Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 374/10.5BELLE |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 10/06/2022 |
Relator: | FREDERICO MACEDO BRANCO |
Descritores: | LICENCIAMENTO DE OBRAS RAN PARECE VINCULATIVO |
Sumário: | I – A circunstância de ter sido emitido o licenciamento em zona RAN, sem que tivesse sido previamente requerida a emissão de Parecer vinculativo por parte da então CRRA determina a nulidade do licenciamento. Efetivamente, referia-se no Artº 9º nº 1 do DL nº 196/89 (Lei da RAN) que “carecem de prévio favorável das Comissões Regionais da Reserva Agrícola todas as licenças, concessões aprovações e autorizações administrativas relativas a utilização não agrícola de solos integrado na RAN”. II – Embora da referida lei não resulte automaticamente que os licenciamentos ou as reconstruções são de todo inadmissíveis em zona RAN, nomeadamente em áreas já impermeabilizadas, atentas as concretas circunstâncias, em qualquer caso, essa ponderação deverá ser feita pela entidade competente para o efeito, e não pelo Município, sob pena de, assim não sendo, de se poder gerar uma situação de impunidade permissiva. III - Mesmo tratando-se de uma mera reconstrução, teria de ser a CRRA competente através de Parecer vinculativo, a ponderar e verificar, à luz do Artº 9º nº 1 do DL nº 196/89, nomeadamente, se a área implantação, volumetria e cércea do edifício a reconstruir correspondia ao edificado originário. IV – O entendimento de acordo com a qual, tratando-se de uma reconstrução não seria necessária a obtenção de parecer prévio por parte da CRRA, não merece acolhimento, pois é o próprio art.º 9.º, n.º 1: do Decreto-Lei n.º 196/89 que estabelece incontornavelmente que “carecem de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN”, não se excecionando qualquer pré-existência. V - Não tendo sido promovida a consulta da CRRA, cujo parecer prévio (favorável) era obrigatório, à luz do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 196/89, é nula tanto a decisão de aprovação do pedido de informação prévia sobre a viabilidade de realizar a operação urbanística pretendida, como é nula a licença que ao abrigo da mesma foi concedida, por força do disposto no artigo 34.º do mesmo diploma, e bem assim, do artigo 68.º, alínea c), do RJUE. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I Relatório O Ministério Público, devidamente identificado nos autos, intentou ação administrativa especial contra o Município de São Brás de Alportel, tendo como contrainteressados O..... e mulher A....., tendente à declaração da nulidade dos seguintes atos praticados no procedimento de licenciamento respeitante a uma moradia pertencente aos contrainteressados: (i) despacho de 27 de Março de 2008, proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de São Brás de Alportel, que deferiu o pedido de licenciamento das obras de «alteração e ampliação de moradia existente»; (ii) despacho de 8 de Abril de 2008, também proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de São Brás de Alportel, que deferiu a emissão do respetivo alvará de licença de obras. O Município e os Contrainteressados O..... e A..... inconformados com o Acórdão proferido no TAF de Loulé que, em 29 de janeiro de 2016, julgou procedente a presente ação e declarou a nulidade dos atos objeto de impugnação, vieram, separadamente, Recorrer para esta instância. Formulou o Recorrente/Município o seu Recurso em 7 de março de 2016, concluindo: “I- De acordo com a matéria de facto dada como provada, por despacho e 17.12.2007 do Presidente da Camara Municipal de S. Brás de Alportel foi aprovado projeto de arquitetura de “alteração e ampliação de moradia existente”, em prédio rustico situado na RAN na sequencia de informação previa favorável da Camara deliberado em 27-11-2007 “desde que a implantação se efetue sobre a zona já impermeabilizada” conforme levantamento topográfico que instruiu aquele pedido de informação previa. II- Face à circunstância de se tratar de obras sobre construção já existente (reconstrução e alteração) a efetuar sobre “zona já impermeabilizada” ocupada pela mesma construção o respetivo licenciamento foi emitido sem a exigência de qualquer parecer da CRRA. III- O art. 9º nº 1 do DL196/89 (Lei da RAN) então vigente determina que “carecem de prévio favorável das Comissões Regionais da Reserva Agrícola todas as licenças, concessões aprovações e autorizações administrativas relativas a utilização não agrícola de solos integrado na RAN”. IV- A única questão que está em causa é a interpretação do citado art. 9º nº 1 do DL 196/89. V- O douto Tribunal o qual interpretou erroneamente a citada disposição legal ao entender que a mesma impõe a emissão de parecer prévio das CRRA em todos os casos de emissão de licença administrativa para operações urbanísticas situadas em áreas classificadas como RAN “concretamente a construção, a ampliação ou mesmo a mera reconstrução de edificações já existentes, quer as obras implicassem ou não nova impermeabilização do solo” (cfr. pag. 15 do Ac. recorrido). VI- O referido art. 9º nº 1 do DL 196/89 deve ser interpretado no sentido de que só carecem de parecer prévio das CRRA os licenciamentos que impliquem ou determinem a utilização não agrícola de solos que até então estavam destinados a esse fim agrícola. VII- Assim, as obras a licenciar numa edificação situada em área classificada como RAN não carecem de parecer das CRRA se tais obras forem realizadas apenas na área já ocupada pela edificação (zona impermeabilizada) sem utilização ou ocupação de qualquer parcela de solo destinada á agricultura. VIII- O licenciamento para obras a realizar sobre a área de implantação da edificação já existente não implica a “utilização não agrícola do solo” pela simples razão de que aquele solo já tinha uma utilização não agrícola por nele estar já implantada uma edificação. IX- O licenciamento das obras a efetuar apenas sobre a zona já impermeabilizada por construção pré-existente, impugnado nos presentes autos (despacho de 27-03-2008) não carecia de parecer prévio da CRRA Algarve nos termos do art. 9º nº 1 do DL 196/89 pelo que se não verifica a violação de qualquer disposição legal na sua emissão. X- Pela interpretação do citado art. 9º nº 1 do DL 196/89 feita pelo douto Tribunal a quo a simples alteração da fachada de um prédio sito em área de RAN ou até a alteração da disposição das suas divisões ou mesmo uma obra no 1º andar ou uma simples pintura ( de diferente cor) carecia de parecer das CRRA, sem que tais obras impliquem qualquer nova utilização não agrícola do solo, o que seria aberrante, por violar quer o elemento teleológico, quer o elemento literal da lei, quer ainda o pensamento presumido do legislador. XI- A exigência prevista no art. 9º nº 1 do DL 196/89 destina-se a acautelar a utilização não agrícola de solos até aí utilizado para a agricultura e não o controle urbanístico que compete a outras entidades, XII- A interpretação da citada disposição legal feita pelo Tribunal a quo viola ainda as regras hermenêuticas previstas no art. 9º nº 2 e 3 do Cod. Civil, uma vez que tal interpretação não tem o mínimo de correspondência na letra da lei. XIII- Mostram-se violadas as disposições conjugadas do arts. 9º nº 1 do DL 196/89 por mal interpretado e do art. 9º nº 2 do Cod. Civil por não aplicada Nestes ternos e nos mais de direito aplicável deve o presente recurso merecer provimento e em consequência ser revogado o douto acórdão proferido em conferencia e confirmada a douta sentença proferida por Juiz singular em 1ª Instância por ter interpretado corretamente a legislação pertinente e ter decidido em conformidade.” Em 8 de março de 2016 vieram os Contrainteressados O..... e A..... recorrer da decisão recorrida, tendo concluído: “1ª Nos presentes autos de ação administrativa especial, o Ministério Público impugna, com fundamento em nulidade, o Despacho de 27 de Março de 2008, do Presidente da Câmara de S. Brás de Alportel que deferiu pedido de licença de obras de alteração e ampliação de moradia existente, apresentado pelo aqui recorrente e o despacho proferido a 8 de Abril de 2008, que deferiu emissão do respetivo alvará de licença de obras; 2ª Sustenta a nulidade na circunstância de o ato administrativo de licenciamento ter sido emitido ao abrigo de informação prévia nula por falta de parecer prévio favorável da Comissão da Reserva Agrícola do Algarve (CRRA) e por violação do disposto no artigo 23.º n° 3 do Regulamento do PDM de São Brás de Alportel na versão adaptada ao PROT Algarve revisto, publicada sob o Aviso n° 26039/2007 publicado no DR, 2.ª Série, N°249, de 27 de Dezembro de 2007; quando ao ato de deferimento da emissão do alvará de obras, sustenta a sua nulidade pelo facto de ser consequente do primeiro. 3ª Apreciando a questão, o Tribunal a quo identificou duas questões decidendas, a saber: - A preterição de consulta da CRR do Algarve (no procedimento de informação prévia e no procedimento de licenciamento da operação urbanística pretendida), prevista no artigo 9º do DL 196/89, de 14 de Junho; - A violação do disposto no artigo 23°, n.° 3 do Regulamento do PDM de S. Brás de Alportel, na versão aplicável à data da prática do ato, resultante da imposição da Resolução do Conselho de Ministros n.° 102/2007, que aprovou a revisão do Plano Regional de Ordenamento do Território para o Algarve (PROT Algarve), quando já se encontrava revogado o n.° 4 desse preceito, que até então permitia a edificação por razões ponderosas invocadas pelo interessado. 4ª A ação foi julgada procedente - declarados nulos os atos administrativos impugnados com fundamento na falta de consulta da Comissão Regional da Reserva Agrícola, cujo parecer era, no entendimento do Tribunal a quo obrigatório, à luz do disposto no artigo 9°, n.° 1 do DL 196/89. 5ª Salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao decidir da obrigatoriedade de tal parecer na situação em causa nos autos. 6ª Efetivamente, o artigo 9º, n.° 1 do Decreto- Lei n° 196/89, de 14 de Junho, vigente à data dispunha que "l - Carecem de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN.” 7ª Todavia, o elemento teleológico da interpretação deste normativo obriga a que se considere que a necessidade de parecer favorável nele previsto apenas se aplica aos casos em que se pretendam ocupar solos que apresentem aptidão para a atividade agrícola. 8ª A contrario sensu, terá que se entender que as situações em que os solos não se encontram afetos ao uso agrícola, o parecer da Comissão da Reserva Agrícola não será necessário. 9ª Pelo que, vertendo estas considerações para o caso concreto, verifica-se que o aqui recorrente, no pedido de informação prévia que apresentou no dia 19.11.2007, a que foi atribuído o n.° 254/07, peticionou a reconstrução de edificação existente, pelo que existia já uma zona impermeabilizada, como notaram, e bem, os técnicos da Câmara Municipal de S. Brás de Alportel na informação que produziram. 9ª (Repetido no original) Ora, verificando-se que o solo que iria ser ocupado pela pretensão urbanística se encontrava impermeabilizado, por conter já uma construção, era certo que não detinha qualquer potencialidade agrícola, razão peia qual, atendendo ao espirito da lei, que é preservar essa potencialidade, veio a Câmara Municipal a entender que a situação em apreço estava excluída da necessidade de parecer prévio, entendimento que não merece censura. 10ª Isto porque, na verdade, a reconstrução em causa, efetivamente, não ocupava solo da RAN, já que se cingia a uma parcela já previamente impermeabilizada. 11ª Assim, uma vez que estava em causa a utilização de um solo já desafetado do uso agrícola, não pode a pretensão do particular aqui recorrente considerar-se abrangida pelo estatuído no artigo 9º do Decreto-lei n.° Decreto Lei 196/89, de 14 de Julho, não estando, por isso, nem a informação prévia nem o licenciamento sujeito a prévio parecer da CRRA do Algarve. 12ª Por essa razão, apesar de não terem sido precedidos dessa formalidade, nenhum desses atos estão feridos de nulidade, uma vez que o parecer da referida entidade não era necessário, nem está ferido de nulidade o ato consequente destes, ou seja o despacho que deferiu a emissão do alvará de licença de obras. 13ª Ao não ter decidido assim, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da norma constante do artigo 9º, n.° 1 do DL 196/89, de 14 de Junho, em vigor à data em que foi apresentado o pedido de informação prévia, pelo que a decisão proferida deverá ser revogada e substituída por outra que, apreciando a questão em causa, venha a concluir pela desnecessidade do parecer da referida Comissão e julgue a ação improcedente. Termos em que se requer seja concedido provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, fazendo assim os senhores venerandos juízes desembargadores a costumada Justiça!” Em 13 de abril de 2016 veio o Ministério Púbico apresentar as suas Contra-alegações face aos Recursos e Ampliação do Âmbito do Recurso, concluindo: “1.ª – O douto acórdão recorrido, julgando procedente a ação, declarou a nulidade dos atos administrativos impugnados que licenciaram a construção de uma moradia num prédio situado em Reserva Agrícola Nacional pertencente aos contrainteressados O..... e mulher, A..... por preterição da obtenção de um prévio parecer da Comissão Regional de Reserva Agrícola; 2.ª – Os Recorrentes defendem que, por se estar em face de uma mera reconstrução, não era necessária a obtenção de tal parecer, até porque não houve qualquer nova utilização de solos que estivessem aptos para a agricultura; 3.º - No douto Acórdão provou-se, sem que tal tenha agora sido posto em causa, que a área licenciada para construção era superior à que vinha descrita como estando já impermeabilizada, pelo que sempre haveria uma nova utilização não agrícola do solo, mesmo na tese do ora Recorrente; 4.º - Por outro lado, no douto Acórdão não se apurou se existia previamente, naquele local, alguma construção, como sublinhado na respetiva motivação, tendo-se apenas provado que existia uma descrição registral de uma edificação de origem desconhecida; 5.ª – Nos termos do disposto nos art.ºs 8.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14/06, qualquer obra que seja titulada por uma licença e que implique uma utilização não agrícola de solos classificados como Reserva Agrícola Nacional tem que ser precedida de parecer por parte da CRRA, o qual só poderá ser positivo se ocorrer alguma das situações previstas no art.º 9.º, n.º 2, do citado diploma legal; 6.ª – No caso dos autos foi realizada uma obra que implicou uma utilização não agrícola do solo pelo que seria necessária sempre a obtenção prévia de parecer positivo por parte da CRRA; 7.ª – A não promoção da consulta à CRRA inquina de nulidade os despachos do Presidente da Câmara Municipal de S. Brás de Alportel de 27 de Março de 2008 e 8 de Abril de 2008 que, respetivamente, deferiram o pedido de licença de obras de “alteração e ampliação de moradia existente” e a emissão do respetivo alvará de obras no âmbito do Processo Camarário de Licenciamento de Obras de Construção n.º 273/07, nos termos do disposto nos art.ºs 34.º do Decreto-Lei n.º 196/89 e do art.º 68.º, alínea c), do RJUE 8.ª – Porque assim decidiu, declarando a nulidade dos atos administrativos impugnados, o douto acórdão recorrido fez correta interpretação e aplicação das normas reguladoras da questão a decidir e não é merecedor de censura. 9.ª – Considerando-se que não seria necessária a prévia consulta da CRRA no caso de se estar em face de uma reconstrução, requer-se desde já, ao abrigo do disposto no art.º 636.º, n.º 1, do CPC, a ampliação do âmbito do recurso para que se determine se existia, ou não, uma construção ou uma ruína anterior à operação realizada pelos contrainteressados; 10.ª – Os autos contêm elementos suficientes para que se prove que “naquele terreno não existia, antes do ano de 2005, qualquer construção”, nomeadamente os documentos n.ºs 4, 5, 13 e 14. 11.ª - O documento apresentado sob o n.º 5 da Petição Inicial consiste numa certidão do ortofotomapa resultante de voos de 2005, e que se encontra disponível na Câmara Municipal de S. Brás de Alportel, sendo visível no mesmo a inexistência de qualquer construção, ruína ou zona de impermeabilização do solo no terreno do contrainteressado. 11.ª - O documento indicado sob o n.º 4 (certidão do registo do teor das descrições e inscrições em vigor respeitantes ao terreno do requerente) não contém qualquer descrição de construções existentes no local. 13.º - Na Planta Topográfica do município, apresentada como documento 13, não é visível qualquer construção naquele terreno. 14.ª - Acresce que nunca na fase inicial do procedimento foi invocada, pelos contrainteressados, a existência de uma qualquer construção no local, só tendo a mesma sido invocada depois de um parecer negativo proferido pela CRRA; 15.ª – Apesar da inscrição no registo (efetuada apenas em 2006) de uma construção de origem desconhecida, a verdade é que o registo não surte eficácia constitutiva, constituindo mera presunção, ilidível, da existência do direito nos termos nele constantes (art.ºs 1.º e 7.º do Código de Registo Predial). 16.ª – Os documentos acima indicados juntos com a Petição Inicial ilidem claramente a presunção decorrente do registo. 17.ª – Resulta inequívoco dos elementos constantes do processo, visualizados e interligados entre si, que não havia no local qualquer pré-existência, pelo que a obra levada a cabo pelos contrainteressados nunca poderia ser qualificada como sendo de reconstrução, sendo antes de construção nova. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente e ser-lhe negado provimento, confirmando-se o douto acórdão recorrido. Considerando-se não ser necessária a consulta prévia da CRRA no caso de se estar em face de uma reconstrução, deverá o âmbito do recurso ser ampliado para decisão sobre se naquele local existia, ou não, uma prévia construção. Contendo os autos elementos suficientes para que se conclua que não existia naquele local qualquer pré-construção, deve ser dado como provado o facto indicado no art.º 15.º da petição Inicial de que não existia naquele local qualquer ruína ou pré-existência. Assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!” Em 1 de junho de 2016 vieram os Contrainteressados O..... e A.....a pronunciar-se relativamente à ampliação do Objeto do Recurso, concluindo: “1ª O recorrido, a coberto da figura da ampliação do recurso, prevista no artigo 636° do CPC, pretende impugnar a matéria de facto, para que o alegado no artigo 15° da PI passe a constar como facto provado. 2ª Acontece que esta norma apenas prevê que quando se verifique pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o Tribunal possa conhecer daqueles em que a parte vencedora decaiu, se esta o requerer. 3ª A disposição em causa não permite à parte que decaiu impugnar a matéria de facto, pois tal impugnação apenas pode acontecer por via de recurso, com regras próprias que no caso não se acham cumpridas. 4ª De toda a forma, ao contrário do alegado pelo recorrido, dos autos não constam elementos suficientes que permitissem dar como provada a matéria alegada no ponto 15 da petição inicial, bem pelo contrário, pelo que bem andou o Tribunal a quo nessa parte em que não deu tal factualidade como provada. Termos em que deve a pretendida ampliação do recurso ser rejeitada, concluindo-se em tudo como peticionado no recurso interposto.” Em 20 de setembro de 2016 foi proferido despacho de Admissão de ambos os Recursos. O Ministério Público, junto deste Tribunal foi notificado em 21 de setembro de 2016. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento. * * * Referia-se no Artº 9º nº 1 do DL nº 196/89 (Lei da RAN) que “carecem de prévio favorável das Comissões Regionais da Reserva Agrícola todas as licenças, concessões aprovações e autorizações administrativas relativas a utilização não agrícola de solos integrado na RAN”. Não se diz que os licenciamentos ou as reconstruções são de todo inadmissíveis em zona RAN, nomeadamente em áreas já impermeabilizadas, atentas as concretas circunstâncias, mas antes que essa ponderação deverá ser feita pela entidade competente para o efeito, sob pena de, assim não sendo, de se poder gerar uma situação de impunidade permissiva. Mesmo tratando-se de uma mera reconstrução, o que, em qualquer caso, ficou por provar, quer em termos de área de implantação, quer em termos de volumetria e cércea, não resulta do Artº 9º nº 1 do DL nº 196/89, que nesse caso a emissão de parecer vinculativo por parte da CRRA se mostrasse dispensada. Como se entendeu em 1ª instância, é claro que qualquer utilização não agrícola do solo pressupunha, necessariamente, uma consulta à CRRA, a quem competia pronunciar-se quanto à sua admissibilidade, atentos os pressupostos de facto e de direito aplicáveis, não competindo ao município ou a qualquer outra entidade essa opção. Sintomaticamente, é o próprio Preambulo do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14/06, que sublinha a necessidade de defesa dos terrenos que oferecem uma maior potencialidade agrícola pela circunstância dos mesmos representarem apenas 12% do território nacional, evidenciando-se que as principais agressões que estes terrenos têm sofrido são de natureza urbanística. É pois em função da referida circunstância que o aludido diploma restringiu a possibilidade de usos não agrícolas aos terrenos incluídos em RAN, tendo correspondentemente submetido qualquer uso não agrícola à apreciação da CRRA competente. A argumentação esgrimida pelos Recorrentes, de acordo com a qual, tratando-se de uma reconstrução não seria necessária a obtenção de parecer prévio por parte da CRRA, não merece acolhimento, pois é o próprio art.º 9.º, n.º 1: do Decreto-Lei n.º 196/89 que estabelece incontornavelmente que “carecem de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN”, não se excecionando qualquer pré-existência. Acresce que o próprio Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, então aplicável, na redação dada pelos Decreto-Lei n.º 177/2001, de 04/06, e Declaração n.º 13-T/2001, de 30/06, estabelecia no seu art.º 4.º, n.º 1, al. c), a necessidade de licenciamento de obras de ampliação, mais se sublinhando na alínea d), a necessidade de licenciamento das “obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração ou demolição de edifícios situados em zona de proteção de imóvel classificado ou em vias de classificação ou em áreas sujeitas a servidão administrativa ou restrição de utilidade pública”. Sendo reconhecido por todos que o terreno em questão se situava em zona de RAN e que não foi pedido parecer prévio à CRRA, mesmo que se tratasse de uma mera reconstrução, ainda assim sempre o referido Parecer se mostraria imprescindível, pois que era à CRRA que competia avaliar da viabilidade do licenciamento requerido, aferindo, sendo caso disso, da circunstância de se tratar de uma mera reconstrução de edificação já geradora de impermeabilização do solo. Como se afirmou no Acórdão Recorrido, “com efeito, não tendo sido promovida a consulta da CRRA, cujo parecer prévio (favorável) era obrigatório, à luz do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 196/89, é nula tanto a decisão de aprovação do pedido de informação prévia sobre a viabilidade de realizar a operação urbanística pretendida pelo contrainteressado, como é nula a licença que ao abrigo da mesma foi concedida, por força do disposto no artigo 34.º do mesmo diploma, e bem assim, do artigo 68.º, alínea c), do RJUE (com redação hoje esclarecedora).” Como se sumariou no Acórdão deste TCAS nº 02152/06, de 04-03-2010, “O regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional [RAN], estabelecido pelo DL nº 196/89, de 14/6, caracteriza-se por uma série de restrições sobre o uso dos solos que a integram, visando proteger “o conjunto das áreas que, em virtude das suas características morfológicas, climatéricas e sociais, maiores potencialidades apresentam para a produção de bens agrícolas” [cfr. artigo 3º do DL nº 196/89]. Na concretização dessas restrições, o artigo 8º do DL nº 196/89 estabelece como princípio geral o de que os solos da RAN devem ser exclusivamente afetos à agricultura, sendo proibidas todas as ações que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, designadamente as seguintes: “[…] a) obras hidráulicas, vias de comunicação e acessos, construção de edifícios, aterros e escavações”. Porém, este princípio geral pode ser excecionalmente derrogado, nas situações previstas no artigo 9º do DL nº 196/89, ficando porém todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN condicionadas à emissão de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola.” Acresce a tudo quanto se afirmou, a circunstância da obra a licenciar não corresponder sequer à área de implantação supostamente a reconstruir, pois que resulta do Facto Provado n), não impugnado, que “o projeto de arquitetura previa a ampliação da superfície do pavimento existente (com 151,45 m2) em 40,10 m2, e dois pisos sendo um acima e outro abaixo da cota de soleira”, o que só por si corresponderia sempre a um aumento da área impermeabilizada superior a 25%. Em face de tudo quanto se expendeu precedentemente confirmar-se-á o sentido da decisão recorrida. * * * Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento aos Recursos Jurisdicionais apresentados, confirmando-se o Acórdão recorrido. Custas pelos Recorrentes Lisboa, 6 de outubro de 2022 Frederico de Frias Macedo Branco Alda Nunes Lina Costa |