Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:374/10.5BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:10/06/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:LICENCIAMENTO DE OBRAS
RAN
PARECE VINCULATIVO
Sumário:I – A circunstância de ter sido emitido o licenciamento em zona RAN, sem que tivesse sido previamente requerida a emissão de Parecer vinculativo por parte da então CRRA determina a nulidade do licenciamento.
Efetivamente, referia-se no Artº 9º nº 1 do DL nº 196/89 (Lei da RAN) que “carecem de prévio favorável das Comissões Regionais da Reserva Agrícola todas as licenças, concessões aprovações e autorizações administrativas relativas a utilização não agrícola de solos integrado na RAN”.
II – Embora da referida lei não resulte automaticamente que os licenciamentos ou as reconstruções são de todo inadmissíveis em zona RAN, nomeadamente em áreas já impermeabilizadas, atentas as concretas circunstâncias, em qualquer caso, essa ponderação deverá ser feita pela entidade competente para o efeito, e não pelo Município, sob pena de, assim não sendo, de se poder gerar uma situação de impunidade permissiva.
III - Mesmo tratando-se de uma mera reconstrução, teria de ser a CRRA competente através de Parecer vinculativo, a ponderar e verificar, à luz do Artº 9º nº 1 do DL nº 196/89, nomeadamente, se a área implantação, volumetria e cércea do edifício a reconstruir correspondia ao edificado originário.
IV – O entendimento de acordo com a qual, tratando-se de uma reconstrução não seria necessária a obtenção de parecer prévio por parte da CRRA, não merece acolhimento, pois é o próprio art.º 9.º, n.º 1: do Decreto-Lei n.º 196/89 que estabelece incontornavelmente que “carecem de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN”, não se excecionando qualquer pré-existência.
V - Não tendo sido promovida a consulta da CRRA, cujo parecer prévio (favorável) era obrigatório, à luz do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 196/89, é nula tanto a decisão de aprovação do pedido de informação prévia sobre a viabilidade de realizar a operação urbanística pretendida, como é nula a licença que ao abrigo da mesma foi concedida, por força do disposto no artigo 34.º do mesmo diploma, e bem assim, do artigo 68.º, alínea c), do RJUE.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
O Ministério Público, devidamente identificado nos autos, intentou ação administrativa especial contra o Município de São Brás de Alportel, tendo como contrainteressados O..... e mulher A....., tendente à declaração da nulidade dos seguintes atos praticados no procedimento de licenciamento respeitante a uma moradia pertencente aos contrainteressados:
(i) despacho de 27 de Março de 2008, proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de São Brás de Alportel, que deferiu o pedido de licenciamento das obras de «alteração e ampliação de moradia existente»;
(ii) despacho de 8 de Abril de 2008, também proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de São Brás de Alportel, que deferiu a emissão do respetivo alvará de licença de obras.
O Município e os Contrainteressados O..... e A..... inconformados com o Acórdão proferido no TAF de Loulé que, em 29 de janeiro de 2016, julgou procedente a presente ação e declarou a nulidade dos atos objeto de impugnação, vieram, separadamente, Recorrer para esta instância.
Formulou o Recorrente/Município o seu Recurso em 7 de março de 2016, concluindo:
“I- De acordo com a matéria de facto dada como provada, por despacho e 17.12.2007 do Presidente da Camara Municipal de S. Brás de Alportel foi aprovado projeto de arquitetura de “alteração e ampliação de moradia existente”, em prédio rustico situado na RAN na sequencia de informação previa favorável da Camara deliberado em 27-11-2007 “desde que a implantação se efetue sobre a zona já impermeabilizada” conforme levantamento topográfico que instruiu aquele pedido de informação previa.
II- Face à circunstância de se tratar de obras sobre construção já existente (reconstrução e alteração) a efetuar sobre “zona já impermeabilizada” ocupada pela mesma construção o respetivo licenciamento foi emitido sem a exigência de qualquer parecer da CRRA.
III- O art. 9º nº 1 do DL196/89 (Lei da RAN) então vigente determina que “carecem de prévio favorável das Comissões Regionais da Reserva Agrícola todas as licenças, concessões aprovações e autorizações administrativas relativas a utilização não agrícola de solos integrado na RAN”.
IV- A única questão que está em causa é a interpretação do citado art. 9º nº 1 do DL 196/89.
V- O douto Tribunal o qual interpretou erroneamente a citada disposição legal ao entender que a mesma impõe a emissão de parecer prévio das CRRA em todos os casos de emissão de licença administrativa para operações urbanísticas situadas em áreas classificadas como RAN “concretamente a construção, a ampliação ou mesmo a mera reconstrução de edificações já existentes, quer as obras implicassem ou não nova impermeabilização do solo” (cfr. pag. 15 do Ac. recorrido).
VI- O referido art. 9º nº 1 do DL 196/89 deve ser interpretado no sentido de que só carecem de parecer prévio das CRRA os licenciamentos que impliquem ou determinem a utilização não agrícola de solos que até então estavam destinados a esse fim agrícola.
VII- Assim, as obras a licenciar numa edificação situada em área classificada como RAN não carecem de parecer das CRRA se tais obras forem realizadas apenas na área já ocupada pela edificação (zona impermeabilizada) sem utilização ou ocupação de qualquer parcela de solo destinada á agricultura.
VIII- O licenciamento para obras a realizar sobre a área de implantação da edificação já existente não implica a “utilização não agrícola do solo” pela simples razão de que aquele solo já tinha uma utilização não agrícola por nele estar já implantada uma edificação.
IX- O licenciamento das obras a efetuar apenas sobre a zona já impermeabilizada por construção pré-existente, impugnado nos presentes autos (despacho de 27-03-2008) não carecia de parecer prévio da CRRA Algarve nos termos do art. 9º nº 1 do DL 196/89 pelo que se não verifica a violação de qualquer disposição legal na sua emissão.
X- Pela interpretação do citado art. 9º nº 1 do DL 196/89 feita pelo douto Tribunal a quo a simples alteração da fachada de um prédio sito em área de RAN ou até a alteração da disposição das suas divisões ou mesmo uma obra no 1º andar ou uma simples pintura ( de diferente cor) carecia de parecer das CRRA, sem que tais obras impliquem qualquer nova utilização não agrícola do solo, o que seria aberrante, por violar quer o elemento teleológico, quer o elemento literal da lei, quer ainda o pensamento presumido do legislador.
XI- A exigência prevista no art. 9º nº 1 do DL 196/89 destina-se a acautelar a utilização não agrícola de solos até aí utilizado para a agricultura e não o controle urbanístico que compete a outras entidades,
XII- A interpretação da citada disposição legal feita pelo Tribunal a quo viola ainda as regras hermenêuticas previstas no art. 9º nº 2 e 3 do Cod. Civil, uma vez que tal interpretação não tem o mínimo de correspondência na letra da lei.
XIII- Mostram-se violadas as disposições conjugadas do arts. 9º nº 1 do DL 196/89 por mal interpretado e do art. 9º nº 2 do Cod. Civil por não aplicada
Nestes ternos e nos mais de direito aplicável deve o presente recurso merecer provimento e em consequência ser revogado o douto acórdão proferido em conferencia e confirmada a douta sentença proferida por Juiz singular em 1ª Instância por ter interpretado corretamente a legislação pertinente e ter decidido em conformidade.”
Em 8 de março de 2016 vieram os Contrainteressados O..... e A..... recorrer da decisão recorrida, tendo concluído:
“1ª Nos presentes autos de ação administrativa especial, o Ministério Público impugna, com fundamento em nulidade, o Despacho de 27 de Março de 2008, do Presidente da Câmara de S. Brás de Alportel que deferiu pedido de licença de obras de alteração e ampliação de moradia existente, apresentado pelo aqui recorrente e o despacho proferido a 8 de Abril de 2008, que deferiu emissão do respetivo alvará de licença de obras;
2ª Sustenta a nulidade na circunstância de o ato administrativo de licenciamento ter sido emitido ao abrigo de informação prévia nula por falta de parecer prévio favorável da Comissão da Reserva Agrícola do Algarve (CRRA) e por violação do disposto no artigo 23.º n° 3 do Regulamento do PDM de São Brás de Alportel na versão adaptada ao PROT Algarve revisto, publicada sob o Aviso n° 26039/2007 publicado no DR, 2.ª Série, N°249, de 27 de Dezembro de 2007; quando ao ato de deferimento da emissão do alvará de obras, sustenta a sua nulidade pelo facto de ser consequente do primeiro.
3ª Apreciando a questão, o Tribunal a quo identificou duas questões decidendas, a saber:
- A preterição de consulta da CRR do Algarve (no procedimento de informação prévia e no procedimento de licenciamento da operação urbanística pretendida), prevista no artigo 9º do DL 196/89, de 14 de Junho;
- A violação do disposto no artigo 23°, n.° 3 do Regulamento do PDM de S. Brás de Alportel, na versão aplicável à data da prática do ato, resultante da imposição da Resolução do Conselho de Ministros n.° 102/2007, que aprovou a revisão do Plano Regional de Ordenamento do Território para o Algarve (PROT Algarve), quando já se encontrava revogado o n.° 4 desse preceito, que até então permitia a edificação por razões ponderosas invocadas pelo interessado.
4ª A ação foi julgada procedente - declarados nulos os atos administrativos impugnados com fundamento na falta de consulta da Comissão Regional da Reserva Agrícola, cujo parecer era, no entendimento do Tribunal a quo obrigatório, à luz do disposto no artigo 9°, n.° 1 do DL 196/89.
5ª Salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao decidir da obrigatoriedade de tal parecer na situação em causa nos autos.
6ª Efetivamente, o artigo 9º, n.° 1 do Decreto- Lei n° 196/89, de 14 de Junho, vigente à data dispunha que "l - Carecem de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN.”
7ª Todavia, o elemento teleológico da interpretação deste normativo obriga a que se considere que a necessidade de parecer favorável nele previsto apenas se aplica aos casos em que se pretendam ocupar solos que apresentem aptidão para a atividade agrícola.
8ª A contrario sensu, terá que se entender que as situações em que os solos não se encontram afetos ao uso agrícola, o parecer da Comissão da Reserva Agrícola não será necessário.
9ª Pelo que, vertendo estas considerações para o caso concreto, verifica-se que o aqui recorrente, no pedido de informação prévia que apresentou no dia 19.11.2007, a que foi atribuído o n.° 254/07, peticionou a reconstrução de edificação existente, pelo que existia já uma zona impermeabilizada, como notaram, e bem, os técnicos da Câmara Municipal de S. Brás de Alportel na informação que produziram.
(Repetido no original) Ora, verificando-se que o solo que iria ser ocupado pela pretensão urbanística se encontrava impermeabilizado, por conter já uma construção, era certo que não detinha qualquer potencialidade agrícola, razão peia qual, atendendo ao espirito da lei, que é preservar essa potencialidade, veio a Câmara Municipal a entender que a situação em apreço estava excluída da necessidade de parecer prévio, entendimento que não merece censura.
10ª Isto porque, na verdade, a reconstrução em causa, efetivamente, não ocupava solo da RAN, já que se cingia a uma parcela já previamente impermeabilizada.
11ª Assim, uma vez que estava em causa a utilização de um solo já desafetado do uso agrícola, não pode a pretensão do particular aqui recorrente considerar-se abrangida pelo estatuído no artigo 9º do Decreto-lei n.° Decreto Lei 196/89, de 14 de Julho, não estando, por isso, nem a informação prévia nem o licenciamento sujeito a prévio parecer da CRRA do Algarve.
12ª Por essa razão, apesar de não terem sido precedidos dessa formalidade, nenhum desses atos estão feridos de nulidade, uma vez que o parecer da referida entidade não era necessário, nem está ferido de nulidade o ato consequente destes, ou seja o despacho que deferiu a emissão do alvará de licença de obras.
13ª Ao não ter decidido assim, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da norma constante do artigo 9º, n.° 1 do DL 196/89, de 14 de Junho, em vigor à data em que foi apresentado o pedido de informação prévia, pelo que a decisão proferida deverá ser revogada e substituída por outra que, apreciando a questão em causa, venha a concluir pela desnecessidade do parecer da referida Comissão e julgue a ação improcedente.
Termos em que se requer seja concedido provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, fazendo assim os senhores venerandos juízes desembargadores a costumada Justiça!”

Em 13 de abril de 2016 veio o Ministério Púbico apresentar as suas Contra-alegações face aos Recursos e Ampliação do Âmbito do Recurso, concluindo:
“1.ª – O douto acórdão recorrido, julgando procedente a ação, declarou a nulidade dos atos administrativos impugnados que licenciaram a construção de uma moradia num prédio situado em Reserva Agrícola Nacional pertencente aos contrainteressados O..... e mulher, A..... por preterição da obtenção de um prévio parecer da Comissão Regional de Reserva Agrícola;
2.ª – Os Recorrentes defendem que, por se estar em face de uma mera reconstrução, não era necessária a obtenção de tal parecer, até porque não houve qualquer nova utilização de solos que estivessem aptos para a agricultura;
3.º - No douto Acórdão provou-se, sem que tal tenha agora sido posto em causa, que a área licenciada para construção era superior à que vinha descrita como estando já impermeabilizada, pelo que sempre haveria uma nova utilização não agrícola do solo, mesmo na tese do ora Recorrente;
4.º - Por outro lado, no douto Acórdão não se apurou se existia previamente, naquele local, alguma construção, como sublinhado na respetiva motivação, tendo-se apenas provado que existia uma descrição registral de uma edificação de origem desconhecida;
5.ª – Nos termos do disposto nos art.ºs 8.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14/06, qualquer obra que seja titulada por uma licença e que implique uma utilização não agrícola de solos classificados como Reserva Agrícola Nacional tem que ser precedida de parecer por parte da CRRA, o qual só poderá ser positivo se ocorrer alguma das situações previstas no art.º 9.º, n.º 2, do citado diploma legal;
6.ª – No caso dos autos foi realizada uma obra que implicou uma utilização não agrícola do solo pelo que seria necessária sempre a obtenção prévia de parecer positivo por parte da CRRA;
7.ª – A não promoção da consulta à CRRA inquina de nulidade os despachos do Presidente da Câmara Municipal de S. Brás de Alportel de 27 de Março de 2008 e 8 de Abril de 2008 que, respetivamente, deferiram o pedido de licença de obras de “alteração e ampliação de moradia existente” e a emissão do respetivo alvará de obras no âmbito do Processo Camarário de Licenciamento de Obras de Construção n.º 273/07, nos termos do disposto nos art.ºs 34.º do Decreto-Lei n.º 196/89 e do art.º 68.º, alínea c), do RJUE
8.ª – Porque assim decidiu, declarando a nulidade dos atos administrativos impugnados, o douto acórdão recorrido fez correta interpretação e aplicação das normas reguladoras da questão a decidir e não é merecedor de censura.
9.ª – Considerando-se que não seria necessária a prévia consulta da CRRA no caso de se estar em face de uma reconstrução, requer-se desde já, ao abrigo do disposto no art.º 636.º, n.º 1, do CPC, a ampliação do âmbito do recurso para que se determine se existia, ou não, uma construção ou uma ruína anterior à operação realizada pelos contrainteressados;
10.ª – Os autos contêm elementos suficientes para que se prove que “naquele terreno não existia, antes do ano de 2005, qualquer construção”, nomeadamente os documentos n.ºs 4, 5, 13 e 14.
11.ª - O documento apresentado sob o n.º 5 da Petição Inicial consiste numa certidão do ortofotomapa resultante de voos de 2005, e que se encontra disponível na Câmara Municipal de S. Brás de Alportel, sendo visível no mesmo a inexistência de qualquer construção, ruína ou zona de impermeabilização do solo no terreno do contrainteressado.
11.ª - O documento indicado sob o n.º 4 (certidão do registo do teor das descrições e inscrições em vigor respeitantes ao terreno do requerente) não contém qualquer descrição de construções existentes no local.
13.º - Na Planta Topográfica do município, apresentada como documento 13, não é visível qualquer construção naquele terreno.
14.ª - Acresce que nunca na fase inicial do procedimento foi invocada, pelos contrainteressados, a existência de uma qualquer construção no local, só tendo a mesma sido invocada depois de um parecer negativo proferido pela CRRA;
15.ª – Apesar da inscrição no registo (efetuada apenas em 2006) de uma construção de origem desconhecida, a verdade é que o registo não surte eficácia constitutiva, constituindo mera presunção, ilidível, da existência do direito nos termos nele constantes (art.ºs 1.º e 7.º do Código de Registo Predial).
16.ª – Os documentos acima indicados juntos com a Petição Inicial ilidem claramente a presunção decorrente do registo.
17.ª – Resulta inequívoco dos elementos constantes do processo, visualizados e interligados entre si, que não havia no local qualquer pré-existência, pelo que a obra levada a cabo pelos contrainteressados nunca poderia ser qualificada como sendo de reconstrução, sendo antes de construção nova.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente e ser-lhe negado provimento, confirmando-se o douto acórdão recorrido.
Considerando-se não ser necessária a consulta prévia da CRRA no caso de se estar em face de uma reconstrução, deverá o âmbito do recurso ser ampliado para decisão sobre se naquele local existia, ou não, uma prévia construção.
Contendo os autos elementos suficientes para que se conclua que não existia naquele local qualquer pré-construção, deve ser dado como provado o facto indicado no art.º 15.º da petição Inicial de que não existia naquele local qualquer ruína ou pré-existência.
Assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!”

Em 1 de junho de 2016 vieram os Contrainteressados O..... e A.....a pronunciar-se relativamente à ampliação do Objeto do Recurso, concluindo:
“1ª O recorrido, a coberto da figura da ampliação do recurso, prevista no artigo 636° do CPC, pretende impugnar a matéria de facto, para que o alegado no artigo 15° da PI passe a constar como facto provado.
2ª Acontece que esta norma apenas prevê que quando se verifique pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o Tribunal possa conhecer daqueles em que a parte vencedora decaiu, se esta o requerer.
3ª A disposição em causa não permite à parte que decaiu impugnar a matéria de facto, pois tal impugnação apenas pode acontecer por via de recurso, com regras próprias que no caso não se acham cumpridas.
4ª De toda a forma, ao contrário do alegado pelo recorrido, dos autos não constam elementos suficientes que permitissem dar como provada a matéria alegada no ponto 15 da petição inicial, bem pelo contrário, pelo que bem andou o Tribunal a quo nessa parte em que não deu tal factualidade como provada.
Termos em que deve a pretendida ampliação do recurso ser rejeitada, concluindo-se em tudo como peticionado no recurso interposto.”

Em 20 de setembro de 2016 foi proferido despacho de Admissão de ambos os Recursos.

O Ministério Público, junto deste Tribunal foi notificado em 21 de setembro de 2016.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Como afirma um dos Recorrentes, “A única questão que está em causa é a interpretação do citado art. 9º nº 1 do DL 196/89”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
Mais importará verificar da admissibilidade do pedido de ampliação do objeto do recurso.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
“a) Em 7 de Agosto de 2006, o contrainteressado O..... apresentou na Câmara Municipal de São Brás de Alportel um requerimento no qual pediu informação prévia sobre a viabilidade de realizar uma obra de construção de uma moradia unifamiliar no prédio rústico, denominado «Terra do lado», com a área de 1310 m2, situado em Mealhas, Mesquita Alta, freguesia e concelho de São Brás de Alportel, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ….2 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ….2, de que era proprietário (processo administrativo n.º 173/2006) – cf. doc. 3 e doc. 4 da petição inicial;
b) Esse prédio situa-se em solo classificado como «espaços agrícolas condicionados», em área afeta à Reserva Agrícola Nacional (RAN), e com «zonas de proteção às captações públicas de águas», de acordo com a carta de ordenamento do PDM de São Brás de Alportel, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 71/95, de 9 de Julho – cf. doc. 5 da petição inicial;
c) Em 16 de Agosto de 2006, a Divisão de Planeamento Urbanístico da Câmara Municipal emitiu um parecer técnico, do qual constava, entre o mais, o seguinte: «Em conformidade com as disposições constantes nos artigos 31 e 32 do Reg. do PDM não deverá ser viabilizado o requerido sem antes consultar-se a CRR Agrícola do Algarve visto o terreno pertencer à RAN e a CCDR dadas as condicionantes que dizem respeito à sua localização como determina o art. 35 do Reg. do PDM» - cf. doc. 5 da petição inicial;
d) Por deliberação de 12 de Setembro 2006 a Câmara Municipal de S. Brás de Alportel decidiu manifestar a sua intenção de indeferir o pedido, «[a]tendendo a que o prédio rústico não está inserido em qualquer área urbana ou urbanizável», concedendo ao contrainteressado o prazo de 10 dias para se pronunciar, nos termos do artigo 101.º do Código do Procedimento Administrativo – cf. doc. 6 da petição inicial;
e) Em 19 de Setembro de 2006, o contrainteressado solicitou que o seu pedido fosse «reanalisado» ao abrigo do artigo 23.º do Regulamento do PDM de São Brás de Alportel, invocando, entre o mais, que era natural do concelho, que residia em casa de seus pais nas Mealhas, que o terreno estava localizado numa zona com muitas habitações, junto dos pais e irmã, que apenas possuía aquele terreno e que carecia de habitação própria para si e para o seu agregado familiar – cf. doc. 7 da petição inicial;
f) Por deliberação de 10 de Outubro de 2006, a Câmara Municipal de São Brás de Alportel decidiu, por ser sua intenção considerar como ponderosas as razões invocadas pelo contra interessado, informá-lo de que deveria «obter pareceres prévios da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve e Comissão Regional da Reserva Agrícola do Algarve, a fim de habilitar o executivo a tomar uma deliberação definitiva sobre o assunto» - cf. doc. 8 da petição inicial;
g) Em 20 de Novembro de 2006, a Comissão Regional da Reserva Agrícola do Algarve (CRRA Algarve) emitiu parecer desfavorável à construção da habitação com a área de ocupação de 200 m2 que o contrainteressado pretendia realizar – cf. doc. 9 da petição inicial;
h) Por deliberação de 3 de Janeiro de 2007, a Câmara Municipal de São Brás de Alportel decidiu «informar que não é permitida a construção da moradia no local pretendido, uma vez que a Comissão Regional da Reserva Agrícola emitiu no dia 20 de Novembro de 2006 parecer desfavorável à pretensão» - cf. doc. 10 da petição inicial;
i) Em 19 de Novembro de 2007, o contrainteressado O..... apresentou na Câmara Municipal de São Brás de Alportel um novo pedido de informação prévia sobre a viabilidade de realização de obras de construção de uma moradia unifamiliar, com cerca de 200 m2, no prédio acima identificado, invocando a necessidade de habitação própria para si e para o seu agregado familiar, por viver, com a sua mulher e filho menor, num «anexo» da casa dos seus pais, e não ter «alternativa viável para aquisição ou construção de habitação noutro local» (processo administrativo n.º 254/2007) – cf. doc. 11 da petição inicial e fls. 1 a 25 do respetivo processo administrativo;
j) O contrainteressado instruiu o pedido de informação prévia, entre outros documentos, com o parecer emitido pela CCDR Algarve e com um levantamento topográfico do terreno, onde constam assinaladas duas construções existentes – cf. doc. 12 da petição inicial e fls. 2 do respetivo processo administrativo;
k) Em 21 de Novembro de 2007, a Divisão de Planeamento Urbanístico emitiu uma informação técnica, na qual consta, entre o mais, o seguinte:
«(…)
2. Analisada a presente petição, relativamente ao levantamento topográfico apresentado, estes serviços informam que a zona já impermeabilizada não está registada.
3. Analisada a classe de espaços que se encontra a pretensão, atendendo ao PROT Algarve alínea c) do número 3 do preâmbulo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 102/2007 de 3 de Agosto, proibi [sic] as edificações por razões ponderosas (ponto 4 do artigo 23 do RPDM).
(…)
4. Mais se informa, tratando-se de um prédio sujeito ao regime da RAN, e sem prejuízo da legislação que regula a Reserva Agrícola Nacional, qualquer intervenção carece de consulta a CRRA – Algarve. Sendo que o pedido deverá ser solicitado junto daquele organismo pelo requerente.
(…)
6. Considerando a classificação referida anteriormente (EAC), e quando permitida, “por razões ponderosas demonstradas pelo requerente podem, excecionalmente, ser autorizadas edificações isoladas desde que daí não resultem prejuízos nem alterações significativas dos objetos que estão subjacentes em cada classe de Espaços”, ponto nº 4 do artigo 23º do Regulamento do PDM.
Assim e na sequência, ao abrigo do ponto nº 4 do artigo 23º do RPDM, a construção de novas habitações é permitida:
- Desde que não represente encargos adicionais para a autarquia, nomeadamente quanto à realização de infraestruturas;
- A superfície total de pavimento para habitação não pode ultrapassar 200 m2;
- Número máximo de pisos: dois ou 6,5 m de cércea. (…)»
[cf. doc. 14 da petição inicial e fls. 27 a 30 do respetivo processo administrativo];
l) Por deliberação de 27 de Novembro de 2007, a Câmara Municipal de São Brás de Alportel decidiu «considerar ponderosas as razões invocadas pelo requerente» e «mandar informar que é viável a construção desde que a implantação se efetue sobre a zona já impermeabilizada, de acordo com a informação técnica de vinte e um de Novembro e que as infraestruturas sejam a cargo do requerente» - cf. doc. 15 da petição inicial;
m) Em 7 de Dezembro de 2007 o contrainteressado apresentou na Câmara Municipal de São Brás de Alportel um requerimento escrito, pedindo a concessão de licença para realização de obras de «alteração e ampliação de moradia existente» (processo administrativo n.º 273/07) – cf. doc. 16 da petição inicial e fls. 1 a 42 do respetivo processo administrativo;.
n) O projeto de arquitetura previa a ampliação da superfície do pavimento existente (com 151,45 m2) em 40,10 m2, e dois pisos sendo um acima e outro abaixo da cota de soleira – cf. doc. 16 da petição inicial e fls. 12 a 14 e 29 do processo administrativo;
o) Em 12 de Dezembro de 2007, foi emitida pelos serviços informação técnica, na qual consta, entre o mais, o seguinte: «No que respeita ao PDM não existem inconvenientes de ordem técnica na sequência da viabilidade autorizada ao requerente em 27/11/07» - cf. doc. 18 da petição inicial e fls. 45 do processo administrativo;
p) Em 17 de Dezembro de 2007, por despacho proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de São Brás de Alportel, foi aprovado o projeto de arquitetura – cf. doc. 18 da petição inicial;
q) Em 27 de Março de 2008, por despacho proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de São Brás de Alportel, foram aprovados os projetos de especialidades e foi deferido o licenciamento pedido - cf. doc. 1 da petição inicial;
r) Em 8 de Abril de 2008, por despacho proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de São Brás de Alportel, foi deferido o pedido de emissão do respetivo alvará de licença de obras;
s) Em 11 de Abril de 2008, foi emitido alvará (n.º 27/2008) de obras de alteração e ampliação de moradia existente – cf. doc. 19 da petição inicial e fls. 436 do processo administrativo;
t) A contrainteressada Banco S....., S.A., tem hipoteca registada a seu favor sobre o prédio acima identificado para garantia de empréstimo concedido aos contrainteressados O.....e A..... – cf. doc. 4 da petição inicial;
u) Na caderneta predial rústica referente ao prédio inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 2682, consta em «Observações» o seguinte: «Proveniência desconhecida. Existe uma habitação. PA 691* 06 de 27/10/06» – cf. doc. 1 da contestação dos contrainteressados O..... e A......”

IV – Do Direito
Desde logo, e pela sua relevância para a ponderação e decisão da questão aqui predominantemente controvertida, e por forma a permitir uma mais eficaz visualização daquilo que se discorreu em 1ª instância, infra se transcreverá o essencial do discurso fundamentador da decisão recorrida.
“(…) O Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, diploma que estabelece o regime jurídico da urbanização e da edificação (doravante, RJUE), determinava, na redação aplicável ao procedimento de informação prévia iniciado em 19 de Novembro de 2007 (anterior, portanto, às alterações introduzidas pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro - cf. artigos 6.º, n.º 1, e 7.º), no seu artigo 14.º, n.º 1, o seguinte:
1 - Qualquer interessado pode pedir à câmara municipal, a título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística e respetivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infraestruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão.
Prescrevia este mesmo diploma, no artigo 15.º, sobre as consultas no âmbito do procedimento de informação prévia, o seguinte:
No âmbito do procedimento de informação prévia há lugar a consulta, nos termos do disposto no artigo 19.º, às entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações condicionem, nos termos da lei, a informação a prestar, sempre que tal consulta deva ser promovida num eventual pedido de licenciamento da pretensão em causa.
E determinava, no artigo 17.º (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho e pela Declaração n.º 13-T/2001, de 30 de Junho), o seguinte:
1 - O conteúdo da informação prévia aprovada vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento ou autorização da operação urbanística a que respeita, desde que tal pedido seja apresentado no prazo de um ano a contar da data da notificação da mesma ao requerente.
2 - Nos casos abrangidos pelo número anterior, é dispensada no procedimento de licenciamento a consulta às entidades exteriores ao município em matéria sobre a qual se tenham pronunciado no âmbito do pedido de informação prévia, desde que esta tenha sido favorável e o pedido de licenciamento com ela se conforme.
(…)
O Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho (alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 274/92, de 12 de Dezembro, e 278/95, de 25 de Outubro, entretanto revogado pelo artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março), diploma que, na data em que foi proferida a decisão favorável da informação prévia, estabelecia o regime jurídico da RAN, prescrevia, no artigo 8.º, n.º 1, como princípio geral, o seguinte:
1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, os solos da RAN devem ser exclusivamente afetos à agricultura, sendo proibidas todas as ações que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, designadamente as seguintes:
a) Obras hidráulicas, vias de comunicação e acessos, construção de edifícios, aterros e escavações;
(…)»
Determinava, ainda assim, no artigo 9.º, relativamente à utilização de solos da RAN condicionados pela lei geral, o seguinte:
«1 - Carecem de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN.
2 - Os pareceres favoráveis das comissões regionais da reserva agrícola só podem ser concedidos quando estejam em causa:
(…)
b) Habitações para fixação em regime de residência habitual dos agricultores em explorações agrícolas viáveis, desde que não existam alternativas válidas de localização em solos não incluídos na RAN;
c) Habitações para utilização própria e exclusiva dos seus proprietários e respetivos agregados familiares, quando se encontrem em situação de extrema necessidade sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna e daí não resultem inconvenientes para os interesses tutelados pelo presente diploma; (…)»
E prescrevia, por fim, e no que ora interessa, no artigo 34.º, o seguinte:
São nulos todos os atos administrativos praticados em violação do disposto no n.º 1 do artigo 9.º
Da conjugação das disposições deste regime resulta, pois, uma proibição geral de utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN - os quais, em conformidade com artigo 8.º, deverão ser exclusivamente afetos à agricultura – utilizações estas em que estão abrangidas, designadamente, a «construção de edifícios», que inclui, como interpretamos, as obras de reconstrução e ampliação de construções já existentes, também elas abrangidas pela letra e pelo espírito da norma, num sentido conforme ao pensamento legislativo, por também elas serem suscetíveis de contribuir para a diminuição ou destruição das potencialidades agrícolas dos solos.
Permitiu o legislador, ainda assim, a título excecional, algumas utilizações não agrícolas de tais solos – aquelas que estão discriminadas no n.º 2 do artigo 9.º - condicionando-as, porém, à emissão de prévio parecer favorável das CRRA (obrigatório e vinculativo, se desfavorável) antes da outorga de quaisquer licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas, sancionando a sua inexistência ou desconformidade com o desvalor da nulidade prevista no artigo 34.º.
4. Tendo presente este quadro jurídico, revertamos ao caso concreto dos autos.
É facto assente, reconhecido pelas partes, que a deliberação da Câmara Municipal de 27 de Novembro de 2007 que aprovou favoravelmente a informação prévia requerida pelo contrainteressado não foi precedida de consulta da CRRA, nem (logicamente) de emissão, por parte desta, de parecer prévio favorável.
Para justificar a inexigibilidade deste parecer, sustentam a entidade demandada e os contrainteressados requerentes do licenciamento que a (re)construção da edificação em causa - que, acordo com as condições da informação prévia prestada, teria que ser implantada sobre a «zona já impermeabilizada» do terreno, zona esta que alegadamente corresponderia à área ocupada por duas construções pré-existentes (reconhecidamente em ruínas) - não implicava uma «nova» utilização não agrícola de solos integrados na RAN [cf. alínea l) do probatório].
Esta tese não encontra, porém, qualquer fundamento legal.
Com efeito, estando o solo em causa integrado na RAN – e se devia ou não devia estar, é questão que não é objeto destes autos – todo e qualquer uso ou utilização não agrícola, e concretamente a construção, a ampliação ou mesmo a mera reconstrução de edificações pré-existentes, quer as obras implicassem ou não nova impermeabilização do solo, estava sujeita a consulta à CRRA do Algarve, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 196/89, para emissão de parecer favorável (o qual apenas poderia ser concedido se preenchidos os pressupostos previstos no n.º 2 do mesmo preceito).
Pelo que, mesmo que se admitisse a pré-existência de construções (em ruínas), a operação urbanística que o contrainteressado pretendia realizar – que, aliás, se veio a traduzir numa ampliação da superfície do pavimento existente [cf. alínea n) do probatório], ou seja, com acrescida «impermeabilização» do solo –, sendo uma utilização não agrícola do solo nunca poderia ser licenciada pelo município demandado sem que antes houvesse lugar à consulta da CRRA e à emissão, por parte desta, de parecer favorável.
É irrelevante, por isso, saber nestes autos se, na data, existiam efetivamente, ou não, no prédio dos contrainteressados as duas construções (em ruínas) assinaladas no levantamento topográfico que instruiu o pedido de informação prévia, com estrutura edificada e volumetricamente definida.
É, de resto, inútil averiguar se tais construções – alegadamente objeto de meras obras de «alteração» e «ampliação» - beneficiavam ou não do regime de garantia do existente, por terem sido edificadas ao abrigo do direito anterior – facto, aliás, absolutamente alheio aos pressupostos em que assentou a aprovação da informação prévia e o deferimento do pedido de licenciamento - uma vez que as obras em causa, fossem elas de construção, ou de alteração e ampliação, ou ainda de mera reconstrução, por carecerem em qualquer caso de licença administrativa, estavam necessariamente sujeitas a parecer prévio (favorável) da CRRA.
E é igualmente escusado apreciar se, como sustentam o município demandado e os contrainteressados, as obras em causa, na data em que o ato foi praticado, podiam ter sido licenciadas ao abrigo de outras normas e disposições do Regulamento do PDM de São Brás de Alportel entretanto entradas em vigor (cf. artigo 33.º e, por remissão deste, artigos 23.º-D ou 23.º-E, com as alterações introduzidas em conformidade com o Aviso n.º 26039/2007, publicado no Diário da República, n.º 249, 2.ª série, de 27 de Dezembro de 2007).
Com efeito, não tendo sido promovida a consulta da CRRA, cujo parecer prévio (favorável) era obrigatório, à luz do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 196/89, é nula tanto a decisão de aprovação do pedido de informação prévia sobre a viabilidade de realizar a operação urbanística pretendida pelo contrainteressado, como é nula a licença que ao abrigo da mesma foi concedida, por força do disposto no artigo 34.º do mesmo diploma, e bem assim, do artigo 68.º, alínea c), do RJUE (com redação hoje esclarecedora).
Por um lado, porque, sendo nula, a decisão sobre o pedido de informação prévia não podia produzir quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade, nos termos do artigo 134.º do Código do Procedimento Administrativo (que vigorava à data em que o ato foi praticado): ou seja, ela não podia servir de pressuposto ao procedimento de licenciamento da operação urbanística que se lhe seguiu, nem ao ato de deferimento que o motivou, e tão pouco o seu conteúdo era vinculativo para o órgão decisor (ou constitutivo de direitos para o contrainteressado), ao abrigo do artigo 17.º do RJUE.
E por outro lado porque, independentemente da existência ou não dessa informação prévia favorável (neste caso, nula), nunca poderia, no que ora interessa, ter sido dispensada, no procedimento de licenciamento, a consulta à CRRA, para emissão do necessário parecer favorável, nos termos legalmente exigidos pelo artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 196/89, uma vez que tal parecer, obrigatório, ainda não havia sido concedido (havendo apenas notícia, aliás, de uma anterior pronúncia desfavorável).
Por conseguinte, a licença administrativa da operação urbanística pedida pelo contrainteressado, consubstanciada no despacho do Presidente da Câmara Municipal de 27 de Março de 2008, é necessariamente nula, ex vi do disposto no artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 196/89, e do artigo 68.º, alínea c), do RJUE, por não ter sido precedida (nem no procedimento de informação prévia, nem no procedimento de licenciamento) de consulta à CRRA do Algarve para emissão de parecer prévio favorável.
E sendo nula, é igualmente nulo, por dela ser consequente, o ato que deferiu o pedido de emissão do respetivo alvará de licença, consubstanciado no despacho do Presidente da Câmara Municipal de 8 de Abril, também ele impugnado nestes autos, cuja manutenção é absolutamente incompatível com a nulidade da licença que tal alvará titularia, sem que os contrainteressados, autores do pedido de licenciamento, possam beneficiar, quanto a ele, da exceção prevista no artigo 133.º, n.º 2, alínea i), do Código do Procedimento Administrativo (vigente à data), concedida apenas aos titulares (terceiros) de um «interesse legítimo» alheio ao litígio sobre o ato principal.
Como não podem os contrainteressados, de resto, beneficiar da atribuição de quaisquer efeitos jurídicos à situação de facto decorrente do deferimento do licenciamento pedido e da emissão do respetivo alvará, traduzida na conclusão efetiva das obras, nos termos e ao abrigo do artigo 134.º, n.º 3, do Código do Procedimento Administrativo.
Com efeito, estando em causa um vício meramente procedimental, nenhuma necessidade de estabilidade das relações sociais existe que justifique a juridificação da situação de facto atualmente existente, para salvaguarda de eventuais efeitos putativos dos atos declarados nulos (como não o justificaria, de qualquer forma, o decurso do curto período de tempo que mediou entre a prática dos atos e a citação para a presente ação, e tão pouco a conduta do próprio contrainteressado marido, conhecedor de um anterior parecer desfavorável da CRRA).
Bem pelo contrário, o princípio da legalidade e os demais princípios gerais de direito, reclamam, no caso concreto, não a atribuição de quaisquer efeitos jurídicos à situação de facto, mas a sua legalização.
Essa legalização poderá e deverá ter lugar num procedimento de controlo prévio conforme ao regime atualmente em vigor - reconstituído ou novo -, no qual, caso se mantenham os pressupostos da situação em juízo, terá que ser promovida a consulta, antes preterida, à (atualmente competente) entidade regional da RAN – e as demais consultas que atualmente sejam exigidas; e nesse procedimento poderá e deverá ser praticado um novo ato administrativo em que se traduza a decisão sobre o pedido de licenciamento do contrainteressado, que, para além de cumprir os parâmetros de legalidade procedimental preteridos, pode e deve apreciar a pretensão urbanística em causa, em obediência ao princípio do tempus regit actum, à luz das normas do Regulamento do PDM vigentes à data em que vier a ser praticado.
Fica deste modo prejudicada, por absolutamente inútil, a apreciação da invocada violação do artigo 23.º, n.º 3, do Regulamento do PDM de São Brás de Alportel, uma vez que a decisão sobre a informação prévia, por ser nula, não pode servir de pressuposto a tal procedimento de controlo prévio, nem fundamentar, como tal, a autorização da edificação pelas «razões ponderosas» cuja verificação nela havia sido declarada, ao abrigo do ora revogado n.º 4 do mesmo preceito.
Razão pela qual, sendo os atos impugnados nulos, por para eles a lei cominar expressamente essa forma de invalidade, nos termos do artigo 133.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (atualmente artigo 161.º, n.º 1), não pode manter-se a decisão inicialmente proferida (sem que o anterior acórdão deste tribunal esteja abrangido pelo efeito de caso julgado, por ter sido anulado).
Deve, como tal, conceder-se provimento à reclamação e julgar-se a presente ação procedente, declarando-se a nulidade dos atos administrativos nela impugnados.”

Vejamos:
Desde logo, e no que respeita à ampliação do objeto de Recurso apresentado pelo Ministério Público, refira-se que a mesma se não mostra admissível.

Alega o Ministério Público nas suas contra-alegações de Recurso, que pretende "a ampliação do objeto do recurso ao abrigo do disposto no artigo 636°, n.° 1 do CPC, por forma a apurar se existia tal edificação e se se deveria ter dado como provado o facto indicado no artigo 15° da petição inicial".

Em qualquer caso, o pretendido consubstancia-se, não numa ampliação do âmbito do recurso, mas antes na impugnação da matéria de facto, o que teria de ser efetuado por via de Recurso independente ou Recurso subordinado.

Com efeito, resulta do invocado artigo 636°, n.° 1 do CPC, que "No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação".

Efetivamente, o referido normativo permite alargar o âmbito do recurso quanto à fundamentação em que a parte vencedora tenha decaído, e que pretenda ver reapreciada em sede de recurso, não permitindo, em qualquer caso, que por via do mesmo, o recorrido venha a impugnar a matéria de facto dada como provada ou não provada.

É o número seguinte do referido normativo que permite ao recorrido ampliar o recurso e impugnar pontos da matéria de facto diferentes daqueles que tenham sido impugnados pelo recorrente, mas apenas quando este recorra da matéria de facto, o que não foi aqui o caso.

Assim, a apresentada ampliação do objeto do Recurso não se mostra aqui admissível, uma vez que a matéria de facto não foi recursivamente impugnada.


* * *
Há aqui, desde logo, uma questão incontornável, e que se prende com a circunstância de ter sido emitido o licenciamento em zona RAN, sem que tivesse sido previamente requerida a emissão de Parecer vinculativo por parte da então CRRA.

Referia-se no Artº 9º nº 1 do DL nº 196/89 (Lei da RAN) que “carecem de prévio favorável das Comissões Regionais da Reserva Agrícola todas as licenças, concessões aprovações e autorizações administrativas relativas a utilização não agrícola de solos integrado na RAN”.

Não se diz que os licenciamentos ou as reconstruções são de todo inadmissíveis em zona RAN, nomeadamente em áreas já impermeabilizadas, atentas as concretas circunstâncias, mas antes que essa ponderação deverá ser feita pela entidade competente para o efeito, sob pena de, assim não sendo, de se poder gerar uma situação de impunidade permissiva.

Mesmo tratando-se de uma mera reconstrução, o que, em qualquer caso, ficou por provar, quer em termos de área de implantação, quer em termos de volumetria e cércea, não resulta do Artº 9º nº 1 do DL nº 196/89, que nesse caso a emissão de parecer vinculativo por parte da CRRA se mostrasse dispensada.

Como se entendeu em 1ª instância, é claro que qualquer utilização não agrícola do solo pressupunha, necessariamente, uma consulta à CRRA, a quem competia pronunciar-se quanto à sua admissibilidade, atentos os pressupostos de facto e de direito aplicáveis, não competindo ao município ou a qualquer outra entidade essa opção.

Sintomaticamente, é o próprio Preambulo do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14/06, que sublinha a necessidade de defesa dos terrenos que oferecem uma maior potencialidade agrícola pela circunstância dos mesmos representarem apenas 12% do território nacional, evidenciando-se que as principais agressões que estes terrenos têm sofrido são de natureza urbanística.

É pois em função da referida circunstância que o aludido diploma restringiu a possibilidade de usos não agrícolas aos terrenos incluídos em RAN, tendo correspondentemente submetido qualquer uso não agrícola à apreciação da CRRA competente.

A argumentação esgrimida pelos Recorrentes, de acordo com a qual, tratando-se de uma reconstrução não seria necessária a obtenção de parecer prévio por parte da CRRA, não merece acolhimento, pois é o próprio art.º 9.º, n.º 1: do Decreto-Lei n.º 196/89 que estabelece incontornavelmente que “carecem de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN”, não se excecionando qualquer pré-existência.

Acresce que o próprio Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, então aplicável, na redação dada pelos Decreto-Lei n.º 177/2001, de 04/06, e Declaração n.º 13-T/2001, de 30/06, estabelecia no seu art.º 4.º, n.º 1, al. c), a necessidade de licenciamento de obras de ampliação, mais se sublinhando na alínea d), a necessidade de licenciamento das “obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração ou demolição de edifícios situados em zona de proteção de imóvel classificado ou em vias de classificação ou em áreas sujeitas a servidão administrativa ou restrição de utilidade pública”.

Sendo reconhecido por todos que o terreno em questão se situava em zona de RAN e que não foi pedido parecer prévio à CRRA, mesmo que se tratasse de uma mera reconstrução, ainda assim sempre o referido Parecer se mostraria imprescindível, pois que era à CRRA que competia avaliar da viabilidade do licenciamento requerido, aferindo, sendo caso disso, da circunstância de se tratar de uma mera reconstrução de edificação já geradora de impermeabilização do solo.

Como se afirmou no Acórdão Recorrido, “com efeito, não tendo sido promovida a consulta da CRRA, cujo parecer prévio (favorável) era obrigatório, à luz do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 196/89, é nula tanto a decisão de aprovação do pedido de informação prévia sobre a viabilidade de realizar a operação urbanística pretendida pelo contrainteressado, como é nula a licença que ao abrigo da mesma foi concedida, por força do disposto no artigo 34.º do mesmo diploma, e bem assim, do artigo 68.º, alínea c), do RJUE (com redação hoje esclarecedora).”

Como se sumariou no Acórdão deste TCAS nº 02152/06, de 04-03-2010, “O regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional [RAN], estabelecido pelo DL nº 196/89, de 14/6, caracteriza-se por uma série de restrições sobre o uso dos solos que a integram, visando proteger “o conjunto das áreas que, em virtude das suas características morfológicas, climatéricas e sociais, maiores potencialidades apresentam para a produção de bens agrícolas” [cfr. artigo 3º do DL nº 196/89].
Na concretização dessas restrições, o artigo 8º do DL nº 196/89 estabelece como princípio geral o de que os solos da RAN devem ser exclusivamente afetos à agricultura, sendo proibidas todas as ações que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, designadamente as seguintes: “[…] a) obras hidráulicas, vias de comunicação e acessos, construção de edifícios, aterros e escavações”.
Porém, este princípio geral pode ser excecionalmente derrogado, nas situações previstas no artigo 9º do DL nº 196/89, ficando porém todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN condicionadas à emissão de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola.”
Acresce a tudo quanto se afirmou, a circunstância da obra a licenciar não corresponder sequer à área de implantação supostamente a reconstruir, pois que resulta do Facto Provado n), não impugnado, que “o projeto de arquitetura previa a ampliação da superfície do pavimento existente (com 151,45 m2) em 40,10 m2, e dois pisos sendo um acima e outro abaixo da cota de soleira”, o que só por si corresponderia sempre a um aumento da área impermeabilizada superior a 25%.

Em face de tudo quanto se expendeu precedentemente confirmar-se-á o sentido da decisão recorrida.

* * *

Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento aos Recursos Jurisdicionais apresentados, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes

Lisboa, 6 de outubro de 2022
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa