Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06240/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/22/2015
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores: FACTURAS FALSAS E FUNDADA DÚVIDA (ART. 100.º DO CPPT)
Sumário:I. Quando se impugna a sentença com base em erro de julgamento de facto deve o Recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa, bem como os depoimentos em que se funda (cfr. art. 685-Bº do CPC);
II. O art. 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita;
III. São suficientes indícios fundados para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT, ou seja os indícios devem ser objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais, de forma a ver legitimada a sua actuação;
IV. Quando haja cessação da presunção de veracidade da contabilidade, nesses casos, cabe ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA;
V. O art. 100.º do CPPT não se aplica quando cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, uma vez que, nesses casos, o ónus da prova cabe ao contribuinte, e nessa medida, existindo dúvida tem de ser processualmente valorada contra este, por ser quem tem o ónus da prova.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


PROCESSO N.º 06240/12

I. RELATÓRIO

....................................................., LDA, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de LEIRIA, que julgou improcedente a impugnação da liquidação de IVA do exercício de 2005 e juros compensatórios.

A Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

_ A Administração Tributária tomou a iniciativa de em procedimento de inspecção tributária alheando-o por completo da realidade que representava a Impugnante da sua organização empresarial, da sua estrutura económico-financeira, da sua representatividade no meio florestal e,
_ Reconduziu a sua actuação àquilo que de errado se passava nos seus fornecedores, extrapolando para a impugnante os eventuais vícios e irregularidades verificados naqueles ...
_ No caso em apreço e, relativamente apenas na parte em declinou a sua pretensão a impugnante logrou provar a subsistência das transacções.
_ Que, face aos elementos probatórios dos autos, a Mª Juiz as deveria ter relevado como verdadeiras, julgando a procedência da impugnação in totum.
_ Mesmo que assim não o entendesse, em obediência aos princípios orientadores do ordenamento jurídico, o constitucional e, neste caso particular o tributário, os da igualdade, da legalidade, da imparcialidade, da boa-fé e, em especial o consagrado no n°1, do artigo 100° do CPPT, a decisão deveria contemplar a procedência total da pretensão da impugnante.
****
A Recorrida, não apresentou contra-alegações.
****
Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso interposto pela Impugnante.
****
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
****
As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ Erro de julgamento (de facto) face aos elementos probatórios constantes dos autos;
_ Erro de julgamento (de direito) face aos princípios constitucionais da igualdade, legalidade, imparcialidade, da boa-fé;
_ Erro de julgamento (de direito) face ao disposto no art. 100.º do CPPT.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

1. A Impugnante, ........................................................., Lda., exerceu no ano de 2005 a actividade de compra e venda de cortiça, lenha e pinhas e prestações de serviços, principalmente apanha de pinhas, tiragem e rechega de cortiça, limpeza de pinheiros com o CAE 051563, enquadrada em sede de IVA regime no regime normal mensal e no regime geral do IRC – cfr. consta dos autos, não contestado
2. A empresa foi alvo de uma acção inspectiva por parte dos Serviços de Inspecção Tributária II da Direcção de Finanças de Santarém de analise externa com base na Ordem de serviço n.º........................., que decorreu entre 14/06/2006 e 16/05/2007, de âmbito parcial, em sede de IRC e IVA, com incidência no exercício de 2005 – cfr. consta de fls. 14 e seguinte do PA aqui em anexo.
3. No relatório elaborado no âmbito da acção inspectiva supra, é referido que:
“(...)
II - 3 - Diligências efectuadas e procedimentos adoptados no âmbito do procedimento inspectivo
II - 3.3.1 — Recolha das compras e das vendas do exercício de 2005
Pela análise das compras contabilizadas verificou-se que o sujeito passivo tem vários fornecedores a quem adquire cortiça de falca, cortiça amadia, lenha e pinhas. Os fornecedores revelados pelos documentos existentes na contabilidade com maior volume de transmissões são:
· José ............................, Paulo ............................... e ...................................,............................, Lda., ..........................–..........................................,Lda.,,João.................................................................e Joaquim.............................

Os principais clientes são:
· .............................................. SA, ..................... SA, .....................................SA, ...................... Lda., e .................................... Lda., ......................... e .............................. SL.

Dos fornecedores anteriormente referenciados, e em consequência da análise à base de dados da DCCI, verificou-se que alguns revelavam situações fiscais incorrectas, nomeadamente: em alguns casos encontravam-se cessados em sede de IVA na data em que as facturas de 2005 foram emitidas e/ou eram não declarantes, quer em sede de IVA quer em sede de IRS/IRC.

Perante tais factos, e por se tratar, na sua maioria, de valores de facturação bastante elevados, foi solicitado às respectivas Direcções de Finanças, informação sobre a efectiva realização das operações que constam das facturas emitidas por estes supostos fornecedores.

Assim, para a Direcção de Finanças de Setúbal, o pedido de informação foi concretizado através do Ofício n.° 5919, de 22/05/2006, relativamente aos seguintes contribuintes:
· Paulo ........................................ — NIF ...........................
· João .......................................... — ..................................

Para a Direcção de Finanças de Castelo Branco, o pedido de informação foi realizado através do Ofício n.° 5900, de 22/05/2006, relativamente aos seguintes contribuintes:
· ....................................... — ......................................., Lda — NIPC ................................

II - 3.3.3.2 - Notificações efectuadas no decurso do procedimento inspectivo
No dia 14/06/2006, notificou-se o sujeito passivo para:

1 - Apresentar guias de remessa e/ou guias de transporte de 2002 a 2005:
2 – Cópia de frente e verso da relação de cheques eu se juntava em anexo à notificação e extractos bancários da conta n.º ............................. do Banco ........................ SA (actual Banco ....................... SA) dos anos de 2002 a 2005.

Em resposta à notificação, foram apresentados apenas alguns livros de guias de transporte, e só no ,que respeita às vendas efectuadas, todos eles referentes ao ano de 2005, sendo ainda de alçar o facto de os mesmos não apresentarem numeração sequencial, pois faltavam alguns livros de guias de transporte. Questionado o sujeito passivo sobre as restantes guias de transporte, o mesmo respondeu que as tinha destruído pois desconhecia a obrigação de ter que as guardar.

Quanto às cópias de frente e verso do Banco............................... SA (...), não foram entregues as cópias dos seguintes cheques: cheque n.º ............, cheque n.º ............., cheque n.º ............, cheque n.º .........., cheque n.º .........., cheque n.º ........., cheque n.º .........., cheque n.º ............, e cheque nº...........

No que respeita aos extractos bancários da conta n.º .......................... do Banco ............................ SA (...), os mesmos, não foram apresentados.
(…)

III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável

Em face das anomalias fiscais detectadas em alguns dos supostos fornecedores da ............................., conforme descrito no ponto 3.3.1 do Capítulo II, foram efectuados pedidos de informação a outras Direcções de Finanças conforme também se referiu no mesmo ponto.

Além desses pedidos de informação, existe também nestes Serviços um Relatório Final elaborado na sequência de uma acção inspectiva efectuada a um dos supostos fornecedores da ............................, com sede neste distrito: .........................— ................................., Lda.

Sendo assim, irão descrever-se no ponto III - 1, as situações detectadas referentes a supostos fornecedores da ............................, as conclusões constantes das informações remetidas a estes Serviços de Inspecção pelas outras Direcções de Finanças, bem como, as conclusões que constam do relatório final do procedimento inspectivo efectuado à ....................... - ...................................., Lda.

Após a indicação das facturas detectadas de cada suposto fornecedor e da descrição das informações prestadas, serão igualmente descritos outros factos resultantes da acção inspectiva efectuada por estes Serviços de Inspecção ao sujeito passivo ....................., a que se seguirá, em resultado da análise global de todos os elementos descritos, a respectiva conclusão.
Assim,

III - 1 - Diversos “fornecedores”da empresa ...................................

III - 1.1 - Paulo .........................................

1.1.1.1 - Facturas detectadas

No que respeita ao suposto fornecedor Paulo ......................................................, (…), foram detectadas na contabilidade da sociedade ..........................., as seguintes facturas:

N. Factura
Data
Descrição
Base Tributável
IVA
Valor Total
313
07-01-2005
113 000 kg pinhas mansas
47.460,00
9.017,40
56.477,40’
315
08-02-2005
103 500 kg pinhas mansas
45.540,00
8.652,00
54.192,00
320
22-05-2005
1 460 arrobas cortiça amadia
49.640,00
9.431,60
59.071,60
321
30-05-2005
1 330 arrobas cortiça amadia
45.220.00
8.591,80
53.811,80
324
12-08-2005
470 arrobas cortiça amadia
16.450,00
3.454,50
19.904,50
326
19-08-2005
1 460 arrobas cortiça amadia
50.370,00
10.577,70
60.947,70
328
29-12-2005
30 290 kg pinhas mansas
18.779,80
3.943,76
22.723,56
329
31-08-2005
28 750 kg bocados amadia e 485 arrobas amadia
28.475,00
5.979,75
34.454,75
330
29-10-2005
2 560 kg bocados limpos e 4 967 arrobas falca
18.909,41
3.970,98
22.880,39
332
28-12-2005
31 260 kQ pinhas mansas
16,880,40
3.544,88
20.425,28
Total
337.724,61
67.164,37
404.888,98


1.1.2 Informação prestada pelos Serviços de Inspecção

Sobre este suposto fornecedor concluíram os Serviços de Inspecção, conforme Parecer emitido sobre o Relatório Final de Inspecção Tributária efectuado após acção inspectiva, que:
“...
Conforme o descrito no ponto III do relatório verificou-se que o sujeito passivo emitiu facturas que não correspondem a verdadeiras transacções aos seguintes sujeitos passivos:
- P. A. Cortiças;
- …
Este Parecer teve por base os seguintes factos descritos no capítulo III do respectivo Relatório
Final:

“ …
Na sequência das declarações obtidas apuraram-se os seguintes factos para efeitos de determinação da situação fiscal do contribuinte em causa.
a) O contribuinte inspeccionado dedica-se essencialmente à actividade piscatória, no entanto admitiu ter realizado nos últimos anos (2002 a 2005) trabalhos relacionados com a “apanha de pinhas” e de falca de cortiça;
b) Nunca procedeu à escrituração dos livros obrigatórios do artigo 50° do Código do IVA, e é não declarante em IVA e em IRS desde o exercício de 2000;

c) Em 08 de Agosto de 2006, o contribuinte declarou não ter na sua posse quaisquer livros de facturação, quer em branco quer utilizados, relativos à actividade de vendas de pinhas ou falca de cortiça;
d) Relativamente às facturas emitidas à ..............................”, (...), declarou o seguinte:
i) a partir do ano de 2001, um senhor chamado Pedro................................., responsável pela “.......................”, solicitou-lhe para fazer apanha de pinhas e falca de cortiça e angariar pessoal para efectuar esses trabalhos;
ii) da facturação emitida por si para aquela sociedade entre 2002 a 2005, só uma parte das quantidades facturadas de pinhas e falca de cortiça é que foram efectivamente vendidas pelo próprio, concretizando que vendeu cerca de 175 toneladas de pinhas e 20 toneladas de falca de cortiça;
iii) conforme ponto 3 do auto de declarações relativamente às facturas enviadas pela Direcção de Finanças de Santarém, afirmou não conseguir identificar quais as facturas que correspondem a fornecimentos efectivos e a “facturas de favor”, admitindo que algumas delas não correspondem a qualquer fornecimento, enquanto outras, poderão conter fornecimentos, mas sempre em quantidades muito inferiores aos mencionados nas mesmas;
e) No mesmo auto de declarações reconheceu ainda que nunca vendeu cortiça amadia e cortiça virgem;
f) Muitas vezes, o Sr. Pedro....................... pedia para emitir facturas com valores mais elevados do que os efectivamente realizados e outras vezes solicitava-as em branco assinadas por si;
g) Em determinada altura o Sr. Pedro................... pediu-lhe para ficar com os livros de facturas dizendo-lhe que “não se preocupasse, pois não iria ter problemas com isso”
h) Os recebimentos dessa facturação eram efectuados ora em dinheiro, ora em cheque, afirmando que a maior quantia recebida por cheque teria sido 5 a 6 mil euros, admitindo ter acontecido por duas vezes naquele montante;
i) Questionado acerca das contraprestações auferidas pela emissão daquelas “facturas de favor”, àquela sociedade, refere que aquilo que recebia era bastante inferior ao valor do IVA liquidado, afirmando ter recebido de 2002 a 2005 cerca de 30.000,00 €;
j) Mais acrescenta que o Sr. Pedro .................... lhe pedia para efectuar levantamentos bancários em dinheiro, relativos a cheques emitidos em seu nome, supondo serem correspondentes ao valor das facturas;
k) O valor desses levantamentos era entregue ao Sr. Pedro .............. num envelope fechado, dando-lhe este posteriormente a sua contrapartida.
l)...
m)...
t) No ponto IV das declarações de 19 de Setembro, questionou-se também o contribuinte inspeccionado sobre a existência de facturação com data de 2006, emitido à ........................., Lda., o qual referiu que:
i) não se referem a qualquer transacção efectiva;
ii) foram emitidas no final de 2005 a pedido de Sr. Pedro ............, com intuito de angariar facturação para o primeiro trimestre de 2006;
iii) durante o exercício de 2006 não teve mais contacto com o Sr. Pedro ............
1.1.3— Meios de Pagamento

1.1.4— Guias de Remessa/Transporte
O sujeito passivo não apresentou qualquer exemplar de guias de remessa que comprove o transporte das mercadorias indicadas nas facturas indicadas no ponto 1.1.1, (...)
(...)
III 1.2 João ...........................................
(...)
1.2.1 Facturas detectadas
No que respeita ao suposto fornecedor João ..................................................., (…), foram detectadas na contabilidade da sociedade .............................., as seguintes facturas:

N. Factura
Data
Descrição
Base Tributável
IVA
Valor Total
101
05-01-2005
78 350Kg pinhas mansas
30.556,50
5.805,73
36.362,23
103
15-02-2005
99 800 Kg pinhas
42.914,00
8.153,66
51.067,66
Total
73.470,50
13.959,40
87.429,89
(...)
1.2.2 Informação prestada pelos Serviços de Inspecção
Sobre este suposto fornecedor concluíram os Serviços de Inspecção de Setúbal, conforme Parecer emitido sobre o Relatório Final de Inspecção Tributária efectuado após acção inspectiva, que:
“...
3.2) A inexistência de condições e estruturas necessárias à realização das operações inerentes à . facturação emitida aos seus “clientes”, nos exercícios indicados, a qual se afigura ser irreal.
Este Parecer teve por base os seguintes factos descritos no capítulo II do Relatório Final:
“...
d) Caracterização da actividade
Trata-se de um empresário em nome individual, que terá exercido a actividade de Construção de I Edifícios (pedreiro), como consta do sistema informático.
(...)
CONCLUSÃO
Tendo em conta que:
1 - O contribuinte não demonstrou possuir instalações para o exercício da actividade;
2 - Não possui veículos ou quaisquer outros bens de imobilizado;
3 - Não possui nem nunca possuiu livros de escrita;
4 - Não nos apresentou qualquer livro de facturas ou guias de transporte;
5 - As guias de transporte a que tivemos acesso afiguram-se não terem sido preenchidas nem assinadas pelo contribuinte e uma delas nem data tem, o que indicia que não acompanhou qualquer mercadoria;
6 - Não nos indicou o nome de qualquer fornecedor, não obstante tratar-se de elevadas . quantias;
7 - Emitiu facturação a diversos sujeitos passivos cujo montante, face à ausência de infraestruturas nos parece absolutamente irreal,
afigura-se-nos que as operações a que se referem as facturas que o sujeito passivo emitiu não terão sido efectivamente realizadas. “
1.2.3 – Meios de pagamento

1.2.4— Guias de Remessa/Transporte

O sujeito passivo não apresentou qualquer exemplar de guias de remessa que comprove o transporte das mercadorias indicadas nas facturas indicadas no ponto 1.2.1, (...)
(...)
III 1.3 .......................................- .........................................., Ldª

1.3.1 Facturas detectadas
No que respeita ao suposto fornecedor ................– ............................................., Ldª, (…), foram detectadas na contabilidade da sociedade ..........................., as seguintes facturas:

1.3.2 Informação prestada pelos Serviços de Inspecção
Será de referir desde já que o Sr. Vitor ............................................. é sócio da .......................(...) Lda., (adiante designada por ......................) juntamente com o Sr. Ildefonso..........................................

Assim, e no âmbito das diligências efectuadas pela Direcção de Finanças de Castelo Branco, foi prestada informação e enviada a estes Serviços de Inspecção, a qual de seguida se descrevem os seguintes factos:
· Por desconhecimento da localização das instalações da ................................l, notificou-se o Sr. Vitor ........................................, na qualidade de sócio gerente, para comparecer na Direcção de Finanças de Castelo Branco para prestar declarações, o que nunca aconteceu.
· Foi contactada a TOC Paula ........................................, que informou ter sido responsável pela contabilidade da .................................... — ..........................................., Lda (cujo um dos sócios é o Sr.° Vítor ..............................................), mas como não lhe foram entregues os documentos necessários à prossecução da contabilidade nunca pôde cumprir com as suas obrigações enquanto TOC, os poucos documentos que tinha quer do Vítor ................ quer da ...................... foram devolvidos ao Sr. Vítor............................. (adiante designado por Vitor..................)
· Posteriormente terá sido o Sr.° José..................................., na qualidade de sócio do ................................................, Lda, o responsável pela contabilidade da ............................, nesta data já não o é, uma vez que as quotas da ...................... foram alienadas e o Sr.° Vítor.......... foi pessoalmente à Trofa, recolher todos os elementos de contabilidade da ......................., desconhecendo o destino que lhes foi dado. No entanto o Sr.° José ..................................., tinha os registos contabilísticos dos exercícios de 2004 e 2005 que facultou aos Serviços de Inspecção da DF de Castelo Branco. Pela análise desses elementos a DF de Castelo Branco verificou o seguinte:
· No que se refere às vendas e compras da ..........................., verificou-se que existem registos contabilísticos, mas não existem documentos de suporte.
· Nos balancetes analíticos do razão foi possível identificar os dois maiores fornecedores: em 2004 Joaquim..........................................., que efectuou fornecimentos no valor de € 493.597,01, que representam 99,7% do total de € 495.492,30, em 2005 Jorge....................................... com fornecimentos no valor de € 619.771,60 que representam 73,7% do total de €840.890,64 e o Joaquim ............................................... com fornecimentos no montante de € 211.397,07 que representam 25% do total.
· Para validar estes valores foram ambos notificados para prestar declarações, não o fazendo o Sr. Joaquim .........................................
· O Sr. Jorge .................................... prestou declarações em 15 do corrente mês onde afirmou que desde Agosto de 2004 que é trabalhador efectivo na sociedade “......................................Lda”, que entre 1997 e 2004 foi trabalhador por conta de outrem na Serralharia ............... em Nisa e que nunca efectuou qualquer tipo de vendas, ou serviços prestados por conta própria.
· Quanto aos documentos de suporte e uma vez que nem o TOC nem a administração fiscal os têm em seu poder não é possível proceder à validação dos registos contabilísticos com os valores declarados nas modelo22 e respectivas declarações anuais, bem como nas declarações periódicas de IVA.
· Pela realização de duas escrituras de cessão quotas, uma em 11/08/2006 e outra em 25/09/2006, o Sr. Vitor ...................................... e o Sr. Idelfonso ............................................ cedem respectivamente as suas quotas (que detinham na........................)) ao Sr. Lourenço......................... e renunciaram à gerência a favor do mesmo.

A titulo de conclusão, aqueles Serviços informaram que:
“...
· Não se conhece estrutura empresarial que justifique a actividade exercida.
· Não são conhecidos prédios quer em nome do sujeito passivo quer arrendados que suportem a exploração directa dos produtos vendidos.
· Indícios de fornecedores fictícios, quer por declaração dos próprios quer por falta de colaboração.

Deste modo, é possível concluir que os valores mencionados nas facturas emitidas ao sujeito passivo ..................................................., Lda indiciem que as transacções nelas referidas não tenham sido reais e efectivas.”

1.3.3 Meios de Pagamento






1.3.4— Guias de Remessa/Transporte

O sujeito passivo não apresentou qualquer exemplar de guias de remessa que comprove o transporte das mercadorias indicadas nas facturas indicadas no ponto 1.3.1, (...)
(...)
III 1.4 ..................................- .............................., Ldª

1.4.1— Facturas detectadas

No que respeita ao suposto fornecedor .............................. ............................................, Lda., (…), foram detectadas na contabilidade da sociedade ........................., as seguintes facturas:

1.4.2 Informação prestada pelos Serviços de Inspecção
No âmbito de um procedimento de inspecção externo efectuado ao sujeito passivo .......................... - ..........................................., Lda., (…) (adiante designado apenas por ......................) por esta Direcção de Finanças, o qual abrangeu os exercícios de 2005, foram apurados os seguintes factos que constam do respectivo Relatório de Inspecção:
· No decurso da acção inspectiva o sujeito passivo nunca exibiu a contabilidade, apesar de ter sido notificado para o efeito;
· Constataram os Serviços de Inspecção que não existiam quaisquer documentos de transporte quer por parte do sujeito passivo quer por parte dos supostos clientes (conclusão esta obtida através de circularização efectuada aos mesmos);
· Relativamente aos meios de pagamento referentes às facturas emitidas pelo sujeito passivo, e em resultado da mesma circularização efectuada aos supostos clientes, apurou-se que:
Existem facturas onde não é possível determinar se foram ou não pagas, nem o meio de pagamento utilizado, uma vez que nas respectivas contabilidades não existe a “conta 22” para o fornecedor ........................, e os documentos que titulam as saídas de caixa são as próprias facturas;
Existem facturas que foram pagas por cheque, no entanto, esses cheques foram levantados ao balcão do banco, sem terem sido depositados.
· Constatou-se ainda que o sujeito passivo ........................ não dispunha de uma estrutura empresarial que justificasse as operações descritas nas facturas, porquanto não dispunha de funcionários ao seu serviço, conforme informação obtida na Segurança Social, quer em nome da sociedade, quer em nome do seu sócio gerente, o qual exerce também actividade em nome individual, relativamente ao período de 2002 a 2005.
· Tendo-se deslocado à sede da empresa .............................. três inspectores tributários, os mesmos verificaram que no local se encontravam algumas pessoas. Não se encontrando o sócio gerente, ouviram em Auto de Declarações o Sr.° Márcio ......................................., que se identificou como funcionário da ......................... Inquirido sobre a a actividade desenvolvida por esta empresa declarou que:
a actividade desenvolvida pela empresa é a produção e venda de carvão.
para a produção do carvão utilizam lenha de sobro sendo que a maior parte das vezes é o próprio que a vai buscar. Da lenha de sobro é retirada a cortiça que é devolvida ao fornecedor da lenha.
a sociedade não compra a cortiça, só a lenha, recebendo uma percentagem que é paga pelo dono da cortiça pelo serviço de retirar a cortiça da lenha.
· Outro suposto cliente da .........................., uma sociedade com sede na área fiscal da Direcção de Finanças de Santarém, foi objecto de acção inspectiva, tendo neste âmbito sido ouvido, em Auto de Declarações, o sócio-gerente que, questionado sobre os meios de pagamento utilizados para quitação das facturas emitidas pelo fornecedor ...................... e sobre o cliente a quem tinham sido facturados os serviços subcontratados à ....................., declarou o seguinte:
- “ Os meios de pagamento utilizados consistiam em numerário, cheques e madeira. Relativamente aos cheques, só consegue identificar o cheque n.º.........do Banco .................................... utilizado para pagar a factura n.°104 de 24/03/2005. Existem outros cheques que pagam parte de outras facturas mas não consegue identificá-los.”
- “As facturas números 112 e 119, de 11/06/2ô05 e 12/08/2005 respectivamente emitidas pela .......................... não respeitam a operações reais, ou seja, os serviços nelas descritos não foram prestados, mas, paguei o IVA nelas liquidado de 4.275,00€ e 1.050,00€ respectivamente, em numerário”.

Face aos indícios recolhidos durante o procedimento de inspecção ao sujeito passivo ......................., foi concluído que “... existiam fortes indícios de que as facturas emitidas por esta empresa respeitavam a operações simuladas, quer quanto à sua natureza quer quanto ao seu valor, consubstanciando, assim, emissão de “facturas de favor’ e de que a empresa não dispunha de adequada estrutura empresarial para a prossecução das operações e transacções descritas nas facturas por si emitidas.”

1.6.3 - Meios de Pagamento



1.4.4— Guias de Remessa/Transporte
O sujeito passivo não apresentou qualquer exemplar de guias de remessa que comprove o transporte das mercadorias indicadas nas facturas indicadas no ponto 1.4.1, (...)
(...)
III - 1.5- Outros factos relevantes
Na análise efectuada aos extractos bancários, aos meios de pagamento (cópias de frente e verso de cheques apresentados pelo sujeito passivo na sequência de notificação já referida), bem como do seu confronto com as facturas emitidas pelos supostos fornecedores já analisados nos pontos 1.1 a 1.4 do presente Capítulo, detectaram-se as seguintes situações:
1.5.1 - Cheques levantados ao balcão
Existência de diversos cheques da instituição bancária Banco............................. SA (actualmente Banco ............................, S.A.) emitidos pela ......................... para “pagamento” das facturas que constam na sua contabilidade, em que a quase totalidade dos mesmos foi levantada ao balcão da agência de Coruche e não depositados.
(...)
1.7.2 Cheques levantados por José Custódio Alves
Verificou-se igualmente a existência de vários cheques, assinados quer por Pedro ....................... (sócio-gerente da .......................), quer por José ............................... (procurador e um dos gerente de facto da ....................), emitidos à ordem dos supostos fornecedores já referidos, levantados ao balcão da referida agência bancária, os quais se encontravam assinados, no verso, por pessoas cujos nomes correspondem àqueles supostos fornecedores, ou seja, à ordem de quem tinham sido emitidos.
No entanto, constatou-se que tais cheques foram assinados no verso por José .................................. Os cheques em causa são os seguintes:
(…)
Este procedimento indica que a pessoa que levantou o cheque foi o Sr. José ...............................,
(...)
III – 2 – Correcções
(...)
III – 2.1 – Imposto sobre o Valor Acrescentado
Pelos mesmos factos, descritos no ponto III - 1, o IVA deduzido pelo sujeito passivo constante nas facturas emitidas pelos mesmos supostos fornecedores da........................., e que se encontram relacionadas no Anexo 14, não é dedutível, devido ao disposto no n.° 3 do artigo 19° do Código do IVA (...).
(...)
Deste modo, o IVA deduzido indevidamente, no exercício de 2005, apurado por período, é o seguinte:


(...)”

Tudo conforme fls. 13 e seguinte do PA aqui em anexo.
1. O Impugnante tomou conhecimento do teor do relatório supra, na pessoa de José ......................................., com a indicação de que, querendo, poderia exercer direito de audição – cfr. fls. 51 do PA aqui em anexo – não contestado.
2. E foram emitidas liquidações adicionais de IVA valores supra indicados e juros compensatórios, que foram enviadas à sociedade Impugnante por carta remetida pelos serviços do IVA, todas com data limite de pagamento em 30/09/2007 – cfr. fls. 12 a 33 dos autos.
3. A petição foi apresentada em 27/12/2007 – cfr. fls. 2 dos autos

Factos não provados
Dos autos não resulta provado que as facturas emitidas à impugnante por Paulo ...................................., João ............................, ......................., Lda e ........................., Lda., identificadas no relatório da inspecção tributária supra parcialmente transcrito, correspondem materialmente às operações comerciais nelas reflectidas.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

Motivação
No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, em concreto, no teor dos documentos indicados em cada uma das alíneas supra.
Quanto ao facto não provado, resulta da ponderação dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, todas elas unânimes quanto à estrutura empresarial da Impugnante, que consideravam como sendo uma das maiores a laborar na zona na área florestal, mas pouco precisas quanto se trata de especificar concretamente os tipos de negócios.
Assim:
a) A testemunha Vítor .................................., disse ter sido gerente da “......................” entre 2004 e 2006 e, em abono da sua razão de ciência, conhecer os factos por estes lhe terem sido contados pelo sócio gerente da impugnante, o que desde logo suscita dúvidas já que detendo a “.....................”, relações comerciais com a Impugnante (fornecedor), à partida, esse facto, seria susceptível de dotar a testemunha de conhecimento pessoal, pelo menos no que respeita à relação entre as duas empresas.
No que respeita aos fornecimentos da “.......................”, a testemunha em causa revelou que, nos ditos anos de 2004 a 2006, facturou bastante à impugnante, mas sem quantificar o valor dessa facturação.
Quanto aos pagamentos, a testemunha reportou que eram feitos semanalmente, todas as sextas feiras, através de cheque, ‘que levantava ao balcão porque estava inibido de passar cheques’
Referiu, ainda, que não conhecia bem os trabalhadores da Impugnante, mas acrescentou que muitos não eram portugueses.
Disse ainda que a mercadoria era acompanhada pela guia de transporte e que a conferência era feita com o talão de peso e que depois era passada a factura em contrapartida do cheque.
b) A testemunha Carlos ..................................... declarou ser o responsável do grupo ........................... e que comprava cortiça à Impugnante.
Reportou aos autos, com interesse, que a sua empresa só trabalha com falca, que a impugnante era sua fornecedora e toda a mercadoria por ela vendida era facturada. Referiu também que a testemunha Vítor da “......................”, fornecia à empresa da testemunha bem como à ora impugnante, sem especificar as mercadorias transaccionadas e respectivos valores.
c) A testemunha António ....................................., foi sócio gerente da ................, Lda, em 2005 referindo, com interesse, que, nesse ano, a empresa por si representada vendeu cortiças e pinhas à impugnante e que todos os fornecimentos foram facturados.
Disse que umas vezes havia guia de transporte, outras não, as pesagens eram feitas na PA.
Os pagamentos eram feitos no momento (se a pessoa pedir).mas à 6.ª feira era ‘o mais normal’.
‘As facturas eram pagas por cheque ao qual era descontado quaisquer valores pagos entretanto em dinheiro’.
È habito na zona, neste tipo de trabalho pagar-se à 6.ª feira.
d) A testemunha Francisco ..................., TOC da impugnante à data dos factos, disse que efectuava os lançamentos contabilísticos com base em facturas emitidas sob a forma legal (as que não reuniam os requisitos legais eram devolvidas).
Disse que se a impugnante não considera-se facturas emitidas por “.....................”, “.................” João Paulo não tinha suporte de compras para justificar as vendas, já que a empresa não tem terras.
Não confirmou a antecipação de parte dos pagamentos referidos pela anterior testemunha.
e) A testemunha Severino ........................................., comprava pinhas à impugnante para a sua produção de pinhões.
Mais referiu saber que Paulo ................................ e Vítor ..............., a quem comprou pinhas em 2005, tinham problemas fiscais.”

2. Do Direito

Conforme resulta dos autos, a Recorrente foi objecto de uma acção de inspecção, no âmbito da qual foram efectuadas correcções em sede de IVA do ano de 2005, com o fundamento, em síntese, de que as operações subjacentes a determinadas facturas não seriam reais e efectivas, e por conseguinte, ao abrigo do disposto no art. 19.º, n.º 3 do CIVA, consideraram o IVA das facturas ora em causa, não dedutível.

A Recorrente deduziu Impugnação Judicial para o TAF de Leiria que a julgou improcedente, entendendo a Meritíssima Juíza, também em síntese, que a Administração Tributária (AT) recolheu “indícios sérios e objectivos reveladores de uma probabilidade elevada de as facturas consideradas não titularem operações reais” e que cabendo à Impugnante (ora Recorrente) “infirmar os indícios recolhidos pela Administração Tributária, através da comprovação da materialidade das transacções questionadas” esta não o logrou fazer “já que não alegou factualidade concreta susceptível de rebater esses indícios e, muito menos, logrou carrear para os autos elementos de prova relacionados com as transacções concretas, no sentido da sua comprovação”.

I. Neste contexto, invoca a Recorrente, desde logo, erro de julgamento de facto, pois considera, face aos elementos probatórios constantes dos autos, que logrou provar “a subsistência das transacções” e por conseguinte, que a Meritíssima Juíza do TAF de Leiria deveria ter julgado a impugnação procedente.

O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados.

Sucede que, quando se impugna a sentença com base em erro de julgamento de facto deve o Recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa, bem como os depoimentos em que se funda (cfr. art. 685-Bº do CPC).

Trata-se, com efeito, de um ónus legal rigoroso (no actual art. 640.º do CPC, na redacção dada pela Lei 41/2013, de 26/06 o regime legal é ainda mais exigente), e cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso.

In casu, a Recorrente entende, no fundo, que os depoimentos das testemunhas foram suficientes para fazer a prova da materialidade das operações subjacentes às facturas ora em causa.

Sucede que, a Recorrente não indicou os concretos pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, incumprindo, deste modo, o disposto no art. 685.º-B do CPC. Nas conclusões de recurso não se faz qualquer referência quais os factos que foram incorrectamente julgados, sendo que tal também não resulta das alegações de recurso, pois a Recorrente limita-se a transcrever os depoimentos das testemunhas, sem que se possa daí retirar com clareza, quais os pontos concretos da matéria de facto que deveriam ter sido julgados em sentido diverso.

Por outro lado, não se afigura evidente que haja um erro manifesto na apreciação da matéria de facto pelo juiz a quo, sendo certo que se entendeu que as testemunhas foram “pouco precisas quando se trata de especificar concretamente os tipos de negócios” descrevendo a Meritíssima Juíza do TAF de Leiria, na sentença de forma pormenorizada, relativamente a cada uma das testemunhas as razões pelas quais entendeu que os depoimentos não constituíam prova suficiente. Mais se apreciou na parte III. da sentença a prova testemunhal em conjugação com a documental, análise também bastante pormenorizada.

Ora, a impugnação da matéria de facto pelo Recorrente é demasiado genérica, não permite ao tribunal de recurso reapreciar a decisão no que à impugnação da matéria de facto diz respeito, tanto mais que não se cumpriu o ónus prescrito na lei, não sendo manifesto, por outro lado, que haja um erro de julgamento da matéria de facto, face à densificada fundamentação da sentença recorrida, baseada na convicção formada pela Meritíssima Juíza a quo a partir da prova produzida.

Concordamos com o parecer do Magistrado do Ministério Público quando entende que o Recorrente não cumpriu o ónus legal, e por conseguinte, o recurso deverá ser rejeitado no que se refere à impugnação da matéria de facto.

Face ao exposto, e quanto a este fundamento, o recurso não merece provimento.

II. A Recorrente invoca ainda erro de julgamento (de direito) face aos princípios constitucionais da igualdade, legalidade, imparcialidade, da boa-fé.

Não obstante a invocação destes princípios nas conclusões das alegações de recurso, certo é que em momento algum concretiza em que medida tais princípios foram violados, e por outro lado, não se vislumbra em que medida o poderiam ter sido.

Com efeito, não se vislumbra de modo algum, em que medida a decisão recorrida viola aqueles princípios constitucionais. Cabia então à Recorrente, fazendo o devido enquadramento fáctico-jurídico, alegar concretamente os factos e as razões de direito em que assenta a violação da lei fundamental.

Face ao exposto, e também quanto a este fundamento invocado pela Recorrente, o recurso não merece provimento.

III. Por último, a Recorrente assaca ainda à sentença recorrida, erro de julgamento (de direito), invocando para tanto, o disposto no art. 100.º do CPPT.

Apreciando.

Conforme já referimos, a correcção subjacente às liquidações ora em causa, assentam no fundamento de que as operações subjacentes a determinadas facturas não seriam reais e efectivas, e por conseguinte, ao abrigo do disposto no art. 19.º, n.º 3 do CIVA, a AT considerou o IVA das facturas ora em causa, não dedutível.

Na verdade, conforme se escreveu no Acórdão do STA de 27/02/2008, proc. n.º 01062/07 “não confere direito à dedução de IVA o «imposto que resulte de operação simulada», constante de vulgarmente chamadas “facturas falsas” – de acordo com o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA.” [actualmente, dispõe o n.º 3 do art. 19.º do CIVA na Redacção do D.L.nº 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013 que “[n]ão pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura”].

O Tribunal de Justiça (TJ), no Despacho proferido no Caso Menidzherski Biznes Reshenia, Processo C-572/11, de 4 de Julho de 2013 decidiu que “[o]s artigos 168.°, alínea a), e 203.° da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, bem como os princípios da neutralidade fiscal e da protecção da confiança legítima, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja recusado ao destinatário de uma factura o direito a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado mencionado nessa factura quando as operações a que esta última se refere não foram efectivamente realizadas, ainda que o risco de perda de receitas fiscais não exista por o emissor da referida factura ter pago o imposto sobre o valor acrescentado nesta indicado. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efectuar, de acordo com as regras nacionais relativas à produção de prova, uma apreciação global de todos os elementos e de todas as circunstâncias de facto do litígio que lhe foi submetido para determinar se tal sucede com as operações a que as facturas em causa no processo principal dizem respeito.” (sublinhado nosso).

Nessas situações em que as facturas (ou documentos equivalentes) são emitidas na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem não tiveram lugar, é à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação, considerando o princípio da legalidade administrativa. Por outro lado, ao contribuinte cabe provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a efectiva existência das alegadas transacções. (cfr. Acórdãos do STA de 30/04/2003, proc. n.º 0241/03, de 24/04/02, proc. n.º 102/02, de 17/04/02, proc. n.º 26.635, de 09/10/02, proc. n.º 871/02 e de 14/11/01, proc. n.º 26.015).

Na verdade, o art. 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita: “[p]resumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.

O que significa que, se a AT não demonstrar a falta de correspondência com a realidade do teor das declarações, contabilidade e da escrita, estas são consideradas verdadeiras (nesse sentido, cfr. Diogo Leite de campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª ed., Vislis, 2012, p. 664).

Para tanto, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados”, não se impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam.

São suficientes indícios fundados para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT, ou seja os indícios devem ser objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais, de forma a ver legitimada a sua actuação.

Quando haja cessação da presunção de veracidade da contabilidade, nesses casos, cabe ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA.

Com efeito, no Acórdão do Pleno do Contencioso Tributário (CT) do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 07/05/2003, proc. n.º 01026/02 escreveu-se que “[t]endo a Administração Fiscal, por considerar não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, obstado à dedução do IVA que daquelas facturas consta, ao abrigo do disposto no artigo 19.º nº 3 do CIVA, cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”.

Regressando ao caso dos autos, a sentença recorrida, como já referimos, entendeu que a Administração Tributária (AT) recolheu “indícios sérios e objectivos reveladores de uma probabilidade elevada de as facturas consideradas não titularem operações reais” e que cabendo à Impugnante (ora Recorrente) “infirmar os indícios recolhidos pela Administração Tributária, através da comprovação da materialidade das transacções questionadas” esta não o logrou fazer “já que não alegou factualidade concreta susceptível de rebater esses indícios e, muito menos, logrou carrear para os autos elementos de prova relacionados com as transacções concretas, no sentido da sua comprovação”.

Assim sendo, e ao contrário do que entende a Recorrente, não basta ao contribuinte criar dúvida, ainda que fundada, nos termos do disposto no art. 100.º do CPPT, para que possa ter por satisfeito o ónus da prova que sobre si recai.

Com efeito, este preceito legal não se aplica quando cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, uma vez que, nesses casos, o ónus da prova cabe ao contribuinte, e nessa medida, existindo dúvida tem de ser processualmente valorada contra este, por ser quem tem o ónus da prova. (nesse sentido, cfr. Acórdão do STA de 24/10/2007, proc. n.º 0479/07).

Sumariou-se neste último acórdão, a propósito do revogado art. 78.º do Código de Processo Tributário (CPT) que estabelecia a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes e da contabilidade, e do art. 121.º do CPT que corresponde ao actual art. 100.º do CPPT que “[o] art. 78.º do CPT, ao estabelecer casos de cessação da presunção de veracidade dos dados e apuramentos resultantes de contabilidade ou escrita organizada segundo a lei comercial ou fiscal, tem ínsita a determinação de que nesses casos em que cessa a presunção é sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos sobre que se gerarem dúvidas. V - Entre estas situações de inversão do ónus da prova no procedimento tributário inclui-se a de existirem indícios fundados de que a contabilidade ou escrita não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte, regra esta que tem de ser harmonizada com a do art. 121.º do CPT, de forma a entender-se que, quando existam esses indícios, não se está perante situação de «dúvida fundada» que justifique a anulação do acto de liquidação.” (sublinhado nosso).

Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário-anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 133, escreve ainda que “[o] alcance inequívoco da cessação da presunção nestas situações, é o de determinar que, quando elas ocorrem, será sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existem dúvidas probatórias. (…) será de concluir que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele nº1, justificarem a anulação do acto” .

Em suma, cessando a presunção prevista no art. 75.º da LGT, como sucedeu no caso dos autos, cabe ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA, e deste modo, não há lugar à aplicação do disposto no art. 100.º do CPPT, porquanto a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário, que deve ser decidida contra a AT, apenas existe nos casos em que seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação.

Assim sendo, o recurso, in totum, não merece provimento.

3. Sumário do acórdão

I. Quando se impugna a sentença com base em erro de julgamento de facto deve o Recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa, bem como os depoimentos em que se funda (cfr. art. 685-Bº do CPC);
II. O art. 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita;
III. São suficientes indícios fundados para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT, ou seja os indícios devem ser objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais, de forma a ver legitimada a sua actuação;
IV. Quando haja cessação da presunção de veracidade da contabilidade, nesses casos, cabe ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA;
V. O art. 100.º do CPPT não se aplica quando cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, uma vez que, nesses casos, o ónus da prova cabe ao contribuinte, e nessa medida, existindo dúvida tem de ser processualmente valorada contra este, por ser quem tem o ónus da prova.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
****
Custas pela Recorrente.
Oportunamente remeta certidão do presente acórdão ao Tribunal Judicial de Santarém, com nota de trânsito, conforme solicitado pelo ofício de fls. 575 e 581 dos autos.
D.n.
Lisboa, 22 de Janeiro de 2015.

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Cristina Flora

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Cremilde Abreu Miranda

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Joaquim Condesso