Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1306/16.2BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:01/11/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RCO
PRESCRIÇÃO
Sumário:A prescrição do procedimento contraordenacional consubstancia exceção perentória (pressuposto processual negativo) de conhecimento oficioso em qualquer altura do processo, até à decisão final.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELAÓRIO

R……………………………, UNIPESSOAL, LDA, com os demais nos autos, não se conformando com o teor da sentença proferida em 22/03/18 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, que julgou improcedente o recurso que interpôs da decisão de aplicação de coima que lhe foi aplicada no âmbito do processo de contraordenação n.º ………………………415, pela prática de uma infração ao disposto nos artigos 27.º n.º 1 e 41.º n.º 1 alínea a) do Código do IVA, consubstanciada na falta de pagamento do imposto, e punível pelos artigos 114.º n.º 2 e n.º 5 alínea a) e 26.º n.º 4 do Regime Geral das Infrações Tributárias, no montante de €1.876,81 (acrescida de custas), vem interpor o presente recurso jurisdicional.

O Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:

«I – A decisão recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto.

II – A sentença recorrida não deu como provado que as seguintes facturas não foram recebidas:

a) Por conta da factura n.º 603/2010, emitida em 14/12/2010, no montante de €19076,95, o montante de € 11 703,07;
b) Factura n.º 427/2011, emitida em 10/08/2011, no montante de € 5367,97;
c) Factura n.º 531/2011, emitida em 21/09/2011, no montante de € 2211,15;
d) Factura n.º 539/2011, emitida em 23/09/2011, no montante de € 945,26;
e) Factura n.º 1500019/2015, emitida em 22/04/2015, no montante de € 2407,06;
f) Factura n.º 1500020/2015, emitida em 22/04/2015, no montante de € 4946,94.

III – Sucede que a consideração do depoimento da testemunha Inês Oliveira de (00:01:19 a 00.09:35 do temporizador de gravação) impunha decisão diversa, e, como tal, deve a referida factualidade ser dada como provada.

IV – E não se argumente em sentido contrário de que os factos devem ser provados por documento contabilístico.

V – Até porque a contabilidade reflete a documentação entregue pelo sujeito passivo.

VI – E neste caso, a testemunha arrolada é quem emite as facturas de vendas e serviços prestados e quem as tratava administrativamente.

VII – Em suma, esses factos devem ser dados como provados.

VIII – O erro de julgamento estende-se à matéria de direito.

IX – A sentença colocada em crise entende que, como o recebimento do IVA deixou de ser elemento do tipo legal da contra-ordenação, a decisão administrativa não padece de uma nulidade insuprível.

X – Reconhecendo até que há omissão, no despacho de fixação, da factualidade que descreva que na prestação tributária tenha sido deduzido o IVA.

XI – Quando a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo impõe essa exigência à dedução.

XII – Deste modo, a decisão em crise viola o art. 79.º, n.º 1, al. b) e 114.º, n.º 1, 2 e 5 do RGIT.

XIII – E, como tal, deve ser revogada.

XIV – Por outro lado, o Tribunal a quo enumera que relativamente à admoestação: «…atenta a factualidade que descreve, se mostram verificados os pressupostos para que a coima seja especialmente atenuada para não mais do que uma admoestação».

XV – Ora, o art. 32.º, n.º 2 do RGIT consagra a possibilidade de atenuação especial da coima.

XVI – Quando se preencham dois requisitos: i) a falta se encontrar regularizada e ii) o arguido assumir a sua responsabilidade.

XVII – Por outro lado, a jurisprudência, perante a falta de consagração expressa da admoestação no RGIT, admite a sua aplicação no procedimento e processo contraordenacional.

XVIII – Isto é, os requisitos para a admoestação são: i) a reduzida gravidade da infracção e ii) da culpa.

XIX – Ou seja, a atenuação especial da coima e a admoestação constituem dois institutos de natureza diversa, circunstância que tem refracção nos seus requisitos.

XX – No caso concreto, o Tribunal a quo, apesar de referir que se encontra a analisar a possibilidade de admoestação refere-se concretamente à atenuação especial de coima, fazendo até menção do art. 32.º, n.º 2 do RGIT.

XXI – Por isso e, salvo o devido respeito, a sentença erra na determinação da norma aplicável.

XXII – Em bom rigor, as normas concretamente aplicáveis à apreciação do vício apontado são o art. 51.º do RGCO, subsidiariamente aplicável às contra-ordenações tributárias por força da alínea b) do artigo 3.º do RGIT e como tal, também por aqui, a decisão deve ser revogada.

XXIII – Na verdade, a própria autoridade administrativa, no despacho de fixação da coima, sustenta que o ilícito foi praticado a título de negligência simples.

XXIV – O termo do prazo para o cumprimento da obrigação terminava em 10/08/2016.

XXV – E a obrigação de pagamento da prestação tributária foi cumprida no dia 29/09/2016, ou seja, 50 dias depois.

XXVI – Por outro lado, a contra-ordenação é nos termos do art. 23.º, n.º 2 do RGIT qualificada como simples.

XXVII – Por isso, verificam-se os requisitos para a admoestação.

XXVIII – O que impõe a revogação da decisão recorrida.

Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada, nos termos supra expostos.»


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Neste TCA, a Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Por despacho da Relatora, datado de 30/11/23, as partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a eventualidade de “poder estar prescrito o procedimento contraordenacional”; nada disseram.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

- De Facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. Em 05.09.2016, foi levantado auto de notícia, do qual aqui se recolhe por excerto parte do seu teor, que é o seguinte [fls. 4 processo físico]:

“(…)
« Texto no original»
(…)”

2. Tendo por base o auto de notícia referido no ponto anterior, foi autuado o processo de contraordenação n.º …………………..415 [fls. 3 processo físico].

3. Em 09.09.2016 foi remetida e recebida a comunicação à Recorrente nos mesmos autos de contraordenação, com a designação “NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA OU PAGAMENTO ANTECIPADO DA COIMA (ART.º 70 (…)RGIT” que apresenta, além do mais, o seguinte teor [fls. 6 processo físico]:
“(…)
« Texto no original»

(…)”
4. Em 25.09.2016, foi proferida “DECISÃO DE FIXAÇÃO DE COIMA” que se considera integralmente reproduzida e da qual consta, além do mais, o seguinte [fls. 9-10, processo físico]:
(…)
« Texto no original»
(…)”
5. Em 04.10.2016, foi recebido pela Recorrente o ofício de “NOTIFICAÇÃO ART. 79.º, N.º 2 RGIT”, que se considera integralmente reproduzido [fls. 11-12 processo físico].
6. Em 20.10.2016 foi registada a entrada do recurso da decisão que aplica a coima no Serviço de Finanças do Cartaxo [fls. 13 processo físico].
Mais se provou que,
7. A Recorrente emitiu a factura 603/2010, em 14.12.2010, no valor de € 19.076,95 [fls. 28-31 processo físico e prova testemunhal].
8. A Recorrente emitiu a factura 427/2011, em 10.08.2011, no valor de € 5.367,97 [fls. 32-34 processo físico e prova testemunhal].
9. A Recorrente emitiu a factura 531/2011, em 21.09.2011, no valor de € 2.211,15 [fls. 35-36 processo físico e prova testemunhal].
10. A Recorrente emitiu a factura 539/2011, em 23.09.2011, no valor de € 945,26 [fls. 37 processo físico e prova testemunhal].
11. A Recorrente emitiu a factura 1500019/2015, em 22.04.2015, no valor de € 2.407,06 [fls. 38-39 processo físico e prova testemunhal].
12. A Recorrente emitiu a factura e 1500020/2015, em 22.04.2015, no valor de 4.949,94 [fls. 40 processo físico e prova testemunhal].
13. Em 29.09.2016 a Recorrente pagou o imposto e acrescido em dívida, do período de 2016/06, no valor de € 5.610,80 e € 83,72, respectivamente [fls. 26-27 processo físico].
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Não existem outros factos, provados ou não provados, com relevo para a decisão.

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O tribunal julgou provada a matéria de facto, com base na análise da prova documental e testemunhal.

A prova documental relevante para a convicção formada é a concretamente identificada junto a cada um dos pontos do probatório.

A prova testemunhal resultou do depoimento de I ………………., arrolada pela Recorrente, que disse prestar serviços de escriturária junto da Recorrente, designadamente emitindo facturas e confrontada com os documentos de fls. 28 a 40 do processo físico que integram as facturas a que se referem os ponto 7. A 12 do probatório, corroborou o seu teor e referiu que os montantes ali em causa ainda se encontram em dívida.

Importa clarificar que, as sociedades, no exercício da sua actividade empresarial, estão sujeitas a um conjunto de normas jurídicas de natureza imperativa, que as obrigam a possuir conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial desenvolvida, assim como a efectuar os registos contabilísticos inerentes às mesmas operações, em contas adequadas.

Assim, para a demonstração da ausência de recebimento dos valores inerentes a facturas emitidas pela Recorrente, no exercício da sua actividade, atenta a natureza do facto a provar, a exibição dos documentos correspondentes a tais registos contabilísticos e movimentos bancários ou a ausência deles, constituem os meios de prova preferenciais e adequados, sem prejuízo da sua eventual corroboração através da prova testemunhal.

Pelo que, na ausência de tais meios de prova, o depoimento produzido não logrou convencer o tribunal, com a certeza e segurança necessárias para dar como provado que os valores correspondentes às facturas identificadas nos pontos 7. a 12. do probatório se encontrassem em dívida no período de 2016/06 e que tal circunstância se mostrou determinante para a não entrega do imposto devido com relação a este período.

De todo o modo, ainda que se considerasse provada a ausência de recebimento do valor correspondente às facturas identificadas nos pontos 7. a 12 do probatório, o certo é que, tais factos, em si mesmos, não teriam as consequências pretendidas pela Recorrente, uma vez que o efectivo recebimento do imposto deixou de ser elemento do tipo legal da contra-ordenação.

Note-se, ainda, que para além de as ditas facturas terem sido emitidas mais de 5 anos e de 1 ano antes do período a que respeita a falta de entrega do imposto que consubstancia a infracção aqui em causa, não se encontrando estabelecido um nexo de causalidade entre a falta de recebimento dos valores correspondentes às mesmas facturas na data dos respectivos vencimentos e a falta de entrega do imposto pelas operações realizadas em Junho de 2016, e, como se referiu, a verificação deste tipo de infracção desde 2008, não exige o recebimento dos valores correspondentes ao IVA do próprio período a que respeita, pelo que, também não se encontra condicionada pelo recebimento dos valores de facturas de 2010, 2011 e 2015.»


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- De Direito

As conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.412, nº.1, do C.P.Penal, “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).

Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou improcedentes todos os fundamentos invocados no recurso judicial apresentado, pelo que manteve a decisão de aplicação da coima.


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No presente recurso foi suscitada oficiosamente a prescrição do procedimento contraordenacional. O despacho em questão foi devidamente notificado às partes, as quais optaram pelo silêncio.

Em consonância com tal é, pois, por esta questão que iniciaremos a nossa análise, na qual passaremos a seguir o acórdão de 13/09/2018, Proc. nº 241/13.0BELRS, deste Tribunal, no qual interviemos enquanto Adjunta, cujo teor é, com as necessárias adaptações, transponível para o caso aqui em apreciação.

“A prescrição do procedimento contra-ordenacional consubstancia excepção peremptória (pressuposto processual negativo) de conhecimento oficioso em qualquer altura do processo, até à decisão final (cfr.artºs.35 e 193, al.b), do C.P.Tributário, e 27, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10; artº.33, do R.G.I.Tributárias), obstando à apreciação da matéria de fundo e gerando o arquivamento dos autos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/6/2013, proc.6642/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7259/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/02/2018, proc.2493/16.5BELRS; Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pág.1123 e seg.; Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III, pág.14; M. Leal-Henriques e M. Simas Santos, C.Penal Anotado, Rei dos Livros, 1995, 1º.volume, pág.826 e seg.).

Actualmente, o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional está previsto no artº.33, do R.G.I.T., norma que mantém no seu nº.1 o prazo geral de cinco anos, já consagrado no anterior artº.119, da L.G.Tributária, tal como no artº.35, do C.P.Tributário, no que se refere às contra-ordenações fiscais não aduaneiras.

Recorde-se que em matéria de direito sancionatório, vale o princípio constitucional da aplicação do regime globalmente mais favorável ao infractor que, embora apenas previsto expressamente para as infracções criminais (cfr.art.29, nº.4, da C.R.P.), é de aplicar analogicamente aos outros direitos sancionatórios, nomeadamente o contra-ordenacional. Por isso, para além de nunca poder ser aplicável uma lei sobre prescrição mais gravosa para o arguido do que a vigente no momento da prática da infracção, será mesmo aplicável, retroactivamente, o regime que, globalmente, mais favoreça o arguido (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/2004, rec.570/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc. 7259/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/02/2018, proc.2493/16.5BELRS; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.326).

Por outro lado, valendo em matéria contra-ordenacional, por maioria de razão, os motivos que justificam que não se eternize a possibilidade de proceder criminalmente contra o agente de determinada infracção, o artº.121, nº.3, do C. Penal, é de aplicação subsidiária ao presente processo (“ex vi” do artº.32, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10, e do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), em virtude do que a renovação do prazo de prescrição após cada interrupção tem sempre como limite o decurso da totalidade do mesmo prazo (cinco anos) acrescido de metade, ressalvados os casos de suspensão (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/4/2003, rec.84/03; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/6/2003, rec.503/03; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/7/2003, rec.540/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/6/2013, proc.6642/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7259/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/02/2018, proc.2493/16.5BELRS; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.328).

Já o nº.2, do artº.33, do R.G.I.T., estabelece um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação. Não é clara a ideia subjacente a esta coincidência entre o prazo de liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, parecendo que ela se poderia justificar por não ser razoável que a tutela sancionatória se estendesse para além do prazo em que é possível levar a efeito a liquidação, isto é, se na perspectiva legislativa deixa de interessar, pelo decurso do prazo de caducidade, a liquidação do tributo, também deixará de justificar-se a punição de condutas que conduziram à sua omissão. No entanto, a fórmula utilizada no nº.2 deste artigo, ao referir a dependência da infracção relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia pois a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável deriva do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor. Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos artºs.108, nº.1, 109, nº.1, 114, 118 e 119, nº.1, todos do R.G.I.T. Por outras palavras, a impossibilidade de determinar, antes da liquidação, o tipo de infração cometida ou o montante da coima aplicável que justifica que o prazo de prescrição do procedimento seja o mesmo prazo que a lei confere para proceder à liquidação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/04/2010, rec.777/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/11/2011, proc.4847/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/6/2013, proc.6642/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/02/2018, proc. 2493/16.5BELRS; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.323 a 325).

No artº.33, nº.3, do R.G.I.T., remete-se para a aplicação das normas sobre suspensão e interrupção da prescrição do processo contra-ordenacional previstas no R.G.C.O. O curso da prescrição pode ser suspenso e interrompido. Há suspensão quando o tempo decorrido antes da verificação da causa de suspensão conta para a prescrição, juntando-se, portanto, ao tempo decorrido após essa causa ter desaparecido (cfr.artº.120, nº.3, do C. Penal). A suspensão impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou. Inversamente, verifica-se a interrupção quando o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, devendo, portanto, reiniciar-se a contagem de um novo período logo que desapareça a mesma causa (cfr.artº.121, nº.2, do C. Penal). Ou seja, a interrupção anula o prazo prescricional entretanto decorrido (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/9/2007, rec.453/07; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/9/2007, rec.518/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/6/2013, proc.6642/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/02/2018, proc.2493/16.5BELRS; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.327; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 6ª. edição, 2011, Áreas Editora, pág.261)”.

Na presente situação, a infração que fundamentou a aplicação de coima à sociedade recorrida é punida pelo artigo 114, nºs 2 e 5 e 26º, nº4 do RGIT, estando dependente do apuramento do imposto em falta, já liquidado.

No caso, decorre da factualidade descrita na decisão de aplicação da coima que os factos imputados à Arguida se reportam à falta de entrega do imposto apurado ao abrigo das normas dos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea a), do CIVA e respeitante ao período de 201606, falta esta subsumível na previsão dos artigos 114.º, n.º 2 e 5 a) e 26.º, n.º 4, do RGIT e que lhe foi imputada a título de negligência simples.

Reportando-se a infração a imposto IVA, o prazo de caducidade conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário – 45º, nº4 da LGT (“O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário”).

Com estes pressupostos, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional não pode deixar de ser igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45º, nº4, da LGT, é de quatro anos, contados a partir do termo do ano em que se verificaram os factos tributários (artigo 33º, nº 2, do RGIT).

Por outro lado, igualmente é aplicável ao prazo previsto no artigo 33º, nº2, do RGIT a regra consagrada no artigo 28º, nº3, do RGCO (“ex vi” do artigo 3º, alínea b), do RGIT), na qual se estabelece que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido a totalidade do mesmo prazo acrescido de metade (no caso concreto, seis anos: 4+2).

“In casu”, e de acordo com a análise dos autos, este Tribunal apenas vislumbra a existência de um vetor suspensivo do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, de seis meses, e previsto no artigo 27º-A, nºs 1, alínea c) e 2, do RGCO, assim sendo o prazo total de prescrição de seis anos e seis meses.

Considerando os quatro anos, mais metade desse período e, ainda, seis meses de prazo máximo de suspensão, temos que, o prazo de prescrição, decorrido desde 31 de dezembro de 2016, se completou no final junho de 2023.

Concluindo, deve declarar-se a prescrição do procedimento contraordenacional nº ……………………415, exceção que deixa prejudicada a apreciação do mérito da causa, nomeadamente do recurso, e gera o arquivamento dos autos, ao que se provirá na parte dispositiva desta decisão.


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III- DECISÃO

Face ao exposto, decide-se declarar a exceção de prescrição do procedimento contraordenacional nº ……………415 e, consequentemente, absolver a arguida ………………., UNIPESSOAL, LDA da infração de que se encontra acusada, mais ordenando o arquivamento dos presentes autos.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 11 de janeiro de 2024


Catarina Almeida e Sousa

Isabel Fernandes

Hélia Gameiro