Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:663/22.6 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:VITAL LOPES
Descritores:PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
EFEITO DURADOURO
CESSAÇÃO
DECLARAÇÃO EM FALHAS
Sumário:I - Tal como vem sendo repetidamente afirmado pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, é legal a aplicação do regime consagrado no art. 327.º, n.º 1, do Código Civil (normativo aplicável por fora do disposto na alínea d) do art. 2.º da L.G.T.), face ao ato interruptivo que se consubstancia na citação em processo de execução fiscal, o qual ostenta um efeito duradouro derivado do novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, sendo que no processo de execução fiscal apenas a declaração executiva em falhas, prevista no art. 272.º, do C.P.P.T., se deverá equiparar à dita decisão que põe termo ao processo, que não a mera constatação dos respectivos pressupostos pelo tribunal.
II - A "advertência" a que se reporta o artigo 233.º do CPC (ex-artigo 241.º CPC) tem um mero efeito informativo e não jus-constitutivo da verificação da citação que seja efectuada nos termos do artigo 190.º, n.º 6 do CPPT.
III - A citação efectuada com preterição dessa formalidade interrompe a prescrição.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO
O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a reclamação deduzida por M… contra o despacho do Exmo. Senhor Coordenador da Secção de Processos Executivos de indeferimento do pedido de prescrição das dívidas contributivas do período de Maio/2008 a Outubro/2013 em cobrança no processo n.º 1001201100077070 e apensos, declarou prescritas as dívidas e determinou a extinção dos processos executivos instaurados para a sua cobrança.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos presentes autos, nos termos do qual o Tribunal a quo decidiu julgar procedente a reclamação, declarando prescritas relativamente à reclamante a totalidade das dividas em execução, com a consequente extinção dos processos executivos.

2. Entendeu-se na douta sentença – que se debruçou sobre a análise da prescrição dos valores em divida referentes às contribuições de Trabalhador Independente do período de janeiro de 2010 a outubro de 2013 - que o prazo prescricional se interrompeu na data da realização da citação, ou seja, em 05.05.2014, facto com o qual estamos de acordo.

3. O que o IGFSS não concorda é com a atribuição de efeito instantâneo a esta interrupção do decurso do prazo prescricional, por via desta citação, uma vez que não existiu qualquer decisão no processo executivo que tenha vindo por termo ao mesmo.




4. O Tribunal recorrido substituiu-se ao órgão de execução fiscal e não obstante os processos em análise nos autos não terem sido declarados em falhas, decidiu pela prescrição da dividas, por “(…) verificar que se encontrariam preenchidos os pressupostos da declaração em falhas, em ordem a aferir da retoma da contagem do prazo da prescrição”.

5. Apesar da inexistência da “Declaração em falhas” o Tribunal a quo decidiu que, perante os factos já se encontrariam preenchidos os pressupostos da Declaração em Falhas.

6. Considera o recorrente que, ao Tribunal Administrativo e Fiscal compete apreciar a legalidade dos atos praticados pelo órgão de execução fiscal não podendo a este substituir-se.

7. A competência para a emissão da Declaração em Falhas é exclusiva do órgão de execução fiscal, nos termos do artigo 3º do Decreto-lei n.º 42/2001 de 9 de fevereiro: “É competente para a instauração e instrução do processo de execução de dívidas à segurança social a delegação do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social do distrito da sede ou da área de residência do devedor”

8. Se do processo executivo não consta a Declaração em Falhas ou outra decisão que ponha termo ao processo, o Tribunal deveria ter atribuído à citação ocorrida em 5.04.2014, efeito duradouro, decidindo pela manutenção da exigibilidade dos valores em divida, mantendo o despacho reclamado.

9. Por outro lado, relativamente aos planos prestacionais, não se discute que a existência de planos de pagamento em prestações implica, a suspensão do prazo de prescrição, tal como prevê o artigo 49º n.º 4 al. a) da Lei Geral Tributária, desde que legalmente autorizados.

10. Mas o que o recorrente defende é que, a própria apresentação pelo particular de um requerimento para pagamento parcelado interrompe a prescrição, na medida em que deve ser encarado como um reconhecimento expresso do direito prestado perante o titular do mesmo, nos termos do n.º 1 do artigo 325º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT.

11. Assim, “o devedor de uma obrigação prescrita, que expressamente propõe ao credor formas de pagamento e de formulação de declarações ditas interruptivas da prescrição, necessária e implicitamente abdica desta (Abílio Neto, Código Civil Anotado, 2001, p. 250).

Nestes termos, e nos que mais V. Exc.ªs doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e consequentemente revogada a sentença recorrida, e substituída por outra no sentido de manter o ato reclamado, com o que se fará a necessária e costumada JUSTIÇA».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que remata com as seguintes e doutas conclusões:
«
1. Foi no estrito cumprimento da apreciação da legalidade que o Tribunal a quo exerceu o seu mister;
2. O périplo excurcionado relevou e maturou aquilo que a ora Recorrida entende serem a temática decidendum e probandum no presente debate, o que, curiosamente, não foi alvo de qualquer apontamento por parte da Recorrente, à parte argumentário, e, designadamente,
a) a oportunidade e regularidade da suscitação do tema em análise no processo de execução fiscal;
b) a ausência de fundamentação do douto despacho reclamado;
c) o estrito cumprimento das regras da citação;
d) a repercussão do plano de pagamento no decurso do prazo;
3. O prazo prescricional encontra-se decorrido;
4. A figura da Declaração em Falhas segue a axiologia da prescrição;
5. A dívida contributiva encontra-se extinta, sem possibilidade de coercção.
Mas sobre isto decidirá a final este Tribunal
Pelo Exposto
E nos mais de Direito
Deve ser negado provimento ao recurso e, em consequência,
Manter-se inalterada a douta sentença recorrida
Sendo certo e sabido que V. Ex.as, com douto e prudente critério e arbítrio
Farão a sempre costumada justiça».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo pela improcedência do recurso, mantendo-se na ordem jurídica a decisão recorrida.

Com dispensa dos vistos legais dada a natureza urgente do processo, e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, a questão que importa dirimir reconduz-se, em suma, a saber se o tribunal, na apreciação da prescrição da dívida, pode conhecer incidentalmente e dar por preenchidos os pressupostos da “declaração em falhas”, ainda que não declarada na execução, em ordem a aferir da retoma da contagem do prazo da prescrição, suspenso por virtude do efeito duradouro da citação.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«
Com relevância para a decisão da causa o Tribunal julga provados os seguintes factos:

A) A Secção de Processos Executivos de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) instaurou contra M…, ora Reclamante, o processo de execução fiscal (PEF) n.º 1001201100077070, para a cobrança de dívidas respeitantes a Contribuições de Trabalhador Independente relativas ao período compreendido entre 2008/05 a 2010/11 – Cfr. documentos de fls. 31 a 36 da paginação eletrónica.

B) No PEF identificado na alínea anterior foi a Reclamante citada através de ofício remetido por carta registado com aviso de receção assinado em 31.03.2011, por A…– Cfr. documento de fls. 32 a 36 da paginação eletrónica.

C) A Secção de Processos Executivos de Leiria IGFSS instaurou contra a Reclamante o PEF n.º 1001201300123838, para a cobrança de dívidas respeitantes a Contribuições de Trabalhador Independente relativas ao período compreendido entre 2010/12 a 2011/10 – Cfr. documentos de fls. 49 a 51 da paginação eletrónica.

D) No PEF identificado na alínea anterior foi a Reclamante citada através de ofício remetido por carta registado com aviso de receção assinado em 22.05.2013, pela Reclamante – Cfr. documento de fls. 49 a 51 da paginação eletrónica.

E) A Secção de Processos Executivos de Leiria do IGFSS instaurou contra a Reclamante o PEF n.º 1001201300265667, para a cobrança de dívidas respeitantes a Contribuições de Trabalhador Independente relativas ao período compreendido entre 2011/11 a 2012/10 – Cfr. documentos de fls. 49 a 51 da paginação eletrónica.

F) No PEF identificado na alínea anterior foi a Reclamante citada através de ofício remetido por carta registado com aviso de receção assinado em 11.10.2013, por A…– Cfr. documento de fls. 52 a 54 da paginação eletrónica.

G) A Secção de Processos Executivos de Leiria do IGFSS instaurou contra a Reclamante o PEF n.º 1001201400085316, para a cobrança de dívidas respeitantes a Contribuições de Trabalhador Independente relativas ao período compreendido entre 2012/11 a 2013/10 – Cfr. documentos de fls. 62 a 64 da paginação eletrónica.

H) No PEF identificado na alínea anterior foi a Reclamante citada através de ofício remetido por carta registado com aviso de receção assinado em 05.05.2014, por A…– Cfr. documento de fls. 62 a 64 da paginação eletrónica.

I) Por requerimento datado de 31.10.2013, a Reclamante requereu junto da Secção de Processos Executivos de Leiria do IGFSS o pagamento da dívida em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º 1001201300123838 em 36 prestações.– Cfr. documento de fls. 55 da paginação eletrónica.

J) O requerimento identificado na alínea anterior mereceu, em 21.10.2013, o seguinte despacho da Coordenadora da secção de processos executivos de Leiria do IGFSS Deferido o pedido de pagamento em 36 prestações. No prazo de 15 dias a contar da notificação deve o executado apresentar garantia idónea, ou requerer a sua fundada isenção, nos termos do n.º 1 e 3 do artigo 199.º do CPPT e 52.º da LGT sob pena da presente autorização ficar sem efeito.” – Cfr. documento de fls. 55 da paginação eletrónica.
K) Por ofício datado de 21.01.2014 e no âmbito do processo 1001201300123838 foi enviada à reclamante uma comunicação com o seguinte teor:
Vimos pelo presente informar que o acordo celebrado no âmbito do processo identificado na listagem em anexo se encontram em incumprimento.
Para proceder ao pagamento da prestação em atraso, deverá solicitar com a máxima urgência a emissão do documento de cobrança, através do nº 808259259 (disponível das 9H às 18H) ou através de e-mail lgfss-divida@seg-social.pt
A falta de pagamento sucessivo de 3 prestações consecutivas ou 6 interpolados importa o vencimento das seguintes, rescindindo-se o acordo celebrado se, no prazo de 30 dias o contar da presente notificação, o executado não efetuar o pagamento das prestações em atraso. Caso venha a ocorrer a rescisão do acordo, o processo prosseguira os demais trâmites legais, procedendo-se, de imediato, a diligências de penhora de todos os bens do executado.
No caso do executado ser uma pessoa coletiva, e sem prejuízo do excussão dos seus bens, o processo será tramitado para a fase de reversão, ou seja, a divido será revertida para os responsáveis subsidiários (gerentes/administradores), os quais serão responsabilizados pelo respetivo pagamento, nos termos dos arts. 22º a 24° da Lei Geral Tributário.
Caso já tenho procedido ao pagamento da prestação, queira considerar sem efeito a presente notificação.” - Cfr. fls. 60 da paginação eletrónica.

L) Em 01.07.2014, à ordem do PEF 1001201300123838 foi penhorado deposito bancário da Reclamante, no valor de 124,94€, existente na conta n.º 50067348020 do Banco Comercial Português – Cfr. documentos de fls. 75 e 76 da paginação eletrónica


M) Em 04.07.2014, à ordem do PEF 1001201300123838 foi penhorado deposito bancário da Reclamante, no valor de 31,93€, existente na conta n.º 50067348020 do Banco Comercial Português – Cfr. documentos de fls. 72 e 73 da paginação eletrónica.

N) Por requerimento datado de 11.07.2014, A…, marido da Reclamante requereu junto da Secção de Processos Executivos de Leiria do IGFSS o pagamento da dívida em cobrança coerciva em 150 prestações, sem identificar o número dos processos executivos.– Cfr. documento de fls. 65 e 66 da paginação eletrónica.

O) O requerimento identificado na alínea anterior mereceu, em 14.07.2014, o seguinte despacho da Coordenadora da secção de processos executivos de Leiria do IGFSS Deferido o pedido de pagamento em 150 prestações. No prazo de 15 dias a contar da notificação deve o executado apresentar garantia idónea, ou requerer a sua fundada isenção, nos termos do n.º 1 e 3 do artigo 199.º do CPPT e 52.º da LGT sob pena da presente autorização ficar sem efeito.” – Cfr. documento de fls. 65 e 66 da paginação eletrónica.

P) Em 14.07.2014 foram apensados os processos executivos identificados nas alíneas A. C, E e G – Cfr. informação do IGFSS de fls. 375 da paginação eletrónica.

Q) Por despacho de 25.07.2014 foi ordenada a constituição de hipoteca legal do bem imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de N…. sob o n.º 6…, da freguesia de F…., para garantia da dívida em cobrança coerciva nos processos de execução fiscal n.ºs 1001200801047221 e apensos – Cfr. documento de fls. 97 e 98 da paginação eletrónica.

R) Em 31.07.2014, à ordem do PEF 1001201300123838 foi penhorado deposito bancário da Reclamante, no valor de 609,94€, existente na conta n.º 50067348020 do Banco Comercial Português – Cfr. documentos de fls. 101 e 103 da paginação eletrónica.

S) Em 01.10.2015, à ordem do PEF 1001200801047221 foi penhorado o deposito bancário de A…, no valor de 109,94€, existente na conta n.º 50067348020 do Banco Comercial Português – Cfr. documentos de fls. 116 e 117 da paginação eletrónica.

T) Em 07.10.2015, à ordem do PEF 1001200801047221 foi penhorado o depósito bancário de A…, no valor de 31,96€, existente na conta n.º 50067348020 do Banco Comercial Português – Cfr. documentos de fls. 120 e 121 da paginação eletrónica.

U) Em 24.10.2022 a Reclamante dirigiu ao IGFSS, relativo aos processos de execução fiscal 1001201100077070 e aps. um requerimento com o seguinte teor: Serve o presente para requerer a Vª Ex.ª a prescrição da dívida do processo em curso por desconhecimento da mesma, tendo ficado viúva a 11.02.2022 de A… com NIF109…, não tendo rendimentos que possam pagar a dívida em causa, não tem emprego, nem reforma, estando numa situação económica difícil uma vez que os seus bens herdados estão hipotecados ao banco e penhorados às finanças e sem recursos financeiros para pagar as dívidas resultantes do marido falecido.
A executada pede o vosso auxilio com a maior brevidade possível.
Pede deferimento. – Cfr. documento de fls. 191 da paginação eletrónica.

V) Na sequência do requerimento identificado na alínea anterior, em 26.05.2022, os serviços do IGFSS emanaram uma informação com o seguinte teor:
“INFORMAÇÃO/PROPOSTA
1. Factos interruptivos/suspensivos
Os processos instaurados nesta Secção de Processo contra M… dizem respeito à falta de pagamento à Segurança Social das contribuições que resultam do enquadramento como Trabalhador Independente do período de maio de 2008 a outubro de 2013. Ao longo da tramitação dos vários processos foram requeridos vários acordos de pagamento prestacionais, os quais nunca foram cumpridos pela executada (planos n.º 6195/2011; 6228/2011; 2012-11-21).
2. Regime legal aplicável
A lei nº' 17/2000, de 08 de agosto prevê o prazo de prescrição de 5 anos (cfr. artigo 63.º n.º 2), prazo que se manteve com a entrada em vigor da lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro (cfr. artigo 49.º n.º 2, pela Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro (cfr. artigo 60.º n.º 3) e pelo Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS)(cfr. artigo 187.º n.º 1).
De acordo com os preceitos legais em vigor (cfr. artigo 63.º n.º 3 da lei n.º 17/2000, de 08 de agosto; artigo 49.º n.º 2 da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro; artigo 60.º n.º 4 da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro; e artigo 187.º n.º 2 do CRCSPSS), o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que aquela contribuição deveria ter sido cumprida e interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento conducente à liquidação ou à cobrança da divida «Diligências administrativas, para este efeito, serão todas as que ocorram nas processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor (como a citação, a penhora, a notificação do responsável subsidiário para se pronunciar sobre a possibilidade de reversão e a notificação do ato que a decide)» (cfr., a título exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribuna I Administrativo, 2.ª Secção, 11/03/2009, Processo 050/09).
A apresentação pelo executado de um requerimento para pagamento parcelado interrompe o prazo de prescrição, na medida em que é encarado como um reconhecimento expresso do direito prestado pelo titular do mesmo (nos termos do n.º 1 do artigo 325º do Código Civil).
Assim, "o devedor de uma obrigação prescrita que expressamente propõe ao credor formas de pagamento e de formulação de declarações ditas interruptivas da prescrição, necessária e implicitamente abdica desta" (Abílio Neto, Código Civil Anotado, 2001, p.250).
(*) A citação do(a) executado{a} para a execução fiscal tem eficácia duradoura (artigo 327.º n.2 1 do Código Civil, aplicável ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT), mantendo-se o efeito interruptivo até ao termo do processo de execução fiscal. Neste sentido o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no Processo: 01941/13 de 29-01- 2014. – Cfr. documento de fls. 196 e 197 da paginação eletrónica.

X) Com base na informação identificada na alínea anterior, foi proferido o seguinte despacho pelo Coordenador da Secção de Processos Executivos: Concordo corno proposto na presente informação, a qual dou por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, nomeadamente para efeitos de fundamentação do presente despacho de indeferimento do pedido de prescrição dos valores em dívida.” Cfr. documento de fls. 196 e 197 da paginação eletrónica.
*
Factos não provados:
1. Após o envio dos ofícios identificados nas alíneas B), F) e H), a secção de processos executivos de Leiria do IGFSS, enviou à reclamante a comunicação prevista no artigo 233.º do Código de Processo Civil.
*
Motivação:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal, referidos em cada uma das alíneas do probatório, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.».

B.DE DIREITO

Para julgar prescritas as dívidas do PEF 1001201100077070 e apensos, provenientes de contribuições para a segurança social (cf. ponto P) do probatório), a sentença concluiu, em suma, que tendo ocorrido citação antes de verificado o prazo de cinco anos da prescrição estabelecido no art.º 60.º, n.º 3 da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, a contagem do prazo ficou suspensa a partir desse acto interruptivo, por força da aplicação à prescrição das obrigações tributárias, do disposto nos artigos 326/1 e 327/1 do Código Civil.

E de facto tal entendimento encontra-se hoje estabilizado na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, como se alcança, entre muitos outros, do sumário doutrinal do ac. do alto tribunal de 13/03/2019, tirado no proc.º 01437/18.4BELRS, que transcrevemos:
«
I - Ainda que relativamente a obrigações tributárias a prescrição só possa ser aceite enquanto prevista nas normas de direito tributário que admitam a sua existência, definam o seu prazo e tipifiquem os seus actos interruptivos e suspensivos, tal não significa que o efeito dos actos interruptivos (instantâneo ou duradouro) não possa ser colhido no Código Civil, atenta a circunstância de, actualmente, inexistir na legislação tributária qualquer previsão ou regulamentação sobre a matéria. Com efeito, embora a LGT fixe, de forma taxativa, os actos interruptivos da prescrição, ela não define nem esclarece se eles têm efeito instantâneo ou duradouro.
II - É certo que durante muitos anos a legislação tributária continha essa definição – cfr. o art.º 27º do CPCI, o art.º 34º do CPT e o art.º 48º da LGT até à alteração introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 – sempre no sentido de conferir efeito duradouro a todos os actos interruptivos, já que a prescrição não corria após esses actos e só voltava a correr caso cessasse esse efeito duradouro por mor da paragem do processo por facto não imputável ao contribuinte.
III - Contudo, após a alteração introduzida no art.º 49º da LGT pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, esse regime desapareceu, deixando de haver norma a definir os efeitos dos actos interruptivos da prescrição relativamente a obrigações tributárias. Razão por que não há como deixar de aplicar as normas contidas no Código Civil, onde o artigo 326º estabelece que «a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte» e o artigo seguinte dispõe que «1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo».
IV - Razão por que, actualmente, o acto interruptivo da citação para a execução fiscal tem efeito duradouro». (fim de cit.).

Porém, decidiu o Tribunal recorrido que, apesar de não declarada pelo órgão da execução fiscal, estavam preenchidos os pressupostos da “declaração em falhas”, previstos no art.º 272.º do CPPT, que dispõe:
«Será declarada em falhas pelo órgão da execução fiscal a dívida exequenda e acrescido quando, em face de auto de diligência, se verifique um dos seguintes casos:
a) Demonstrar a falta de bens penhoráveis do executado, seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários;
b) Ser desconhecido o executado e não ser possível identificar o prédio, quando a dívida exequenda for de tributo sobre a propriedade imobiliária;
c) Encontrar-se ausente em parte incerta o devedor do crédito penhorado e não ter o executado outros bens penhoráveis».
E, reportando a última diligência executiva de apreensão de bens há mais de oito anos, fez retomar a contagem do prazo de prescrição a esse momento, entendido como aquele em que o OEF deveria ter declarado a execução em falhas, facto que corresponde “à decisão que ponha termo ao processo” e faz cessar o efeito suspensivo da citação, reiniciando-se a contagem de novo prazo de cinco anos, que, na ausência de quaisquer ocorrências com efeito interruptivo ou suspensivo do prazo de prescrição, se tinha por completado.

É certo que a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo ser de equiparar à “decisão que ponha termo ao processo”, a que declara a execução fiscal em falhas – vd. ac. do STA, de 01/31/2018, exarado no proc.º 021/18.

Consignou-se no sumário doutrinal deste último aresto:
«I - Embora o julgamento em falhas no processo executivo fiscal consista num arquivamento provisório, trata-se, inequivocamente, de uma decisão que põe termo ao processo o qual só prosseguirá nas específicas situações previstas no referido artº 274º do CPPT as quais se prefiguram como hipotéticas e indeterminadas temporalmente.
II - Sendo consabido que o elemento temporal é essencial e vital no instituto da prescrição ditado por razões de certeza e segurança jurídica tendo como principal destinatário o devedor tributário para o qual é uma garantia, evitando que possa, a todo o tempo, ser interpelado para o seu cumprimento.
III - A nosso ver qualquer interpretação no sentido de que para efeitos de aplicação do artº 327º nº 1 do C. Civil só deve entender-se a extinção do processo executivo, (como defende a recorrente) afigura-se-nos não ter sustentação na letra da lei e colidiria com as razões que presidem ao instituto da prescrição» (fim de cit.).

Sucede, porém, que embora concordemos com a posição da doutrina e da jurisprudência do STA sobre esta matéria, ela pressupõe, se bem apreendemos, que o OEF tenha declarado a dívida em falhas, o que não acontece no caso em apreço.

É certo que, a entender-se assim, o processo poderia eternizar-se por mera inércia do OEF em proferir despacho declarando a dívida em falhas (art.º 272.º do CPPT), o que mal se compagina com o princípio constitucional da segurança jurídica.

No entanto, é bom lembrar que o interessado pode sempre requerer ao OEF que declare em falhas a dívida e acrescido, caso entenda que estão reunidos os pressupostos legais para tanto.

E, caso não se conforme com o decidido, pode sempre reclamar judicialmente dessa decisão, nos termos do art.º 276.º do CPPT.

O que não nos parece de aceitar é que seja o tribunal a decidir, mesmo a título incidental e para julgamento da prescrição, se estão reunidos os pressupostos de que depende a declaração em falhas e fazendo julgamento positivo, reiniciar a contagem do prazo de cinco anos da prescrição a partir do momento em que deu por verificados tais pressupostos (no caso, correspondente à ultima diligência executiva – vd. ponto R) do probatório).

Cremos, pois, na linha do que defende o Recorrente, que a sentença não fez a melhor leitura do regime legal da “declaração em falhas” e sua repercussão na contagem do prazo de prescrição, nem a posição que tomou, salvo o devido respeito, encontra respaldo na doutrina e jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que sempre pressupõem a existência da declaração executiva em falhas como uma das formas de se extinguir um processo de execução fiscal e que com aquela declaração em falhas reinicia-se de imediato o decurso do prazo de prescrição.

Como se consignou no ac. do TCAN, de 10/27/2021, tirado no proc.º 00333/21.2BEPNF, «Tal como vem sendo repetidamente afirmado pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, é legal a aplicação do regime consagrado no art. 327.º, n.º 1, do Código Civil (normativo aplicável por fora do disposto na alínea d) do art. 2.º da L.G.T.), face ao ato interruptivo que se consubstancia na citação em processo de execução fiscal, o qual ostenta um efeito duradouro derivado do novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, sendo que no processo de execução fiscal também a declaração em falhas, prevista no art. 272.º, do C.P.P.T., se deve equiparar à dita decisão que põe termo ao processo».

Como assim, na falta da declaração executiva em falhas, a decisão do tribunal a quo de fazer reiniciar de imediato o prazo de prescrição (suspenso por virtude da citação) a partir do momento em que considerou o próprio tribunal verificados, no caso, os pressupostos daquela declaração referidos na alínea a) do art.º 272.º do CPPT, enferma de erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica.

O que significa que não ocorreu a cessação do efeito duradouro da citação, que se consubstancia em não começar a correr novo prazo de prescrição enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, sendo que no processo de execução fiscal só a declaração executiva em falhas, prevista no art. 272.º, do CPPT, se deverá equiparar à dita decisão que põe termo ao processo, que não a mera constatação judicial dos respectivos pressupostos.

As dívidas contributivas em execução no processo n.º 1001201100077070 e apensos, não se encontram prescritas.

Por último, refira-se que, tal como decidiu e neste ponto bem, a sentença recorrida, a circunstância de os avisos de recepção das citações terem sido assinados por terceira pessoa e de não se demonstrar ter sido expedida a advertência a que se refere o art.º 233.º do CPC, constitui mera irregularidade que não inquinam os efeitos da citação – vd. ac. do STA, de 12/09/2021, tirado no proc.º 01121/21.1BEBRG.

Pelo que é inultrapassável a conclusão da verificação da citação nos dias que factualmente se referem nos pontos e consequente produção de efeitos interruptivos duradouros à prescrição que daí decorrem.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a reclamação improcedente.

Custas a cargo da Recorrida.

Lisboa, 20 de Abril de 2023


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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha