Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:66/12.0BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:04/28/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:AQUISIÇÃO INTRACOMUNITÁRIA
CONCEITO ECONÓMICO
ESTATUTO COMUNITÁRIO DA EMBARCAÇÃO
PODER DE DISPOR DO BEM
Sumário:I - As aquisições intracomunitárias de bens caracterizam-se pela transferência do poder de dispor, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, cuja definição assenta num carácter económico, e não jurídico.
II - A entrega do bem móvel corpóreo não pode ser definida por referência à transferência da propriedade jurídica tal como é regulada pelas disposições internas dos Estados-membros, abrangendo, assim, qualquer transação que, do ponto de vista comercial, deva ser assimilada a uma transferência da propriedade jurídica, não se limitando, à aquisição do poder de disposição sobre esse bem a título da propriedade jurídica.
III - Estando comprovado o estatuto comunitário da embarcação, e resultando inequívoco que o Recorrente tem o poder de dispor do bem móvel corpóreo, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, cuja expedição foi realizada por um vendedor comunitário para território nacional, com destino ao adquirente, ora Recorrente, estão reunidos os pressupostos para a sua tributação.
IV - Fundamentação formal e fundamentação material do ato, são conceitos distintos, sendo que a validade formal do ato está concatenada com a questão de saber se a AT deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, enquanto a validade substancial do ato está relacionada com a questão de saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO


M… (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), datada de 16 de março de 2011, no montante de €17.737,00.

O Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“A) o recorrente não é o proprietário da embarcação.

B) Não tem nem nunca teve o poder de dispor sobre a embarcação.

C) É a própria proprietária que confirma por escrito que ao recorrente apenas é facultado o direito de utilizar a embarcação, e não dispor sobre a mesma.

D) Resulta dos DOCS 3 e 8 da impugnação que o IVA foi pago à vendedora da embarcação - a sociedade comercial S…, Ltd.

E) Ao considerar tratar-se de uma aquisição intracomunitária, o tribunal “a quo” fez uma interpretação errada do artigo 3º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI)

F) Não considerou o tribunal “a quo" o disposto no n° 2 do artigo 4º do RITI, em que para considerar a aquisição como intracomunitária, seria necessário que a conduta do recorrente fosse considerada uma transmissão, nos termos do artigo 3º do CIVA.

G) Não existiu nem resultou provada qualquer transmissão no âmbito do n° 3 do CIVA.

I-I) Resultou provado que a embarcação está registada em Gibraltar.

I) Assim sendo e mesmo a existir a aquisição intracomunitária, não seria a mesma tributável, por força do n° 2 do artigo 8º do RITI e uma vez que o recorrente provou que a embarcação foi sujeita a IVA no país de origem: Reino Unido.

J) Por seu turno, não seria a mesma tributável, por interpretação ad contrario do n° 4 do artigo 8º do RITI, uma vez que a embarcação em causa não foi sujeita a registo, licença ou matricula no território nacional.

L) Errou o tribunal a “quo” ao não considerar a aplicabilidade das normas mencionadas nas duas alíneas anteriores.

M) Errou igualmente o tribunal “a quo” ao não efectuar uma apreciação global de todos os elementos de facto objectivos e pertinentes para determinar de a embarcação saiu efectivamente do Reino Unido e se foi em Portugal que se verificou o seu consumo final, conforme Acórdão do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia de 18 de Novembro de 2010.

N) A este respeito, nem o recorrente é residente em Portugal, nem o lugar da matrícula e utilização habitual da embarcação é Portugal, mas antes Gibraltar,

O) Até porque a embarcação foi adquirida e registada em Gibraltar pela sua proprietária em 2007 e apenas em 2010 foi celebrado um contrato com a Marina de P… para a utilização de um posto de amarração.

P) Consequentemente e durante os primeiros 3 Anos, não esteve em Portugal mas sim em Gibraltar, lugar onde foi registada.

Q) Não existe qualquer prova nos autos de que a embarcação tenha estado em Portugal por um período superior a 6 meses.

R) Antes pelo contrário, resulta dos autos registos de entrada e saída da embarcação.

S) Errou o tribunal "a quo” ao não considerar o disposto no artigo 3º da Directiva 83/182/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983,

T) Abrangendo a mesma uma isenção de qualquer imposto sobre o consumo, nos casos da importação não exceder o período de seis meses de permanência em cada período de doze meses.

U) Errou igualmente o tribunal “o quo " ao não considerar o disposto na alínea a) do n° I do artigo 558° das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (DACAC), a qual concede “a isenção total de direitos de importação aos meios de transporte rodoviário, ferroviário, e aos afectos à navegação aérea, marítima e fluvial, desde que estejam matriculados fora do território aduaneiro da comunidade em nome de uma pessoa estabelecida fora desse território'”.

V) Ora, a este respeito e conforme resultou provado, a embarcação está matriculada em Gibraltar e é propriedade de uma sociedade comercial também com sede em Gibraltar,

X) Ou seja, fora do Território Aduaneiro Comunitário, tal como resulta do artigo 3º do Código Aduaneiro Comunitário (CAC).

Y) Por todos os motivos atrás referidos, nem a embarcação está sujeita ao IVA exigido pela recorrida, nem em circunstância alguma este imposto poderá ser devido pelo recorrente.

Z) Em última análise e tendo o IVA sido pago no Reino Unido, aquando da compra da embarcação pela sua proprietária, estaríamos perante uma dupla tributação.

AA) Nos termos do artigo 615° do Código de Processo Civil, a sentença que ora se recorre é ferida de nulidade por omissão de pronúncia sobre questões alegadas pelo recorrente nos artigos 46° até 92° das alegações já apresentadas nos autos, no âmbito do artigo 120° do CPPT.

Por tudo o acima exposto deve portanto ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente, de forma subsidiária:

I. Considerar, nos termos do artigo 615° do Código de Processo Civil, a sentença nula por omissão de pronúncia sobre os factos e respectivas consequências legais constantes dos artigos 46° a 92° das alegações já efectuadas pelo recorrente nos autos, no âmbito do artigo 120° do CPPT e atrás referenciados.

II. Ser julgada procedente a invocada excepção dilatória de ilegitimidade do recorrente, sendo o mesmo absolvido da instância, nos termos dos artigos 576º 2 e alínea e) do artigo 577° do Código de Processo Civil.

III. Revogar a sentença proferida pelo tribunal “a quo”, por ferida de motivação errada na interpretação efectuada ao artigo 3° do RITI.

IV. Serem anulados os actos tributários constantes do projecto de liquidação, por força do disposto na alínea c) do artigo 99° do CPPT.

Deve ainda como consequência ser ordenado o levantamento da penhora efectuada com a AP 2…. de 2011/06/01 sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o n° 30… da freguesia de F…, concelho de Lagoa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o n° 1…..


***


A Recorrida, devidamente notificada para o efeito contra-alegou tendo concluído da seguinte forma:

“1. O, ora, recorrente deduziu impugnação judicial da liquidação oficiosa de IVA, e juros compensatórios, n° 2011/90………., no valor total de € 17.737,00 relativa à importação da embarcação denominada “T...", com os fundamentos constantes da Informação de fls. 36 a 41 do processo administrativo n°7……../2011, que aqui se dá por integralmente reproduzida;

2. Em 29-03-2011, o, ora, recorrente apresentou reclamação graciosa da, supra mencionada, liquidação;

3. Em 19-04-2011, no decurso da reclamação graciosa, o ora recorrente apresenta cópia do CMR n° 249……., na Alfândega de Faro, para prova do estatuto comunitário da embarcação, cfr. fls 87 e 88 do processo administrativo n.°7…../2011 e Doc. 6 junto com a p.i., com tradução a fls. 95, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido,

4. Do CMR n.° 24……. resulta que o expedidor foi “S… Ltd” de So….., o destinatário foi M… “c/o L…Ltd”, e o local destinado para a entrega de mercadoria: P... Boatyard, Algarve, Portugal;

5. Em 26-03-2012 foi emitida pela Administração Fiscal do Reino Unido a "Declaração T2L” relativa à embarcação denominada “T...”;

6. A embarcação de recreio “T...”, fabricada em 2007, é propriedade da empresa “L…, Ltd” sediada e registada em Gibraltar; cfr. Doc. 5 Junto com a p.i.

7. O contrato de compra e venda “Bill of sale”, emitido em 26 de Junho de 2007 pela “S…, Ltd”, indica como adquirente "L…, Ltd ", e uma morada localizada em Gibraltar, D… 3…-3… Main Street;

8. O documento apresentado como fatura final, n° S…../NJ…../e…., emitido em 22-05- 2007 à “L… Ltd", indica uma morada no Reino Unido, Ist Floor, Concept H…., St. Johns P…., Brooke Street, Cleckheaton, West Y…;

9. No sistema “Latitude 32" há registos de entrada e saída da embarcação "T...” das marinas de P… e V…, no período compreendido entre 27-03-2008 e 11-08- 2010;

10. A embarcação tem lugar permanente no n° 29, do cais M da marina de P…, ao abrigo de “Contrato de cedência temporária de direito de utilização do posto de amarração na Marina de P…”, celebrado em 30-08-2010, entre “Marina de B…, S.A.”, e o, ora, recorrente;

11. Da cláusula 1a do, supra mencionado, contrato consta que o ora recorrente é proprietário da mesma - cfr. Anexo 1 a fls 75 a 78 do processo administrativo n.° 7…../2011;

12. Dos registos existentes nas marinas resulta que o utilizador da embarcação é o Sr. M…;

13. O recorrente apesar não ser o titular do direito de propriedade da embarcação denominada “T...”, o certo é que, desde antes da concretização da venda, atuou de forma correspondente ao direito de propriedade, dando instruções expressas sobre o local da entrega da embarcação;

14. Nas negociações com a sociedade vendedora, “S…, Ltd”, esta refere-se ao ora recorrente como sendo o seu cliente e não à “L… Ltd” e faz expressa menção que a embarcação se lhe destina na qualidade de proprietário, usando a expressão "... o seu barco"',

15. O ora recorrente, nas comunicações que faz com a sociedade vendedora, fá-lo em nome próprio e não em representação da “L… Ltd”, referindo-se a esta sociedade apenas para dar instruções no sentido de ser efectuado o registo em nome daquela, assim como a confirmação do depósito do valor da compra e venda e dá indicações sobre pormenores relativo a características da embarcação, como cores de determinados equipamentos;

16. O nome da embarcação denominada “T...”, reflecte o nome do filho do impugnante, ora recorrente (depoimento testemunhal);

17. De acordo com o art° 3º do RITI “considera-se, em geral, aquisição intracomunitáría a obtenção do poder de dispor, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, de um bem móvel corpóreo cuja expedição ou transporte para território nacional, pelo vendedor, pelo adquirente, ou por conta destes, com destino ao adquirente tenha tido início noutro Estado membro.

18. Uma aquisição intracomunitáría de bens implica sempre a deslocação física de bens de um Estado membro da União Europeia para o território nacional;

19. E ainda, segundo a douta sentença recorrida, “Por outro lado, o elemento essencial da aquisição intracomunitária consiste, a par da obtenção das faculdades de um proprietário, na deslocação física do bem para outro Estado membro, importando atribuir especial importância ao transporte ou à ordem de transporte, ou seja, quem solicita o transporte de uma mercadoria decide, em principio, quando e onde esta se deve encontrar, determinando a localização da mercadoria, que é expressão das faculdades do proprietário, que são constitutivas de uma aquisição intracomunitària, o mesmo sucedendo em relação à determinação das características da mercadoria.”',

20. Mais, o Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão SAFE - Shipping and Forwarding Enterprise Safe BV Proc0 C-320/88, decidiu no seu n° 9 que "(...) o n° 1 do artigo 5o da sexta directiva deve ser interpretado no sentido de que é considerada como “entrega de um bem” a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário, ainda que não proceda à transferência da propriedade jurídica do bem";

21. Resulta assim claro, que é a posse de um bem e o poder de dispor dele como se juridicamente fosse o proprietário que caracteriza a operação de entrega de um bem, mesmo que juridicamente não tenha havido transferência do bem;

22. Assim, o recorrente tinha o poder de dispor da embarcação denominada “T..." por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade;

23. Concluindo, provado o estatuto comunitário da embarcação, através do CMR junto aos autos, após apresentada a reclamação graciosa, a sua entrada no território nacional, em 29-05-2007, configura uma operação assimilada a aquisição intracomunitária de um meio de transporte novo, sujeita a IVA;

24. Assim, é devedor o Sr. Mar…., pessoa a quem foi entregue a embarcação e a tem à sua disposição como nova, em sede IVA, ou seja antes dos três meses de utilização, por força dos artigos 1º, alínea b); 6º, n°1, alínea b) e n° 2; 4º, n°2; 12º, n° 1 e artigo 2º, alínea a) todos do RITI - cfr. doc 1 junto com a p.i.;

25. Pelo que, a alegação do recorrente de que “Ao considerar tratar-se de uma aquisição intracomunitária, o tribunal “a quo” fez uma interpretação errada do artigo 3.° do Regime do Iva nas Transações Intracomunitárias (RITI)”, não pode proceder;

26. A questão invocada pelo recorrente não se prende com a errada interpretação do artigo 3.° do RITI, antes se prendendo com a interpretação, aplicação e subsunção dos factos às normas jurídicas efectuadas pelo Tribunal “a quo” e com a qual o recorrente não se conforma;

27. E, embora, o recorrente tenha alegado a falta de fundamentação da liquidação, a fundamentação, conforme entendeu o STA no acórdão n.° 0194/08, de 19-11-2008, é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação; (negrito nosso)

28. Ora, resulta claramente quer do teor da p.i., quer das alegações do recurso ora apresentado, que o impugnante e, ora, recorrente se apercebeu do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão;

29. Mais, ao contrário do alegado pelo recorrente a sentença proferida pelo Tribunal "a quo" pronunciou-se sobre todas as questões suscitadas pelo mesmo;

30. Assim, e conforme Acórdão do STJ, de 29 de novembro de 2005 "1. A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia só acontece quando o acórdão deixa de decidir a/gumas das questões suscitadas peias partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra, (negrito nosso) 2. (...) 3 . As questões não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões. (negrito nosso)

31. A douta sentença recorrida apreciou devidamente as provas produzidas e aplicou o direito fundamentando a decisão conforme a lei.

32. Pelo que não merece qualquer censura devendo, manter-se na ordem jurídica.

Nestes termos e nos demais de direito, deverá o presente recurso ser julgado improcedente e, consequentemente, ser mantida a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA.”


***


A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***


Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***


II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A) Ato impugnado: Em 16.03.2011 foi emitida pela Alfândega de Faro a liquidação oficiosa de IVA, e juros compensatórios, n.º 2…/90……., no valor total de € 17.737,00 relativa à importação pelo Impugnante de “E…. “T...”” – cfr. fls. 44 do processo instrutor apenso.

B) A liquidação que antecede foi efetuada com os fundamentos constantes da Informação de fls. 36 a 40 do processo instrutor apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida e de que se retira, em síntese, o seguinte:

«…A alínea a) do n.º 2 do art. 313.º das Disposições de Aplicação do CAC (DACAC, aprovadas pelo Regulamento nº 2454/93 (CEE) da Comissão), considera em linhas gerais que não são comunitárias as mercadorias introduzidas no TAC, em conformidade com o art. 37º do CAC, salvo se o respectivo estatuto comunitário for devidamente comprovado* (nos termos dos artigos 313º a 317º -B das DACAC), presunção susceptível de supressão;

Ao contrário do que sucede com os veículos automóveis (art. 320º das DACAC), o Certificado de registo de uma embarcação de recreio num Porto Comunitário, não faz prova do estatuto comunitário (de facto não existe nenhuma disposição na legislação comunitária que o estabeleça);

Nos termos do disposto no nº 2 do artº 313 das DACAC, o facto da embarcação "T..." se encontrar registada em Gibraltar e ser procedente do mesmo território extracomunitário, conduz à presunção de que a mesma não detém o estatuto de mercadoria comunitária (presunção passível de ser elidida pelo interessado);

Partindo do pressuposto de que a embarcação em causa não possuindo estatuto comunitário tem usufruído do regime de importação temporária com isenção de direitos aduaneiros, facto que lhe permitiu permanecer no TAC (águas comunitárias) durante o prazo máximo admitido de 18 meses, Cfr. a alínea e) do art. 562º das DACAC, considera-se que tal prazo foi há muito ultrapassado uma vez que de acordo com a informação recolhida, a embarcação “T...” encontra -se há cerca de 35 meses (desde 27/03/2008) nas marinas Algarvias, violando o regime de importação temporária atrás citado;

É de salientar ainda as premissas/limitações impostas pelas DACAC, designadamente as mencionadas nos artigos 558º a 561º das DACAC, as quais impedem a utilização por uma pessoa (colectiva ou singular) estabelecida na Comunidade, de embarcações com estatuto de mercadoria não comunitária ao abrigo do regime de importação temporária, visando evidentemente a interdição da sua utilização através de subterfúgios conhecidos como sejam por exemplo o empréstimo ocasional ou serviço gratuito;

Neste contexto, clarifica-se assim a responsabilidade do Sr. Mar…, no que concerne à regularização da situação aduaneira e fiscal da embarcação de que consta como utilizador, configurando uma operação sujeita a procedimentos aduaneiros no sentido de a introduzir em livre prática e no consumo/importação (Cfr. artºs 37º a 40º do Código Aduaneiro Comunitário).

Tal acto acarreta a liquidação das imposições aduaneiras devidas pela sua permanência em território aduaneiro da Comunidade…»cfr. fls. 36 a 40 do processo instrutor apenso.

C) Em 29.03.2011 o Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação identificada em A), com mesmos fundamentos que usa na presente impugnação, conforme fls. 48 a 51 do processo instrutor apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas – cfr. fls. 48 a 51 do processo instrutor apenso.

D) Sobre a reclamação que antecede recaiu despacho de indeferimento com os fundamentos constantes do doc. 1 junto com a petição, que aqui se dá por integralmente reproduzido e de que se retira, em síntese, o seguinte:

«[…]

1. Os factos que relevam para a análise da situação são os seguintes: i. a embarcação de recreio "T...", fabricada em 2007, é propriedade da empresa "L…, Ltd.", sediada em Gibraltar;

ii. o contrato de compra e venda (Bill of sale), emitido em 26 de Junho de 2007 pela "S…, Ltd.", indica como adquirente "L…, Ud.", e uma morada localizada em Gibraltar, Don House 3…-3…. Main Street;

iii. o documento apresentado como factura final, n.º S…/NJ…/ejh, emitido em 22-05-2007 à "L…", indica uma morada no Reino Unido, 1st Floor, Concept House, St. Johns P…, Brooke Street, Cleckheaton, West York….:

iv. no sistema "Latitude 32" há registos de entrada e saída da embarcação "T..." das Marinas de P… e V…, no período compreendido entre 27 -03-2008 e 11-08-2010;

v. a embarcação tem lugar permanente no n.º 2…, do cais M da Marina de P…, ao abrigo de um contrato de cedência temporária do direito de utilização do posto de amarração na Marina de P… durante 1 ano, com início a 30-08-2010 a 30-08-2011, celebrado em Agosto de 2010 entre o Sr. M. R… e a Marinas de B…, S.A.;

vi. dos registos existentes nas marinas resulta que o utilizador da embarcação é o Sr. M. R…;

vii. no cadastro do contribuinte consta como não residente, em território nacional, o cidadão M. R…, a quem foi atribuído o NIF 24…….., cartão definitivo desde 30-08-2004;

viii. M. R…, cidadão britânico, designou como seu representante fiscal a cidadã, de nacionalidade desconhecida, G…. (NIF 179……..), com domicílio fiscal na Quinta do R…, lote 2…, Vai d'EI R…, 8400 Lagoa;

Perante tais factos, a Alfândega de Faro considerou que o IVA e direitos aduaneiros são devidos pela entrada em livre prática e no consumo, dado que a embarcação de recreio, com estatuto não comunitário, é proveniente e está registada em Gibraltar (país terceiro) e se encontra nas marinas algarvias desde 27-03-2008, a ser utilizada por pessoa estabelecida na Comunidade, o que determinou a liquidação oficiosa. […]

2. Em 19-04-2011, o Reclamante apresenta cópia do CMR n.º 24…….., na Alfândega de Faro, e requer a junção à reclamação graciosa, para provar o estatuto comunitário da embarcação, o CMR indica como destinatário da embarcação o Sr. M. R…, em Portimão - Portugal, e que foi recepcionada em 29-05-2007.

III. ANÁLISE

1. Face à natureza do meio de transporte em causa, embarcação de recreio, importa determinar o tipo de operação realizada e proceder ao respectivo enquadramento em matéria do IVA.

2. Consideram-se barcos de recreio, os barcos privados destinados a viagens cujo itinerário é fixado a bel-prazer dos utilizadores.

3. À DGAIEC, no âmbito das competências legalmente definidas", cabe-lhe controlar e fiscalizar a entrada, permanência e saída das embarcações de recreio, podendo, por isso, solicitar a apresentação de documentos, por exemplo, da prova do estatuto aduaneiro comunitário.

Estatuto aduaneiro da embarcação

4. Para efeitos do referido no precedente n.º 1, releva conhecer o estatuto aduaneiro da embarcação de recreio "T...". Inicialmente, tudo indicava que o barco teria navegado desde Gibraltar até Portugal, mas posteriormente foi entregue cópia do CMR n.º 24……, e pedido de junção à reclamação graciosa para provar o estatuto comunitário da embarcação.

5. Do CMR apresentado pelo Reclamante resulta que:

Ø o destinatário da embarcação foi o Sr. M. R……;

Ø Portugal - Portimão foi o país de destino;

Ø a embarcação foi recepcionada em 29-05-2007.

6. Considerando que o referido CMR foi confirmado pelas autoridades inglesas, poderá então concluir-se que o transporte da embarcação ocorreu, por estrada, dentro do território da Comunidade, do Reino Unido (EM de expedição) para Portugal (EM de destino), ou seja, o estatuto aduaneiro comunitário do barco de recreio foi provado.

7. Logo, não é devido IVA a título da importação, mas eventualmente a título da aquisição intracomunitária de bens, por aplicação das regras previstas do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (doravante designado como RITI), no caso da embarcação se considerar um meio de transporte novo, em sede do IVA.

Ou seja, se a obtenção do poder de dispor da embarcação por parte do Sr. M. R…, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, ocorreu até aos três meses após a data da primeira utilização, ou antes de ter navegado mais de cem horas, significa que a operação em causa está sujeita às regras específicas de tributação dos meios de transportes previstas no RITI.

Cedência da embarcação

8. De acordo com o Reclamante, a embarcação foi cedida gratuitamente pela proprietária, entidade localizada em Gibraltar, “L…”. Para confirmar essa afirmação, apresentou um "documento", emitido pela proprietária, com assinatura ilegível, e respectiva tradução.

9. Se de acordo com os elementos disponíveis, a embarcação é propriedade de uma empresa situada em Gibraltar, haveria que apurar a situação real para o enquadramento fiscal da operação efectivada. Para o efeito, recorreu-se ao mecanismo da assistência mútua administrativa junto das autoridades aduaneiras do Reino Unido.

10. Das informações prestadas, ficou a saber-se que, para além da embarcação se destinar ao Sr. M. R…, também foi ele que interveio na escolha de alguns pormenores de acabamento do barco, assim como no local e data de entrega e condições de facturação com a "S….. Motor…..", conforme se poderá confirmar numa comunicação datada de 11-12-2006, e que o próprio Sr. M. R… assinou em 27-02-2007, por ter lido e concordado com o seu conteúdo.

11. Dos três pontos abordados naquela comunicação, assinada pelo Sr. M. R… e por um representante da "S… M…", Sr. M…, há a realçar a parte referente à "Entrega" (nossa tradução de “Delivery”), ponto 3., e que importa transcrever:

"(. . .)

Please could you confirm to me exact details of where the boat is to be delivered to in

Portugal.

Please could you also confirm that the Mooring Awning is to be Beige and the Antifoul

to be Interspeed Green.

As I mentioned on the phone, we have received confirmation from the factory that your Prestige 30 will shortly be ready for shipping and I would ask if you could sign and return the enclosed copy of this letter as confirmation of the details as laid out bearing in mind there have been a couple of amendments/alterations.

Once I have received this back from you, the final Invoice and Statements will be issued to Lewis Management and we can arrange to have the boat dispatched and organise a handover date".

12. Perante tal comunicação, entre outras, não datadas, entende-se a existência de duas facturas finais de venda do barco com a mesma numeração, 2007/3…… , mas com diferentes datas. A primeira, emitida em 21-02-2007 ao Sr. M. R…; a segunda, emitida em 07-03-2007 à “L…”, por indicação do Sr. M. R….

13. Nesses dois documentos, emitidos pela "S………", são indicadas diferentes moradas, mas ambas localizadas no Reino Unido, e em qualquer uma o número de identificação fiscal é inexistente.

14. Será de referir que da documentação remetida pelas autoridades inglesas, em resultado das informações prestadas por pessoa que havia sido director da "S…. Ltd.", o documento apresentado como "factura" (DOC. 2) não é uma factura, é um "Plano" final de facturação que poderá ter sido alterado, e que pressupõe a emissão de uma factura final.

Aquelas autoridades deram ainda a conhecer uma declaração fornecida pelo Director da "Prime M…………… Limited", que segundo as informações por ele prestadas, aquela empresa actuou como "sub dealer", uma espécie de "intermediário" no momento da venda do barco, mas sem, no entanto, a transmissão ter sido realizada pela "Prime M… Limited".

Para além das facturas n.ºs 2006/3….. e 2006/3……, de pagamentos antecipados, há a já referenciada n.º 2007/35….., de 07-03-2007.

15. […]

Julga-se que a emissão da factura final 2007/3…., ao Sr. R……, até pode dever-se a um erro ou lapso por parte da S….. M……. Contudo, parece justificar -se, dado que a entrega da embarcação e pormenores de acabamento, pelo menos alguns, ficaram ao cuidado do Sr. R…, conforme evidenciam os documentos remetidos pela administração inglesa (vide parte do texto transcrito no precedente ponto 11.), podendo até, eventualmente, ter iniciado o processo de compra do barco.

16. Relativamente ao documento apresentado pelo Reclamante como "factura" (DOC. 2 referenciado no precedente ponto 14.), bem como aos remetidos pela administração inglesa, há a realçar a não indicação do número de identificação fiscal da entidade a quem foram emitidas.

[…]

17. […]

O que se verifica é que o documento apresentado como factura, e mesmo os remetidos pela administração inglesa, emitidos à empresa "L……." indicam uma morada de West York……. e não de Gibraltar, o que pressupõe a existência de um registo, naquela data, em Inglaterra para além de uma morada.

18. Conclui-se, assim, que a factura de suporte à transmissão da embarcação "T..." não foi emitida nos termos legais, por falta de uma menção considerada obrigatória pela Directiva 2006/112/CE, e que obrigatoriamente foi transposta para o direito interno de todos os Estados-membros.

19. Também há a referir que o "Bill of sale" (contrato de venda), documento sem relevância fiscal, foi emitido em data posterior (26-06-2007) quer à factura final, remetida pelas autoridades inglesas, quer mesmo ao documento apresentado como "factura" pelo Sr. M. R… (22-05-2007).

[…]

20. […]

Assim, face às regras específicas de tributação dos meios de transporte, a entrada em território nacional da embarcação "T..." constitui facto gerador do imposto, por força do disposto nos artigos 1.º, alínea b); 6.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a); e 12.º, todos do RITI, independentemente da qualidade dos intervenientes e de ter sido ou não

sujeito a IVA no Estado-membro de proveniência.

[…]

22. Ora, se a proprietária da embarcação é uma entidade localizada em Gibraltar, então deveria fazer-se representar no território nacional, nomeando, para o efeito, um representante fiscal para cumprimento das obrigações decorrentes da aplicação da legislação IVA, designadamente, para regularizar a situação fiscal da embarcação, o que não se verifica.

23. Dos factos conhecidos, constata-se que a embarcação "T..." foi entregue ao Sr. M…… em Maio de 2007, e que se tem mantido ao seu dispor, pelo menos até Agosto de 2011, face ao contrato de cedência temporário do direito de utilização do posto de amarração na Marina de P…, durante um ano, com o início a 30-08-2010, celebrado com a Marinas de B….

[…]

25. Perante os factos conhecidos, nomeadamente de que o barco foi recepcionado no território nacional em 29-05-2007, significa que, pelo menos desde essa data, o barco está à disposição do Sr. R…, embora tudo leva a crer que terá sido em data anterior, pelo menos desde a data de emissão da factura final 2007/3……., 07-03-2007.

[…]

28. Face às informações prestadas pelo Sr. R…, a embarcação não foi vendida nem locada.

29. Contudo, há a ter a em conta a noção de entrega de um bem, que não implica transferência da propriedade nas formas previstas no direito interno aplicável, mas inclui qualquer operação de transferência de um bem corpóreo por uma parte que confira a outra parte o poder de dispor dele, de facto, como se fosse o seu proprietário, significa que o IVA pode ser devido num Estado-membro de destino de um meio de transporte novo, ainda que a sua entrega não implique a transferência do direito de

propriedade.

30. Ora, se a empresa "L………", proprietária da embarcação, não dispõe de sede, estabelecimento estável ou domicílio no território nacional e não tem representante fiscal, entende-se que o devedor é o Sr. R…, independentemente de ser ou não o proprietário e do imposto ter sido ou não pago no Estado -membro de proveniência, mas pelo facto de ser a pessoa a quem foi entregue a embarcação e a tem ao seu dispor elou utilizado desde 2007, pelo menos até Agosto de 2011, termo do contrato de cedência temporário do direito de utilização do posto de amarração na Marina de P…, referenciado no precedente ponto 23.

31. Há ainda a realçar que a afectação permanente da embarcação ao Sr. R…, desconhecendo a administração qualquer outra pessoa, parece configurar uma operação assimilada a aquisição intracomunitária de bens, por força do nº 2 do artigo 4º do RITI, conforme se concluiu no projecto de decisão já conhecido.

[…]

Partindo do pressuposto que a titularidade da embarcação se mantém inalterada, então somos de concluir que a entrada da embarcação em território nacional configura uma operação assimilada a aquisição intracomunitária de um meio de transporte novo, constituindo-se devedor do IVA o Sr. Mr. R…, face ao disposto na alínea a), do n.º 2 do artigo 2.º do RITI.

IV. CONCLUSÃO

Face ao explanado, afigura-se, salvo melhor opinião, concluir o seguinte:

-provado o estatuto comunitário da embarcação, através do CMR junto aos autos após apresentada a reclamação graciosa, a sua entrada no território nacional, em 22-05-2007, configura uma operação assimilada a aquisição intracomunitária de um meio de transporte novo, sujeita a IVA, e

-é considerado devedor a pessoa a quem foi entregue o barco e o tem ao seu dispor e/ou utilizado, desde 2007 até Agosto de 2011, o Sr. M. R…, por força dos artigos 1.º, alínea b); 6.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2; 4.º, n.º 2; 12.º, n.º 1 e artigo 2.º, alínea a), todos do RITI.» – cfr. doc. 1 junto com a p.i..

E) Em 10.01.2012 a Impugnante foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. doc. 1 junto com a p.i. (fls. 96).

F) Em 11.12.2006 a “S… Ltd”, representada por M…, dirigiu ao ora Impugnante, via fax, a carta constante de fls. 136/137 do processo instrutor apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida, referente ao assunto “Prestige 30”, contendo as especificações do barco usando a expressão «I have shown below the final specification for your boat», fazendo referência a comunicações anteriores do ora Impugnante sobre as características pretendidas/não pretendidas – cfr. fls. 136/137 do processo instrutor apenso.

G) Da mesma comunicação que antecede, assinada pelo ora Impugnante, resulta ainda que a “S… Ltd” solicita ao ora Impugnante detalhes sobre o local de entrega da embarcação em Portugal e sobre especificações da mesma, referindo-se à embarcação como sendo do ora Impugnante – cfr. fls. 136/137 do processo instrutor apenso.

H) Em janeiro de 2007 o Impugnante enviou um fax para M…/C…, relativo ao assunto “Prestige 30”, onde confirma a transferência da quantia de 22.000,00 libras e, ainda, que o barco deve ser registado em nome da empresa “L… Ltd” – cfr. fls. 139/140 do processo instrutor apenso.

I) Ainda em janeiro de 2007, em fax dirigido a C…, que o recebeu, o ora Impugnante dá conta que falou com M… sobre equipamento da embarcação e que o recibo do depósito deveria ser emitido em nome da “L… Ltd” – cfr. fls. 141/142 do processo instrutor apenso.

J) Por carta manuscrita e datada de 27.02.2007, o ora Impugnante confirmou a receção da carta identificada em F), indicou como local de entrega da embarcação a Marina de P…; referiu pormenores de cores de equipamento da embarcação e que deveria ser registada em nome da “L… Ltd” – cfr. fls. 144 do processo instrutor apenso.

K) Na comunicação datada de 28.03.2007 a “S… Ltd” faz referência ao nome do ora Impugnante como sendo o seu cliente e a quem se destina a embarcação “P 30” – cfr. fls. 144 do processo instrutor apenso.

L) Em 22.05.2007 a “S… Ltd”, sociedade comercial registada no Reino Unido, emitiu, em nome da “L… Ltd”, a Fatura Final no valor de 116.783,00 libras, junta como doc. 3 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido cfr. doc. 3 junto com a p.i., com tradução a fls. 76.

M) Em 29.05.2007 foi emitida CMR (Guia de Remessa Internacional), junta à petição inicial como doc. 6, cujo teor aqui se dá por reproduzido, onde se identificam, com maior relevo para o caso, os seguintes elementos:

Ø Expedidor: “S… Ltd”, de Southhampton;

Ø Destinatário: M… «c/o L… Ltd»;

Ø Local destinado para a entrega de mercadoria: P… Boatyard, Algarve, Portugal. – cfr. doc. 6 junto com a p.i., com tradução a fls. 95.

N) Em junho de 2007 a “MCA – Agência Marítima e Guarda Costeira” emitiu o documento junto à petição inicial como doc. 4, intitulado “Fatura”, cujo teor aqui se dá por reproduzido, onde se identifica como vendedor a “S… Ltd” e como comprador a “L… Ltd” – cfr. doc. 4 junto com a p.i., com tradução a fls. 79.

O) Em 21.08.2007 foi emitido em Gibraltar o “Certificado de Registo Britânico” da embarcação identificada em A), em nome de “L… Ltd” – cfr. doc. 5 junto com a p.i., com tradução a fls. 86/87.

P) O pedido de registo foi efetuado por “O… Limited” – cfr. doc. 8 junto com a p.i., com tradução a fls. 107.

Q) A “L… Ltd” é uma sociedade registada em Gibraltar – cfr. doc. 7 junto com a p.i., com tradução a fls. 98 a 101.

R) Em 30.08.2010, entre a “Marina de B… – E…, S.A.” e o Impugnante, foi celebrado um acordo denominado «Contrato de cedência temporária de direito de utilização de posto de amarração na Marina de P…», com vista à aquisição pelo Impugnante de um posto de amarração destinado à embarcação identificada em A), para vigorar entre 30.08.2010 e 30.08.2011, resultando da cláusula 1.ª a indicação de que o ora Impugnante é proprietário da mesma – cfr. Anexo 1 a fls. 75 a 79 do processo instrutor apenso.

S) Com data de 25 de agosto de 2011 a sociedade “L… Ltd”, representada pelo “Director” de T… Ltd, declarou que o Impugnante está autorizado «a fazer pleno e próprio uso» do «yacht TOMROM» e que não está autorizado a vender ou dispor do mesmo – cfr. doc. 2 junto com a p.i.

T) O Impugnante utilizou a embarcação “T...” em águas nacionais entre março de 2008 e setembro de 2010 – por acordo.

U) Em 26.03.2012 foi emitida pela Administração Fiscal do Reino Unido a “Declaração T2L” relativa à embarcação identificada em A) – cfr. doc. de fls. 113/114.

V) O nome da embarcação, “T...” reflete o nome do filho do Impugnante – depoimento testemunhal.

W) O Impugnante tem domicílio fiscal no Reino Unido sendo representado fiscalmente em Portugal por G… – cfr. fls. 19 do processo instrutor apenso.

X) Em 25.01.2012 foi a presente Impugnação apresentada neste TAF – cfr. fls. 2 e 3 dos autos.


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão do mérito da causa.”


***

A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e do processo instrutor apenso, referenciados em cada uma das alíneas do probatório e ainda com base na prova testemunhal produzida em audiência de julgamento a qual relevou, apenas, para dar como provado o facto vertido na alínea V). Quanto aos factos que têm por base os documentos constantes do processo instrutor apenso, refira-se que, não obstante a impugnação genérica efetuada no art.º 39.º da petição inicial, o Impugnante, notificado da apensação do processo instrutor não pôs em causa a veracidade dos documentos dele constantes.”


***


III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial relativa a liquidação oficiosa de IVA, emitida em 16 de março de 2011, no valor de €17.737,00.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se:

Ø A decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia sobre os factos e respetivas consequências legais constantes dos artigos 46.° a 92.° das alegações realizadas ao abrigo do artigo 120.° do CPPT;

Ø Se procede a exceção dilatória de ilegitimidade do Recorrente, devendo o mesmo ser absolvido da instância, nos termos dos artigos 576.º, nº2 e alínea e) do artigo 577.° do CPC;

Ø Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito, particularmente no atinente ao consignado no artigo 3.° do RITI, visto que o mesmo não é proprietário da embarcação, não dispondo, assim, do poder de dispor por forma correspondente ao exercício de propriedade;

Ø Se incorreu, igualmente, em erro de julgamento no atinente ao vício de falta de fundamentação, devendo, nessa medida, o ato impugnado ser anulado ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 99.° do CPPT.

Vejamos, então.

O Recorrente alega que a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia na medida em que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre os factos e respetivas consequências legais constantes dos artigos 46.° a 92.° das alegações realizadas ao abrigo do artigo 120.° do CPPT.

Apreciando.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º do CPPT, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Vejamos, então.

Face aos considerandos supra expendidos, resulta, desde logo, que o Recorrente incorre em dois em erros de raciocínio, por um lado, argui a omissão de pronúncia por reporte a factos e consequências jurídicas, e por outro lado, convoca articulado que não o respeitante à p.i.

Explicitemos, então, os erros de valoração supra expendidos.

Em ordem aos considerandos de direito expendidos anteriormente, retira-se, desde logo, que a omissão de pronúncia ter-se-á de reportar a questões, que não a factos, ou argumentos jurídicos e respetivas cominações, logo face às alegações do Recorrente não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha incorrido em qualquer omissão de pronúncia, visto que conheceu de todas as questões que foram convocadas e, desde logo, elencadas no relatório da sentença, concretamente ilegitimidade por não ser o proprietário da embarcação, donde, insusceptibilidade de sujeição a imposto, e falta de fundamentação legal.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”(1).

Por outro lado, importa, outrossim, evidenciar que os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de anulação do ato de liquidação, têm de ser invocadas no seu articulado inicial, ressalvadas as questões de caráter superveniente e de conhecimento oficioso -in casu não alegadas- razão pela qual as alegações escritas preceituadas no artigo 120.º do CPPT, se destinam a, meramente, discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são já objeto do processo.

Daí que, caso o julgador conheça de vício apenas arguido em sede de alegações escritas, envolvendo alteração da causa de pedir, e sem o preenchimento dos condicionalismos constantes nos artigos 265.º e 588.º do CPC, incorre em erro de julgamento por violação do princípio da estabilidade da instância.

Ora, face ao supra expendido, tendo o Recorrente arguido a aludida nulidade-de resto forma não devidamente substanciada e fazendo uma remissão ampla e genérica- para o articulado de alegações incorre em erro de raciocínio. Note-se que, em sentido consonante com o despacho de sustentação “[n]ão se encontrando obrigado a pronunciar-se sobre o enquadramento jurídico efetuado pelas partes no âmbito das suas alegações escrita produzidas nos termos do art.º 120.º do CPPT, mas antes, e só, como referido acima, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação em função do pedido e causa de pedir vertidos na petição inicial.”

E, por assim, ser improcede a arguida nulidade.

Prosseguindo.

O Recorrente aduz, outrossim, que deve proceder a exceção dilatória de ilegitimidade do Recorrente, com a consequente absolvição da instância, nos termos dos artigos 576.º, nº 2 e alínea e) do artigo 577.° do CPC, porquanto o mesmo não era proprietário da embarcação, mas sim um mero utilizador.

Porém, mais uma vez, o Recorrente incorre em errónea interpretação de direito, particularmente, em confusão conceptual de conceitos jurídicos, e isto porque a ilegitimidade processual convocada pelo Recorrente afere-se, por referência à pretensão que pretende fazer valer em face do demandado, e não, natural e necessariamente ao, eventual, erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

A legitimidade processual, é um pressuposto adjetivo de que depende o conhecimento do mérito da causa, que se afere pelo interesse do autor em demandar e o do réu em contradizer.

Como doutrinam A. Varela, J. M. Bezerra, Sampaio e Nora(2), ser parte legítima na ação “[é] ter o poder de dirimir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível. A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão exista; e terá legitimidade como réu, se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é diretamente atingida pela providência requerida.”

Ora, como é bom de ver, sendo o ato impugnado o ato de liquidação de IVA emitido em nome do Recorrente, e visando o mesmo a sua anulação, é por demais evidente que inexiste a aduzida exceção de ilegitimidade processual.

Noutra formulação, dir-se-á que, no caso vertente, a relação material controvertida tal como foi configurada pelo Recorrente na p.i., tem lugar entre ele e a Recorrida, e dimana da emissão de um ato de liquidação oficiosa, pelo que, em virtude dessa configuração, o Recorrente tem interesse processual em demandar, sendo, de um ponto de vista processual, parte legítima.

É certo que, uma errónea interpretação da realidade fática e do alcance e extensão do “poder de dispor, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade”, pode acarretar uma errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, mas a verdade é que, a ocorrer tal circunstância, tal acarretará vício de violação de lei com a consequente anulação do ato tributário e não a aduzida ilegitimidade.

E por assim ser improcede a arguida exceção.

Aqui chegados, e não resultando impugnada a matéria de facto, estando, por isso, a mesma devidamente estabilizada, vejamos, então, se a decisão recorrida padece do arguido erro de julgamento por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

O Recorrente defende, desde logo, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na medida em que não é o proprietário da embarcação, nem nunca teve o poder de dispor sobre a embarcação, interpretando, assim, erroneamente o consignado no artigo 3.º do RITI, desconsiderando, outrossim, o consignado no artigo 4.º, nº2 do mesmo diploma legal.

Aduzindo, outrossim, que estando a embarcação registada em Gibraltar, não seria a mesma tributável, por força dos n°s 2 e 4 do artigo 8.º do RITI, até porque foi feita prova que a embarcação foi sujeita a IVA no país de origem, a saber, Reino Unido.

Mais propugnando que, inexiste qualquer prova nos autos de que a embarcação tenha estado em Portugal por um período superior a 6 meses, descurando, nessa medida, a aplicação do disposto no artigo 3.º da Diretiva 83/182/CEE do Conselho, de 28 de março de 1983.

Sustentando, in fine, que em última análise e tendo o IVA sido pago no Reino Unido, aquando da compra da embarcação pela sua proprietária, estaríamos perante uma dupla tributação.

Dissente a Recorrida, defendendo para o efeito que, pese embora o Recorrente não seja o titular do direito de propriedade da embarcação denominada “T...”, o certo é que, desde antes da concretização da venda, atuou por forma correspondente ao direito de propriedade, dando instruções expressas sobre o local da entrega da embarcação, aparecendo nas negociações com a sociedade vendedora, “S…, Ltd”, como sendo seu cliente e não a “L… Ltd”, arrogando-se em nome próprio e não em representação da aludida sociedade, refletindo inclusive o nome da embarcação denominada “T...”, o nome do filho do Recorrente.

Concluindo, assim, que inexiste qualquer erro de julgamento por parte da decisão recorrida, até porque é a posse de um bem e o poder de dispor dele como se juridicamente fosse o proprietário que caracteriza a operação de entrega de um bem, mesmo que juridicamente não tenha havido transferência do bem.

No atinente à falta de fundamentação pugna pela manutenção do decidido, porquanto a mesma não foi alegada na sua dimensão formal.

O Tribunal a quo, esteou a improcedência, relevando, desde logo, que provado o caráter comunitário da embarcação, na sequência da apresentação da cópia do CMR, é “[i]ncontroverso que estamos perante uma aquisição intracomunitária assentando o essencial da questão decidenda dos presentes autos em saber se deve o ora Impugnante ser considerado sujeito passivo da operação, como entenderam os serviços da Autoridade Aduaneira, ou antes, como defende o Impugnante, que assim não será uma vez que não é ele o proprietário da embarcação, mas antes uma sociedade com sede em Gibraltar, e que apenas a usou em águas nacionais, mediante autorização da proprietária que não lhe conferiu o poder de vender, dispor ou fretar o barco a terceiros, inexistindo legislação que o responsabilize pelo pagamento de impostos.”

Densificando, para o efeito, que “[m]ostra-se devidamente documentado nos autos que o Impugnante não é o proprietário da embarcação denominada “T...”, antes o sendo a sociedade “L… Ltd”, conforme resulta, desde logo, do “Certificado de Registo” identificado na al. K) dos factos provados.”

No entanto, salienta que, no sentido propugnado pela AT, o Recorrente é sujeito passivo na medida em que detém o “poder de dispor, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.”, doutrinando, para o efeito, que tal se basta “[q]ue possa dispor de um bem, de facto, como se fosse o seu proprietário, ou seja, decidir sobre a deslocação física do bem de um Estado Membro para outro, determinando o tipo de transporte, intervindo ativamente na determinação das suas características ou decidindo sobra a sua localização em cada momento, tudo expressão das faculdades do proprietário que são constitutivas de uma aquisição intracomunitária.”

Concluindo, para o efeito, mediante reporte para o acervo fático dos autos que “[d]a factualidade provada nos autos, resulta com evidência que, não obstante não ser o Impugnante o titular do direito de propriedade da embarcação denominada “T...”, uma vez que, como já se referiu acima, a mesma se encontrava registada a favor da sociedade “L… Ltd”, com sede em Gibraltar, o certo é que, desde antes da concretização da venda (pelo menos desde dezembro de 2006) até 2011 o Impugnante atuou de forma correspondente ao direito de propriedade.”

Terminando, assim, no sentido de que o “[i]mpugnante tinha o poder de dispor da embarcação T..., por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade”, sendo, assim, sujeito passivo do imposto nos termos do RITI.

E a verdade é que não se afigura que o Tribunal a quo tenha incorrido no aludido erro de julgamento, na medida em que interpretou adequadamente o regime jurídico ao caso vertente.

Senão vejamos. Começando por convocar o quadro normativo que para os autos releva.

Preceitua o artigo 1.º do RITI sobre a incidência objetiva que:

“Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (IVA):
a) As aquisições intracomunitárias de bens efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo dos referidos no n.º 1 do artigo 2.º, agindo como tal, quando o vendedor for um sujeito passivo, agindo como tal, registado para efeitos do IVA noutro Estado membro que não esteja aí abrangido por um qualquer regime particular de isenção de pequenas empresas, não efetue no território nacional a instalação ou montagem dos bens nos termos do n.º 2 do artigo 9.º nem os transmita nas condições previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º;
b) As aquisições intracomunitárias de meios de transporte novos efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo, ainda que se encontre abrangido pelo disposto no n.º 1 do artigo 5.º, ou por um particular;
c) As aquisições intracomunitárias de bens sujeitos a impostos especiais de consumo, exigíveis em conformidade com o disposto no Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo, efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo que se encontre abrangido pelo disposto no n.º 1 do artigo 5.º;
d) As operações assimiladas a aquisições intracomunitárias de bens previstas no n.º 1 do artigo 4.º;
e) As transmissões de meios de transporte novos efetuadas a título oneroso, por qualquer pessoa, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional, com destino a um adquirente estabelecido ou domiciliado noutro Estado membro.”

No atinente ao conceito de aquisição intracomunitária, estatui o normativo 3.º que:

“Considera-se, em geral, aquisição intracomunitária a obtenção do poder de dispor, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, de um bem móvel corpóreo cuja expedição ou transporte para território nacional, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, com destino ao adquirente, tenha tido início noutro Estado membro.”

Estabelecendo, por seu turno, o artigo 4.º do mesmo diploma as operações assimiladas a aquisições intracomunitárias integrando um conjunto de transferências de bens que, pela sua natureza, o legislador comunitário entendeu seguir o regime destas operações, definindo, igualmente, o artigo 6.º, nº2 o conceito de meios de transporte.

No concernente à localização das aquisições intracomunitárias estatui o artigo 8.º, nº1, do RITI que “são tributáveis as aquisições intracomunitárias de bens quando o lugar da expedição ou transporte com destino ao adquirente se situe no território nacional.”

De relevar, ainda neste particular, que tais normativos se encontram em conformidade e de harmonia com estabelecido na Diretiva IVA, mormente, no artigo 2.º, nº1, alíneas a), e b) e i), artigo 14.º, nº1 e artigo 20.º.

Sendo que quanto ao conceito de aquisição intracomunitária e ao âmbito e alcance da expressão “obtenção do poder de dispor, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade de um bem móvel corpóreo”, doutrina Patrícia Noiret Cunha(3) que:

“As aquisições intracomunitárias de bens caracterizam-se pela transferência do poder de dispor, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, que constitui o reverso da transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, que define a transmissão de bens, interna ou intracomunitária.

Em segundo lugar, é necessária uma expedição ou transporte do bem a partir de outro Estado-membro com destino ao território nacional, já que esta operação tributável não se verifica no caso de não ocorrer um fluxo (no sentido de uma movimentação física) entre dois Estados-membros da Comunidade. Este elemento é essencial, uma vez que só existe aquisição intracomunitária de bens em caso de deslocação física de um bem entre dois Estados-membros. O que obriga a recordar o conceito de transporte intracomunitário de bens, previsto no artigo 1 .°, n.° 2, alínea e), do Código do IVA.

Em terceiro lugar, a operação deve recair sobre um bem móvel corpóreo, com exclusão das operações relativas a bens imóveis e das prestações de serviços .” (destaques e sublinhados nossos).

Esclarecendo, ainda, Clotilde Celerico Palma(4) relativamente à delimitação deste conceito as seguintes observações:

“a) À semelhança do conceito de transmissão de bens previsto no artigo 3.º do Código, estamos perante uma definição com carácter económico, e não jurídico [daí a Directiva 91/680 se reportar à obtenção do poder de dispor de um bem “por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade”]. Isto significa que, embora juridicamente eu não passe a ter a propriedade do bem, posso, para efeitos de IVA, estar a realizar uma aquisição intra-EU de bens tributável;

b) para que haja expedição intra-EU de bens é imprescindível que haja a expedição ou transporte de um bem de um Estado membro para outro Estado membro.”(destaques e sublinhados nossos).

No concernente à obtenção do poder de dispor do bem, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, e à sua natureza económica, elucida-nos, no mesmo sentido, Filipe Duarte Neves(5) que “[e]ste conceito se reveste de uma natureza económica, e não jurídica, uma vez que não é exigida a efetiva transmissão de um direito real sobre o bem, mas sim a possibilidade de dispor do mesmo por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade. No fundo, trata-se da atribuição de poderes a outrem para dispor do bem como se fosse o seu proprietário prevalecendo a ótica económica sobre a transmissão jurídica.” (destaques e sublinhados nossos).

Sendo, ainda de destacar, neste âmbito, que o TJUE no âmbito do processo Staatssecretaris van Financiën e Shipping and Forwarding Enterprise Safe BV(6), já respondeu a essas questões, tendo, expressamente, apontado no sentido de que a “entrega de um bem” não pode ser definida por referência à transferência da propriedade jurídica tal como é regulada pelas disposições internas dos Estados-membros, adotando-se, assim, por uma conceção económica dessa noção, abrangendo, assim, qualquer transação que, do ponto de vista comercial, deva ser assimilada a uma transferência da propriedade jurídica, não se limitando, à aquisição do poder de disposição sobre esse bem a título da propriedade jurídica. Expressando esse entendimento, designadamente, da seguinte forma:

“Resulta do teor dessa disposição que a noção de entrega de um bem não se refere à transferência da propriedade nas formas previstas no direito interno aplicável, mas inclui qualquer operação de transferência de um bem corpóreo por uma parte que confira a outra parte o poder de dispor dele, de facto, como se fosse o seu proprietário. Esta concepção é conforme à finalidade da directiva, que visa, designadamente, basear o sistema comum do IVA numa definição uniforme das operações tributáveis. Ora, esse objectivo poderia ficar comprometido se a verificação de uma entrega de bens, que é uma das três operações tributáveis, ficasse sujeita à ocorrência de condições que variam de um Estado-membro para outro, como é o caso das relativas à transferência da propriedade nos termos do direito civil.” (destaques e sublinhados nossos).

Aqui chegados, convocado o regime jurídico aplicável e tecidos os considerandos de direito reputados de relevo, importa, então, transpor para o caso em apreço e aquilatar do erro de julgamento sindicado pelo Recorrente.

Ab initio, importa, desde já, relevar que contrariamente ao evidenciado pelo Recorrente o Tribunal a quo, não o qualificou e tratou como proprietário, tendo, aliás, expressamente consignado tal asserção. Com efeito, o que entendeu-e bem-foi que não obstante o bem tivesse faturado e registado em nome da sociedade “L… Ltd”, certo é que a factualidade assente permitia a subsunção jurídica como aquisição intracomunitária, na medida em que detinha o poder de dispor do bem, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.

E a verdade é que este Tribunal anui com esse entendimento, na medida em que a natureza económica, e não jurídica, desse conceito à luz da realidade de facto em apreço permite validar o juízo de entendimento do Tribunal a quo, donde legitimar o ato impugnado.

Mas, atentemos, em concreto, o que resulta do recorte probatório dos autos e que permite concluir nesse sentido.

Do acervo fático resulta que, em finais do ano de 2006, “S… Ltd”, solicitou informações junto do Recorrente referente ao assunto “Prestige 30”, contendo as especificações do barco e fazendo referência a comunicações anteriores relativamente a específicas indagações, solicitando, outrossim, detalhes sobre o local de entrega da embarcação em Portugal.

Sendo que nessas comunicações é feito uso da expressão «I have shown below the final specification for your boat», e reportando-se à embarcação como sendo do Impugnante, ora Recorrente.

Dimanando, outrossim, que nessa decorrência, em janeiro de 2007, o Impugnante, ora Recorrente, enviou um fax para a vendedora, relativo ao assunto “Prestige 30”, onde confirma a transferência da quantia de 22.000,00 libras e, ainda, que o barco deve ser registado em nome da empresa “L… Ltd”.

Nesse mesmo mês, o Recorrente expede nova comunicação endereçada para C…, no qual dá conta que falou com M… sobre equipamento da embarcação, mais requerendo que o recibo do depósito seja emitido em nome da sociedade “L… Ltd”.

E já em fevereiro de 2007, o Impugnante, ora Recorrente, reitera o local de entrega da embarcação como sendo a Marina de P…, fazendo, ainda, alusão a pormenores de cores de equipamento da embarcação, advertindo, porém, ser registada em nome da “L… Ltd”.

Promanando, igualmente, de comunicação ocorrida no mês de março de 2007, que a entidade vendedora faz referência ao nome do Recorrente como sendo o seu cliente e a quem se destina a embarcação “P 30”.

Nessa sequência, e face às comunicações e negociações supra identificadas, é emitido pela sociedade “S… Ltd”, com data de 22 de maio de 2007, fatura final no valor de 116.783,00 libras, e a 29 de maio de 2007 Guia de Remessa Internacional, dela ressaltando, designadamente, que o expedidor é “S… Ltd”, de Southhampton, o destinatário: M….. «c/o L… Ltd» e como local de destino para a entrega de mercadoria: P… Boatyard, Algarve, Portugal.

Sendo, nessa conformidade, emitido em junho de 2007 pela “M…….” fatura, constando como vendedor a “S…… Ltd” e como comprador a “L……. Ltd”.

Decorrendo, ainda, como facto assente que foi emitido certificado a 21 de agosto de 2007, “Certificado de Registo Britânico” da visada embarcação em nome de “L……. Ltd”, tendo o seu pedido sido efetuado por “O……. Limited” cfr. doc. 8 junto com a p.i., com tradução a fls. 107.

Resultando, ainda, provado que o Impugnante, ora Recorrente, utilizou a visada embarcação “T...” em águas nacionais entre março de 2008 e setembro de 2010.

E bem assim que a 30 de agosto de 2010, entre a “Marina de B….. – E……, S.A.” e o Impugnante, foi celebrado um acordo denominado «Contrato de cedência temporária de direito de utilização de posto de amarração na Marina de P……», com vista à aquisição pelo Impugnante de um posto de amarração destinado à visada embarcação, para vigorar entre 30 de agosto de 2010 e 30 de agosto de 2011, resultando, expressamente, da cláusula 1.ª a indicação de que o ora Impugnante é proprietário da mesma.

In fine, importa, ainda, reter que a 26 de março de 2012 foi emitida pela Administração Fiscal do Reino Unido a “Declaração T2L” relativa à embarcação sub judice.

Ora, face à realidade supra expendida, dimana, desde logo, inequívoco que está comprovado o estatuto comunitário da embarcação-aliás tal asserção é, expressamente, reconhecida pela AT- o qual, como é consabido, revela importância fundamental na medida em que depende da prova desse estatuto a sua tributação, ou seja, quer como aquisição intracomunitária ou como importação. Com efeito, caso o estatuto comunitário seja provado e a embarcação seja um meio de transporte novo, é tratado como aquisição intracomunitária, não sendo feita essa prova será qualificada como importação.

Acresce que -e também no sentido ajuizado na decisão recorrida- estão reunidos todos os pressupostos para a sua tributação enquanto aquisição intracomunitária, na medida em que, face aos factos supra elencados, resultou inequívoco que o Recorrente tem o poder de dispor do bem, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, estamos perante um bem móvel corpóreo, cuja expedição foi realizada por um vendedor comunitário para território nacional, com destino ao adquirente, ora Recorrente.

Inexistindo, contrariamente ao propugnado pelo Recorrente, uma errada interpretação do artigo 3.º, não se descortinando, de resto, o aduzido em F), na medida em que o artigo 4.º, nº2, apenas prevê que serão tratadas como aquisições intracomunitárias operações que, se efetuadas no território nacional por um sujeito passivo agindo como tal, seriam consideradas transmissões, nos termos do artigo 3.º do CIVA(7).

Não logrando o efeito almejado pelo Recorrente o aduzido em I) na medida em que tal retrata situações fáticas que não se coadunam com o contorno dos autos- o convocado nº 2 retrata as operações normalmente denominadas triangulares em que a movimentação física dos bens não acompanha o fluxo de faturação e envolvendo três operadores de diferentes Estados Membros-e bem assim o evidenciado em J), porquanto não afasta a regra de incidência de localização preceituada no seu nº1.

Com efeito, o artigo 8.º estabelece as regras de localização das aquisições intracomunitárias de bens, determinando que, regra geral, as mesmas são tributáveis em Portugal se as aquisições de bens quando o lugar de chegada da expedição ou transporte com destino ao adquirente se situe no território nacional. É, portanto, condição sine qua non a entrada de bens em Portugal com destino a um sujeito passivo de IVA, proveniente de outro Estado Membro, competindo, assim, ao adquirente dos bens proceder à autoliquidação do IVA que for devido, situação que, portanto, se verifica no caso sub judice.

É certo que, de facto, conforme aduz o Recorrente o documento elencado no ponto S), da factualidade assente, evidencia que o Recorrente não está autorizado a vender ou dispor do bem, mas face a todo o expendido anteriormente, particularmente, à prevalência da ótica económica e à demais factualidade assente tal em nada retira a possibilidade da operação ser qualificada, subsumida e tributada como aquisição intracomunitária, como materializado pela AT e sentenciado pelo Tribunal a quo.

Note-se que, em sentido consonante com o ajuizado na decisão recorrida, mesmo antes da realização do negócio é o Recorrente que, em nome pessoal, delimita e aponta as especificidades para a embarcação, e dá instruções expressas para o local da entrega, sendo certo que mesmo após a concretização do negócio em nada se retira uma atuação em representação da sociedade mas sim em motu proprio, sendo, desde logo, paradigmático o aludido contrato outorgado com a Marina de P…, no qual se intitula, como visto, como proprietário.

Sendo, ainda, de valorar neste contexto a circunstância da embarcação refletir e ser alusiva ao nome do filho do Recorrente.

De relevar, ainda neste conspecto, que carece de relevância o expendido em P) e Q), porquanto a factualidade não impugnada dita precisamente o contrário, conforme resulta, desde logo, do consignado na alínea T) do probatório, carecendo, também, por isso, de relevo o aduzido em R) a T) das suas conclusões.

Não logrando, outrossim, o alcance salientado pelo Recorrente da aduzida dupla tributação, porquanto, como é consabido para a sua verificação é imperioso que se verifique a identidade do facto, a qual exige, desde logo, a identidade do sujeito(8) e a pluralidade de normas-dando origem a uma “colisão de sistemas fiscais”(9) - o que não resulta demonstrado, nem, tão-pouco, minimamente alegado pelo Recorrente.

Com efeito, como ensina Alberto Xavier(10) “Dupla tributação é um conceito com que, no Direito Tributário, se designam os casos de concurso de normas. Como se sabe, há concurso de normas quando o mesmo facto se integra na previsão de duas normas diferentes. Assim, há concurso de normas em Direito Tributário quando o mesmo facto se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias materiais distintas, dando origem à constituição de mais do que uma obrigação de imposto.”

De relevar, in fine, que tendo sido provado o estatuto comunitário, com a entrega do Documento T2L, carece de qualquer relevância o alegado em U) a Y).

E por assim ser face a todo o exposto, encontramo-nos face a uma aquisição intracomunitária cujo sujeito passivo é, efetivamente, o Recorrente não padecendo, assim, a decisão recorrida dos erros que lhe são assacados.

Resta apenas analisar o erro de julgamento atinente ao vício de falta de fundamentação.

De relevar, neste âmbito, que pese embora a alegação do Recorrente seja eminentemente conclusiva, no sentido de que se verifica o vício elencado no artigo 99.º, alínea c), do CPPT, importa, tão-só, evidenciar que não se verifica qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, e isto porque não obstante o Recorrente estabelecer um título no seu articulado inicial de falta de fundamentação, o mesmo em nada se reporta à falta de fundamentação formal, mas somente à falta de fundamentação substancial, ou seja, coadunada com o erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Com efeito, há que ter presente a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material do ato, sendo que a validade formal do ato está concatenada com a questão de saber se a AT deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, sendo que a validade substancial do ato está relacionada com a questão de saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa.

Conforme doutrinado no Aresto do STA, proferido no processo nº 0784/10, de 03 de novembro de 2010: “O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (cfr. Vieira de Andrade - O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02).”

Pelo que, nenhuma censura merece o sentenciado pelo Tribunal a quo no sentido de que “na verdade, e não obstante o pedido predito, do teor da causa de pedir vertida na petição inicial não resulta alegado em parte alguma que o Impugnante não tenha compreendido os motivos de facto ou/e de direito que conduziram a Administração a decidir como decidiu, liquidando oficiosamente o IVA. Na petição inicial apenas resulta um título «Da falta de fundamento da liquidação oficiosa» que antecede os artigos 57.º e seguintes, sem que deles se retire que o Impugnante imputa à liquidação o vício e forma por falta de fundamentação. O que dali resulta é que o impugnante não concorda com os fundamentos/argumentos, de facto e de direito considerados pela Administração para proceder à liquidação o que, caso procedesse, configuraria vício de violação de lei e não o vício de forma a que respeita a mencionada al. c) do art.º 99.º do CPPT. Pelo exposto, e por falta da respetiva causa de pedir, improcede o pedido de anulação da liquidação com fundamento em falta de fundamentação.”

E por assim ser, a decisão recorrida que assim o decidiu não merece o convocado reparo.

Destarte, face a todo o exposto, improcede, na íntegra, o alegado pelo Recorrente, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura, motivo pela qual a mesma se mantém, integralmente, na ordem jurídica.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Segunda Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em Negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 28 de abril de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)


_____________________________

(1) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.
(2) Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 129.
(3) In IVA-Anotações ao CIVA e RITI, Instituto Superior de Gestão:2004, pág.566.
(4) In IVA-Cadernos IDEFF-Nº I-Almedina:6ª edição, pág.326.
(5) RITI anotado e comentado-algumas notas sobre a fraude ao IVA, Quid Juris, maio de 2018, pág.49
(6) Processo C-320/88, de 08.02.1990.
(7) Neste sentido, vide Filipe Duarte Neves, in Ob. Cit, pág.63.
(8) In Direito Tributário Internacional, 2.ª Edição, Almedina, pág.36.
(9) In Ob. cit. pág.36.
(10) In Ob. cit. pág.31.