Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07829/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:03/19/2015
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:REVERSÃO/ FUNDAMENTAÇÃO/ DIREITO DE AUDIÇÃO
Sumário:I - De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
II - Aquele despacho está sujeito a fundamentação, devendo incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» .
III – São pressupostos da responsabilidade subsidiária a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta.
IV - Se, preparando a decisão de reversão, a AT leva a cabo diligências no sentido de identificar bens penhoráveis da devedora principal, e conclui “ser desconhecida a existência de bens penhoráveis em nome do executado, bem como a inexistência de imobilizado” e se, após o exercício do direito de audição, procede a nova averiguação, concretamente através da análise das declarações anuais contabilísticas e fiscais da devedora principal, com vista a confirmar a existência de dívidas de terceiros, de quaisquer valores de imobilizações corpóreas, incorpóreas (trespasse) ou financeiras, deve considerar-se que a AT fez o que lhe era exigido quanto à demonstração do pressuposto correspondente à inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Almada, que julgou procedente a oposição judicial deduzida por Jorge………………….., contra a execução fiscal nº ………………….. e aps, à qual foi chamado a título de responsável subsidiário pelo pagamento de dívidas IRC de 2002 a 2006, IRS de 2003 e 2005, IVA 4T de 2004 e 2T de 2006 e coimas, no montante de € 60. 607,82, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

I. Em causa nos presentes autos estão dívidas de IRC de 2002 a 2006, IRS de 2003, 2005, IVA do 4.º trimestre de 2004 e 2.º trimestre de 2006 e coimas, no valor total de € 60.607,82 da sociedade………………., .............. Lda.. que reverteram contra o Oponente, ora recorrido, sendo que o presente recurso incide apenas quanto à decisão de procedência da oposição relativa às dívidas de imposto.

II. Para fundamentar a procedência da oposição apresentada, considerou a douta sentença que não se encontram reunidos os pressupostos para a reversão, nomeadamente, a comprovada insuficiência de património da devedora originária.

III. O oponente, tal como ficou fixado no ponto 9 do probatório, em sede de audição prévia do despacho de reversão, alegou que a devedora originária detinha um crédito proveniente de um trespasse no valor de € 100.000,00 efectuada a Nuno………………., crédito esse mais do que suficiente para efectuar o pagamento das dívidas, tendo junto para o efeito (ponto 10 do probatório fixado – fls. 59 do PEF) uma declaração manuscrita onde o próprio oponente declara ter recebido a quantia de € 20.000,00 a título de entrada inicial pelo referido trespasse.

IV. No despacho de reversão, o Chefe do Serviço de Finanças fundamentou a reversão com base no facto de tal declaração ter sido emitida em nome do gerente revertido e não da sociedade, bem como nos elementos contabilísticos e fiscais da sociedade, onde não consta a inscrição de dívidas de terceiros ou a existência de valores de imobilizado incorpóreo.

V. Face a tal constatação o Chefe do Serviço de Finanças, não considerou credível tal declaração como demonstrativa da existência de património penhorável da sociedade executada, razão pela qual enviou uma comunicação à inspecção tributária da Direcção de Finanças de Setúbal para que indagasse sobre as referidas discrepâncias.

VI. Quanto à apreciação desta factualidade pelo tribunal ad quo considerou este a oposição procedente, argumentando que «o Chefe do Serviço de Finanças não tem que tecer considerações sobre o que vem alegado. O Chefe do Serviço de Finanças deve averiguar se os factos que são trazidos à lide pelo oponente são ou não verdadeiros. Para tanto basta entrar em contacto com o presumível negociante e devidamente identificado pelo oponente para saber se este negócio foi ou não feito e averiguar se este indivíduo se encontra colectado para efeitos de IVA e onde desenvolve a sua actividade. Mais, deverão deslocar-se ao local onde é indicado como tendo sido objecto de trespasse para se verificar se no mesmo é desenvolvida alguma actividade e por quem».

VII. Entende a recorrente que não se decidiu de forma acertada, tendo a sentença errado no julgamento da matéria de facto, bem como na matéria de direito.

VIII. Em primeiro lugar não curou a douta sentença de apreciar o facto de a declaração de recebimento do sinal ter sido feita em nome do próprio oponente e não da sociedade, isto é, tratando-se de pessoas juridicamente distintas, estaríamos perante um crédito, não da sociedade, mas sim do oponente.

IX. Quando o que está em causa é a insuficiência de património por parte da sociedade devedora originária e não do gerente revertido, pelo que, por aqui, incorreu a douta sentença em erro sobre o julgamento da matéria de facto.

X. O órgão de execução fiscal, apreciou e valorou a declaração junta em sede de direito de audição, declaração essa que, face às diligências e elementos contabilísticos da sociedade não mereceu credibilidade.

XI. O órgão de execução fiscal efectuou as diligências a fls. 38 do PEF, não tendo no sistema informático, sido detectados quaisquer bens ou valores penhoráveis da sociedade executada.

XII. Tendo ainda analisado a declaração anual contabilística e fiscal apresentada pela sociedade nos anos de 2006, 2007 e 2008, onde se constatou, nomeadamente no anexo A, a inexistência de quaisquer dívidas de terceiros bem como de quaisquer valores de imobilizados corpóreos ou incorpóreos ou financeiros, conforme resulta de fls. 78 a 84 do PEF.

XIII. Por outro lado, a sociedade executada havia cessado a sua actividade para efeitos de IVA em 28-02-2007 (fls. 88 do PEF), ao que acresce o facto de a sociedade ter, desde 2004 uma situação líquida negativa (fls. 105 a 153 do PEF).

XIV. A Administração fiscal fez as diligências, que, ao abrigo do princípio da verdade material e do inquisitório considerou suficientes, nos termos do artigo 58.º da LGT e cumpriu com o ónus de prova que lhe competia, ao abrigo do artigo 74.º da LGT.

XV. Pelo que, a partir desse momento, era ao revertido que competia, ao abrigo do mesmo preceito, demonstrar a existência de tais créditos, algo que não fez.

XVI. Nos termos dos artigos 23.º n.º 2 LGT e 153.º n.º 2 CPPT, a reversão (do processo de execução fiscal) contra o responsável subsidiário depende de verificação da inexistência de bens penhoráveis do devedor originário/principal e seus sucessores/responsáveis solidários ou da fundada insuficiência, para pagamento da dívida exequenda e acrescido, dos bens penhoráveis, integrantes do património destes.

XVII. Neste enquadramento, na situação sub judice, resultando da factualidade assente que os serviços da Administração fiscal efetuaram diligências de busca nas bases de dados da DGCI (SIPA, CEAP, Visão do Contribuinte, Património e IUC) com vista ao apuramento da existência de bens penhoráveis, propriedade da devedora originária, tendo concluído pela sua inexistência e verificado, ainda, a cessação da atividade, para efeitos de IVA.

XVIII. Face a tais diligências e à analisa declarativa acima identificada, e fazendo constar tal análise no despacho de reversão, tem de considerar-se reunidas as condições necessárias para, ao contrário do que considerou o tribunal recorrido, afirmar a legalidade da promovida reversão contra o oponente, enquanto responsável subsidiário, que, anote-se, não demonstrou a existência, aquando desse evento, de quaisquer bens no eventual acervo patrimonial da sociedade originária devedora.

XIX. Assim, ao decidir no sentido em que o fez, violou a sentença o disposto nos artigos 23.º n.º 2 da LGT e 153.º n.º 2 do CPPT, nada havendo a censurar na reversão em causa devendo a mesma manter-se na ordem jurídica do oponente;

XX. Por fim, não se coibiu o tribunal ad quo de identificar e indicar as diligências que o Chefe do Serviço de Finanças devia ter efectuado.

XXI. Porém, se o tribunal entendia que as diligências efectuadas eram insuficientes, então devia ter ele próprio diligenciado pela obtenção de prova que considerasse necessária, nos termos do n.º 1 do artigo 99.º da LGT e n.º 1 do artigo 13.º do CPPT.

XXII. A falta de realização oficiosa das diligências instrutórias úteis para o conhecimento dos factos alegados ou de factos susceptíveis de serem conhecidos também oficiosamente constitui um erro de julgamento porquanto se traduz numa errada não aplicação do preceito legal que a impõe, pelo que, violou a sentença os artigos 99.º da LGT e n.º 1 do artigo 13.º do CPPT.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente oposição, tudo com as devidas e legais consequências.


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Não há registo de apresentação de contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“Compulsados os autos e analisada a prova documental , encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão de mérito:

1 - Em 30/07/2004 foi autuado o processo de execução fiscal n° …………………….. que corre termos no Serviço de Finanças de Sesimbra, por dívidas de IRC de 2002, no montante de € 11.138,55 em que é executada a sociedade comercial por quotas Unipessoal, ………………….., Lda. (cfr. doc. junto a fls. 1 e 2 do processo executivo junto aos autos);

2 - No âmbito do processo executivo identificado no ponto anterior foram feitos pagamentos no montante de € 4.050,00 (cfr. doc. junto a fls . 3 a 14 do processo executivo junto aos autos);


3 - Ao processo identificado em 1 foram apensos os processos
executivos n°S…………………….. ,……………………..,
……………………..,
    ……………………..,
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    ……………………..,
……………………..,
……………………..,
    ……………………..,
……………………..,
……………………………… e …………………………. no montante global de 60.607,82 , referentes a IRC, IVA, IRS e coimas (cfr. doc. junto a fls.43 a 45 do processo executivo junto aos autos);

4 - A devedora originária requereu o pagamento a prestações das dívidas exequendas (cfr. doc. junto a fls. 17 do processo executivo junto aos autos);

5 - O pedido identificado no ponto anterior foi deferido (cfr. doc. junto a fls. 30 do processo executivo junto aos autos)

6 - Em 28/09/2009 foi elaborada uma informação da qual consta que das diligências efectuadas tendo em vista a penhora de bens para pagamento da dívida exequenda e acrescido verifica-se que o não procede à entrega de declarações periódicas de IVA desde 02/2007 data em que cessou a actividade para efeitos de IVA. Compulsado o sistema informático verificou-se ser desconhecida a existência de bens penhoráveis em nome do executado, bem como a inexistência de imobilizado (cfr. doc. junto a fls . 38 do processo executivo junto aos autos).

7 - Por despacho de 28/09/2009 foi determinado ouvir o oponente sobre a intenção de contra si reverterem as dívidas exequendas remetendo-se para as diligências de fls. 38 (cfr. doc. junto a fls. 42 a 45 do processo executivo junto aos autos)

8 - O oponente foi notificado do despacho identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 46 a 50 do processo executivo junto aos autos);

9 - Em 14/10/2009, o oponente exerceu o seu direito de audição prévia afirmando que a devedora originária tem bens penhoráveis que são créditos sobre outras entidades como seja um trespasse no valor de € 100.000,00 que foi efectuado a Nuno…………………….., residente na Rua…………., n° ………….., …………., em Sesimbra, e que este lhe deve pois os cheques que foram por ele emitidos vieram devolvidos com a indicação de extraviados (cfr. doc. junto a fls. 51 a 55 do processo executivo junto aos autos);

10 - Ao processo executivo foi junta uma declaração onde o oponente declara ter recebido a quantia de € 20.000,00 a título de entrada inicial pelo trespasse devendo o mesmo ser realizado no mês de Dezembro (cfr. doc.junto a fls. 59 do processo executivo);

11 - Em 16/10/2009, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças um despacho a determinar a reversão das dívidas contra o oponente com a seguinte fundamentação : "A cópia da declaração, junta à exposição, relativa ao alegado trespasse foi emitida em nome de Jorge ……………………. e não em nome da devedora originária . 2 - Não foi possível através dos elementos existentes nos serviços de finanças determinar qual o contribuinte que procedeu à exploração do citado estabelecimento "Bar de Facto" no ano de 2006 e seguintes, já que de acordo com o registo cadastral a devedora originária encontra-se colectada pela actividade de "Restaurantes tipo Tradicional" e tem a sua sede ou estabelecimento estável na…………………., ……………. -De acordo com a declaração anual contabilística e Fiscal apresentada pela executada originária, relativamente aos anos de 2006 , 2007 e 2008 através do respectivo anexo "A" não consta a existência de quaisquer dívidas de terceiros nem consta igualmente a existência de quaisquer valores de imobilizações corpóreas , incorpóreas (trespasse) ou financeiras em cada um dos referidos anos . 4 - Da analise à referida declaração apresentada como documento probatório não se pode concluir pela existência de dívidas de terceiros e a contabilidade como já foi referido não o confirma, tal documento cuja força probatória me parece duvidosa, indicia apenas a existência de uma transacção no valor de € 100.000,00 que a ser verdade não se encontra reflectida nas declarações anuais de informação contabilística e fiscal e nas declarações de rendimentos para efeitos de tributação quer da executada originária………………….., Lda. quer do contribuinte Jorge …………………… para os anos de 2006, 2007 e 2008 e assim sendo poderá tratar-se eventualmente duma situação de fraude fiscal. DECISÃO Em face do exposto confirma­ se ser desconhecida a existência de bens penhoráveis em nome da executada originária e o exercício da gerência de facto e de direito por Jorge……………………….. Assim prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra o exponente pelo valor de € 60.607,82 (cfr. doc. junto a fls. 90 e 91 do processo executivo junto aos autos);

12 - Por ofício de 20/10/2009 foi o oponente citado no âmbito dos processos executivos identificados em 1 e 3 do probatório supra) ;


***


DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Dos autos do processo executivo não consta nenhuma diligência a procurar saber se o individuo indicado no direito de audição pelo oponente exerce alguma actividade, nem se procurou apurar junto desse contribuinte que se encontra devidamente identificado se ele celebrou algum negócio com o ora oponente.

Dos factos constantes da oposição, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.


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A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como das testemunhas arroladas”.

2.2. De direito

A sentença recorrida julgou a oposição procedente por considerar, no que para aqui importa, que a AT não havia demonstrado o pressuposto da reversão consistente na insuficiência do património da devedora originária.

Para assim concluir, a Mma. Juíza a quo desenvolveu o discurso argumentativo que, na parte que releva, aqui se transcreve. Assim:

“(…)

A questão que se levanta nos presentes autos é a de saber se o despacho que determinou a reversão se encontra devidamente fundamentado e se se encontram reunidos os pressupostos da reversão uma vez que é alegado pelo oponente que a devedora originária detém um crédito proveniente dum trespasse que é mais do que suficiente para efectuar o pagamento das dívidas exequendas.

Ora, de facto, por força do disposto no art. 23° da LGT é necessário que esteja comprovada a insuficiência do património da devedora originária para que possa haver a reversão.

No caso dos autos o oponente alega que existem créditos da devedora originária que permitem pagar a dívida pelo que não se mostram reunidos os pressupostos para a reversão.

O Chefe do Serviço de Finanças fundamentou afirmando que o documento não é credível, que lhe parece suspeito e que provavelmente estamos perante uma situação de fraude fiscal.

Ora, o Chefe do Serviço de Finanças não tem que tecer considerações sobre o que vem alegado. O Chefe do Serviço de Finanças deve averiguar se os factos que são trazidos à lide pelo oponente são ou não verdadeiros. Para tanto basta tentar entrar em contacto com o presumível negociante e devidamente identificado pelo oponente para saber se este negocio foi ou não feito e averiguar se este individuo se encontra colectado para efeitos de IVA e onde desenvolve a sua actividade. Mais, deverão ainda deslocar-se ao local que é indicado como tendo sido objecto de trespasse para se verificar se no mesmo é desenvolvida alguma actividade e por quem.

Nenhuma destas diligências foi efectuada pelo órgão de execução fiscal, pelo que não é possível determinar se a devedora originária tem ou não património para fazer face às dívidas exequendas. Não tendo por provado este pressuposto, por não terem sido efectuadas diligências no sentido de afirmar ou infirmar as alegações do oponente, não pode ocorrer a reversão contra este oponente.

Assim sendo, julgar-se-á procedente a presente oposição nesta parte”.

Como se retira das conclusões da alegação de recurso, a Fazenda Pública, aqui recorrente, discorda do assim decidido, defendendo que, in casu, a AT demonstrou, em sede e para efeitos de reversão, o que lhe competia quanto ao pressuposto da reversão correspondente à fundada insuficiência de bens da devedora originária; neste sentido, a sentença terá violado o disposto nos artigos 23º, nº2 do LGT e o artigo 153º, nº2 do CPPT.

Esta discordância, tal como decorre do teor da recurso, tem ínsito um ataque à sentença assente em diferentes ilações de facto retiradas da factualidade assente, tal como consta da sentença, ilações estas que, como se percebe, são relevantes para a decisão da questão em causa nos autos.

São, assim, estas as duas questões que nos vão ocupar seguidamente.

Vejamos, então.

Estão em causa dívidas de IRC de 2002 a 2006, IRS de 2003 e 2005, IVA 4T de 2004 e 2T de 2006, ou seja, factos ocorridos no domínio da LGT. É, pois, este o diploma legal aplicável e do qual teremos que lançar mão in casu, sabido que as normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos.

Em jeito de introdução, recuperamos aqui o acórdão do STA, de 16/10/13 (processo nº 458/13), para referir que “De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.

E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)

Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).

Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT)”.

Tendo isto presente, e considerando as questões que aqui nos ocupam, relembremos o disposto nos artigos 23º, nºs 1 e 2 da LGT e 153º, nº2 do CPPT.

No artigo 23º, nºs 1 e 2 da LGT:

1 - A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.

2 - A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.

Por seu turno, no artigo 153º, nº2 do CPPT:

2 - O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores;

b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.

Temos, pois, no que à responsabilidade subsidiária respeita, que um dos seus pressupostos reside na inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal (nº 2 do artigo 23º da LGT e nº 2 do artigo 153º do CPPT). E é aqui que se centra a temática do presente recurso, já que a sentença veio a considerar que a AT, em sede de reversão, não comprovou a verificação deste pressuposto, o que é frontalmente contrariado pela Recorrente.

Vejamos, então.

Previamente à efectivação da reversão contra o oponente, ora Recorrido, o SF notificou o visado da sua intenção de reverter as dívidas da originária devedora, a sociedade……………………, Lda. Resulta dos pontos 6 e 7 da matéria de facto que: “em 28/09/2009 foi elaborada uma informação da qual consta que das diligências efectuadas tendo em vista a penhora de bens para pagamento da dívida exequenda e acrescido verifica-se que o não procede à entrega de declarações periódicas de IVA desde 02/2007 data em que cessou a actividade para efeitos de IVA. Compulsado o sistema informático verificou-se ser desconhecida a existência de bens penhoráveis em nome do executado, bem como a inexistência de imobilizado; por despacho de 28/09/2009 foi determinado ouvir o oponente sobre a intenção de contra si reverterem as dívidas exequendas remetendo-se para as diligências de fls. 38”.

Portanto, preparando a decisão de reversão, a AT levou a cabo, através dos meios ao seu alcance, diligências no sentido de identificar bens penhoráveis da devedora principal, tendo concluído “ser desconhecida a existência de bens penhoráveis em nome do executado, bem como a inexistência de imobilizado”.

Já em sede de direito de audição, o oponente, ora Recorrido, informa o SF que a devedora principal tem bens penhoráveis, concretamente um crédito resultante de um trespasse no valor de € 100.000,00 “que foi efectuado a Nuno……………………, residente na Rua……………., n°…………, ……………….., em Sesimbra, e que este lhe deve pois os cheques que foram por ele emitidos vieram devolvidos com a indicação de extraviados”. Nessa ocasião, faz juntar aos autos de execução fiscal uma declaração manuscrita na qual Jorge …………. declara ter recebido a quantia de € 20.000,00, a título de entrada inicial pelo trespasse, devendo o mesmo ser realizado no mês de Dezembro. Isto mesmo resulta dos factos provados a que correspondem os nºs 9 e 10.

Portanto, a participação do visado no procedimento de reversão visou, como se percebe, informar sobre a existência de um crédito da titularidade da sociedade Jorge……………, Lda, crédito que se afigurava superior ao montante da dívida exequenda e, como tal, demonstrar que o pressuposto da reversão correspondente à fundada insuficiência de bens penhoráveis da devedora originária não se verificava.

Perante esta informação, que foi acompanhada de uma declaração manuscrita, assinada pelo oponente e por Nuno …………………. (cfr. fls. 59 dos autos), o SF pronunciou-se nos termos que constam do ponto 11 dos factos provados, aí fazendo ressaltar que:"A cópia da declaração, junta à exposição, relativa ao alegado trespasse foi emitida em nome de Jorge …………………… e não em nome da devedora originária . Não foi possível através dos elementos existentes nos serviços de finanças determinar qual o contribuinte que procedeu à exploração do citado estabelecimento "Bar de Facto" no ano de 2006 e seguintes”, e, ainda que, “de acordo com a declaração anual contabilística e Fiscal apresentada pela executada originária, relativamente aos anos de 2006 , 2007 e 2008 através do respectivo anexo "A" não consta a existência de quaisquer dívidas de terceiros nem consta igualmente a existência de quaisquer valores de imobilizações corpóreas , incorpóreas (trespasse) ou financeiras em cada um dos referidos anos”.

Assim sendo, o SF, evidenciando que “Da analise à referida declaração apresentada como documento probatório não se pode concluir pela existência de dívidas de terceiros e a contabilidade como já foi referido não o confirma, tal documento cuja força probatória me parece duvidosa, indicia apenas a existência de uma transacção no valor de € 100.000,00 que a ser verdade não se encontra reflectida nas declarações anuais de informação contabilística e fiscal e nas declarações de rendimentos para efeitos de tributação quer da executada originária………………………., Lda. quer do contribuinte Jorge …………………… para os anos de 2006, 2007 e 2008 e assim sendo poderá tratar-se eventualmente duma situação de fraude fiscal. DECISÃO”, e afirmando “ser desconhecida a existência de bens penhoráveis em nome da executada originária e invocando o exercício da gerência de facto e de direito por Jorge……………………..”, concluiu determinando a reversão da execução fiscal contra o exponente pelo valor de € 60.607,82.

A sentença recorrida, como já vimos, veio a considerar não estar demonstrada a insuficiência dos bens da devedora originária, salientando que a fundamentação esgrimida pelo SF, no sentido de que “o documento não é credível, que lhe parece suspeito e que provavelmente estamos perante uma situação de fraude fiscal”, assenta em considerações que o Chefe do Serviço de Finanças não tem que fazer, pois que lhe cabe apenas “averiguar se os factos que são trazidos à lide pelo oponente são ou não verdadeiros”. Para tanto, adianta o Tribunal a quo, o chefe do SF devia ter “entrado em contacto com o presumível negociante e devidamente identificado pelo oponente para saber se este negocio foi ou não feito e averiguar se este individuo se encontra colectado para efeitos de IVA e onde desenvolve a sua actividade. Mais, deverão ainda deslocar-se ao local que é indicado como tendo sido objecto de trespasse para se verificar se no mesmo é desenvolvida alguma actividade e por quem”.

Desde já se adianta que este Tribunal não acompanha o decidido em 1ª instância.

Explicitemos as razões do nosso desacordo.

Desde logo, afirmar que o Chefe do SF fundamenta a sua posição – leia-se, quanto à verificação do pressuposto da reversão ora em análise – na consideração de que o “documento não é credível, que lhe parece suspeito e que provavelmente estamos perante uma situação de fraude fiscal” é, parece-nos, bastante redutor daquilo que constitui a globalidade da motivação do despacho a que alude o ponto 11 da matéria de facto.

É verdade que em tal despacho se põe em causa a credibilidade da declaração apresentada, sugerindo-se até “tratar-se eventualmente duma situação de fraude fiscal”. Mas é importante ter presente que, no mesmo despacho, e analisando a alegação expendida em sede de direito de audição (acompanhada da tal declaração), o SF não deixou de evidenciar que, por um lado, a declaração apresentada se apresentava “emitida em nome de Jorge …………………….. e não em nome da devedora originária” e, ainda, que da análise das declarações anuais contabilísticas e fiscais da devedora principal (respeitantes a 2006 a 2008) não resultava a existência de quaisquer dívidas de terceiros, nem a existência de quaisquer valores de imobilizações corpóreas, incorpóreas (trespasse) ou financeiras.

Quer isto dizer que, para além das diligências que já haviam sido feitas previamente à proposta de reversão – através das quais se confirmou que desde 02/2007 a devedora principal cessou a actividade para efeitos de IVA e que compulsado o sistema informático se verificou ser desconhecida a existência de bens penhoráveis em nome da devedora originária, bem como a inexistência de imobilizado, tudo conforme se retira do ponto 6 dos factos provados – posteriormente ao exercício do direito de audição, e perante a informação avançada, a AT procedeu a nova averiguação, concretamente através da análise das declarações anuais contabilísticas e fiscais da devedora principal, com vista a confirmar a existência de dívidas de terceiros, de quaisquer valores de imobilizações corpóreas, incorpóreas (trespasse) ou financeiras. Note-se que a AT assim procedeu apesar de constatar que a declaração se apresentava “emitida em nome de Jorge …………………………….. e não em nome da devedora originária”.

E foi após estas averiguações, de molde a confirmar a informação avançada quanto a existência de um crédito, que a AT veio a considerar o que já antes tinha avançado (com base noutras diligências instrutórias), quanto à inexistência de bens da devedora originária.

Por conseguinte, para efeitos de reversão – e é disso que aqui cuidamos – entendemos que a AT fez o que lhe competia e que deixou expresso no despacho de reversão, em moldes absolutamente suficientes; fez o que lhe era exigido quanto à demonstração do pressuposto correspondente à inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do artigo 23º da LGT e nº 2 do artigo 153º do CPPT).

Como, a este propósito, salienta o EMMP junto deste TCA, “a AT procedeu às diligências necessárias com vista a apurar da existência de bens da devedora originária “…………………………., Lda” e nada encontrou.

Foi o oponente que veio suscitar a questão da existência de um crédito da devedora originária, decorrente de um trespasse, em valor suficiente para solver a dívida exequenda.

O oponente juntou um documento, assinado pelo próprio oponente e uma outra pessoa, no qual o oponente declara ter recebido € 20.000,00 como entrada inicial para cedência de um espaço comercial.

Acontece, no entanto, que no dito documento nunca é mencionado o nome da devedora originária, nem o próprio oponente declara estar a representar a devedora originária.

Acresce que das diligências efectuadas pela AT nunca a devedora originária declarou possuir um espaço comercial que pudesse ceder.

Deste modo, há que concluir que a AT procedeu às diligências para saber da existência de bens ou valores da devedora originária e, concluindo quanto à sua falta, efectuou a reversão da execução, sendo certo que o oponente, quando ouvido sobre a reversão, não demonstrou que o património da devedora originária tinha bens suficientes para pagar a dívida exequenda.

Não tendo mostrado que a devedora originária tinha bens suficientes para o pagamento da dívida exequenda, contradizendo fundamentadamente a conclusão da AT, o oponente tem de ser responsabilizado pelo pagamento das dívidas fiscais da sociedade que geriu, nos termos legais”.

Note-se que, nem em sede de oposição, o Recorrido veio juntar elementos adicionais que permitam comprovar a existência do crédito que afirmou existir, o que, atenta a sua posição na devedora originária, não seria certamente difícil. Aliás, em sede de direito de audição, é o Oponente que afirma a sua condição de gerente - “o revertido, não negando a evidência de ser gerente da sociedade…”, conforme resulta de fls. 66 da cópia do PEF.

Concluímos, pois, contrariamente ao decidido, que a decisão de reverter as dívidas contra o Oponente, ora Recorrido, observou as exigências legalmente impostas, concretamente as que decorrem dos nº 2 do artigo 23º da LGT e nº 2 do artigo 153º do CPPT, pelo que o despacho de reversão é legal.

E, em face daquilo que aqui se decide, não há sequer lugar a ponderar o conteúdo das conclusões XX a XII da alegações de recurso, pois que nenhuma questão se coloca em termos de princípio do inquisitório e de diligências instrutórias a que o Tribunal a quo estivesse obrigado. De resto, as apontadas diligências que o Tribunal recorrido enuncia eram, no seu entendimento, averiguações que se impunham a montante, e à própria AT.

Em suma, há que julgar procedentes as conclusões da alegação de recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar a oposição procedente, com base nas razões expostas.

3 – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública e, em conformidade, revogar a sentença recorrida, julgando-se a oposição deduzida por Jorge ……………………… improcedente.

Custas pelo Recorrido em ambas as instâncias, sem prejuízo da taxa justiça devida pelo impulso processual.

Lisboa, 19 de Março de 2015


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Pereira Gameiro)

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(Jorge Cortês)