendesse, aquela omissão de identificação das entidades que poderão utilizar o acordo quadro seria violadora, em qualquer caso, dos princípios da concorrência e transparência (artigo 1.º, n.º 4, do CCP, na redação em vigor à data do lançamento do concurso), dos quais aquela norma mais não é do que um corolário.
XCVIII. Importa aqui ter presente que, de acordo como disposto no artigo 251.º do Código dos Contratos Públicos, «[a]cordo quadro é o contrato celebrado entre uma ou várias entidades adjudicantes e uma ou mais entidades, com vista a disciplinar relações contratuais futuras a estabelecer ao longo de um determinado período de tempo, mediante a fixação antecipada dos respetivos termos». Este preceito visou aqui fazer a transposição do artigo 1.º, n.º 5, da Diretiva n.º 2004/18/CE, de 31 de março, que definia acordo quadro como «[…] um acordo entre uma ou mais entidades adjudicantes e um ou mais operadores económicos, que tem por objeto fixar os termos dos contratos a celebrar durante um determinado período de tempo [...]». Nota-se aqui uma diferença terminológico-conceptual utilizada pelos legisladores comunitário e português, visto que a diretiva comunitária não pretendeu declaradamente utilizar a expressão «contrato» para a figura dos acordos quadros, entendendo reservar aquela expressão apenas para os contratos ditos tradicionais (empreitadas, concessões, aquisições de bens e serviços).
XCIX. Precisamente atenta a redação do preceito comunitário, uma questão que se pode colocar consiste em saber se um acordo quadro constitui efetivamente um contrato, como definido no mencionado artigo 251.º do Código dos Contratos Públicos. Esta questão tem sido discutida na doutrina estrangeira, tendo alguns autores defendido que o acordo quadro constitui um programa de contratos, e não um contrato tradicional (MORBIDELLI & ZOPPOLATO, 2007: 282, apud VIANA, 2009: 14, nota 15), enquanto outros entendem que o acordo quadro não deve ser considerado um instrumento contratual, mas sim um procedimento précontratual ao abrigo do qual serão celebrados contratos (MAÑAS & CORCHETE, 1997: 113, apud VIANA, 2009: 14, nota 16).
C. A resposta mais adequada a esta questão é a que aparta do acordo quadro a natureza de procedimento pré-contratual e lhe atribui outrossim a natureza de um verdadeiro instrumento contratual a se, ainda que sui generis.
(…)
CXII. Tendo estes esclarecimentos em vista, facilmente se percebe que o acordo quadro não constitui seguramente um procedimento précontratual. Na verdade, a celebração de um acordo quadro ocorre após a realização de um procedimento précontratual, mas não se confunde com ele; ao invés, é o resultado da realização desse procedimento. Simultaneamente, o acordo quadro estará na génese potencial de outros procedimentos pré-contratuais, promovidos pelas entidades adjudicantes com vista a celebrar contratos ao abrigo desse acordo quadro; mas também aí o acordo quadro não se confunde com esses procedimentos adjudicatórios. De notar, porém, que o procedimento pré-contratual adotado para a celebração do acordo-quadro é «[…] dotado de especificidades e que projeta a sua eficácia não apenas em relação ao acordo quadro, como ainda em relação aos contratos celebrados ao abrigo daquele, sem prejuízo de estes últimos (também) serem precedidos de formalidades procedimentais précontratuais próprias e específicas […]» (VIANA, 2009: 14 e 15).
CXIII. Não sendo um procedimento pré-contratual, «[d]úvidas não existem que o acordo quadro constitui um instrumento contratual, ainda que sui generis, consubstanciado numa estrutura ou “chapéu” ao abrigo do qual serão celebrados os contratos individuais. É, aliás, visível a existência de uma unidade entre os contratos individuais, sendo que é esta unidade que justifica o recurso ao acordo quadro […]» (idem, ibidem: 15).
CXIV. «Acresce que – e esta é outra nota diferenciadora – a celebração do acordo quadro não implica necessariamente a celebração dos contratos ditos individuais. Como se prevê no n.º 2 do art. 255.º, as entidades adjudicantes não são obrigadas a celebrar estes contratos, salvo disposição em contrário constante do caderno de encargos relativo ao acordo quadro. O mesmo não sucede em relação aos operadores económicos, que ficam vinculados a celebrar os contratos nas condições previstas no acordo quadro e sempre que a entidade adjudicante o requeira. Daqui decorre que o regimeregra do acordo quadro não tem carácter sinalagmático, já que só a parte cocontratante é que fica vinculada a celebrar os contratos individuais […]» (idem, ibidem: 15).
(…)
CXIX. Tratandose, ao invés, de acordo quadro com vários operadores económicos, como no caso dos autos, a celebração dos contratos individuais obriga, nos termos previstos no artigo 259.º, a que seja desencadeado um procedimento précontratual específico e de natureza concorrencial, que se inicia com um convite a todos os cocontratantes do acordo quadro para apresentarem proposta, no prazo fixado pela entidade adjudicante, e completarem os termos não fixados ou responderem aos aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência pelo caderno de encargos do acordo quadro. Se as prestações objeto do acordo quadro estiverem divididas por lotes, serão apenas convidados os operadores económicos selecionados para aqueles lotes.
CXX. A este respeito, importa sublinhar que o artigo 260.º do Código dos Contratos Públicos, numa linha de continuidade com as Diretivas de 2004, prevê que as entidades adjudicantes do setor administrativo tradicional e os organismos de direito público, independentemente do setor a que pertençam, possam constituir centrais de compras destinadas a centralizar a contratação de empreitadas de obras públicas, de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços. Notese que, quer o Código dos Contratos Públicos, quer as diretivas comunitárias, admitem em termos amplos a criação de centrais de compras. A constituição, estrutura orgânica e funcionamento das centrais de compras regese pelo DecretoLei n.º 200/2008, de 9 de outubro, devendo ainda ser tido em conta que o Sistema Nacional de Compras Públicas (que integra a Agência Nacional de Compras Públicas, EPE e as Unidades Ministeriais de Compras como centrais de compras do Estado) está regulado pelo DecretoLei n.º 37/2007, de 19 de fevereiro. Entre outras funções, e para o que nos interessa, as centrais de compras podem celebrar acordos quadro, designados contratos públicos de aprovisionamento, que tenham por objeto a posterior celebração de contratos de empreitada de obras públicas ou de locação ou aquisição de bens móveis ou de aquisição de serviços. A criação de uma central de compras determina que ficam abrangidas pela contratação centralizada as entidades previstas no diploma da sua criação.
CXXI. «Pois bem, a identificação das partes no acordo quadro é especialmente importante quando este é promovido por uma central de compras, que age como intermediária. Neste caso, e dada a natureza fechada do acordo quadro, as peças do procedimento deverão indicar as entidades adjudicantes que podem celebrar contratos individuais ao abrigo do acordo quadro. Acresce que este documento deve permitir identificar a data a partir da qual aquelas entidades adquiriram este direito. Esta disposição compreendese e justificase, quer pela já referida natureza fechada do acordo quadro, quer pela necessidade de dar aos operadores económicos todas as informações pertinentes de modo a que possam aferir do seu interesse em concorrer, pois será, sem dúvida, diferente, apresentar uma proposta para a previsível celebração de contratos com 10, 100 ou 1000 entidades» (VIANA, 2009: 21).
CXXII. Esta necessidade de identificação das partes do acordo quadro (que se faz sentir com particular premência no caso de acordos quadro celebrados por centrais de compras, nos termos estabelecidos adrede) é particularmente relevante. Com efeito, só as partes de um acordo quadro podem celebrar contratos ao abrigo desse acordo (artigo 257.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos). Aqui repousa a eficácia vinculativa do acordo quadro, na sua vertente subjetiva.
CXXIII. E se assim era antes de 2014, a fortiori se tem de julgar à luz da Diretiva 2014/24/UE. «Como bem se vê, esta identificação prévia das entidades adjudicantes destina-se, em primeira linha, a circunscrever o elenco das entidades que podem recorrer ao acordo-quadro e a evitar que o seu caráter fechado venha, na prática, a ser defraudado pela ausência de controlo relativamente às entidades que efetuam as suas aquisições ao abrigo daquele acordo [sendo bem patente que a preocupação da Diretiva é a de, no mínimo, garantir] que tais entidades [adquirentes] apenas podem adquirir obras/bens/serviços ao abrigo de um acordo-quadro posteriormente à sua adesão […]» (CALDEIRA, 2016: 150 e 151).
CXXIV. Aqui chegados e atentos todos os considerandos que antecedem, julgamos que o procedimento padece do vício apontado nesta sede pela autora. Na verdade, o Caderno de Encargos omitiu a identificação das entidades adquirentes ao abrigo de acordo-quadro, assim violando o disposto no artigo 33.º, n.º 2, § 2.º, da Diretiva n.º 2014/24/UE, que, embora não estivesse transposto para o direito interno (o que apenas viria a suceder com o novo artigo 257.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos revisto pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, que entrou em vigor a 01.01.2018), é uma disposição dotada de efeito direto nos termos da conhecida eficácia das diretivas europeias não transpostas — efeito esse que apenas depende de ter decorrido o prazo de transposição da diretiva (o que ocorreu a 18.04.2016, nos termos do artigo 90.º da Diretiva 2014/24), e de a norma que se pretende invocar ser suficientemente clara, precisa e incondicional, nos termos pacíficos da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União [v.gr. os n.os 57 e 58 do acórdão de 25-06-2015, proc. C-671/13 («Indéliø ir investicijø draudimas» VÁ), disponível em http://curia.eu].
CXXV. Na certeza, porém, de que tal exigência já se poderia considerar vigente entre nós, independentemente do teor da Diretiva 2014/24/EU, seja por força dos princípios da concorrência e transparência (artigo 1.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos, na redação em vigor à data do lançamento do concurso, e 1.º-A, n.º 1, na redação atual), seja por força da eficácia vinculativa subjetiva de um acordo-quadro com diversos operadores, nos termos dos artigos 257.º, n.º 1, 259.º e 260.º do Código dos Contratos Públicos na redação vigente à data do lançamento do procedimento sub judicio.
CXXVI. Procede, por conseguinte, a pretensão da autora também neste ponto.
(…)
Perscrutando o decidido pela Instância recorrida, facilmente se apreende que o CCP na versão aplicável aos autos não inclui nenhuma disposição expressa que acate ditame similar ao cristalizado no art.º 33.º, n.º 2, § 2 da Diretiva 2014/24/EU, no sentido concretizado pelo Considerando 60, muito embora tal exigência encontre arrimo nos princípios da concorrência e da transparência, plasmados no art.º 1.º, n.º 4 do CCP. Em concomitância, avança a decisão agora sob recurso que a eficácia vinculativa subjetiva típica de um acordo quadro, subjacente ao regime descrito nos art.ºs 257.º, n.º 1, 259.º e 260.º do CCP, imprime a exigência de adequada e clara identificação das entidades adjudicantes que, ao abrigo do acordo quadro celebrado pela Recorrente, virão a adjudicar contratos.
Quer isto significar, então, que basta o recurso à interpretação conforme do Direito nacional com o que se encontra legislado no Direito da União para alcançar uma solução para a problemática ora em tratamento. Com efeito, ponderando e acolhendo o objetivo subjacente à norma do art.º 33.º, n.º 2, § 2 da Diretiva 2014/24/EU, ao fim e ao cabo resulta perfeitamente defensável a identificação clara e adequada das entidades adjudicantes em face do positivado nos art.ºs 1.º, n.º 4, 257.º, n.º 1, 259.º e 260.º do CCP, na versão em vigência na data em que se iniciou o presente procedimento pré-contratual.
E, se assim é, não se apresenta indispensável a convocação do efeito direto atinente à disposição contida no art.º 33.º, n.º 2, § 2 da Diretiva 2014/24/EU.
Seja como for- e para que fique claro-, entendemos ser perfeitamente defensável a produção de efeito direto por banda da norma ínsita no aludido art.º 33.º, n.º 2, § 2 da Diretiva 2014/24/UE, visto que o sentido de tal prescrição apresenta-se inequívoco e incondicional, bem como claro e preciso. Por conseguinte, nada obstava a que a Recorrida fizesse valer o efeito direto vertical daquela norma, invocando-a contra o Estado relapso por forma a daí retirar o efeito útil que o Direito da União pretendeu assegurar com a positivação daquela concreta disposição legal.
Simplesmente, a nosso ver, a invocação de tal efeito direto não assoma como imprescindível na defesa dos direitos da Recorrida, uma vez que pela via da interpretação conforme dos art.ºs 1.º, n.º 4, 257.º, n.º 1, 259.º e 260.º do CCP (na versão em vigor à data do início do procedimento) logra-se obter o mesmo resultado.
De toda a maneira, independentemente do iter percorrido, o resultado é sempre o mesmo: subsiste um dever- neste caso, da Recorrente- de, nas peças do procedimento, proceder à adequada e clara identificação das entidades adjudicantes que, potencialmente, adjudicarão contratos ao abrigo do acordo quadro a que respeita o vertente procedimento pré-contratual.
E não se diga que a construção de tal asserção deveria ser precedida de reenvio prejudicial, pois que, consonantemente com o art.º 267.º do TFUE, o uso deste mecanismo está reservado aos casos em que a validade e/ou interpretação do Direito da União configura uma tarefa nebulosa para o tribunal do Estado-Membro, revelando-se, por isso, necessária a intervenção do órgão jurisdicional máximo da União. Ora, o caso subjudice não ergueu dificuldades ou dúvidas de monta, justificativas da formulação de um juízo de necessidade quanto à intervenção prejudicial do TJUE. Pelo contrário. O percurso lógico trilhado pelo Tribunal para dissolução da querela agora em apreciação mostrou-se, de certo modo, linear e inelutável.
Numa última nota quanto ao modo como, no art.º 1.º, al.s e), f) e g) do Caderno de Encargos, estão descritas as entidades potencialmente adjudicantes de contratos ao abrigo do acordo quadro, cumpre esclarecer que, ainda que se possa admitir outras formas de identificação que não a apresentação do elenco das entidades vinculadas à central de compras Recorrente, a verdade é que não pode aceitar-se que tal dever fique cumprido com uma alusão displicente a um conjunto de diplomas legais que regulam a atividade e atuação da Recorrente. Realmente, consultada a legislação referenciada pela Recorrente no dito art.º 1.º do Caderno de Encargos, verifica-se que, em lado algum consta o elenco das entidades públicas vinculadas, facto que não é despiciente atenta a miríade e pulverização de entidades públicas vinculadas, o que cria significativos obstáculos a uma identificação realista e adequada do universo potencial de adjudicantes no caso de um acordo quadro celebrado por uma central de compras com a envergadura da Recorrente.
Ademais, subsistindo, por exemplo, um cadastro com a identificação das entidades que voluntariamente acederam à central de compras, impunha-se que, nas peças do procedimento, fosse identificado esse cadastro ou, pelo menos, a remissão ou informação sobre a possibilidade e modo de consulta do mesmo.
Em suma, não podemos deixar de acompanhar o julgado pela Instância a quo, muito embora não se acolha inteiramente a fundamentação que o estriba, pelas razões que, oportunamente, foram enumeradas.
Destarte, a sentença recorrida não merece o ataque que a Recorrente lhe dirige nesta matéria, o que vota ao fracasso o alegado pela Recorrente nas conclusões L) a O) do seu recurso.


4. Finalmente, a Recorrente impetra a sentença ainda quanto ao julgamento que a mesma realizou no que se refere à validade do art.º 13.º do Caderno de Encargos. Sufraga, em suma, que o entendimento do Tribunal é revelador de uma errada compreensão do princípio da autonomia contratual que assiste às partes e que, no caso versado, é reforçado pelo princípio da prossecução do interesse público.
Ora, o art.º 13.º do Caderno de Encargos rezava o seguinte:
Suspensão do acordo quadro
1- Por motivos de interesse público a ESPAP pode suspender total ou parcialmente a execução do acordo quadro.
2- A suspensão produz os seus efeitos a contar do dia seguinte ao da notificação dos cocontratantes no acordo quadro, salvo se da referida notificação constar data posterior, e é efetuada através de carta registada com aviso de receção.
3- A ESPAP pode, a qualquer momento, levantar a suspensão da execução do acordo quadro.
4- Os cocontratantes não podem reclamar ou exigir qualquer compensação ou indemnização com base na suspensão total ou parcial do acordo quadro.
5- A suspensão do acordo quadro não determina a suspensão ou revogação dos procedimentos já lançados ao abrigo do mesmo, nem tem qualquer impacto nos contratos em execução.
O Tribunal recorrido entendeu que a causa de suspensão subjacente àquele art.º 13.º não tinha correspondência com a suspensão prevista no art.º 297.º, nem como o regime estabelecido no art.º 298.º, ambos do CCP, sendo certo que não pode ser postergado, por um lado, o caráter taxativo da enumeração dos fundamentos de suspensão do contrato no art.º 297.º do CCP e, por outro lado, o princípio do equilíbrio entre as prestações das partes, o que conduz ao direito à reposição do equilíbrio financeiro em caso de modificação unilateral do contrato pelo contraente público e ao reconhecimento do direito à justa indemnização dos prejuízos causados pela resolução do contrato com o fundamento em interesse público.
Por conseguinte, o Tribunal recorrido alcançou a convicção de que o clausulado no art.º 13.º do Caderno de Encargos afrontava gravemente o princípio da proporcionalidade, bem como o direito à justa indemnização pelos prejuízos causados, seja pela suspensão, seja pela resolução do contrato.
O Discurso fundamentador assumido foi o seguinte:
“(…)
CXXVII. Por último, alega a autora que o artigo 13.º do Caderno de Encargos é ilegal, seja por prever uma causa de suspensão do acordo quadro que não encontra correspondência nas causas legais de suspensão do contrato previstas no regime do Código dos Contratos Públicos (artigos 297.º e 298.º), seja por violar de forma nítida os parâmetros legais definidos para a autonomia pública contratual, pelo seu impacto na execução do contrato, pela discricionariedade que deixa à entidade demandada e pela previsão da inexistência de qualquer compensação ou indemnização.
CXXVIII. Recuperando o teor do artigo 13.º do Caderno de Encargos, subordinado à epígrafe «Suspensão do acordo-quadro», reproduzido em 1.30) do probatório, temos que aí se estabelece que, «[p]or motivos de interesse público a ESPAP pode suspender total ou parcialmente a execução do acordo quadro» (n.º 1), produzindo essa suspensão efeitos «[…] a contar do dia seguinte ao da notificação dos cocontratantes no acordo quadro, salvo se da referida notificação constar data posterior, e é efetuada através de carta registada com aviso de receção» (n.º 2). Mais se estabelece que «[a] ESPAP pode, a qualquer momento, levantar a suspensão da execução do acordo quadro» (n.º 3), que «[o]s cocontratantes não podem reclamar ou exigir qualquer compensação ou indemnização com base na suspensão total ou parcial do acordo quadro» (n.º 4) e que «[a] suspensão do acordo quadro não determina a suspensão ou revogação dos procedimentos já lançados ao abrigo do mesmo, nem tem qualquer impacto nos contratos em execução […]» (n.º 5).
CXXIX. O primeiro ponto que importa deixar estabelecido é que esta é uma causa de suspensão do acordo quadro que não encontra correspondência nas causas legais de suspensão do contrato previstas no regime do Código dos Contratos Públicos (ao contrário do artigo 12.º do Caderno de Encargos, que pode subsumir-se na alínea b) do artigo 297.º do Código dos Contratos Públicos).
CXXX. Na verdade, o artigo 297.º do Código dos Contratos Públicos, igualmente subordinado à epígrafe «Suspensão da execução», limita-se a estabelecer que «[a] execução das prestações que constituem o objeto do contrato pode ser, total ou parcialmente, suspensa com os seguintes fundamentos: a) [a] impossibilidade temporária de cumprimento do contrato, designadamente em virtude de mora do contraente público na entrega ou na disponibilização de meios ou bens necessários à respetiva execução; ou b) [a] exceção de não cumprimento».
CXXXI. Ora, atenta a forma como está redigida aquela norma, é seguro asseverar que os fundamentos que podem determinar a suspensão do contrato estão arrolados naquela previsão legal num elenco imperativo, fechado, típico e exaustivo. Se assim não fosse, se fosse intenção do legislador abrir o elenco, teria consagrado uma outra fórmula que permitisse divisar o reconhecimento de alguma discricionariedade por parte da autoridade pública, através da inclusão no proémio de expressões como «entre outras» ou do advérbio de modo «designadamente» (que, como é consabido, quando é aposto em textos legais prévio ao arrolamento de vicissitudes normativas dispostas em alíneas, sugere o caráter aberto ou meramente exemplificativo desse elenco). Esta asserção é, de resto, reforçada pela constatação de que o Código dos Contratos Públicos, a propósito dos poderes de conformação unilateral casuística pela autoridade pública em sede de execução do contrato (cf. artigo 302.º), não inclui a previsão da suspensão, que assim fica circunscrita àquela previsão do artigo 297.º do mesmo diploma.
CXXXII. Significa isto que, face ao teor do elemento literal do proémio do artigo 297.º do Código dos Contratos Públicos, nos termos estabelecidos adrede, se deverá considerar a enumeração constante daquele preceito como sendo taxativa. Por conseguinte, o contraente público apenas poderá determinar a suspensão do contrato quando se verifique: i) a impossibilidade temporária do seu cumprimento; ou ii) a exceção de não cumprimento. Como a suspensão por “motivos de interesse público” não se enquadra em nenhuma das referidas situações, não pode ser considerada causa justificativa de uma vicissitude suspensiva da execução contratual. Logo, tal previsão é ilegal por ser desprovida de toda e qualquer habilitação legal.
CXXXIII. De resto, isso mesmo chegou a ser aventado pela concorrente Eurest a 08.08.2017, no seu instrumento com solicitação de esclarecimentos e retificações [cf. ponto 1.32) dos factos provados].
CXXXIV. Sempre se diga que, mesmo que se prefigurasse a admissibilidade de discricionariedade às autoridades administrativas no estabelecimento de causas de suspensão do contrato (que não é o caso, como vimos, posto que este tribunal já deixou estabelecido o caráter fechado e exaustivo dos fundamentos de suspensão), ainda assim a previsão constante do artigo 13.º do Caderno de Encargos não seria admissível. Esclareçamos esta asserção.
CXXXV. Não o negamos: a exorbitância de certos poderes da Administração Pública contraente mostra-se coerente com a natureza administrativa da gestão de contratos públicos. É o que se passa com o ordenamento português, em que a lei entrega ao contraente público um conjunto extenso de poderes ou prerrogativas de autoridade, no âmbito dos designados poderes de conformação contratual (artigo 302.º do Código dos Contratos Públicos). A exorbitância dos poderes públicos é justificada no âmbito do regime substantivo dos contratos administrativos pela realização do interesse público, numa dupla dimensão: por um lado, o interesse de atualização do contrato (que pressupõe um regime que assegure permanentemente a adequação do contrato que vincula um poder público às exigências de cada momento); por outro lado, o interesse em assegurar o cumprimento do contrato (que reclama uma reação oportuna e eficaz do contraente público face ao eventual incumprimento ou ameaça de incumprimento pelo contraente privado). É assim que a realização dessa dupla dimensão determina a construção de um regime da relação contratual administrativa marcado pela desigualdade entre as partes, pressupondo encontrar-se uma delas em posição de supremacia e de, nessa medida, poder impor autoritariamente certos tipos de modificação do contrato, determinar a resolução do contrato e até dispor de poderes de direção, de fiscalização e de aplicação de sanções contratuais.
CXXXVI. No entanto, e isso é que importa reter, o Código dos Contratos Públicos «[…] resguardou adequadamente o princípio do equilíbrio entre as partes, apesar da concessão/reconhecimento de determinadas prerrogativas à Administração, justificadas pelo interesse público que o contrato prossegue […] tendo nesse objetivo o seu fundamento mas também o seu limite […]» (AMADO GOMES, 2008: 565). De tal sorte que «[…] o regime substantivo dos contratos administrativos [estrutura-se] em torno de uma ideia principal de equilíbrio: um equilíbrio ponderado entre, de um lado, a finalidade principal da prossecução do interesse público e, do outro lado, a garantia dos interesses do cocontratante, no contexto comum de um consenso constitutivo, característico da figura contratual […]» (VIEIRA DE ANDRADE, 2010: 14).
CXXXVII. Esse equilíbrio surge definido no Código dos Contratos Públicos de diversas formas.
CXXXVIII. Por um lado, acentuam-se as garantias dos interesses do cocontratante particular, «[…] excedendo a tradicional “cláusula de remuneração” […]» (idem, ibidem), seja pelo direito à reposição do equilíbrio financeiro em caso de modificação unilateral do contrato pela Administração (quer se funde em razões de interesse público, quer se funde na alteração anormal e imprevisível das circunstâncias — cf. artigo 314.º do Código dos Contratos Públicos), seja pelo reconhecimento do direito à justa indemnização dos prejuízos causados pela resolução do contrato pelo contratante público com fundamento em interesse público (artigo 334.º).
CXXXIX. Por outro lado, «[…] garante-se agora expressamente ao cocontratante, em geral, uma reserva de autonomia, pela via da proporcionalidade na execução do contrato, nos termos do qual os poderes de direção administrativa devem limitar-se ao estritamente necessário à prossecução do interesse público, e, tal como os poderes de fiscalização, não devem perturbar a execução do contrato, nem diminuir a iniciativa e a correlativa responsabilidade do cocontratante […] (artigo 303.º) […]» (idem, ibidem: 15).
CXL. Por outro lado ainda, o Código dos Contratos Públicos estabelece um dever especial de proteção do cocontratante por parte do contratante público contra a violação por terceiros de vinculações jurídico-administrativas que possam pôr em causa a execução do contrato e até a obtenção de receitas a que o particular tenha direito (artigo 291.º).
CXLI. E mesmo no caso dos poderes reconhecidamente exorbitantes da Administração Pública no âmbito contratual, há uma série de limitações e contrapartidas, revelando «[…] os poderes de conformação […] uma supremacia relativa da Administração […)» (AMADO GOMES, 2008: 565). Seguindo aqui de perto o excurso da doutrina da especialidade (idem, ibidem: 565 e 566), essa supremacia relativa ou mitigada manifesta-se nos seguintes aspetos: i) no plano do exercício dos poderes de fiscalização e direção, a Administração Pública pode emanar ordens e instruções, mas sempre com respeito pela autonomia do cocontratante e dentro de parâmetros de adequação e proporcionalidade (artigo 303.º do Código dos Contratos Públicos); ii) no plano do exercício do poder de modificação unilateral, a Administração Pública enfrenta o princípio da intangibilidade do objeto do contrato e sujeita-se à obrigação de reposição do equilíbrio financeiro, caso pretenda impor alteração ao clausulado inicial (artigo 314.º, n.º 1); iii) no plano do exercício do poder de resolução unilateral, o contratante público está vinculado a limites materiais e procedimentais, devendo indemnizar o cocontratante de forma integral (artigo 344.º, n.os 1 e 2); e iv) no plano do exercício do poder de resolução-sanção, só o pode fazer com os fundamentos previstos expressamente no Código dos Contratos Públicos (artigo 333.º, n.º 1), sendo reconhecido ao cocontratante o direito de invocar a exceção de não cumprimento (artigo 327.º) e o direito de retenção (artigo 328.º), bem como de resolver o contrato (artigo 332.º).
CXLII. «Em suma: [o] contrato é administrativo mas é contrato. É lex inter partes, estabelecendo relações de cooperação recíproca. O seu conteúdo é fruto de um consenso cuja alteração ou mesmo resolução, por motivos de interesse público, obriga a Administração a responder integralmente pelos danos causados ao contratante. A “relação especial de poder” que se constata no seio do contrato administrativo não vai sem contrapartidas ao cocontratante, e esse reequilíbrio é essencial à própria existência prática do contrato e à colaboração indispensável que promove entre particulares e Administração com vista ao desenvolvimento de objetivos de interesse geral […]» (idem, ibidem: 566 e 567).
CXLIII. E, porque assim, tendo em conta o impacto da suspensão prevista no artigo 13.º do Caderno de Encargos na execução do contrato, pela discricionariedade que deixa à entidade demandada, e pela previsão da inexistência de qualquer compensação ou indemnização, sempre teríamos de julgar que, ainda que estivesse (que não está, como vimos já) compreendida nos poderes discricionários de conformação unilateral da relação contratual, aquela causa de suspensão viola de forma nítida os parâmetros legais definidos para a autonomia pública contratual.
CXLIV. Dito por outras palavras: reconhecemos, é certo, que a autonomia pública contratual, como é sabido, confere às entidades públicas o poder de conformarem os seus contratos de acordo com as suas necessidades. Mas não é menos verdade que as entidades públicas já não podem criar para os seus cocontratantes um quadro de total sujeição a um poder arbitrário por parte do contraente público. E, em bom rigor, é precisamente isso que esta cláusula faz, em benefício exclusivo do contraente público. E porquê?
CXLV. Antes de mais, a referência singela à causa de suspensão do acordo quadro repousa, simplesmente e como vimos já, em «motivos de interesse público». Nada se consigna em parte alguma das peças do procedimento acerca desses motivos, que não se concretizam ou densificam; nem sequer se discorre sobre se esses motivos são relevantes ou ponderosos; são simplesmente “motivos de interesse público”. Ao prever uma suspensão sem qualquer densidade no que toca aos seus motivos, que não está sujeita a um prazo máximo e que está sujeita a um regime totalmente discricionário de levantamento, torna-se patente a violação do princípio da proporcionalidade expressamente consagrado, em sede de definição do conteúdo contratual dos contratos administrativos, no artigo 281.º do Código dos Contratos Públicos.
CXLVI. Depois, a suspensão não tem limite temporal para ser levantada. A entidade demandada pode, assim, suspender o contrato por “motivos de interesse público” e pode manter essa suspensão indefinidamente.
CXLVII. Além disso, quanto ao levantamento da suspensão, estabelece-se apenas que a entidade demandada “pode, a qualquer momento”, levantar a suspensão.
CXLVIII. Por fim, o n.º 4 da cláusula 13.º do Caderno de Encargos frisa que «[o]s cocontratantes não podem reclamar ou exigir qualquer compensação ou indemnização com base na suspensão total ou parcial do acordo quadro».
CXLIX. Em suma, o artigo 13.º do Caderno de Encargos estabelece: i) uma suspensão baseada em motivos de interesse público inominados; ii) não sujeita a prazo máximo; iii) sujeita a um regime discricionário de levantamento; iv) que afasta expressamente qualquer compensação ou indemnização.
CL. É patente o desproporcionado alargamento do regime aqui previsto face àquilo que é o regime da suspensão da execução do contrato previsto, em geral, no Código dos Contratos Públicos. Assim, como vimos já, o regime em causa prevê fundamentos de suspensão que manifestamente não são os previstos na cláusula 13.ª do Caderno de Encargos: os previstos nessa cláusula são incomparavelmente mais amplos do que os previstos na lei.
CLI. Essa desproporção é atentatória do sobrecitado equilíbrio entre as posições dos contratantes público e privado, proclamado pelo Código dos Contratos Públicos, posto que, mesmo nos casos limites de conformação unilateral da relação contratual, são consagradas contrapartidas que compensam o particular. É, pois, esse carácter obviamente desequilibrado e desproporcionado do regime contido naquela cláusula que permite asseverar a sua ilicitude, face ao teor do próprio artigo 281.º do Código dos Contratos Públicos, segundo o qual «[o] contraente público não pode assumir direitos ou obrigações manifestamente desproporcionados ou que não tenham uma conexão material direta com o fim do contrato».
CLII. Esta ideia de que a cláusula em apreço é desprovida de justiça material e proporcionalidade e contrária às valorações essenciais do ordenamento é ainda reforçada pelo cotejo de algumas disposições específicas ou regimes especiais do próprio Código dos Contratos Públicos em soluções onde avultam poderes exorbitantes do contratante público. Eis o escopo das linhas que se seguem.
CLIII. Assim, a autoridade administrativa pode recorrer ao sequestro da concessão (artigo 421.º do Código dos Contratos Públicos), o que consubstancia um lugar paralelo onde, de certo modo, ocorre uma privação unilateral do direito à execução do contrato por parte do cocontratante. Contudo, o concedente apenas o poderá fazer perante incumprimento grave, atual ou iminente, das obrigações contratuais por parte do concessionário (artigo 421.º, n.º 1). E mesmo nesse caso – ou seja, mesmo sendo a razão do sequestro um incumprimento por parte do concessionário –, a lei não o deixa na situação de, indefinidamente e sem qualquer limite temporal, estar sujeito à manutenção desta situação ambígua: é que, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 421.º, «[o] sequestro mantém-se pelo tempo julgado necessário pelo concedente, com o limite máximo de um ano, sendo o concessionário notificado pelo concedente para retomar o desenvolvimento das atividades concedidas, na data que lhe for fixada». Vale isto por dizer que, mesmo em situação de incumprimento (situação não contemplada no artigo 13.º do Caderno de Encargos), o concessionário tem um horizonte temporal máximo para o sequestro da concessão.
CLIV. Por sua vez, o artigo 365.º do Código dos Contratos Públicos prevê, a propósito do regime da empreitada de obras públicas, casos em que o dono da obra pode ordenar a suspensão dos trabalhos da empreitada. Para além dos fundamentos gerais de suspensão previstos no código (os do artigo 297.º), e de outros especificamente estabelecidos no contrato, preveem-se três casos previstos no próprio artigo 365.º: falta de condições de segurança; verificação da necessidade de estudar alterações a introduzir ao projeto; e a determinação vinculativa ou recomendação tida como relevante de quaisquer autoridades administrativas competentes. A justificação para que o artigo 365.º, ao contrário do artigo 297.º, preveja outros casos de suspensão repousa na própria natureza da empreitada, na qual se tem de reconhecer a possibilidade do concurso de inúmeros factos naturais que podem justificar a suspensão.
CLV. Além disso, e ainda a propósito do contrato de empreitada de obras públicas, o legislador distingue bem, no regime dos artigos 365.º a 369.º, uma realidade a que chama de suspensão por período excessivo, deixando claro que, quando autorizada (ou imposta) pelo dono da obra, não poderá ser imputável ao empreiteiro (artigo 368.º, in fine). E, como bem refere a autora, a relevância dessa imputação ao dono da obra é aflorada na referência do artigo 369.º do Código dos Contratos Públicos a “reclamações” e “reservas” apresentadas aquando da suspensão: é que qualquer suspensão sem fundamento, ou determinada “por período excessivo” pelo dono da obra, encontrará tradução no direito do empreiteiro ao reequilíbrio financeiro do contrato, nos termos gerais do artigo 354.º do mesmo diploma. Aqui repousa, aliás, uma ideia fundamental não atendida no artigo 13.º do Caderno de Encargos: a ideia que o contraente público não pode, licitamente, bulir com a equação financeira do contrato, de forma unilateral, por motivos relacionados com os seus próprios interesses, sem reequilibrar essa equação financeira. Trata-se de manifestação do princípio (geral) do equilíbrio financeiro do contrato.
CLVI. E nem se diga que o poder de modificação unilateral do contrato por motivos de interesse público, previsto no artigo 302.º, alínea c), do Código dos Contratos Públicos, possa aqui servir para legitimar o artigo 13.º do Caderno de Encargos. E não o pode porque aquele poder previsto na alínea c) do artigo 302.º do Código dos Contratos Públicos é um poder de modificação objetiva, que ainda assim visa assegurar o cumprimento e execução do contrato; ao passo que a vicissitude introduzida pelo artigo 13.º do Caderno de Encargos não pretende modificar a forma de prestar ou de executar, mas sim suspender o contrato.
CLVII. Além disso, mesmo nesses casos de modificação unilateral, como vimos já, é a própria lei que hoje sinaliza que o poder de modificação unilateral está sujeito aos limites previstos no Código dos Contratos Públicos. Resulta do artigo 312.º daquele diploma que essa modificação objetiva dos contratos administrativos apenas pode suceder quando «[…] as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal e imprevisível, desde que a exigência das obrigações por si assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato [ou ainda] por razões de interesse público decorrentes de necessidades novas ou de uma nova ponderação das circunstâncias existentes».
CLVIII. Ora, como é apodítico, o artigo 13.º do Caderno de Encargos não tem semelhante limitação, e por isso nunca poderá considerar-se como uma previsão legalmente admissível do poder de variação do contrato por motivos de interesse público.
CLIX. Mas, sobretudo, o que mais impressiona o tribunal é a redação do n.º 4 do artigo 13.º do Caderno de Encargos, que expressamente exclui a indemnização ou compensação aos cocontratantes. Esta constatação é tanto mais relevante quanto nos apercebemos, como tivemos oportunidade de deixar estabelecido adrede, que o próprio Código dos Contratos Públicos, mesmo quando prevê uma perturbação unilateral do contrato, imposta pelo contraente público por motivos de interesse público, fá-la acompanhar da respetiva contrapartida, indemnizando o cocontratante. É isso que resulta, de forma inequívoca, do artigo 314.º, elucidativamente epigrafado «Consequências» (da modificação objetiva do contrato), segundo o qual «[o] cocontratante tem direito à reposição do equilíbrio financeiro, sempre que o fundamento para a modificação do contrato seja, para além de outras especialmente previstas na lei: a) [a] alteração anormal e imprevisível das circunstâncias imputável a decisão do contraente público, adotada fora do exercício dos seus poderes de conformação da relação contratual, que se repercuta de modo específico na situação contratual do cocontratante; ou b) [r]azões de interesse público».
CLX. Esta reposição do equilíbrio financeiro é regulada pelo artigo 282.º do Código, de cujo n.º 5 resulta como deve ser atingido o valor dessa reposição, devendo «[o] valor da reposição do equilíbrio financeiro corresponde[r] ao necessário para repor a proporção financeira em que assentou inicialmente o contrato e [ser] calculado em função do valor das prestações a que as partes se obrigaram e dos efeitos resultantes do facto gerador do direito à reposição no valor dessas mesmas prestações».
CLXI. Pretendemos com isto significar que o regime jurídico imperativo que resulta da leitura conjugada dos artigos 314.º, n.º 1, alínea b), e 282.º, ambos do Código dos Contratos Públicos, impõe que qualquer modificação unilateral do contrato por motivo de interesse público obriga, por força da lei, à atribuição ao cocontratante do mesmo nível de vantagem económica que ficou perturbado com a intervenção do contraente público. Consiste, de modo preciso, na reconstituição da equação financeira inicial, ou seja, na reconstituição integral do interesse que o cocontratante tinha no contrato antes do evento que deu origem ao reequilíbrio. Hoc sensu, vide REBELO DE SOUSA & SALGADO DE MATOS (2008: 410), GOUVEIA MARTINS (2010: 70), FREITAS DO AMARAL (2016: 516 e 517), PEREIRA (2011: 66), AYALA (2011: 66, 84, 85).
CLXII. Como sustenta pertinentemente a autora, esta proibição de afetação da equação financeira em desfavor do cocontratante vale para todos os elementos do contrato que sejam determinantes da remuneração – entre eles, evidentemente, a própria duração do contrato. É naturalmente diverso um acordo quadro que está em vigor dois anos, de um que está em vigor dois anos, menos 10 meses (por hipótese) de suspensão. A suspensão do acordo quadro, pelos valores envolvidos no mesmo, corresponde a uma sensível redução do volume de aquisições ao seu abrigo, sendo que tal volume de prestações contratuais, que constituía o objeto do contrato a celebrar na sequência do procedimento pré-contratual, representa um pressuposto da formação da vontade manifestada pelo concorrente nas declarações negociais que consubstanciaram a sua proposta, através da qual ele apresentou os termos e condições em que está disposto a contratar. Daí que a quantidade dos serviços e, naturalmente, o período de tempo durante o qual os mesmos hão de ser prestados constituirá, em regra, condição sine qua non daquelas específicas condições contratuais propostas pelo cocontratante, e cuja superveniente alteração se lhe afigura imprevisível à data da formulação da sua declarações negociais. Daí também que uma suspensão nos termos em que está prevista (sem limite temporal e sobretudo, sem indemnização ou compensação) pode perturbar inapelavelmente os pressupostos – relacionados com as economias de escala que, razoavelmente, antecipava – que o concorrente usou para definir a sua proposta.
CLXIII. Tudo visto e sopesado, e sendo inequívoco que a suspensão traduz um evento com um impacto significativo no contrato, sempre teríamos de concluir que, mesmo sendo determinada por razões de interesse público, teria de permitir o reequilíbrio financeiro do contrato. É, pois, inaceitável, à luz do Direito português, a cláusula que permita que o contraente público introduza unilateralmente uma perturbação no contrato por violação do princípio do equilíbrio financeiro – que resulta da aplicação combinada do artigo 314.º, n.º 1, do artigo 282.º e do artigo 281.º do Código dos Contratos Públicos.
CLXIV. Por conseguinte, padece de ilegalidade o artigo 13.º do Caderno de Encargos, procedendo, também por aqui, a pretensão da autora.
(…)”
Ponderada a motivação espraiada na sentença recorrida, na parte em que concretamente se finca o juízo de invalidade da cláusula constante do art.º 13.º do Caderno de Encargos, não se descortina qualquer razão fáctico-jurídica que possa abalar o acerto do raciocínio exposto.
Acolhemos, por isso, inteiramente o julgado pelo Tribunal a quo, nada tendo, aliás, a acrescentar em face do acerto inatacável da decisão.
Ante tão profícua e profunda análise da questão, a impetração que a Recorrente direciona a este segmento decisório apresenta-se completamente inócua, por fracassar na demonstração de que o iter fundamentador trilhado na sentença recorrida padece de algum erro ou desacerto. Por assim ser, improcede o invocado pela Recorrente nas conclusões P) a T) do seu recurso.

Por último, a Recorrente dedica a conclusão U) da sua peça recursiva a atacar a amplitude do julgado anulatório. Porém, também nesta parte improcede a impetração dada a venialidade do alegado pela Recorrente.
É que, estando peticionada, em sede ampliativa, a destruição de atos procedimentais sequentes à modelação das peças do procedimento, bem como dos contratos que viessem, entretanto, a ser celebrados, impunha-se ao Tribunal recorrido uma pronúncia decisória. Por conseguinte, a circunstância de, afinal de contas, não ter sido celebrado acordo quadro e de não se terem realizado call-offs consubstancia uma vicissitude futura em relação ao momento da prolação da sentença recorrida que, como competia, consignou desde logo no seu dispositivo a anulação de eventuais contratos que venham a ser celebrados.
Deste modo, a questão que a Recorrente coloca na conclusão U) do seu recurso não traduz, verdadeiramente, uma imputação de erro de julgamento à sentença recorrida, antes enformando problemática a ter em conta em sede de execução de sentença.

Desta feita, não descortinamos os erros de julgamento que são apontados à sentença sob recurso, que, pelo contrário, decidiu com um inegável acerto jurídico o caso agora em discussão.
Pelo que, face a todo o exposto, terá de negar-se provimento ao presente recurso e confirmar a sentença recorrida.


V- DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.


Custas pelo recurso a cargo da Recorrente.


Registe e Notifique.


Lisboa, 18 de novembro de 2021,

____________________________

Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro- Relatora



____________________________

Jorge Pelicano



____________________________

Celestina Castanheira