Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06366/02
Secção:Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:06/06/2007
Relator:Magda Geraldes
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
PRESCRIÇÃO
POLÍCIA MARÍTIMA
Sumário:I - A instauração de um processo de averiguações só tem eficácia para suspender o prazo prescricional previsto no n.º 3 do artigo 56.º do RDPM, se à entidade detentora do poder disciplinar tiverem chegado apenas meras imputações, vagas ou abstractas, simples suspeitas da prática de comportamentos disciplinarmente censuráveis, através de participações verbais ou escritas.
II – Estando o detentor de poder disciplinar, nos termos dos artigos 4.º e 18.º RDPM, perante uma participação que desde logo revelou com razoável certeza o autor das eventuais infracções, os factos que as integravam e as circunstâncias mais relevantes em que as mesmas tinham sido praticadas, não tinha que mandar instaurar processo de averiguações, mas sim e de imediato, processo disciplinar contra o infractor.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam nos TCAS, Secção Contencioso Administrativo, 1º Juízo

CÉSAR ..., agente de 1.ª classe da Polícia Marítima (PM), vem interpor recurso contencioso de anulação do despacho datado de 27 de Março de 2002, do MINISTRO DA DEFESA NACIONAL (MDN), que lhe aplicou a pena de vinte e cinco dias de multa, graduada em 167.500$00.

Em sede de alegações de recurso, enunciou as seguintes conclusões:

“A. Na petição de recurso o recorrente levantou uma questão prévia porque na nota de notificação que acompanha o despacho de 21 de Maio de 2001 do Comandante-Geral da Polícia Marítima que puniu aquele com a pena disciplinar de vinte e cinco dias de multa, (des)informa que desse despacho punitivo havia recurso para o Almirante Chefe do Estado Maior da Armada, que é uma entidade perfeitamente incompetente em razão da hierarquia e da matéria, em virtude de S. Ex.a o Ministro da Defesa Nacional ter nela delegado, melhor, ter alienado as competências que lhe são conferidas pelo Regulamento Disciplinar da Polícia Marítima, aprovado pelo Decreto-Lei n°97/99, de 24 de Março, renúncia de competência essa que foi publicada no Diário da República, II. Série, n° 269, de 18 de Novembro de 1999, quando não existe norma habilitante para tal delegação, como, aliás, a entidade recorrida reconhece na sua resposta, violando, portanto, o n.º l do artigo 35° do Código do Procedimento Administrativo, o artigo 18°, os n°2 e 4 do artigo 92° e o artigo 93° do Regulamento Disciplinar da Polícia Marítima, aprovado pelo Decreto-Lei n°97/99, de 24 de Março.
B. Contudo, caso o recorrente não arguisse a nulidade dessa delegação de competências, o recurso hierárquico teria sido mesmo apreciado por uma estrutura militar, quando a Polícia Marítima não passa de um órgão de polícia criminal, nos termos do disposto no n°2 do artigo 2° e n°2 do artigo 4° do Estatuto de Pessoal da Polícia Marítima, aprovado pelo Decreto-Lei n°248/95, de 21 de Setembro.
Só por essa razão é que S. Ex.a o Ministro da Defesa Nacional avocou a competência decidindo do recurso, não obstante se considerar que o procedimento disciplinar é nulo, nulidade insanável refira-se, por força da alínea d) do n°2 do artigo 133° do Código do Procedimento Administrativo, não ficando, no entanto, sanada a nulidade com aquela avocação.
C. Além disso, e já não é pouco, o processo disciplinar enferma de outras nulidades insupríveis, desde logo limita-se a remeter para penas que não inviabilizam a relação funcional, como as dos artigos 45° e 47°, e depois para uma pena que inviabiliza aquela relação, como a do artigo 48°, todos do Regulamento Disciplinar da Polícia Marítima, isto é, não existe coerência lógica ao propor uma pena de multa, aplicável em caso de negligência ou má compreensão dos deveres funcionais de que resulte manifesto prejuízo para o serviço, para a disciplina ou para o público (artigo 45°), ou uma pena de inactividade, aplicável sempre que forem praticados actos que atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio do agente (artigo 47°), passando depois a propor uma pena de aposentação compulsiva e demissão (artigo 48°),
Que racionalidade é que esta proposta tem?
Como é possível propor ao mesmo tempo uma pena de multa e uma pena antagónica de aposentação compulsiva e demissão?
Face a isto, como é que os direitos de audiência e defesa do recorrente estão assegurados?
Para se proporem propostas de penas tão dispares a qualificação da falta terá forçosamente de ser feita com base noutra imputação.
"Da acusação em processo disciplinar deve constar a moldura disciplinar correspondente à infracção em causa, mas não a pena concreta que dentro dessa moldura (a tratar-se de pena variável) poderá vir a ser aplicada ... ".
Isto é, se na acusação se propõe uma pena de multa para um facto presumidamente negligente não e pode também propor uma pena que fuja à presumida negligência, como aquelas que inviabilizam a relação funcional. Ou bem que a conduta é negligente ou bem que ela é dolosa, não podem é ser as duas ao mesmo tempo para a presumível felta disciplinar, pelo que há vicio de violação de lei dos artigos 45°, 47° e 48° do Regulamento Disciplinar da Polícia Marítima (RDPM).
É evidente que os direitos de audiência e defesa dos artigos 269°, n°3 e 32°, n°10 da Constituição da República Portuguesa não são garantidos, assim como não está assegurado o direito de defesa ampla prevista na lei, por ofensa ao princípio do contraditório, dominante no processo disciplinar depois de decorrida a fase da instrução, consagrado no artigo 32°, n°5 da Lei Fundamental, além de que o recorrente não consegue compreender o sentido da acusação pois ficou sem saber qual a punição que lhe podia ser aplicada e qual o critério face a tamanha disparidade entre as propostas de punição.
D. Em 8 de Setembro de 2000 o processo de averiguações foi mandado arquivar, estando concluído em 21 de Junho de 2000. E foi mandado arquivar, "aguardando-se eventuais e posteriores situações desprestigiantes para o que justifique intervenção de natureza disciplinar”.
Sem que houvesse qualquer situação desprestigiante, em 30 de Outubro de 2000, data em que já tinham decorrido mais de trinta dias após o processo de averiguações estar concluído, sem que nos termos do artigo 107°, n° l, do RDPM, tivesse sido ordenada a instauração de processo disciplinar, é ordenado que se proceda a diligências complementares no processo de averiguações.
Foi ultrapassado o prazo máximo de três meses, previsto no artigo 56°, n° 3, do RDPM, quando em 10 de Janeiro de 2001, sem que tivesse havido qualquer situação desprestigiante, desde 30 de Outubro de 2000, é mandado proceder a processo disciplinar, e em 21 de Maio de 2001, é punido disciplinarmente.
Há violação de lei, pois o processo disciplinar estava prescrito.
E. Foi referido na petição de recurso que a acusação não se contém nos termos e nos limites do artigo 81° do Regulamento Disciplinar da Polícia Marítima no tocante às circunstâncias atenuantes e agravantes que as não enuncia, apenas remetendo para os artigos daquele diploma regulamentar, o que não possibilita o exercício do direito de defesa na sua plenitude, sendo nula ou anulável nos termos do artigo 87° do Regulamento Disciplinar.
Termos em que, por violação dos comandos invocados, deve o despacho de 27 de Março de 2002 de S. Ex.a o Ministro da Defesa Nacional que mantém a sanção disciplinar de 25 dias de multa, ser anulado.”

Notificada para apresentar alegações, no processo supra identificado, disse a entidade recorrida:

“A) O despacho posto em crise negou provimento ao recurso interposto do despacho do CGPM, de 21.05.2001, confirmando a decisão que puniu o recorrente com a sanção disciplinar de vinte e cinco dias de multa, com base no procedimento disciplinar que o antecedeu, o qual decorreu em estrita observância da legalidade.
B) Não procede a argumentação defendida pelo recorrente, quanto a uma alegada "questão prévia" relativa a uma nulidade do despacho de delegação de competências do Ministro da Defesa Nacional no Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), em matéria disciplinar, para daí concluir que esta nulidade afecta o procedimento disciplinar e, por consequência, o acto posto em crise.
C) Com efeito, da referida delegação de competências não advém quaisquer consequências para o acto ora impugnado, uma vez que, conforme se pode constatar do presente processo administrativo, o CEMA não teve qualquer intervenção nas decisões tomadas, nem ao nível do procedimento disciplinar, nem ao nível da apreciação do recurso hierárquico interposto pelo recorrente, pois quem acabou por decidir foi a entidade verdadeiramente competente ou seja, S. Exa. o Ministro da Defesa Nacional.
D) A acusação tal como se encontra deduzida no procedimento disciplinar cumpre o exigido pelo art° 81° do RDPM quanto à sua forma e conteúdo, permitindo ao arguido compreender o sentido e o alcance do seu conteúdo, pelo que, e em consequência, o procedimento disciplinar não padece da alegada nulidade insuprível.
E) Em primeiro lugar, porque da acusação consta, entre outros elementos, a moldura penal aplicável, ou seja indica o quadro legal sancionátorio a que corresponde a prática das infracções aos deveres de deveres de correcção e aprumo, previstos nas alíneas f) e i) do art° 7°, 13° e 16° do RDPM, indicando como penas aplicáveis desde pena menos grave - a pena de multa prevista no art° 45°, passando pela pena de inactividade, prevista na alínea a) do art° 47° - à pena mais grave: a da aposentação compulsiva e demissão estipulada na alínea c), do n° 2 do art° 48, todos do RDPM.
F) Em segundo lugar, porque da acusação consta a indicação das circunstâncias atenuantes (v. alíneas b), d), e) e i) do n° l do art° 53° do RDPM) e agravantes (v. alíneas d) e f), do n° l, de art° 54° do RDPM), como facilmente se pode constatar do confronto da acusação com as disposições legais nela indicadas, não se vislumbrando assim qualquer diminuição do direito de defesa do recorrente.
G) No que concerne à prescrição do presente procedimento disciplinar invocada pelo recorrente, também não lhe assiste razão, porquanto o seu raciocínio encontra-se eivado em erro, quando não pondera na sua contagem os factos suspensivos e interruptivos do prazo prescricional que entretanto ocorreram no procedimento, de acordo com o previsto nos n° 4 e 5 do mesmo art° 56° do RDPM, como atrás se demonstrou.
H) Acresce que os prazos previstos nos art.º 106.° e no n° l, do art° 107°, ambos do RDPM, são meramente ordenadores, pelo que a sua inobservância constitui mera irregularidade que não afecta a validade de quaisquer dos actos do procedimento disciplinar, nomeadamente do acto conclusivo.
J) Quanto ao mérito da decisão, e atendendo a que não resultou provada dos autos a invocada situação de reconciliação entre o arguido e o queixoso, não poderia esta ter relevado na gradação da pena aplicada, nos termos do art° 43° do RDPM.
L) Conclui-se, deste modo, que o procedimento disciplinar em apreço decorreu em observância e no estrito cumprimento das normas legalmente aplicáveis.
Bem andou, portanto, S. Exa. o Ministro da Defesa Nacional ao indeferir o recurso hierárquico interposto pelo recorrente, confirmando o acto do Exmo. Sr. Comandante-Geral da Polícia Marítima, de 21.05.2001, que puniu o recorrente com a sanção disciplinar de vinte e cinco dias de multa.
Termos em que o acto recorrido, ao contrário do invocado pela recorrente, não enferma de quaisquer vícios de fundo ou forma, devendo ser mantido.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, não padecendo o despacho impugnado dos vícios alegados pelo recorrente, deve ser negado provimento ao presente recurso contencioso de anulação, assim se mantendo o despacho recorrido e sendo feita justiça.”

O Exmº Magistrado do MºPº, junto deste Tribunal, emitiu parecer pronunciando-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

OS FACTOS

Dos documentos juntos aos autos, das posições assumidas pelas partes e do constante do processo instrutor apenso, julga-se provada a seguinte matéria de facto com interesse para a decisão:
a) - no dia 11 de Abril de 2000, o recorrente, agente de 1.a classe da PM, dirigiu-se ao agente de 1.a classe da mesma Polícia, Martinho Reis Carolino, no interior das instalações do Comando Local de Setúbal, em voz alta e gesticulando, usando os seguintes termos; “és um porco de merda”, “palhaço de merda” e “grande javardo” (Cfr. ponto I, II e III da nota de acusação, e artigo 44.º da petição);
b) - no seguimento da queixa apresentada ao Comandante Local da PM (CLPM), pelo agente Martinho Reis Carolino, em 12/04/2000, foi ordenada a abertura de processo de averiguações, n.º P. 24-090/2000, em 13/04/2000 (fls. 3 e ss da PI);
c) - a abertura daquele processo foi comunicada à Chefia do Serviço com o conhecimento do Comando-Geral da Polícia Marítima, em 17/04/2000 (fls. 5 da PI);
d) - uma vez apreciados os factos e a defesa produzida, o oficial Instrutor deu como provada a matéria de facto constante das conclusões (fls. 29 e 30 da PI): CONCLUSÕES
Face ao narrado no presente relatório, não ficam dúvidas que o agente César Silva, não usou da correcção devida para com o agente Carolino, ao não ter adoptado procedimento ponderado, linguagem correcta e serenidade quando se lhe dirigiu, pois devia ter usado de moderação, compreensão e respeito para com o mesmo, factos que não aconteceram talvez por motivos impensados e exaltação; todavia, tudo se passou sem qualquer interferência na missão policial que a ambos está incumbida de desempenhar ao serviço deste Comando Local, podendo considerar-se o ocorrido como um acto meramente pessoal entre eles, e susceptível de queixa e resolução através dos tribunais civis, se o ofendido assim o entender, devendo o agente César ser chamado à atenção para que casos desta natureza não se venham a repetir, devendo o processo ser arquivado se assim for do entendimento de quem de direito. Factos que levo ao conhecimento de V. Ex.a para os fins julgados convenientes.
Setúbal, 21 de Junho de 2000”;
e) - sobre aquela proposta incidiu o despacho, do Capitão de Mar e Guerra, Comandante Local da Polícia Marítima, datado de 08/09/2000, com o seguinte teor; “Tendo presente que não foram registados posteriores incidentes ou discórdias, factos desprestigiantes e lamentáveis para o bom funcionamento do serviço, decido por arquivar o processo no pressuposto de que o processo de averiguações conduziu à necessária introspecção indispensável à recuperação do bom entendimento e concórdia anteriormente existente”
(fls. 31 do PI)
f) - em 14/09/2000, o queixoso requereu que: “… seja notificado do estado em que se encontra o processo.” (fls. 35);
g) - em 21/09/2000, o instrutor do processo procedeu á notificação do queixoso (fls.36);
h) - notificado do despacho de arquivamento, o queixoso, por dele discordar, interpôs recurso junto do CGPM (fls.55 do PI);
i) - no seguimento daquele recurso, por despacho de 30/09/2000, decidiu o CGPM determinar a realização de diligências complementares, “…no sentido de se confirmar a efectiva conciliação entre os dois agentes...” (fls. e 38 da PI);
j) - feitas as diligências complementares, onde se conclui “não ter havido conciliação entre ambos”, decidiu o CGPM, por despacho datado de 10/01/2001, ordenar a instauração de processo disciplinar, o qual teve início em 23/01/2001 (fls. 49, 50 e53 do PI);
l) - notificado do despacho referido em i) o recorrente apresentou reclamação, com data de 12/01/2001, onde, em síntese, alega a prescrição da responsabilidade disciplinar e a nulidade do recurso do participante, por tal recurso não estar previsto no RDPM (fls. 78 da PI);
m) - em 26/01/2001 foi autorizado ao recorrente a consulta do processo em que era arguido, conforme o requerimento por si apresentado na mesma data (fls. 63 e 64 da pi);
n) - por despacho do CGPM, de 19/02/2001, a reclamação referida em j) foi indeferida por ser extemporânea, e ordenada a continuação do processo disciplinar (fls. 82 da pi);
o) - concluída a instrução, em 15/03/2001, foi deduzida contra o arguido, ora Recorrente, a seguinte acusação, constante de fls. 93 do PI:

“------------------------------------------NOTA DE ACUSAÇÃO------------------------------
Nos termos do artigo 80°, n° 2, do Decreto Lei n° 97/99, de 24 de Março, que aprovou o Regulamento Disciplinar da Polícia Marítima - RDPM, acuso o 31001783, agente de 1a classe da Polícia Marítima, CÉSAR ... SILVA, pela prática dos seguintes factos:
I
No dia 11 de Abril de 2000, pelas 12.00 horas, encontrando-se no seu local de trabalho Comando Loca! da Policia Marítima de Setúbal, após ter procedido à leitura de uma citação judicial que acabara de receber, remetida pelo Tribunal Cível de Lisboa, relacionada com aspectos respeitantes à Associação Sócio-Profissional da Polícia Marítima, de cujos órgãos sociais é membro, dirigiu-se ao 31000185, agente de la classe da mesma Policia, MARTINHO REIS CAROLFNO, que permanecia no páteo das referidas instalações, situado em zona interior ao respectivo perímetro, onde dialogava com o 31002883, igualmente agente de 1a classe da Polícia Marítima, CARLOS ALBERTO DA SILVA e, apontando para os documentos que estivera a ler e que segurava em uma das mãos, em tom exaltado injuriou-o nos seguintes termos: "palhaço, porco, grande javardo", repetindo as palavras "palhaço de merda e grande javardo".
II
O agente Carlos Silva, que permanecia junto ao Carolino, confirmou os factos, concretizando que escutou nitidamente as seguintes palavras: "porco de merda, mais uma vez me estas a chamar ladrão. Seu javardo, palhaço", sendo que as palavras "porco, javardo e palhaço" escutou-as repetida­mente.
III
-------Os factos ocorreram no local de serviço - páteo das instalações do Comando Local da Polícia Marítima de Setúbal, espaço separado por um gradeamento metálico do páteo que lhe fica imediata­mente contíguo, e que é pertença da Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra-APSS, local onde, na ocasião, circulavam pessoas que, eventualmente, poderão ter escutado as palavras proferidas pelo César e dirigidas ao agente Carolino; todavia, porque nenhuma dessas pessoas ou quaisquer ou­tras foram indicadas para testemunhar ou confirmar este aspecto, não ficou provado que o incidente tivesse sido do conhecimento de alguém estranho aos seus intervenientes
IV
-------O comportamento manifestado pelo agente César Augusto de Sousa Silva, constitui infracção aos deveres gerais mencionados no artigo 7° do RDPM, nomeadamente os deveres de correcção e de aprumo previstos no n° 2, alíneas J) e i), do referido artigo, tipificados, respectivamente, nos artigos 13°, n° l e n° 2, alínea d) e 16°, n° l, e n° 2, alínea h), ficando, sujeito, por isso, em sede de decisão disciplinar final, atentos todos os factos, circunstâncias e contornos da situação, a uma sanção disci­plinar que poderá situar-se no quadro preceituado pelos artigos 45°, 47°, alínea a), e 48, n° 2, alínea •), todos do RDPM.
V
-------Militam a favor do arguido as circunstâncias atenuantes previstas no artigo 53°, n° l, alínea 6), atento ao n° 2 do mesmo artigo, dado que do registo disciplinar não constam quaisquer punições, bem como as das alíneas t/), t;), h) e /") do n° l do supracitado artigo, e contra, as agravantes previstas no artigo 54°, n° l, alíneas d) e /), ambos do Regulamento Disciplinar da Polícia Marítima, Dec. Lei n° 97/99, de 24 de Março. -
VI
------É concedido ao arguido um prazo entre dez e vinte (10 e 20) dias, a contar da data da notifica­ção efectiva, para, querendo, apresentar a sua defesa, oferecendo todos os meios de prova admissíveis em direito, de acordo com o artigo 82°, n° l, e em conformidade com o disposto no artigo 84°, ambos do RDPM
Lisboa, 15 de Março de 2001 O Instrutor”;
p) - no dia 15/03/2001, foi deferido requerimento do recorrente, com a mesma data, a solicitar a confiança do processo para elaboração da sua defesa (fls. 115 e 116 da pi);
q) - foi elaborado relatório final do processo disciplinar, constante em fls. 147 e ss do PI, que concluiu, para além do mais, da seguinte forma:
“(…)Das diligencias de prova solicitadas, resultou a confirmação de que o sucedido entre os dois agentes não foi prejudicial à ordem instituída no Comando Local de Setúbal, nem daí resultou prejuízo para o serviço. Conclui-se, também, que, quer a imagem da Marinha quer da Polícia Marítima não foram afectadas junto da população da cidade de Setúbal nem da comunidade portuária em particular, não se provando, porquanto, que o incidente entre os dois agentes tivesse sido presenciado ou escutado por alguém, para além dos seus intervenientes directos e do agente Carlos Silva.
Perante o exposto, infere-se que o arguido cometeu a infracção que lhe foi imputada na respectiva nota de acusação, e que agora se reproduz, por não se terem alterado os factos.
Assim, ao ter proferido as injúrias já enunciadas, o agente CÉSAR ... SILVA, infringiu os deveres gerais constantes do artigo 7° do RDPM-Regulamento Discipli­nar da Polícia Marítima, nomeadamente os deveres de correcção e de aprumo previstos no n° 2, alíne­as/) e i) do referido artigo, tipificados, respectivamente, nos artigos 13°, n° 1 e n° 2, alínea (t) e 16°, n° l e n° 2, alínea A), podendo, por isso, ficar sujeito a uma sanção disciplinar que poderá situar-se no quadro preceituado pelos artigos 45°, 47°, alínea a), e 48°, n° 2, alínea c), todos do RDPM.
Porém, e pese embora a infracção praticada pelo visado encerre alguma gravidade, porquanto os aspectos disciplinares, que se pretendem ao melhor nível no seio da Instituição, tivessem sido afectados, em nada dignificando a ordem e disciplina que devem vigorar; atento a todos os circunstancialismos que rodearam a prática da infracção, à inexistência de antecedentes de carácter disciplinar e às atenuantes que militam a favor do arguido, considera-se justa e adequada a pena de multa prevista no artigos 25°, n° l, alínea c), e 45°, com os efeitos resultantes do estabelecido nos artigos 27°, n° 2 e 29°, n° l, alínea a), todos do RDPM-Regulamento Disciplinar da Polícia Marítima.
Lisboa, 7 de Maio de 2001”;
r) - em concordância com aquele relatório, foi o recorrente punido disciplinarmente pelo CGPM, nos termos do despacho de 21/05/2001, com o seguinte teor:
“1 Atento o conteúdo do processo disciplinar P.24-090/00 que me é presente - mandado instaurar por despacho de 10 de Janeiro de 2001 - e, bem assim, do respectivo Relatório conclusivo, no qual é arguido, o 31001783, agente de 1a classe da Policia Marítima (PM), César ... Silva, considero que;
a)Ficou integralmente provado nas várias diligências processuais/averiguatórias realizadas ao longo do processo que o arguido no dia 11 de Abril de 2000, nas instalações do Comando Local da PM de Setúbal, se dirigiu ao 31000185, agente de 1a classe da PM Martinho Reis Carolino, chamando-lhe "palhaço", "porco" e "grande javardo":
b)Ficou, também, provado que as referidas designações, foram presenciadas por um outro elemento da PM (31002883, agente de 1a classe Carlos Alberto da Silva) a prestar serviço no referido Comando Local;
c)Provou-se que o referido incidente nada teve a ver com assuntos de natureza profissional, mas sim, com uma questão cuja resolução decorria em âmbito Judicial, relacionada com problemas de índole associativo, mais propriamente da Associação Sôcio-Profissional da PM (ASPPM);
d)Ficou provado que tais epítetos dirigidos pelo arguido ao agente Martinho Reis Carolino não foram presenciados ou ouvidos por outros elementos da PM, ou por qualquer outra pessoa que não somente o 31002883, agente da PM, Carlos Alberto da Silva.
2.Neste contexto, e tendo em consideração os factos que ficaram provados no processo disciplinar em referência e, bem assim, todas as outras circunstâncias a favor e contra o arguido que se encontram especificamente previstas no artigo 43° do Decreto-Lei n° 97/99, 24 de Março, diploma instituidor do Regulamento Disciplinar da Policia Marítima (RDPM), aplique-se a sanção disciplinar de 25 (vinte e cinco) dias de multa, a 6.700$00 (seis mil e setecentos escudos) por dia, no valor total de 167.500$00 (cento e sessenta e sete mil e quinhentos escudos), nos termos do artigo 45° do RDPM.
3. Notifique-se o arguido e o respectivo mandatário judicial, em conformidade.”
(fls. 153 do PI)
s) - da nota de notificação daquele despacho, com data de 29/05/2001, consta, que “caso pretenda impugnar o acto administrativo o poderá faze-lo hierarquicamente, para sua Excelência o Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada, atento o estipulado no n° 3 do Despacho do Ministro da Defesa Nacional, n° 22166/99, (2a série), de 5 de Novembro, artigos 91°, 92° e 93° do RDPM, e artigos 158°, n° 2, alínea b) e 166° do Código de Procedimento Administrativo, no prazo de 30 (trinta) dias” (fls. 155 da PI);
t) - não se conformando com tal decisão punitiva o arguido apresentou recurso hierárquico na Repartição de Gestão do Pessoal da PM, com data de entrada em 26/07/2001, dirigido ao Exmo Sr. Chefe do Estado-Maior da Armada (fls. 158 da PI);
u) - sobre aquele recurso hierárquico foi elaborado Informação 6726/2002, de 08/03/2002, do Departamento de Assuntos Jurídicos, do Ministério da Defesa Nacional, no qual foram formuladas as seguintes conclusões:
“IV • Conclusões
No que respeita ao invocado pelo recorrente quanto à nota de culpa (ou acusação), não corresponde à verdade que a mesma se encontre ferida de nulidade, configurando falta de audiência prévia, por não indicar as penas aplicáveis, nem as circunstâncias atenuantes e agravantes.
Com efeito, constata-se que a acusação tal como se encontra deduzida no presente procedimento disciplinar em nada afecta as garantias constitucionais de audiência e defesa do arguido, dado cumprir o exigido pelo art. ° 81° do RDPM quanto à sua forma e conteúdo, permitindo ao arguido compreender o sentido e o alcance do seu conteúdo, pelo que, e em consequência, o procedimento disciplinar não padece da alegada nulidade insuprível.
Quanto à possibilidade de recurso hierárquico do despacho de arquivamento do CLPM, c ao contrário do entendido pelo recorrente, quer o art° 75° do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes, aprovado pelo D.L. n° 24/84, de 16.01, quer o disposto nos artigos 166° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, aplicáveis subsidiariamente à matéria em apreço por via do art° 67° do RDPM, prevêem tal possibilidade, pelo que a sua interposição por parte do queixoso junto CGPM não consubstancia nenhuma nulidade processual.
No que respeita aos prazos previstos na lei para a conclusão do processo de averiguações, refira-se que os mesmos são meramente ordenadores ou indicadores, pelo que a sua inobservância constitui mera irregularidade que não afecta a validade de quaisquer actos do procedimento disciplinar, nomeadamente do acto conclusivo.
Acresce, ainda, que no que toca ao invocado pelo recorrente quanto à questão dos prazos, e tal como acima se demonstrou (cfr. ponto 32 dapresente informação), não ocorreu a prescrição do presente procedimento disciplinar.
Também não está correcto o entendimento do recorrente quanto à falta de referência das circunstâncias atenuantes e agravantes na decisão impugnada, porquanto tais circunstâncias se encontram descritas no relatório do instrutor, e atendendo a que não existe no despacho impugnado qualquer manifestação de discordância do seu teor (cfr, n° 2 do art° 89° doo RDPM), conclui-se que o despacho punitivo não padece de falta de fundamentação, considerando-se o mesmo válido.
Quanto ao mérito da decisão, e atendendo a que não resultou provada dos autos a invocada situação de reconciliação entre o arguido e o queixoso, não poderia esta relevado na gradação da pena aplicada, nos termos do art° 43° do RDPM.
Ademais, quanto à eventual situação de cordialidade e ausência de perturbação do serviço, nem o recorrente retira quaisquer consequências do invocado na petição de recurso, nem a decisão, uo aplicar a pena de multa ao recorrente, deixa de ser justa e adequada, tendo em atenção iodos os elementos provados no processo relativos à infracção, ao agente e aos circunstancialismos que rodearam a prática da mesma.
L. Assim, é nosso entendimento que o procedimentos disciplinar não padece dos invocados vícios, nem, por consequência, o despacho do Exmo. Sr, Comandame-Geral da Polícia Marítima, proferido em 21.05.2001, que puniu o recorrente com a sanção disciplinar de 25 dias de multa.
Pelo exposto, propõe-se a Sua. Exa. o Ministro da Defesa Nacional a confirmação do acto em causa, indeferindo expressamente o recurso interposto.
À consideração superior. DeJur, 8 de Março de 2002”
v) - esta informação mereceu despacho de concordância do Ministro da Defesa Nacional, conforme manuscritos datados de 27/03/02, constantes em doc. 1 dos autos.


O DIREITO

Fixada a matéria de facto, começar-se-á por indagar se procede a arguição da ilegalidade da delegação de poderes do MDN, operada pelo despacho n.º 22166/99, publica no D.R. II Série n.º 269, de 18/11/99, no CEMA.
Da ilegalidade da Delegação de Competências.
Entende o recorrente que, apesar do Ministro da Defesa Nacional ter avocado a competência e decidido o recurso hierárquico, “… o procedimento disciplinar é nulo, nulidade insanável refira-se, por força da alínea d) do n°2 do artigo 133° do Código do Procedimento Administrativo, não ficando, no entanto, sanada a nulidade com aquela avocação.”
Todavia, esta questão se mostra-se sanada, não só porque o despacho verticalmente definitivo e contenciosamente recorrível foi praticado por quem detinha legalmente a competência própria para conhecer do recurso hierárquico, o MDN, como observa o Exmº MMP junto deste TCAS, mas ainda porque no momento em que o recorrente apresentou o seu recurso hierárquico, na RGPPM, com data de entrada em 26/07/2001, o autor daquela delegação de poderes já não era titular da pasta da Defesa (foi titular da pasta da defesa entre 25/10/1999 a 02/07/2001).
Sendo a delegação de poderes uma acto praticado “intuitu personae”, nos termos da al. b) do artigo 40.º do CPA, a delegação de poderes efectuada pelo então MDN já se encontrava extinta
Assim sendo, improcede a invocada Ilegalidade da Delegação de Competências.

Da Prescrição da Responsabilidade Disciplinar.

Vejamos agora a questão da prescrição da responsabilidade disciplinar, vício imputado ao acto recorrido pelo recorrente no ponto D. das conclusões, e que é de conhecimento prioritário sobre os restantes vícios, por a sua eventual procedência determinar mais estável ou eficaz tutela dos interessados ofendidos (cfr. al. a) do n.º 2 do artigo 57.º LPTA).
Como resulta da matéria de facto provada, os factos imputados ao recorrente e integradores da infracção disciplinar, foram por aquele praticados no dia 11/04/2000, e participados ao comandante local da polícia militar no dia seguinte, em 12/04/2000.
No seguimento daquela queixa, foi ordenada a abertura de um processo de averiguações, em 13/04/2000, e informado o Comando-Geral da Polícia Marítima, da abertura do processo daquele processo e dos factos imputados ao arguido.
Depois de concluído o processo de averiguações, em 21/07/2000, e no seguimento da proposta de arquivamento do oficial instrutor, foi decidido pelo CLPM, por despacho de 08/09/2000, arquivar o processo.
No seguimento de um recurso apresentado pelo queixoso, por despacho de 30/09/2000, decidiu o CGPM determinar a realização de diligências complementares no sentido de se confirmar a efectiva conciliação entre os dois agentes.
Feitas as diligências complementares, onde se concluiu “não ter havido conciliação entre ambos”, decidiu o CGPM, por despacho datado de 10/01/2001, ordenar a instauração de processo disciplinar.
Face a esta sequência temporal, entende a ER que a instauração do processo de averiguações, em 13/04/2000, suspendeu o decurso do prazo prescricional, nos termos do n.º 5, do artigo 56.º do RDPM, e que esta suspensão se manteve até à 08/09/2000, data em que foi proferido o despacho de arquivamento, sendo novamente interrompido o prazo prescricional com o despacho de 30/10/2000, que ordenou a realização de diligências complementares.

Vejamos se é assim.
As normas do RDPM em causa dispõem da seguinte forma:

“Artigo 56.º
Prescrição do procedimento disciplinar
1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que a infracção tiver sido cometida.
2 –(…)
3 - A responsabilidade disciplinar prescreve também se, conhecida a infracção pela entidade com competência disciplinar, não for instaurado procedimento no prazo de três meses.
4 - A prescrição considera-se interrompida pela prática de acto instrutório com incidência na marcha do processo e pela notificação da acusação ao arguido.
5 - Suspende o decurso do prazo prescricional a instauração de processo de sindicância ou de mero processo de averiguações, bem como a instauração de processo de inquérito ou disciplinar em que, embora não dirigidos contra agente da PM, venham a apurar-se infracções por que seja responsável.”

Como resulta dos n.ºs 1 e 3 do artigo 56.º do RDPM, o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que a infracção tiver sido cometida, sem dela haver conhecimento por parte da entidade com competência disciplinar. Mas se tal conhecimento ocorrer, então a prescrição verificar-se-á também, se o procedimento não for instaurado no prazo de três meses, desde que tal prazo não tenha sido interrompido, nos termos do n.º 4, ou suspenso nos termos do n.º 5.
Perante tal constatação, tudo parece indicar que a ER tem razão ao afirmar que o recorrente ao invocar a prescrição do prazo “… não teve em conta que os factos suspensivos e interruptivos do prazo prescricional que entretanto ocorreram no procedimento, de acordo com o previsto nos n° 4 e 5 do mesmo art° 56° do RDPM, como atrás se demonstrou.”.
E ainda mais, assim parece ser, quando o recorrente nem na sua petição de recurso nem nas alegações fundamenta suficientemente as razões pelas quais considera o procedimento disciplinar prescrito.
Todavia, e de acordo com a jurisprudência, já há muito firmada do STA (embora reportando-se ao artº 4º do ED, aprovado pelo DL 24/84, de 16.01), a realização de qualquer dos aludidos expedientes só suspende o decurso do prazo prescricional do procedimento disciplinar quando a sua instauração seja necessária à obtenção de elementos destinados a averiguar se certo comportamento é ou não subsumível a certa previsão jurídico-disciplinar, quem foi o seu agente e em que circunstâncias aquele se verificou.
Se, porém, for possível, desde logo, afirmar-se que certo comportamento, imputável a funcionário ou agente determinados, integra falta disciplinar que chegou ao conhecimento da entidade com competência disciplinar, não há que instaurar processo de averiguações, mas, de imediato, processo disciplinar contra o infractor (como entre muitos outros os Ac. do STA de 08/10/92, rec. 29278, 14/04/1994, rec. 30742, de 21/04/494, rec. 32164)

Conforme se refere ainda no acórdão do STA de 17/01/1991, no Rec. n.º 28590, e transcrito nos acórdãos de 08/10/1992 e de 14/04/1994, nos Rec. n.º 29278 e 30742, todos do STA:
“(…) quando a lei e a jurisprudência afirmam que o inquérito suspende o decurso do prazo prescricional, isso pressupõe que a sua instauração se torna necessária, por não haver, no momento referido conhecimento de qualquer falta disciplinar desde logo imputável a determinado funcionário ou agente, embora haja conhecimento de determinadas actuações irregulares, que poderão ou não integrar infracção disciplinar.
Mas se desde logo for possível afirmar-se que determinado comportamento, imputável a funcionário ou agente determinados, integra falta disciplinar e tal comportamento chegou ao conhecimento do dirigente máximo do serviço, então não há que instaurar o inquérito apenas destinado a apurar factos determinados, mas, de imediato, processo disciplinar contra o infracto.
De outro modo, o escopo, pretendido pelo legislador no n.º 2 do artigo 4.º do ED ficaria totalmente postergado, com grave lesão dos interesses legítimos do arguido, para já não falar dos reflexos negativos para a própria Administração com a manutenção de uma situação de crise funcional por período temporal indevidamente prolongado…”

Se esta doutrina é amplamente justificada em relação ao processo de inquérito, torna-se ainda mais premente em relação ao processo de averiguações, se atentarmos aos ensinamentos do Prof. Marcello Caetano, e à doutrina contida no artigo 85.º do ED.
Ensina o Prof. Marcello Caetano (in Manual de Direito Administrativo, 9.ª ed., pag. 835 e ss) que, “O processo disciplinar é instaurado a certos ou a certos agentes. O inquérito é ordenado para apurar se num serviço foram efectivamente praticados factos de que há rumor público ou denúncia popular e qual o seu carácter e imputação.”.
Já quanto ao processo de averiguações, diz M. Leal Henriques (em anotação ao artigo 85.º do ED, pag. 486 e ss), “ este expediente destina-se à obtenção de elementos necessários à adequada qualificação de eventuais faltas ou irregularidades verificadas nos serviços, para ulterior procedimento. Isto é: sempre que alguma das entidades referidas no texto detectar que algo não corre bem nos serviços a seu cargo, mas se não sabe ainda, correcta e concretamente, o que seja, ou rumores de tal, pode mandar averiguar o que se passa, para eventual procedimento no caso de se confirmar a prática de infracções disciplinares…”
Por outras palavras, a instauração do processo de averiguações só teria eficácia para suspender o prazo prescricional previsto no n.º 3 do artigo 56.º do RDPM, se, como sucede muitas vezes, à entidade detentora do poder disciplinar tivessem chegado apenas meras imputações, vagas ou abstractas, simples suspeitas da prática de comportamentos disciplinarmente censuráveis, através de participações verbais ou escritas, impondo-se, neste caso, a instauração do processo de averiguações para se proceder à definição dos contornos fáctico-jurídicos dessas imputações e à individualização e identificação dos funcionários presumivelmente infractores.
Mas não foi isso que aconteceu no caso dos autos. O CLPM, detentor de poder disciplinar nos termos dos artigos 4.º e 18.º RDPM, estava perante uma participação, apresentada pelo agente Martinho Carolino, em 12/04/2000, que desde logo revelou com razoável certeza, o autor das eventuais infracções, os factos que as integravam e as circunstancias mais relevantes em que as mesmas tinham sido praticadas, não tinha, por isso, que mandar instaurar processo de averiguações, mas, de imediato, processo disciplinar contra o infractor.
Assim sendo, a instauração de um processo de averiguações mostra-se completamente desnecessária, não só porque nos termos do n.º 2, do artigo 20.º, e n.º 1, do artigo 62.º, apresentada a queixa, impunha-se a instauração do processo disciplinar ao arguido, ora recorrente, para apuramento dos factos, mas também porque no momento em que foi proferido despacho a ordenar abertura de processo de averiguações, repete-se, já a falta jurídico-disciplinarmente definida, quer quanto à sua materialidade, quer quanto ao seu autor, lugar e modo de ocorrência genérica, era conhecida da entidade com competência disciplinar.
Partindo destas considerações, conclui-se que não tem a virtualidade de suspender o prazo prescricional a correr nos termos do n.º 3.º do artigo 56.º do RDPM, a instauração de processo de averiguações, ou de outro, não necessário para apurar a falta disciplinar, a sua autoria, as circunstâncias de tempo, lugar e modo, pela simples razão que, nestes casos, o titular do poder disciplinar tem já ao seu alcance todos os elementos para instaurar processo disciplinar contra o visado, nos termos do 20.º/2, 61.º e 62.º/1 daquele diploma.
Aqui chegados, cabe agora saber quando se se deve considerar verificado o termo “a quo” daquele prazo de 3 meses.

A resposta afigura-se-nos fácil, pois flui directamente da lei (artigo 56.º/3 do RDPM): o evento que marca o início do decurso do prazo de 3 meses, é o momento em que a entidade com competência disciplinar tomou conhecimento (ou porque presenciou ou porque lhe chegou participação ou queixa) da falta disciplinar.
E deve considerar-se ter havido conhecimento da falta, logo que haja uma razoável suspeita, pela entidade com competência disciplinar, que certo funcionário ou agente praticou determinada infracção disciplinar (v. Acs.do STA de 21/09/2000, in Rec. 0331728, de 23/09/1993 in AD, 388, p.399, de 27/04/1993, in AD 384, p. 1244, e Ac. TCAS de 09/06/2000, in Rec. 4 12162/03).
Assim, quando a notícia da infracção contenha uma descrição dos factos por circunstâncias de tempo, lugar e modo de ocorrência genérica dos eventos reportados a um determinado agente, o prazo de 3 meses conta-se a partir do recebimento da denúncia pela entidade com competência disciplinar.

Ora, no caso em apreço, o titular do poder disciplinar teve conhecimento do da falta praticada pelo ora recorrente em 13/04/2000, e só foi decidido instaurar processo disciplinar, pelo CGPM em 10/01/2001 (cfr. matéria de facto).
Por conseguinte, dado o distanciamento entre aquelas duas datas, verifica-se a prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar, depois da responsabilidade disciplinar do recorrente estar prescrita, nos termos do no artigo 56.º/3 do RDPM.
E mesmo que assim não se entendesse, o que só por mera hipótese se aceita, sempre diremos que, desde a data em que o CGPM, por despacho de 30/09/2000, determinou a realização de diligências complementares no sentido de se “confirmar a efectiva conciliação entre os dois agentes” – ofendendo o caso resolvido formado pelo arquivamento do processo de averiguações, em 08/09/2000, porquanto o arquivamento ali decidido impedia que sem o “apport” de novos factos, o mesmo processo fosse retomado e a solução que recebera substituída por outra - até à data da instauração do processo disciplinar, 10/01/2001, também aqui, já se tinha verificado a prescrição do procedimento disciplinar.

A aceitar-se o raciocínio da ER, o escopo pretendido pelo legislador, com a fixação daqueles prazos prescricionais, ficaria totalmente postergado, com grave lesão dos interesses legítimos do arguido, que viria pender contra si a ameaça de um processo disciplinar, por tempo indeterminado, para já não se falar dos reflexos negativos para a própria Administração com a manutenção de uma situação de crise funcional por período temporal indevidamente prolongado.
Logo, e de acordo com tudo o que ficou exposto, o processo de averiguações e as diligências complementares que precederam a instauração do processo disciplinar contra o ora recorrente eram desnecessários e, por isso, sem potencialidades para interromper o prazo prescricional fixado no n.º 3 do artigo 56.º do RDPM.

Procede assim, a excepção da prescrição do procedimento disciplinar alegada pelo recorrente e pelo MP, merecendo desde já provimento o recurso, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões.

Acordam, pois, os juízes do TCAS, Secção Contencioso Administartivo, 1º Juízo em:
a) – conceder provimento ao recurso contencioso de anulação;
b) – sem custas por isenção.

LISBOA, 06.06.07