Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:375/21.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/03/2022
Relator:ALDA NUNES
Descritores:- NACIONALIDADE
- NETO DE PORTUGUÊS
Sumário:I. O art 1º, nº 1, al d) da Lei da Nacionalidade na redação dada pela Lei Orgânica nº 9/2015, de 29.7, concede ao nascido no estrangeiro, descendente em 2º grau de um português que nunca tenha perdido esta nacionalidade, o direito à naturalização como português.

II – Este regime jurídico exige apenas a filiação estabelecida na menoridade ao requerente da nacionalidade portuguesa (art 14º da LN).

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório

O Instituto dos Registos e do Notariado, IP, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAC de Lisboa, a 1.10.2021, na presente ação administrativa instaurada por S…, que condenou a entidade demandada a inscrever o nascimento do autor no registo civil português.

O recorrente alegou e concluiu o recurso nos seguintes termos:
I- A Conservatória dos Registos Centrais, ao indeferir o pedido de atribuição de nacionalidade do ora recorrido, interpretou corretamente o artigo 1º, nº 1, alínea d) da LN, porque só o estabelecimento da filiação durante a menoridade produz efeitos - seja na relação entre o progenitor em 1º grau (pai ou mãe do requerente) com o seu progenitor em 2º grau (avô do requerente) seja na relação do requerente com o seu progenitor em 1º grau - na nacionalidade, como dispõe e impõe o artigo 14º da LN, norma que inserida em disposições gerais da LN se aplica a todas as formas de obtenção da nacionalidade por via do “sangue”, tecnicamente designado “jus sanguinis”;
II– Deve ser feita interpretação da norma – artigo 14º da LN - apelando ao seu sentido ou espírito e ser revogada a douta sentença recorrida; e,
III- Integralmente mantida a decisão que indeferiu a atribuição de nacionalidade requerida. SÓ sim se fazendo a costumada JUSTIÇA

O autor contra-alegou o recurso concluindo pelo não provimento do mesmo.

O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146º do CPTA, não emitiu parecer.

Sem vistos, mas mediante envio prévio do projeto aos Senhores Desembargadores adjuntos, vêm os autos a conferência para decidir.

Objeto do recurso:
A questão a decidir neste processo, tal como vem delimitada pelas alegações e conclusões do recurso, é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito, quanto à interpretação e aplicação dos artigos 1º, nº 1, al d) e 14º da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei nº 37/81, de 03/10, na redação da Lei Orgânica nº 2/2018, de 5.7.

Fundamentação
De facto.
Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto:
A) O Autor nasceu em 3.7.2008, em Angola, e tem nacionalidade angolana (fls. 7 do processo administrativo);
B) É filho de I… (fls. 7 do processo administrativo)
C) e neto materno de M…, de nacionalidade portuguesa, que não perdeu (acordo);
D) A mãe do Autor nasceu em 29.10.1958, tendo sido perfilhada por M… em 29.4.2019 (fls. 13 do processo administrativo);
E) O Autor possui laços de efetiva ligação à comunidade nacional (fls. 20 do processo administrativo)
F) e não tem qualquer condenação criminal (fls. 20 do processo administrativo);
G) Em 12.11.2019 o Autor prestou declaração para fins de atribuição da nacionalidade portuguesa (fls. 1 a 5 do processo administrativo);
H) Por despacho de 9.9.2020 da Conservadora da Conservatória dos Registos Centrais foi indeferido «o pedido de feitura do registo de atribuição da nacionalidade portuguesa» formulado pelo Autor (fls. 28 e 29 do processo administrativo).


O Direito
Erro de julgamento de direito - artigos 1º, nº 1, al d) e 14º da Lei da Nacionalidade.
O recorrente discorda da decisão recorrida, que condenou a entidade demandada a inscrever o nascimento do autor no registo civil português, imputando-lhe erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto nos arts 1º, nº 1, al d) e 14º da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei nº 37/81, de 3.10, na redação da Lei Orgânica nº 9/2015, de 29.7 (LN).
O recorrente, Instituto dos Registos e do Notariado, IP, perfilha o entendimento de que o autor, ora recorrido, não preenche o pressuposto de ter um ascendente de nacionalidade portuguesa do 2º grau na linha reta que não tenha perdido essa nacionalidade, previsto no art 1º, nº 1, al d) da Lei da Nacionalidade. Isto porque a mãe do requerente nasceu a 29.10.1958 e, apenas, foi perfilhada pelo pai (avô do requerente), em 29.4.2019. Ou seja, a filiação da mãe do requerente não foi estabelecida na menoridade desta. O que, por força do art 14º da Lei da Nacionalidade, impede a atribuição de nacionalidade portuguesa ao recorrido.
Defende assim o recorrente que só o estabelecimento da filiação durante a menoridade produz efeitos na nacionalidade, seja na relação do requerente com o seu progenitor (pai ou mãe do requerente), seja na relação do seu progenitor com os respetivos pais (avôs do requerente).
Vejamos.
O entendimento sufragado na sentença recorrida foi o de que estavam reunidos os requisitos para o deferimento do pedido de atribuição da nacionalidade portuguesa originária, nos termos do art 1º, nº 1, al d) da Lei nº 37/81, de 3.10, alterada pela Lei nº 9/2015, de 29.7, ao ora recorrido. Considerando, em face de um pedido formulado por quem, tendo nascido no estrangeiro, tenha, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa do 2.º grau na linha reta que não tenha perdido essa nacionalidade, a norma que se extrai do artigo 14.º da Lei da Nacionalidade tem como destinatário esse mesmo indivíduo, que declara querer ser português e requer a inscrição do seu nascimento no registo civil português.
O tribunal recorrido citou e seguiu de perto a jurisprudência vertida no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo a 9.5.2012, processo nº 47/12 (este acórdão, prolatado em recurso de revista, revogou o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13.10.2011, processo nº 7640/11, a que aderiu, por sua vez, o acórdão do mesmo TCAS de 6.6.2013, processo nº 8816/12 [como a fundamentação: Atenta a identidade de situações jurídicas e porque não se vislumbram existir motivos para divergir do anteriormente decidido, adere-se à fundamentação que foi adotada em tal citado aresto, que, em súmula, se passa a reproduzir]), no sumário do qual se lê:
«I - O art. 6º, n.º 4, da LN concede ao nascido no estrangeiro, descendente em 2.º grau de um português que nunca tenha perdido esta nacionalidade, o direito à naturalização como português.
II – Este regime jurídico, pensado para a naturalização dos netos de portugueses, não formula, sequer «a silentio», qualquer requisito relacionado com a possibilidade de obtenção da nacionalidade portuguesa por algum dos seus progenitores.
III – Não fora assim, reduzir-se-ia o regime jurídico autónomo que prolonga um outro a uma mera modalidade deste último.
IV – Daí que o art. 14º da LN – onde se dispõe que «só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade» – não afete a naturalização do neto de uma portuguesa, nascido no estrangeiro e cuja filiação foi estabelecida na sua menoridade, mesmo que a filiação do pai do requerente, filho dessa portuguesa, só se estabelecesse quando ele perfizera vinte e dois».

A Lei Orgânica nº 9/2015, de 29.7, alterou, pela sétima vez, a Lei da Nacionalidade (entretanto voltou a ser alterada pela Lei Orgânica nº 2/2020, de 10.11, que entrou em vigor no dia 11.11.2020, mas esta redação não se aplica ao caso, por o ato impugnado datar de 9.9.2020).
Esta alteração da Lei da Nacionalidade revogou a modalidade de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização que se encontrava prevista no art 6º, nº 4 da Lei de Nacionalidade, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17.4, e que contemplava a possibilidade de naturalização de netos de portugueses dispensando-os do requisito de residirem legalmente no território português há pelo menos seis anos [4 - O Governo concede a naturalização, com dispensa do requisito previsto na alínea b) do nº 1, aos indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente do 2º grau da linha reta da nacionalidade portuguesa e que não tenha perdido esta nacionalidade].
Passando o art 1º, nº 1, al d) da Lei da Nacionalidade na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica nº 9/2015, de 29.7, a prever a possibilidade de cidadãos nascidos no estrangeiro, netos de portugueses, adquirirem a cidadania portuguesa mediante declaração de que querem ser portugueses, desde que possuam laços de efetiva ligação à comunidade nacional.
Esta nova modalidade de atribuição da nacionalidade portuguesa estende a nacionalidade portuguesa originária aos netos de portugueses nascidos no estrangeiro.
Mas, nesta circunstância, como corretamente vem decidido na sentença, raciocínio que aqui se acolhe, o disposto no art 14º da LN – só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade - apenas tem aplicação à relação de filiação entre o autor e a sua mãe, dado que, como sabemos, a filiação é um vínculo que liga o filho aos progenitores (art 1796º do CC). Já o vínculo que une o neto ao avô tem a ver com uma relação de parentesco – 2º grau na linha reta (arts 1578º, 1579º, 1580º do CC).
O objeto da norma do art 1º, nº 1, al d) da LN na redação dada pela Lei Orgânica nº 9/2015, de 29.7 – São portugueses de origem: d) os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, uma ascendente de nacionalidade portuguesa do 2º grau na linha reta que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses … - é o estrangeiro neto, relativamente ao seu ascendente português, não se exigindo o estabelecimento da filiação do progenitor do estrangeiro durante a menoridade do progenitor. Assim, a exigência do art 14º da LN apenas releva e deve ser observada na esfera jurídica do descendente que pretende a nacionalidade portuguesa.
Questão diversa desta, de verificação do pressuposto de o requerente ter um ascendente de nacionalidade portuguesa do 2º grau na linha reta que não tenha perdido a nacionalidade para lhe ser reconhecida a nacionalidade portuguesa, tem a ver com a prova da sua filiação e da filiação da sua mãe para demonstrar a descendência em 2º grau.
Mas, como decidiu o STA, no acórdão que citamos (de 9.5.2012, processo nº 47/12) a filiação do progenitor não é a que o artigo 14º prevê – previsão essa concatenada à «nacionalidade» pretendida.
Assim, não é por acaso ou lapso que o art. 14º alude à «filiação» no singular; fá-lo porque a «filiação» aí indicada é a do que formula o pedido, e não também a de algum ascendente seu.
E isto é plenamente confirmado pela «ratio» do preceito, que … visa prevenir filiações fraudulentamente estabelecidas para permitir a naturalização. Ora, esse risco só razoavelmente se coloca quanto à filiação daquele que pede a nacionalidade portuguesa; pois, se é verdade que se pode insinuar uma fraude na filiação do pai do impetrante para possibilitar a naturalização do filho, também é certo que as hipóteses desse tipo, pela sua manifesta raridade, não mereciam que o legislador as pensasse e assumisse como relevantes. Até porque as situações do género da presente têm normalmente por origem razões alheias a qualquer tentativa fraudulenta; e, «in casu», temos um claro exemplo disso, já que a mãe do recorrido apenas viu a paternidade reconhecida por força de exame genético.
Assim sendo, e em face da matéria de facto provada, encontra-se demonstrado que o avô do requerente é português, é pai da mãe do requerente, o requerente e na menoridade do requerente/ autor, recorrido, por este foram prestadas declarações para fins de atribuição da nacionalidade portuguesa.
Pelo que, pode o requerente/ autor, recorrido prevalecer-se da nacionalidade portuguesa do seu avô, cidadão português, seu parente em 2º grau na linha reta.
Concluindo, improcede o erro de julgamento imputado à sentença recorrida.


Decisão
Nestes termos, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conferência, em negar provimento do recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.
Notifique.
*
Lisboa, 2022-02-03,
(Alda Nunes)
(Lina Costa)
(Catarina Vasconcelos).