Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1250/14.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/11/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO;
REVERSÃO;
CULPA;
ÓNUS DE PROVA.
Sumário:1. No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua gerência, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).
2. Assim, sendo as dívidas provenientes de IRC, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido pago o imposto incumbe demonstrar, mediante prova positiva e concludente, que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
3. A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o revertido/ oponente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por R......... à execução fiscal n.º ......... e apensos contra si revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “C........., LDA.” para cobrança de dívida no montante de 89.964,55 Euros, proveniente de IRC do exercício de 2007.

O Recorrente conclui as doutras alegações assim:
«
4.1. Visa o presente recurso reagir contra a decisão que julgou procedente a Oposição judicial, intentada, pelo ora recorrido contra execução fiscal com o processo n.º ......... e apensos, instaurada por dívida de IRC do exercício de 2007, contra a sociedade comercial “C........., Lda.”, divida essa posteriormente revertida na ora oponente, no montante total de 89.964,55 €.
4.2. Como fundamentos da oposição invocou o oponente no seu petitório inicial, em suma, a falta de culpa sua pelo não pagamento atempado do IRC em questão, por parte da sociedade executada originária, concluindo o seu articulado inicial peticionando o arquivamento da reversão em questão, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos da reversão fiscal, constante do artigo 24.º da Lei Geral Tributária.
4.3. o Ilustre Tribunal “a quo” julgou a procedente a presente oposição, considerando, para o efeito e em suma, que “Tendo, o oponente, como lhe competia, que a insuficiência do património da devedora originária não foi uma consequência da sua actuação, no exercício das suas funções de gerente, o oponente é parte ilegítima para a execução, fundamento previsto na al b) do nº 1 do artº 204º do CPPT.”.
No entanto,
4.4. é entendimento da Fazenda Pública que a decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice.
Isto porque,
4.5. entende a Fazenda Pública, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, que, perante a factualidade tida por provada, o Ilustre Tribunal a quo, na decisão ora em crise, incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, ao concluir que, in casu, o oponente logrou demonstrar que a insuficiência patrimonial da devedora originária “não foi uma consequência da sua actuação, no exercício das suas funções de gerente”, afastando assim (subentende-se) a presunção de culpa pelo não pagamento atempado do IRC em questão por parte da sociedade executada, pressuposto este de cuja verificação depende o estabelecimento da responsabilidade subsidiária, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.
4.6. Considera a Fazenda Pública que dos factos tido por provados nos presentes autos constam inúmeros factos e circunstâncias, que interpretadas de acordo com as regras de experiência comum e de normalidade de vida, inelutavelmente conduzem à conclusão que o oponente, enquanto gerente de facto da sociedade executada, adoptou comportamentos que levaram a que esta ficasse descapitalizada e, assim, impossibilitada de cumprir com as suas obrigações tributárias.
Isto porque,
4.7. o oponente não cuidou, logo após a sua nomeação de gerente da sociedade executada, de inteirar-se acerca das questões relevantes da vida societária desta. Quando podia e devia faze-lo, porque assim lhe era exigido enquanto gerente da sociedade executada, ao qual era exigido que cuidasse dos assuntos desta de uma forma interessada, com sagacidade e mediana inteligência e zelo pelos interesses da sociedade – ou seja, de acordo com o critério do homem medio, o bonus pater familias.
4.8. Foi a circunstância descrita na al. H) dos factos tidos por provados a circunstância que, directamente, determinou a diminuição patrimonial da sociedade executada originária, e não a circunstância constante da al. C) do probatório, conforme entendeu o Ilustre Tribunal a quo.
Por outro lado,
4.9. o oponente, ora recorrido, mesmo após tomar conhecimento da venda dos imóveis, então propriedade da sociedade executada, referenciados na al. C) do provatório, não encetou as diligências necessárias e adequadas para se inteirar acerca dos contornos fácticos desses mesmos negócios. Quando podia e devia faze-lo enquanto gerente da sociedade executada
4.10. No entendimento das Fazenda Pública, nesta circunstância (omissão) reside a culpa do oponente, ora recorrido, pois um gerente medianamente atento, sagaz e zeloso dos interesses da pessoa colectiva que representa.
Pelo que,
4.11. atendendo à factualidade tida por assente na sentença ora em crise, conjugada com circunstâncias que interpretadas de acordo com as regras de experiência comum e de normalidade de vida, não se concebe, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, a conclusão colhida pelo Ilustre Tribunal a quo que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade executada teve por causa aquele concreto negócio de venda dos imóveis identificados na al. C) do provatório, sem que por tal venda tenha entrado as devidas quantias pecuniárias nos cofres da sociedade executada.
4.12. Ao assim não o entender na sentença ora em crise, o Ilustre Tribunal recorrido, no modesto entendimento da Fazenda Pública, sempre com o devido respeito e salvo melhor entendimento, incorreu em erro de julgamento, no respeitante à apreciação e valoração da prova, violando, assim, o disposto nos n.º 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, ora aplicável por força do disposto na al. e) do artigo 2.º do CPPT.
Razão pela qual,
4.13. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, com as legais consequências daí decorrentes.
Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e costumada
JUSTIÇA!».

Contra-alegações, não houve.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais dada a simplicidade das questões a resolver e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão controvertida reconduz-se a indagar se o revertido oponente fez prova de que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida tributária.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
Dão-se por provados os seguintes factos:
A) Da Certidão permanente da sociedade comercial denominada Sociedade C........., Lda, constam, nomeadamente as seguintes inscrições e averbamentos (fls 181, do PEF apenso):
(…).
Firma: Sociedade C........., Lda.
Natureza Jurídica: Sociedade por quotas
Sede:
Distrito: Lisboa
(…).
Insc 1 Ap 05/19971211 – Contrato de sociedade e suas alterações
Firma: Sociedade C........., Lda
Natureza Jurídica: Sociedade por quotas
Sede:
Distrito: Lisboa
(…)
Capital: 29.927,88
Sócios e quotas
Quota: €9.975,96
Titular: A…………….
(…).
Residência:…………,
Amadora
(…).
Quota: €9.975.96
Titular: I…….
(…)
Residência: …………………Lisboa
Quota: €9.975,96
Titular: V.........
Residência: …………..
Pontinha
(…).
Forma de obrigar: Com a assinatura de dois gerentes
Órgãos designados
Gerência
A.........
I.........,
V.........
(…).

B) Em 30-09-2007 faleceu A......... (certidão de óbito de fls 183, do PEF);

C) Em 01-10-2007, por escritura pública outorgada no Cartório Notaria do Licenciado R........., I......... e V........., como gerentes e em representação da Sociedade C........., Lda, com sede na Av……………, Pontinha, vendem à sociedade I........., Lda, com sede na Av ………….., na Pontinha, aqui representada por P........, pelo preço de 62.500,00, o prédio urbano, constituído por lote de terreno para construção sito no Casal do Rato, Rua…………, Lote 2, freguesia da Pontinha, concelho de Odivelas, descrito na Conservatória do registo Predial de Odivelas, registada a favor da sociedade vendedora pela inscrição G, apresentação vinte de nove de Abril de dois mil e sete, inscrito na matriz sob o artº………, com o valor patrimonial de 56 114,10€, pelo preço de 62.500,00 o prédio constituído por lote de terreno para construção sito no casal do rato, Rua………, lote três, da freguesia da pontinha, concelho de Odivelas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas sob o número duzentos e setenta e nove, da referida freguesia, com aquisição registada a favor da vendedora pela inscrição G, apresentação vinte, de nove de Abril de dois mil e sete, inscrito na matriz sob o artº….., com valor patrimonial de 56 114,10€ e pelo preço de cinquenta mil euros o prédio urbano, constituído por lote de terreno para construção sito no Casal do Rato, na Rua…………, lote três A na freguesia da Pontinha, concelho de Odivelas, descrito na Conservatória do registo Predial de Odivelas sob o número duzentos e oitenta da referida freguesia, com a aquisição registada a favor da sociedade vendedora pela inscrição G, apresentação vinte, de nove de Abril de dois mil e sete, inscrito na matriz sob o artº……., com o valor patrimonial de 42 106,24€ (fls 187 a 190, do PEF);

D) Consta da escritura pública que foi pago IMT no montante de €11.375,00 correspondente ao documento nº 160.907.021.053.103 (fls 187 a 190, do PEF);

E) O montante correspondente a 175.000,00€ correspondente ao preço dos três lotes de terreno a que se refere a escritura pública identificada em C) não entrou nos cofres da sociedade identificada em A) (inquirição da testemunha S........);

F) Em 20-03-2009 as herdeiras do falecido A......... – M........, S........ e M........ - constituíram, seu procurador R......... (ora oponente) para as representar em assuntos da sociedade identificada em A) (fls 190 e 191, do PEF);

G) Conforme acta nº 16, no dia 15-04-2009, o oponente foi nomeado gerente da sociedade identificada em A) registado na Conservatória do Registo Comercial em 09-11-2009 (fls 192 e 214, do PEF);

H) A partir de 15-04-2009 o oponente tomou conhecimento que a sociedade tinha dívidas sendo seu credor principal o B........, SA e a AT (inquirição da testemunha S........);

I) Em 26-03-2009 os sócios e gerentes da sociedade identificada em A) I........ e V........ e o ora oponente igualmente enquanto gerente celebraram com o B........, SA a escritura de Dação em Cumprimento de fls 195 a 210, do PEF, nos termos da qual liquidaram o crédito que o Banco detinha sobre a sociedade;

J) Em 01-12-2010 foi apresentada a declaração do exercício de 2007, resultando imposto a pagar de €91.126,89, acrescido de juros compensatórios de €9.127,66 e juros de mora de €1.002,55, com data de pagamento voluntário a 19-01-2011 (fls 210 e 211, do PEF);

K) Em 26-03-2010 o B........ emitiu o cheque nº………, no valor de €70.297,64 a favor da Direcção Geral de Contribuições e Impostos que foi entregue à AT com vista a liquidar os impostos (fls 211, do PEF);

L) O oponente tomou conhecimento aquando da entrega da declaração referente ao ano de 2007 da existência da escritura pública identificada em H) (inquirição da testemunha);

M) Em 23-03-2011 foi instaurado à sociedade identificada em A) o processo de execução fiscal nº ........., dívida esta, de montante de €89.954,55, referente a IRC do período de 2007, acrescido de juros e custas, no montante total de €94.544,25

N) Em 22-10-2013 foi proferido despacho para audição reversão do ora oponente constando dos fundamentos (fls 171, do PEF):
“Dos administradores directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, são subsidiariamente responsáveis por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo (artº 24º nº 1 al b, da LGT);

O) Em 20-11-2013 o oponente exerceu direito de audição, nos termos de fls 179 e 180 do PEF cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, para todos os efeitos legais;

P) Em 15-01-2014 foi proferido despacho de reversão onde consta como FUNDAMENTOS DE REVERSÃO (fls 215, do PEF):
“Dos administradores directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, são subsidiariamente responsáveis por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo (artº 24º nº 1 al b, da LGT)”;

Q) Em 27-01-2014 o oponente foi citado (fls 218 e 219, do PEF):
“Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis subsidiários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia 8artº 23º nº 2 da LGT).
Dos administradores directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, são subsidiariamente responsáveis por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo (artº 24º nº 1 al b, da LGT)”;
*
Inexistem outros factos provados ou não provados com interesse para a decisão da causa.
*
A convicção do tribunal baseou-se no correlacionamento e análise crítica de toda a prova produzida nestes autos, com especial destaque para os documentos juntos aos autos, não impugnados, conforme a remissão feita nos respectivos factos dados como provados. A convicção do tribunal resultou ainda da prova testemunhal valorada da forma seguinte:
S........, referiu que o seu pai morreu e quando no dia 2 de Outubro o seu marido e a sua mãe depararam-se com um empréstimo no banco de valor muito avultado. Disse ainda que a sociedade era um negócio de que não havia muito conhecimento. Resolveram – eu e os demais herdeiros - constituíram o seu marido como procurador, vindo a assumir as funções de gerente, atendendo a que um dos sócios estava inibido de emitir cheques e a sociedade obrigava-se com duas assinaturas e havia a questão do banco para resolver. Referiu ainda que a sede da sociedade era num prédio de familiares dos outros sócios, nunca se soube bem onde era, não tiveram acesso a qualquer documentação. A partir do momento em que o R........ passou a ver escrituras verificou uma escritura que foi celebrada dia 1 de Outubro de 2007, nunca soubemos o valor pelo qual tinha sido vendido, mas não soubemos como entrou porque a seguir à morte do seu pai, não entrou dinheiro na conta da sociedade. Foi-lhes negado o acesso aos documentos da sociedade. A divida do empréstimo foi saldada e o banco entregou um cheque que foi entregue à AT, pensando que a situação estava resolvida. Referiu que o seu pai assinou uma acta onde autorizou a passagem do terreno da sociedade para uma outra por 175.000, dinheiro este que não entrou na sociedade onde o seu pai era sócio.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como dissemos, a questão a decidir reconduz-se a indagar se o revertido oponente logrou fazer prova de que a falta de pagamento do tributo exequendo não lhe foi imputável, não se questionando a sua gerência no período de pagamento da dívida.

Em causa, está a reversão de dívidas de IRC e juros relativas a 2007, com data limite de pagamento em 09/01/2011 (cf. certidão de dívida a fls.2 do PEF apenso).

Aplica-se o regime de responsabilidade subsidiária previsto na Lei Geral Tributária, cujo art.º 24.º, n.º 1, dispõe:

«1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

Como a jurisprudência do STA e dos TCAS o tem vindo a salientar em inúmeros arestos (cf. Acórdão do STA, de 10/16/2013, tirado no proc.º 0458/13), de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações daquelas previsões legais (i) incumbe em qualquer dos casos à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT).

Tendo-se a reversão concretizado nos termos da alínea b) do art.º 24.º da LGT, cabia ao revertido ilidir a presunção legal de culpa na falta de pagamento dos impostos exequendos, demonstrando que essa falta de pagamento não lhe é imputável. Se tal prova não tiver sido feita, ou se subsistirem dúvidas quanto à não imputabilidade da falta de pagamento do imposto, a oposição não poderá proceder.

O acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familiae”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial a do art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios, que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade – cf., entre muitos, o Acórdão do TCA Norte, de 23/11/2011, proferido no proc.º 00972/09.0 BEVIS.

Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente/Recorrido não podia deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que são alheias à revertida e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem, pois, que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.

Realmente, o normativo que subjaz à nossa análise faz recair sobre o gestor o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária, pois tal imputabilidade presume-se. Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la reiteradamente no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida.

Assim, demonstrada que seja a falta de pagamento ou de entrega da dívida tributária por parte da sociedade originária devedora, recairá sobre o gestor o ónus da prova da falta de culpa por tal facto, sendo certo que a lei impõe a quem exerça funções de administração em pessoas colectivas ou entes fiscalmente equiparados «o cumprimento dos deveres tributários das entidades por si representadas» (art.º 32.º da LGT).

Feitos os considerandos pertinentes e descendo aos autos, vejamos o que a propósito se deixou consignado na sentença recorrida:
«
Como se verifica dos factos assentes o oponente nunca foi sócio da sociedade, tendo sido nomeado gerente da sociedade na sequência da morte de A........., ou seja, em 15-04-2009, sendo que só a partir desta data começou a tomar conhecimento da situação patrimonial da sociedade.
Resultou ainda provado que antes de se ter gerado a situação de insuficiência
patrimonial da sociedade o oponente tratou de proceder quer à liquidação da dívida na banca quer à liquidação junto da AT, até porque a intenção seria a de proceder ao encerramento da sociedade, como alegado e não há razões para não aceitar.
Como se sabe tem de haver um nexo de causalidade entre a actuação negligente do gerente e a insuficiência do património social, ou seja, tem de haver uma acção ou omissão do gestor que conduza à situação de insuficiência do património da sociedade.
E, no caso não foi a acção do oponente, enquanto gerente que conduziu à situação de insuficiência do património societário, porque como se verifica dos factos assentes a haver uma qualquer acção que diminui o património da sociedade foi através da escritura pública levada ao probatório em C) outorgada no dia seguinte ao falecimento de A......... ocorrido em 30-09-2007, sem que tivesse entrado nos cofres da sociedade o valor da venda dos imóveis vendidos, pelos gerentes I........ e V.........
Pelo que, a existência de insuficiência patrimonial encontra a causa neste negócio celebrado pelo sócios sobrevivos, que foi efectuado antes da gerência pelo aqui oponente.
Tendo, o oponente, como lhe competia, que a insuficiência do património da devedora originária não foi uma consequência da sua actuação, no exercício das suas funções de gerente, o oponente é parte ilegítima para a execução, fundamento previsto na al b) do nº 1 do artº 204º do CPPT.».

Salvo o devido respeito, não concordamos com este modo de ver.

Na verdade, como bem nota o recorrente, não consta do probatório factualidade, que, num juízo de normalidade, razoabilidade ou elevada probabilidade, permita concluir que a falta de pagamento da dívida exequenda na data do seu vencimento (19/01/2011), tenha resultado do desvio, em proveito dos sócios e também gerentes, do produto da venda escriturada em 01/10/2007, pelo preço de 175.000,00 Euros, de três lotes de terreno da sociedade devedora originária (pontos C), D) e E), da matéria assente).

Com efeito, se se atentar na declaração mod.22/IRC apresentada pela SDO em 01/12/2010 com relação ao ano de 2007 (referida em J) da matéria assente), que foi o da venda dos três lotes de terreno, dela constam proveitos com prestações de serviços no valor de 941.880,00 Euros e lucro tributável de 423.846,00 Euros.

Ora, a ser assim, ficam por explicar que concretas circunstâncias factuais ocorreram desde 2007 e determinaram a situação de insuficiência de fundos para acorrer ao pagamento do imposto em falta, em 2011, data do respectivo vencimento, com gerência entretanto assumida, em 15/04/2009, também pelo oponente (vd. ponto G) da matéria assente).

Dito de outro modo, para se poder concluir que a falta de pagamento da dívida teve a sua origem naquele desvio de fundos das contas da sociedade, tinha de ser levada ao probatório, factualidade relativa à conduta do gerente oponente, que, num juízo de normalidade, pudesse ser interpretada como excludente da sua culpa na situação de falta de pagamento da dívida por insuficiência de fundos da sociedade.

Agora, se a SDO teve em 2007 proveitos declarados (ainda que em declaração correctiva) de montante muito superior àquele que, nesse mesmo ano, foi desviado da sociedade, então fica por explicar que destino foi dado àqueles proveitos excedentes da sociedade, se também não entraram nas contas SDO, e a outros que eventualmente esta tenha obtido no período subsequente até 19/01/2011 (data do termo de pagamento da dívida), e se o critério adoptado pelos gerentes, nestes incluído o oponente, foi diligente ou, pelo contrário, reprovável.

Fica também por explicar por que razão não tratou o oponente de se inteirar, diligentemente, antes da iniciativa da dação em pagamento ao Banco, negócio através do qual se desfizeram muitos bens sociais, se a SDO tinha a sua situação tributária regularizada, não havendo procedimentos de liquidação em curso.
Como também nada se diz, como nota o recorrente, sobre concretas medidas tomadas pelo oponente, no interesse social, visando reparar o dano infligido à SDO pelos sócios, com a venda de bens da SDO em proveito exclusivo deles próprios.

Nada se demonstrando de decisivo no sentido de afastar a culpa do revertido oponente e aqui recorrido na falta de pagamento do imposto, deve ele responder pelas dívidas da SDO ao abrigo da alínea b) do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, a coberto da qual se efectuou a reversão, tornando-se parte legítima na execução.

Pelo exposto, há que conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a oposição improcedente.

5- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a oposição improcedente.

Custas a cargo do recorrido em 1.ª instância (não contra-alegou neste).

Lisboa, 11 de Março de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina flora].

Vital Lopes