Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:999/13.7BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:01/31/2019
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE MATÉRIA DE FACTO
CADUCIDADE DA LIQUIDAÇÃO
INQUÉRITO CRIMINAL
Sumário:a. Se a credibilidade dos depoentes e o sentido do seu depoimento foi devidamente apreciada, inexiste dúvida fundada sobre a prova realizada, não ocorre uma situação de deficiência, obscuridade e contradição nos factos considerados provados e a motivação é exaustiva e esclarecedora, está vedada qualquer alteração da matéria de facto fixada na primeira instância ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC.
b. A impugnação da matéria de facto, para ser processualmente eficaz, deve ser feita nos termos do regime previsto no artigo 640.º do CPC.
c. Para que ocorra a extensão do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º, n.º 5, da LGT, basta a mera instauração de inquérito criminal em relação a factos com relevância tributária.
d. A tributação das actividades económicas não depende da sua natureza lícita ou ilícita.
e. A determinação da matéria tributável em sede de IVA por recurso a métodos directos é compatível com a determinação da matéria tributável em sede de IRC por métodos indirectos se os documentos que permitem o cálculo da primeira não possibilitam apurar os custos que estão associados à segunda e há necessidade de recorrer a dados de base indiciária ou estatística, por falta, insuficiência ou inidoneidade dos elementos contabilísticos.
f. A utilização de métodos indirectos não é uma faculdade ou prerrogativa discricionária da AT, pois esta está vinculada a utilizá-los sempre que seja impossível determinar a matéria tributável por recurso ao método directo, a fim de evitar a evasão fiscal e apurar a aquela com a maior justiça possível.
g. Não é necessário que seja determinada a propriedade dos suportes físicos contendo dados fiscais relevantes para o apuramento da matéria tributável de um contribuinte, se tais suportes estão na posse de pessoas ligadas funcionalmente a este e os dados neles contidos lhe podem ser inequivocamente atribuídos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1. Relatório

1.1. As partes e o objeto do recurso
D…….., Lda, não se conformando com a sentença do TAF de Almada que considerou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) respeitantes aos anos dos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011 no valor total de € 143.329,34, veio interpor recurso jurisdicional em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1.ª Vem o presente Recurso de Apelação interposto da circunstância de a aqui Apelante não concordar minimamente com a decisão que negou provimento à Impugnação Judicial apresentada e que manteve as liquidações oficiosas emitidas em sede de IVA por referência aos anos de 2008 a 2011 sendo que, para todos os devidos e legais efeitos, a Apelante impugna as alíneas K), DD), EE), FF), II), JJ), KK), LL), MM), QQ) J) da matéria de facto dada como provada, quanto ao sentido, alcance e conclusões, bem assim quanto ao efeito pretendido com tais inserções, havendo aquela ser dada como não provada, sempre que é feita alusão a "actividade de jogos de fortuna e azar"; impugnando ainda, a matéria feita constar dos pontos 2 e 3 dos "factos não provados", considerando que deveria ter sido considerada como provada uma tal matéria.
2.ª Assim, cumpre debruçarmo-nos sobre os vícios apontados às liquidações em causa, passo a passo, relacionando com a prova produzida, de forma a demostrar que os factos provados e não provados — aqui colocados sob sindicância — haveriam de ter tido decisão diversa da proferida:

DA CADUCIDADE DAS LIQUIDAÇÕES RELATIVAS AO ANO DE 2008

3.ª Entende muito modestamente a ora Apelante, que as Liquidações Adicionais de que foi alvo, relativamente as que se reportam ao ano de 2008, se encontram caducas, nos termos e para os efeitos do artigo 45.º, n.º 1 da LGT,
4.ª Porquanto, foi interpretação de que o prazo de caducidade a aplicar a ora Apelante - e porque se encontrava a mesma indiciada pela prática de crime, resultante da exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art.º 108.º, n.º 1 e 115.º com referência aos artigos 1.º, 3.º, n.º 1, 4.º, e 67.º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 40/2005 de 17 de Fevereiro seria contado nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da LGT — o que não se aceita.
5.ª Com efeito, desde logo, porque, não foi imputada à mesma qualquer responsabilidade penal no que a prática de "jogo de fortuna e azar" concerne, conforme, alias, demonstrativo de tal circunstância, é o facto de tão pouco a Acusação Pública que foi deduzida no âmbito do identificado processo-crime, ou qualquer outro, imputar à ora Apelante uma qualquer responsabilidade penal relativamente a "exploração ilícita de jogo", porque, em bom abono da verdade, nunca tal poderia acontecer.
6.ª Motivo pelo qual, não se encontrando a ora Apelante, alvo de qualquer processo-crime, quanto à imputada exploração de jogo de fortuna e azar, resulta inequivocamente que quanto a si, jamais e em momento algum, poderá a sua situação Tributária se enquadrar e subsumir no âmbito do artigo 45.º, n.º 5 da LGT,
7.ª Devendo, ao contrário e por maioria de razão, ser subsumido ao n.º 1 do dito artigo 45.º, e nessa medida as liquidações respectivas estarem sujeitas ao prazo de caducidade de 04 anos, e como tal serem declaradas caducas, com todas as legais consequências daí advenientes.

DA ILEGALIDADE DA APLICACAO E DA QUANTIFICACÃO EM SEDE DE IVA, DO ANO DE 2011, COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

8.ª Em todo o caso, e por mera cautela de patrocínio, sempre apraz aqui referir que, nos termos da alínea a) do artigo 99.º do C.P.P.T., foi, também, fundamento da impugnação judicial apresentada a errónea qualificação e quantificação dos rendimentos / factos tributários, no que diz respeito, à liquidacao de IVA relativa ao ano de 2011, com recurso a métodos indirectos.
9.ª Com efeito, o despacho que decidiu a fixação do valor do IVA em falta — ou seja, a alteração do volume das vendas declarado no ano de 2011 — por métodos indirectos, assenta, exclusivamente, no que refere o Relatório, e é no seu ponto IV, fls. 30 e 31, que o Relatório alude aos «Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos».
10.ª Ora, aí se diz «não tendo sido possível determinar a forma como o restante valor foi repartido, no montante de € 225.032,00», e se concluiu, por isso, na parte final do ponto IV e a págs. 31 do Relatório " (...) pela impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis correta determinação da matéria coletável pelo lucro real pelo que vai a mesma ser determinada (.), com recurso a aplicação de métodos indirectos tendo em conta o disposto na alínea b) do art.º 87.º (...), conjugado com a alínea a) do art.º 88.º (...) ambos da Lei Geral Tributária e art.ºs 57.º (...) e 59.º (...) ambos do CIRC.".
11.ª E no ponto V do Relatório, que tem a epigrafe «Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos», a IT afirma que: "De acordo com os elementos constantes dos talões de registo/controlo (anexo n.º 19, fls. 44), foi possível apurar que coube directamente a D……. o montante de € 1.528,46 resultante da repartição de receitas do jogo. (...) No que respeita à restante receita deste ano, num total de € 225.032,00 constante de mapas elaborados pela D....... não foi possível verificar a forma como estes montantes foram repartidos (...). Contudo, de acordo com os talões de registo apreendidos, é possível verificar a repartição de receitas do jogo assentava numa repartição de entre 50% a 70% favorável à D......., pelo que, para efeitos de tributação, se propõe a aplicação da taxa menor (50% (...) " (sublinhado nosso).
12.ª Assim, se a AT — insiste-se — concluiu «pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria colectável pelo lucro real (...)», certo é que só com recurso a aplicação de métodos indirectos - baseou-se em factos e documentos (constante dos autos de busca e apreensão, naquele processo crime supra identificados) cuja autenticidade e paternidade não está, salvo o devido respeito, efectivamente determinada, conduzindo, assim, a resultados que não foram ainda seriamente escrutinados - determinou o montante de liquidação oficiosa em causa.
13.ª E quanto à questão dos alegados rendimentos obtidos pela Apelante, diga-se, antes do mais, que a conclusão tirada pela Inspecção Tributária, de que a margem de lucro atribuída pela repartição operada, corresponderia a 50% do total dos proveitos, está muito longe da verdade, sendo, por isso, uma conclusão precipitada e até fantasiosa, desacompanhada de qualquer factualidade.
14.ª Facto este, alias, que sequer o Dign.º Tribunal "a quo" conseguiu dar como provado, pois que - na incerteza — deu como provado que uma tal repartição seria na ordem dos 30% a 50% - facto provado sob a alínea MM).
15.ª Então, em que ficamos? - As liquidações de IVA em causa terão sido realizadas com a margem dos 50%, quando na verdade, assim não resultou provado nos autos!!!
16.ª Ora, sendo constatada a existência dessa discrepância — tal como foi dado como provado jamais poderia o Dign.º Tribunal "a quo" ter mantido, como o fez a AT, que o rendimento obtido pela Apelante, no ano de 2011, foi, "simplesmente", de 50%, e nessa medida, tributar "tudo" a 23%, para efeitos de se apurar o valor do IVA, alegadamente, em falta.
17.ª Termos em que, a decisão sob recurso, não conciliou, como bem deveria - tendo em conta a descoberta da verdade material, e os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, bem como a tributação do rendimento real -, os rendimentos declarados para efeitos de IVA, junto dos clientes e fornecedores da ora Apelante, e dos extractos bancários, tao pouco refletiu naquela douta decisão o número de trabalhadores que se encontravam a laborar ao seu serviço e inscritos na Segurança Social.
18.ª Seja, absolutamente nada foi realizado pela AT, e nada foi escrutinado pelo Dign.º Tribunal "a quo", tendo-se bastado com umas "pen's" apreendidas, e que de forma indiciária se imputou a determinados arguidos — que não só à aqui Apelante - no âmbito desse processo criminal, olvidando-se, no demais, a prosseguir diligentemente todas as condutas para as quais emergem a sua "existência" no estado social.
19.ª Por isso - e o que mais se verá - sempre ocorre a ilegalidade do recurso a aplicação de métodos indirectos, uma vez que, como resulta do Relatório - e que, modestamente, entende que se provou em sede de "revisão" -, nada justifica o concluído pela Autoridade Tributária quanto a imputação do rendimento à Apelante - o que não esta provado e muito menos o valor a titulo de "rendimento/apuro" em sede de IVA em falta, que, em nada, são condizentes com a realidade dos factos, tanto mais que - como a da mais elementar justiça - nem sequer as declarações oficiosas em causa reflectem as deduções fiscais a que a Apelante tem legitimamente direito.
20.ª Assim sendo, está posto em causa o princípio da verdade material, a cuja busca está, legal e indelevelmente vinculada a AT, e o órgão decisor aqui em causa, mesmo nos casos em que tenha de ser feito o recurso a aplicação dos métodos indirectos (cfr. art.º 58.º da LGT), e, porque se entende - pelas razões supra referidas - que o recurso a avaliação indirecta não obedece ao disposto na lei - v.g. ao estabelecido no art.º 58.º, art.º 74.º, n.º 3, art.º 77.º, art.º 81.º, n.º 1, art.º 85.º e art.º 87.º, todos da Lei Geral Tributária -, a AT procedeu de forma ilegal ao utilizar os métodos indirectos para apurar o IVA em falta.
21.ª Não se aceitando, pois, a argumentação validada pelo Dign.º Tribunal "a quo", no pressuposto de que "afinal" a liquidação de IVA, referente ao ano de 2011, foi liquidado através de avaliação directa e só o IRC de 2011 é que foi objecto de apuramento através de métodos indirectos.

POR FIM - DO EXCESSO NA QUANTIFICACAO DO VALOR APURADO EM SEDE DE IVA, RELATIVAMENTE AS LIQUIDAÇÕES DOS ANOS DE 2008, 2009 E 2010 (CORRECCOES TECNICAS), E DO ANO DE 2011 (METODOS INDIRECTOS)

1.ª Um ultimo apartado para referir, como alias já se teve oportunidade de referir, que a inspecção fiscal levada a cabo sobre a actividade da Apelante, e ora sindicada, teve origem em comunicação efectuada pelos Serviços do Ministério Publico de Almada, nos autos sob o processo n.º 463/07.3TAALM, e valorizou os documentos/pen's apreendidos à ordem de tais autos,
2.ª Documentos que, além do mais, nunca foi apurada a efectiva propriedade, cujos respectivos manuscritos ou preenchimentos nunca foram identificados os seus titulares e que, em momento algum, se podem considerar como estando ligados juridicamente à ora Apelante ou sequer que alguém tenha atuado no interesse desta, e na prossecução dos respectivos desígnios sociais.
3.ª É que, em processo penal ainda vigora entre nós - e para além de vários outros — o chamado principio da presunção de inocência, e, por outro lado, e conforme também supra já se teve oportunidade de referir, a ora Apelante não foi acusada por qualquer crime de exploração ilícita de jogo!
4.ª Conforme supra se referiu, é o próprio crime de "exploração ilícita de jogo" que, em si mesmo considerado, configura a obtenção de "rendimento", porquanto é a actividade de "exploração" que desencadeia toda uma serie de conceitos, pressupostos e mecanismos de obtenção de "rendimento". Exploração esta que NUNCA foi levada a cabo pela ora Apelante!
5.ª O inverso equivaleria a dizer que só teria rendimentos passíveis de ocultação quem se dedicasse à exploração ilícita de jogo…
6.ª Alias, diga-se também em boa verdade, que jamais a ora Apelante poderia obter qualquer rendimento gerado por qualquer máquina ilícita, por tal ser contrário ao seu objecto social e, por isso, impossível de prossecução de um tal fim.
7.ª Deste modo, e não estando provado que tais "pen's" ou o seu conteúdo, pertencem, de facto, a Apelante, jamais se lhe poderá imputar qualquer rendimento e fazer as correções que foram feitas pela AT, nos anos de 2008 a 2011.
8.ª Mais, sendo obrigação da AT apurar a verdadeira situação tributária da Apelante - em respeito ao princípio da verdade material -, que se saiba nenhuma perícia ou inspecção foi feita à letra dos documentos apreendidos no processo penal. Daí que a AT não possa, sem ter procedido a qualquer inspecção ou perícia, imputar à Apelante ou considerar que os documentos apreendidos no processo lhe pertencem na sua totalidade, e que, por isso, o rendimento é seu na totalidade.
9.ª Ainda que, a serem verdadeiros os rendimentos que a AT imputa como sendo da Apelante, e por isso sujeitos na sua totalidade a IVA, uma de duas situações: - Ou a Apelante teria estruturas físicas - instalações, veículos automóveis e diversos equipamentos - e meios humanos - trabalhadores contratados ou outros colaboradores - capazes de poder gerar tão elevado "rendimento", como o que lhe é imputado, e então a AT deveria também considerar, no apuramento do IVA, todas as deduções a que a mesma deveria "beneficiar", relativamente a todos os anos, o que não fez!
10.ª - Ou então, não possuindo a Apelante estruturas físicas e humanas adequadas a obtenção do volume dos rendimentos apurados, também não poderá a AT imputar a Apelante os rendimentos que afirma lhe pertencerem na sua totalidade.
11.ª E concretamente essa estrutura nunca existiu, ate porque, conforme foi aferido por todos os depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento perante o Dign.º Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, seja, pelo seu legal representante, seja, pelo TOC J….., quer até mesmo pelos ex-trabalhadores S….. e G…., (cfr. passagens dos seus depoimentos supra transcritos, e que aqui, por razões de economia processual, se dão por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos) a sociedade "D......., Lda." apenas possuía 04 trabalhadores, e 04 veículos automóveis (duas carrinhas e dois ligeiros) antigos e que se redireccionavam para a colocação de máquinas de diversão principalmente na área da Grande Lisboa.
12.ª Na verdade, da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, resulta claramente, nomeadamente tendo em conta o concreto e real depoimento prestado pelo legal representante da aqui Apelante, que o mesmo desconhecia a existência de quaisquer "pen's" que vertesse uma qualquer realidade da "D......." [aqui Apelante].
13.ª Alias, o mesmo manifestou credivelmente que da actividade da aqui Apelante, inexistiam quaisquer valores resultantes da actividade comercial da "D......., Lda." e que não fossem declarados junto da Autoridade Tributária; referindo que após cobrança pelos seus funcionários junto dos clientes, eram emitidos os correspondentes documentos legais no escritório da Apelante e que, posteriormente, eram remetidos para a contabilidade.
14.ª Tais palavras foram inclusivamente corroboradas, quer pelo depoente B….. (TOC da Apelante), que referiu que não tinha qualquer conhecimento sobre omissões de proveitos e/ou a existência de uma qualquer contabilidade paralela, recebendo as facturas e os documentos de suporte necessários, realizando, assim, naturalmente a escrita contabilística da ora Apelante.

1.ª Mais, também os depoentes J….. e S……, antigos funcionários da aqui Apelante, referiram que não tinham conhecimento de quaisquer máquinas ilegais, referindo que a actividade da ora Apelante apenas se baseava na exploração de máquinas de diversão, simuladores de "jogos de carros", bilhares, snookers, máquinas de setas e de gruas.
2.ª Motivo pelo qual, resulta de forma clara e manifesta, que sem qualquer tipo de dúvida a sociedade comercial "D......., Lda.", não explorava quaisquer jogos ilícitos, nomeadamente, de fortuna e azar, dedicando-se única e exclusivamente à exploração de máquinas de diversão e de jogos temporizados.
3.ª Pelo que, sempre teremos que concluir, com toda a certeza e segurança que a realidade nos entrega, que a aqui Apelante, para além de não ser proprietária de quaisquer "pen's" apreendidas a ordem dos presentes autos, nunca e em momento algum beneficiou de qualquer rendimento advindo de actividade ilícita e ilegal. É absolutamente falso um tal cenário.
4.ª Isto posto e não obstante, bem se diga que a Apelante não consegue obter — e bem gostaria — o valor dos rendimentos brutos que lhe são imputados pela Inspecção Tributária, sem que tivesse de possuir, pelo menos, uma "estrutura funcional" mínima, e, tendo-a, não se poderá também deixar de aceitar todos os factos e efeitos, a ela inerente, uma vez que existem um conjunto de "custos" que são inerentes a manutenção de tal "maquina organizativa", e bem assim, uma serie de montantes que poderia beneficiar para efeitos de dedução aquando do apuramento do IVA a liquidar.
5.ª Estrutura e gastos que a AT não considerou quando realizou as correcções aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011: Não verificou qualquer factura emitida decorrente da sua actividade comercial; A relacionar as facturas emitidas com as existências e stocks presentes na sede da empresa (apurando se existia correspondência entre umas e outras); Não viu, nem solicitou, qualquer factura de aquisição de mercadorias; Não apurou qualquer especificidade do negócio de "máquinas de diversão"; Não contactou qualquer cliente da aqui Apelante; Não apurou o número de funcionários; Nem realizou qualquer diligência externa no sentido de apurar a movimentação que girava em torno da actividade comercial da aqui Apelante, no corroborar de qualquer factualidade como as supra referidas; Muito menos realizou qualquer conciliação bancaria, a crédito (serviços prestados) e a débito (pagamento a fornecedores) por forma a comprovar toda a factualidade acima referida.
6.ª Por último, importa ainda referir, conforme alias supra já se teve oportunidade de verter, que em momento algum, resulta da análise de uma qualquer "pen" apreendida a ordem do Proc. n.(2 463/07.3TAALM, que tais valores, alegadamente, em termos líquidos são resultado da exploração pela ora Apelante de máquinas de "jogo" (não se discutindo aqui, logicamente, a (i) licitude das mesmas).
7.ª Descurando, nomeadamente, os gastos em combustíveis, uma vez que os sócios (gerentes ou não) e colaboradores deslocavam-se aos clientes, a fim de levantar o apuro que era gerado pelas máquinas que se encontravam em exploração ou para procederem a reparação de qualquer avaria que pudesse eventualmente surgir.
00. Gastos com combustíveis que a Apelante computou - por baixo - em um valor mensal médio de €: 1.000,00 e um valor anual médio de €: 12.000,00 e que sempre deveriam ter sido dado como provados, e considerados, para efeitos de liquidação "final" em sede de IVA, conforme inclusivamente referiu o legal representante da aqui Apelante perante o Dign.º Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.
8.ª Sem descurar todos os custos inerentes à própria actividade explorativa das máquinas de diversão, conforme foi também referido quer pelo legal representante da Apelante, como pelas testemunhas J….. e S……, que é necessário proceder à reparação dos bens entregues nos estabelecimentos comerciais, sendo que, qualquer "problema"/avaria que existisse ao nível do software e/ou outro qualquer que não fosse possível a Apelante solucionar (por exemplo, vidro partido) teria que se enviar para outra empresa.
9.ª Realçando-se ainda o facto de que, como é lógico, caso a ora Apelante tivesse um número tão elevado de "máquinas de jogo" quantas aquelas que lhe são imputadas nos presentes autos, sempre seria, obrigatória e necessariamente, de considerar que as mesmas teriam que ser provenientes de "algum lado". Deste modo, dever-se-ia ter considerado os custos de uma qualquer máquina adquirida pela ora Apelante, sendo que a mesma, em si considerada, "possui" uma parcela de IVA que confere a Apelante o correspondente direito a dedução e nessa medida, baixar a sua tributação fiscal.
10.ª Sem prescindir, é de notar, conforme resulta do senso comum, e que pelo menos se espera ver judicialmente reconhecido, a serem uns tais valores constantes das referidas "pen's" provenientes da exploração levada a cabo pela ora Apelante, o que não se concede, mas por mera cautela de patrocínio se assegura, apenas deveria ser considerado, no máximo, 40% do valor ali constante (media entre os valores de 30% a 50%, dados como provados sob a alínea MM).

1.ª Na verdade, conforme é do conhecimento comum e melhor resulta do depoimento prestado quer pelo legal representante da aqui Apelante, quer pelos seus funcionários J....... e S...... estamos perante um sector, que a par de muitos outros, a concorrência é extremamente feroz e por forma a tentar angariar o maior número de clientes sempre teriam que se reduzir as margens de rendimento a favor da ora Apelante, resultando maior parte das vezes uma repartição de 60/40 ou 70/30, sendo que a menor percentagem sempre seria a favor da Apelante. Sem esquecer, conforme foi referido pelo legal representante da Apelante, que o valor percentual que cabia a Apelante era bruto sendo a mesma quem arcava totalmente com os custos de aquisição dos bens e materiais.
2.ª Por fim e ainda mais gritante de todo o supra exposto, é que, das correcções técnicas efectuadas pela AT à ora Apelante, todas elas apresentam uma singularidade nunca antes vista na liquidação adicional de determinado imposto, como seja, quando a IT realizou as correcções técnicas à actividade da ora Apelante, em sede de IVA simplesmente ignorou as declarações sempre apresentadas pela Apelante e apurou, sem mais, um rendimento líquido global a título de IVA em falta pela Apelante, como se nunca a sociedade inspeccionada tivesse pago qualquer quantia em sede de IVA.
3.ª A Apelante, jamais e em momento algum, poderá aceitar os valores em causa, sendo ofensiva de todos os mais elementares direitos e, até, liberdades previsto e salvaguardados pela nossa Lei, tendo-se presente que a "tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real." (n.º 2 do art.º 104.º da CRP).
4.ª Motivo pelo qual, tendo em conta tudo o supra exposto, deverá este Dign.º Tribunal, numa primeira linha, reconhecer os vícios enunciados supra, com a consequente revogação da sentença aqui recorrida, e, a final, decidindo pela anulação total das liquidações oficiosas adicionais emitidas, ou caso ainda assim não se entenda, pela anulação parcial dessas mesmas liquidações, com todas as consequências legais daí advenientes, farão como sempre inteira justiça.
5.ª Pois que, em suma, da conjugação da prova documental e testemunhal produzida jamais se poderia imputar a aqui Apelante os rendimentos "constantes" dos talões/pen's apreendidos à ordem dos autos de processo-crime supra identificados, nunca e em momento algum poderiam pois tais valores ser considerados para efeitos presuntivos de obtenção de rendimentos pela Apelante.

POR TUDO O SUPRA EXPOSTO,

1.ª Resulta que a douta Sentença ora recorrida não se coaduna com a realidade tributária e os factos a si subjacentes, bem como existe, concreta e objectivamente, uma excessiva, desproporcional e desmesurada quantificação de rendimento, que culminou com as liquidações aqui impugnadas.
2.ª Assim, e sempre com todo o devido e merecido respeito, entende modestamente a Apelante/Apelante que a Sentença ora recorrida, viola, entre outros, os seguintes normativos legais:
Artigos 5.º, 6.º, 7.º todos do RCPIT;
Artigos 8.º, 10.º, 58.º, 74.º, 76.º, 77.º, n.º 1, 81.º, n.º 1, 83.º, n.º 2, 84.º, 85.º, 90.º, n.º 1, todos da LGT;
Artigos 90.º do CIVA; e,
- Artigos 3.º, 12.º, 13.º, 18.º, 26.º, 266.º e 268.º da CRP.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V.as Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via disso, ser revogada a decisão ora recorrida e substituída por outra que julgue o presente Recurso procedente, por provado, para todos os devidos e legais efeitos, com o que V.as julgarão, como sempre, com inteira e JUSTIÇA!
*
A Fazenda Pública não contra-alegou.
*
A EMMP emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Questões a apreciar
1.ª Apreciar se existem fundamentos para alterar a matéria de facto;
2.ª Verificar se ocorre a caducidade das liquidações relativas ao ano de 2008;
3.ª Apreciar a alegada ilegalidade da aplicação e da quantificação em sede de IVA, do ano de 2011, com recurso a métodos indirectos
4.ª Verificar se existe excesso na quantificação do valor apurado em sede de iva, relativamente as liquidações dos anos de 2008, 2009 e 2010 (correcções técnicas), e do ano de 2011 (métodos indirectos)
*
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
A sentença deu como provados e não provados os seguintes factos:
A) Em 01 de junho de 2006, foi constituída a sociedade comercial denominada “D......., LDA”, com o objeto social “Comércio e Exploração de máquinas de diversão. Comércio, importação e exportação do ramo automóvel” e com o CAE 09…… (facto não controvertido e que se corrobora da consulta ao portal MJ online; facto que se extrai do teor do RIT);
B) O capital social da sociedade referida em A), ascendia a 5.000,00 Euros e era representado pelas seguintes quotas:
- Quota com o valor nominal de 2.500,00 Euros – A………. casado com S…..;
-Quota com o valor nominal de 2.500,00 Euros – S…….. casada com A….. (facto que resulta da consulta ao portal MJ on line; facto corroborado pelo depoimento das testemunhas C…… e J…):
C) Nessa data, foi designado gerente J……. (facto não controvertido e que se corrobora da consulta ao portal MJ on line; facto que se extrai do teor do RIT);
D) A 05 de julho de 2007, S…… foi nomeado gerente da sociedade referida em A), tendo esse facto sido registado a 12 de setembro de 2007, junto da Conservatória do Registo Comercial de Almada (facto não controvertido e que se corrobora da consulta ao portal MJ on line; facto que se extrai do teor do RIT);
E) A 21 de setembro de 2007, foi registada a cessação de funções de membro do órgão social de J……, constando como causa “renúncia Data: 15 de maio de 2007” (facto não controvertido e que se corrobora da consulta ao portal MJ on line; facto que se extrai do teor do RIT);
F) A 05 de janeiro de 2009, L……. foi nomeado gerente da sociedade referida em A), tendo esse facto sido registado a 19 de março de 2010, junto da Conservatória do Registo Comercial de Almada (facto não controvertido e que se corrobora da consulta ao portal MJ on line; facto que se extrai do teor do RIT);
G) A Impugnante encontra-se enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral, desde o início da atividade (cfr. decorre do teor do RIT de fls. 93 a 136 do PA vol. I apenso, designadamente pág. 11 do RIT);
H) Em sede de IRC, encontra-se enquadrada no regime geral, por opção, entre 2006 e 2008 e no regime geral a partir de 2009 (cfr. decorre do teor do RIT de fls. 93 a 136 do PA vol. I apenso, designadamente pág. 11 do RIT);
I) Na sequência de denúncias escritas endereçadas para o Comandante Geral da GNR, Comandante de Destacamento Territorial de Almada e ao Procurador-Geral da República, datadas de 17 de outubro de 2006, 06 e 08 de novembro de 2006, nas quais é denunciado o exercício “no território nacional de atividade de exploração de jogo ilícito, em estabelecimentos comerciais, através de máquinas colocadas em cafés, bares, restaurantes e minimercados. Cujos avultados lucros resultantes dessa exploração, não eram declarados à administração fiscal. Para o efeito são utilizadas diversas máquinas, de brindes, chocolates, tipo sai sempre, roletas electrónicas e poker”, foi elaborado auto de notícia pelo Núcleo de Investigação Criminal do Destacamento Territorial de Almada da GNR (cfr. fls. 1 do anexo 18 junto ao PA vol IV);
J) Com base no auto de notícia referido na alínea antecedente, foi autuado em 22 de fevereiro de 2007, a abertura de inquérito contra J….. , S……, L….., F….., a ora Impugnante, entre outros, pela prática de crime de associação criminosa, exploração ilícita de jogo, colocação de material de jogo ilícito, abuso de confiança fiscal e fraude fiscal que correu termos com o nº 463/07.3 TAALM junto dos Serviços do Ministério Público de Almada (cfr. fls. “Relatório Intercalar” de fls. 50 a 89 do PA vol. I apenso, cujo o teor que dá por integralmente transcrito ofício e certidão a fls. 48 e 49 do PA vol. I apenso; cfr. processo de inquérito junto ao PA apenso);
K) No âmbito do processo de inquérito nº 463/07.3 dos Serviços do Ministério Público de Almada, referido na alínea antecedente, foram realizadas diversas buscas domiciliárias e buscas a veículos automóveis propriedade da Impugnante e concretizadas apreensões de materiais informáticos, designadamente, “pen drive” contendo documentos contabilísticos e extracontabilísticos de controlo geral da atividade comercial da Impugnante, e de objetos relacionados com o desenvolvimento de jogos de fortuna ou azar, designadamente, chaves para abertura de máquinas de jogo, discos rígidos, dispositivo de bloqueio, placas eletrónicas para desenvolvimento do jogo "Roleta Eletrónica", máquinas de jogo, diversa documentação, cartões de visita e apontamentos manuscritos, extraindo-se do seu teor e no que para os presentes autos releva em sede de omissão de proveitos, e para os anos de 2008 a 2011, designadamente, o seguinte:
“Texto inegral com imagem”
(…)
“Texto integral com imagem”
(…)
“Texto integral com imagem”
(…)
“Texto integral com imagem”
(…)
“Texto integral com imagem”
(…)
“Texto integral com imagem”
(…)
“Texto integral com imagem”
(…)
“Texto integral com imagem”

(cfr. processo de inquérito cujos excertos se encontram juntos ao PA apenso-Vol.I a IV; facto que se extrai do depoimento das testemunhas C….. e J…. e do teor do “Relatório Intercalar” de fls. 50 a 89 do PA vol. I apenso);
A) A 6 de maio de 2011, foi elaborado “Relatório Intercalar” pela Guarda Nacional Republicana no âmbito do Inquérito n.º 373/10, com data de 6 de maio de 2011, onde consta, designadamente, o seguinte:
1. Nos presentes autos investigam-se, para além do mais, a prática dos ilícitos de exploração de Jogo de Fortuna ou Azar, designadamente, pelo suspeito J………. e outros que sob orientação deste, vêm colocando em exploração máquinas que desenvolvem os referidos jogos, em estabelecimentos de Restauração e Bebidas, na Zona centro do Território Nacional.
2. O suspeito J……, doravante designado por J….., é sócio da sociedade "D......., LDA", sita na Rua D. João …., n.° 1— B, C… P…., em ALMADA.
3. Efectuada consulta no portal da DGNR sobre a Constituição da Sociedade e sobre os órgãos sociais da firma "D......., LDA", verificou-se que foi constituída em 10 de Maio de 2006, com NIPC ….. e sede na Rua D. João ….., n.° 1 — B, C… P…., 28…. Almada. Tem como sócios J……. e S…… e como gerente, desde 19 de Março de 2010, L…… (bis. 280 a 285, I° Volume).
(…)
10. No decurso da diligência de busca domiciliária efectuada, em 29 de Dezembro de 2010, à residência de J……. e S….., sita em Lugar de G…. de E…., Tábua, s/n, ladeada pela Rua dos A….. e pela E….. da Beira, foram apreendidas, para além de diversa documentação relevante para a prova dos ilícitos em investigação, 40 (quarenta) máquinas de jogo, e o seguinte equipamento, com as características que se passam a evidenciar: (…)
Diversos objectos relacionados com o desenvolvimento de jogos de fortuna ou azar, 1 (uma) PEN drive, cor laranja, marca "2K10", 1 (uma) PEN drive, cor preta, com os dizeres manuscritos de "MESTRE", 79 (setenta e nove) CHAVES para abertura de máquinas de jogo, 4 (quatro) DISCOS RÍGIDOS da marca "WESTERN DIGITAL", com capacidade de 160 GB, 3 (três) DISCOS RÍGIDOS da marca "OCZ", com capacidade de 32 GB, 2 (duas) DISCOS RÍGIDOS da marca "WESTERN DIGITAL", de 250 GB, 1 (um) DISCO RÍGIDO da marca "MAXTOR", com capacidade de 120 GB, 1 (um) DISPOSITIVO DE BLOQUEIO de jogo de cor preta, 3 (três) PLACAS ELECTRÓNICAS, para desenvolvimento do jogo "Roleta Electrónica", diversa documentação, cartões de visita e apontamentos manuscritos (lis. 234 a 240 e 276, I° Volume).
(…)
12. Da diligência de busca efectuada em 29 de Dezembro de 2010, ao veículo automóvel ligeiro de mercadorias, marca IVECO, com a matrícula …-…-QH, propriedade da firma "D......., LDA", parqueado nas traseiras da residência supracitada, resultou na apreensão de documentação de transporte, apontamentos manuscritos e 2 (duas) PLACAS ELECTRÓNICAS, para desenvolvimento do jogo "Roleta Electrónica" encontradas debaixo do banco do condutor (lis. 24:7 e 248, 1° Volume). (…)” (cfr. decorre do teor do “Relatório Intercalar” de fls. 50 a 89 do PA vol. I apenso, cujo o teor que dá por integralmente transcrito);
B) Por ofício datado de 3 de junho de 2011, dos Serviços do Ministério Público de Almada, foi enviado ao Núcleo de Investigação Criminal e Fiscal de Setúbal, a certidão extraída dos autos de Inquérito n.º 463/07.3TAALM, cujo teor se reproduz:
“Texto integral com imagem”

(cfr. ofício e certidão a fls. 48 e 49 do PA vol. I apenso);
C) A 2 de maio de 2012, no âmbito do Processo de Inquérito n.º 463/07.3TAALM, referido em J) e K) supra, foi proferido despacho com o seguinte teor: “Declaro encerrado o inquérito (não se vislumbrando a utilidade de outras diligências para a descoberta da verdade para além das já realizadas).” (cfr. fls. 1/45 do Anexo 19 junto ao RIT constante no volume IV do PA apenso);
D) Ulteriormente, foi deduzida acusação contra, entre outros, a ora Arguida por um conjunto de crimes entre os quais associação criminosa, exploração ilícita e jogo, colocação de material de jogo ilícito, abuso de confiança fiscal e fraude fiscal, estando pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa-Juízo de Instrução Criminal de Almada, com o nº de processo 463/07.3TAALM-instrução (cfr. fls. 201 e verso dos autos);
E) A 14 de outubro de 2013, e no âmbito do processo de instrução referido na alínea antecedente foi proferido despacho a dar sem efeito as diligências agendadas em fase de instrução (cfr. fls. 201 e verso dos autos);
F) A 12 de fevereiro de 2014, foi proferido despacho pelo Juiz de Instrução a ordenar a suspensão dos autos de instrução com o nº 463/07.3 TAALM referido na alínea O) uma vez que “ a impugnação judicial deduzida pela arguida D....... (…) contende com todos os factos constantes da acusação, razão pela qual, e na medida em que na impugnação se discute a situação tributária de cuja definição depende a qualificação criminal desses factos (nº 1 do artigo 47.º do Código de Processo Penal), se tem de considerar que a tramitação dos presentes autos está suspensa, ope legis, desde a data em que aquela impugnação deu entrada em juízo (no TAF de Almada)” (cfr. fls. 201 e verso dos autos);
G) A Impugnante, foi objeto de uma ação de inspeção externa de âmbito geral efetuada em cumprimento das Ordens de Serviço n.º OI20….. e n.º OI20…., abrangendo o IVA e o IRC dos exercícios/anos de 2008 a 2011, que tiveram origem na informação remetida pelos Serviços do Ministério Público de Almada no âmbito do Processo de Inquérito n.º 463/07.3TAALM, melhor evidenciado nas alíneas J) e K) da factualidade assente (cfr. decorre do teor do RIT de fls. 93 a 136 do PA vol. I apenso);
H) A ação de Inspeção Tributária referida na alínea anterior, teve início em 25 de julho de 2012 e foi concluída a 06 de novembro de 2012 (cfr. cartas aviso, notas de início e fim de diligência juntas a fls. 93 a 97 do PA vol. I apenso; facto que se extrai da informação oficial instrutora junta ao PAT apenso-Vol. I);
I) Na sequência da ação de Inspeção Tributária referida na alínea antecedente, foi emitido projeto de relatório de Inspeção Tributária no âmbito do qual foram propostas correções à matéria tributável de IRC e IVA, bem como a desconsideração fiscal de custos aceites e IVA indevidamente deduzido, relevando quanto ao IVA a proposta de liquidação adicional nos montantes de €47.927,91, €26.117,44, €37.252,97 e €42.739,04, referente aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011, respetivamente (cfr. decorre do teor do RIT de fls. 93 a 136 do PA vol. I apenso, designadamente pág. 6 e 7 do RIT);
J) Por ofício datado de 5 de fevereiro de 2013, da Direção de Finanças de Setúbal, foi enviado à Impugnante o “Projeto do Relatório da Inspeção Tributária” para no prazo de 15 dias, querendo, exercer o direito de audição prévia (cfr. fls. não numeradas do PA vol. IV apenso);
K) Através de requerimento, dirigido ao Diretor de Finanças de Setúbal, a Impugnante exerceu o direito de audição, onde pugnou pelo “arquivamento do processo tributário” com fundamento em errónea quantificação da matéria coletável e violação do princípio da proporcionalidade e da tributação dos rendimentos efetivamente obtidos (cfr. fls. não numeradas do PA vol. IV apenso);
L) A 11 de março de 2013, foi elaborado Relatório definitivo de Inspeção Tributária, no âmbito do qual foram mantidas as correções técnicas referidas em T) e do qual se extrai, designadamente, o seguinte:
“Texto integral com imagem”
(…)
“Texto integral com imagem”
(…)
“Texto integral com imagem”
(…)
“Texto integral com imagem”

“Texto integral com imagem”


(cfr. decorre do teor do RIT de fls. 93 a 136 do PA vol. I apenso, designadamente a fls. 35 e 36 do RIT);
A) Através de carta registada com aviso de receção, assinada em 25 de março de 2013, foi enviado à Impugnante o Relatório de Inspeção Tributária, referido na alínea antecedente (cfr. resulta do teor da informação da Divisão de Tributação e Cobrança de fls. 65 a 66 do PA vol. IV apenso);
B) Na sequência da notificação do Relatório de Inspeção Tributária, a Impugnante apresentou, em 24 de abril de 2013, pedido de “Revisão da Matéria Coletável – art.º 91.º da LGT”, constando no preâmbulo do documento o seguinte: “(…) tendo sido notificada –cfr. o registo RM 9103 8618 6 PT- nos termos do 62.º do RCPIT, do Relatório de Inspeção Tributária referente ao exercício de 2011, e de que, atento os termos dos artºs 87.º a 90.º da LGT, por remissão do artº 57º do CIRC, lhe foi fixada por métodos indiretos, a matéria tributável de IRC do ano de 2011 e apurado IVA em falta, vem, atento o disposto no art.º 91.º da LGT, solicitar a REVISÃO DA MATÉRIA COLETÁVEL(…)”(cfr. de fls. 14 a 35 e informação da Divisão de Tributação e Cobrança de fls. 65 a 66 do PA vol. IV apenso);
C) No seguimento do procedimento de Revisão da Matéria Coletável apresentado pela Impugnante e melhor identificado na alínea anterior foi elaborado documento denominado de “Ata da Reunião a que se refere o artigo 91.º da Lei Geral Tributária” pelos peritos dele se extratando, designadamente, o seguinte:
“Texto integral com imagem”
(cfr. teor da Ata a fls. 42 e 43 do PA vol. IV apenso);
D) Por carta registada com aviso de receção, assinada em 16 de julho de 2013, foi dado conhecimento à Impugnante da decisão que recaiu sobre o aludido procedimento de revisão da matéria tributável (cfr. de fls. 38 e 39 do PA vol. IV apenso);
E) Na sequência da ação de Inspeção Tributária referida em R), e em resultado das correções descritas em T) foram emitidos os atos de liquidação adicional de IVA, sintetizados no quadro infra, os quais foram remetidos, via caixa postal eletrónica (CPE) – CTT e acedidos, em 07 de maio de 2013:
“Texto integral com imagem”
(cfr. de fls. 85 a 114 do PA vol. IV apenso, cujo conteúdo se dá por integralmente );
F) Os atos de liquidação adicional de IVA supra evidenciados, apresentam teor idêntico ao que, ora, se reproduz variando apenas quanto ao período de imposto, aos valores inseridos no item “valores corrigidos”, ao número identificativo da liquidação e ao valor a pagar:

“Texto integral com imagem”
(cfr. de fls. 85 a 114 do PA vol. IV apenso, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);
A) Nos anos de 2008 a 2011, a Impugnante desenvolvia a atividade “de jogo de fortuna e azar”, venda de chocolates e berlindes e prestação de serviços de colocação de máquinas infantis e de diversão, e exploração de “máquinas de vídeo/flippers/infantis”, “matraquilhos”, “setas”, “gruas com peluches” (facto que se extrai dos elementos constantes do processo de inquérito, das diligências efetuadas e competentes apreensões; facto que se extrai do relatório intercalar e do relatório de Inspeção Tributária elementos juntos ao PA apenso-Vol. I a IV; quanto à atividade de venda de chocolates e berlindes e prestação de serviços de colocação de máquinas infantis e de diversão, e exploração de “máquinas de vídeo/flippers/infantis”, “matraquilhos”, “setas”, “gruas com peluches foi, igualmente, valorado e corroborado com o depoimento das testemunhas J…… e S…….);
B) Para a prossecução da atividade referida na alínea antecedente, os sócios e gerentes da Impugnante munidos de uma chave eletrónica específica para cada máquina, acediam a diversos tipos de jogos classificados como “jogos de fortuna e azar” (facto que se extrai dos elementos constantes do processo de inquérito, das diligências efetuadas e competentes apreensões; facto que se extrai do relatório intercalar e do relatório de Inspeção Tributária elementos juntos ao PA apenso-Vol. I a IV);
C) Os rendimentos resultantes do exercício da atividade referida em DD), eram objeto de registo em talões e mapas com aposição de datas, assinaturas, registos de créditos, valores e sua repartição pelas partes (facto que se extrai dos elementos constantes do processo de inquérito, das diligências efetuadas e competentes apreensões; facto que se extrai do relatório intercalar e do relatório de Inspeção Tributária elementos juntos ao PA apenso-Vol. I a IV);
D) Nos talões referidos na alínea antecedente não constava a identificação da Impugnante (facto que se extrai dos elementos constantes do processo de inquérito, das diligências efetuadas e competentes apreensões; facto que se extrai do relatório intercalar e do relatório de Inspeção Tributária elementos juntos ao PA apenso-Vol. I a IV);
E) Foram apreendidas listas com evidência das máquinas e com o nome dos estabelecimentos onde as mesmas eram colocadas (facto que se extrai dos elementos constantes do processo de inquérito, das diligências efetuadas e competentes apreensões; facto que se extrai do relatório intercalar e do relatório de Inspeção Tributária elementos juntos ao PA apenso-Vol. I a IV);
F) A atividade exercida pela Impugnante e melhor evidenciada na alínea DD), era desenvolvida através da colocação de máquinas junto de diversos estabelecimentos não pertencentes à Impugnante (facto que se extrai dos elementos constantes do processo de inquérito, das diligências efetuadas e competentes apreensões; facto que se extrai do relatório intercalar e do relatório de Inspeção Tributária elementos juntos ao PA apenso-Vol. I a IV; facto que se extrai do depoimento das testemunhas J……, S…….. e J…..);
G) Os aludidos estabelecimentos desenvolviam a atividade perante o público, auferindo uma comissão paga pela Impugnante (facto que se extrai dos elementos constantes do processo de inquérito, das diligências efetuadas e competentes apreensões; facto que se extrai do relatório intercalar e do relatório de Inspeção Tributária elementos juntos ao PA apenso-Vol. I a IV; facto que se extrai do depoimento das testemunhas J….. e S….. e das declarações de parte de L……);
H) A manutenção e reparação das máquinas de jogo, referidas em DD), era efetuada pelos funcionários da Impugnante (facto que se extrai do depoimento das testemunhas J….. e S……);
I) Em situações pontuais de impossibilidade de reparações das máquinas de jogo pelos funcionários da Impugnante a mesma recorria a uma entidade externa (facto que se extrai do depoimento das testemunhas J….. e S……);
J) O rendimento gerado pela exploração de máquinas de jogo podia variar entre 30% e 50% em função, designadamente, do tipo de cliente, da localização dos mesmos, das receitas e da concorrência (cfr. declarações de Parte do L…… e depoimento das testemunhas J……, J……. e S………);
K) Os clientes da Impugnante estavam situados em vários locais do país, designadamente, zona de Setúbal, Almada, Coimbra, Leiria e Tábua (cfr. declarações de parte do L……… e depoimento das testemunhas J…… e S……);
L) Nos anos de 2008 a 2011, a Impugnante tinha sob as suas ordens e direção entre dois a quatro trabalhadores (cfr. declarações de Parte do L……. e depoimento das testemunhas J……, J…… e S……);
M) Nos anos de 2008 a 2011, a Impugnante era proprietária de quatro veículos automóveis, duas carrinhas e dois automóveis ligeiros (cfr. depoimento das testemunhas S……, J…… e J…… e das declarações de parte de L….. do teor do “Relatório Intercalar” de fls. 50 a 89 do PA vol. I apenso);
N) Nos anos de 2008 a 2010, foram registados depósitos nas contas pessoais dos sócios da Impugnante no valor de €2.333.680,40 (facto que se extrai dos elementos constantes do processo de inquérito, das diligências efetuadas e competentes apreensões; facto que se extrai do relatório intercalar e do relatório de Inspeção Tributária elementos juntos ao PA apenso-Vol. I a IV);
O) Os valores depositados nas contas pessoais, referidos na alínea antecedente, foram objeto de investimento em aplicações financeiras (facto que se extrai dos elementos constantes do processo de inquérito, das diligências efetuadas e competentes apreensões; facto que se extrai do relatório intercalar e do relatório de Inspeção Tributária elementos juntos ao PA apenso-Vol. I a IV);
P) As faturas respeitantes ao abastecimento de combustível, emitidas em 2008, e melhor identificadas no Anexo IV junto ao Relatório de Inspeção Tributária, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente transcrito, não contemplam a identificação do “Nome”, “Contribuinte” “Morada” e “Matrícula” (cfr. teor Anexo 4 junto ao RIT constante no volume I do PA apenso);
Q) As faturas respeitantes ao abastecimento de combustível, emitidas em 2009, e melhor identificadas no Anexo XXII junto ao Relatório de Inspeção Tributária, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente transcrito, não contemplam a identificação do “Nome”, “Contribuinte” “Morada” e “Matrícula” (cfr. teor Anexo XII junto ao RIT constante no volume II do PA apenso);
R) As faturas respeitantes ao abastecimento de combustível, emitidas em 2010, e melhor identificadas no Anexo XVII junto ao Relatório de Inspeção Tributária, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente transcrito, não contemplam a identificação do “Nome”, “Contribuinte” “Morada” e “Matrícula” (cfr. teor do Anexo XVII junto ao RIT constante no volume IV do PA apenso);
S) A presente Impugnação foi deduzida via Sitaf, em 23 de maio de 2013 (cfr. a fls. 1 dos autos);
***
Factos não provados
Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir, designadamente, não está provado, com relevo para a decisão de mérito que:
1) A propriedade das Pen’s e os documentos apreendidos no âmbito do processo de Inquérito n.º 462/07.3TAALM, e melhor identificados em K) e L) supra, não pertencia aos sócios da Impugnante;
2) A Impugnante suportava despesas de manutenção com as máquinas de jogo;
3) A impugnante incorria em gastos mensais de combustíveis na ordem de €1.000,00;
* * *
Motivação da decisão sobre a matéria de facto
Quanto aos factos dados como provados a convicção do tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, no processo administrativo apenso aos autos, no processo de inquérito nº 463/07 e informações oficiais juntas e, não impugnadas, bem como da prova testemunhal produzida em sede de inquirição de testemunhas, tal como se foi fazendo referência em cada um dos pontos do probatório.
As declarações de parte prestadas por L….., na qualidade de gerente da sociedade D......., Lda, ainda que se tenham revelado titubeantes, revelaram para efeitos de fixação da factualidade constante nas alíneas II), JJ), MM), NN), OO) e PP).
Demonstrou conhecer os meandros e diretrizes de atuação da mesma, ainda que tenha relevado, desde logo, que “só assumiu a gerência para não fechar a porta da empresa”. Prestou declarações sobre a distribuição das máquinas de jogo pelos clientes e sua recolha, concretizando como as mesmas eram exploradas, avançando uma percentagem de rendimentos para a sociedade embora sem a concretizar facticamente. A instâncias do IRFP quando questionado sobre a quantificação dos custos, evidenciou que “fazia um apanhado”, demonstrando imprecisão e incerteza na sua quantificação. Quanto às diligências, apreensões e buscas referiu, de forma expressa, que “nada sabe”.
Foi, igualmente, valorado o depoimento da testemunha J…… para fixação da factualidade constante nas alíneas B), II), JJ), MM), OO) e PP) da factualidade assente, uma vez que referiu ter sido, desde sempre, o contabilista certificado (TOC) da Impugnante, tendo prestado depoimento de forma espontânea e coerente, fazendo alusão à estrutura da empresa, designadamente, aos gerentes, aos funcionários e ao ativo imobilizado da mesma. Quanto ao acompanhamento da Inspeção Tributária, referiu que não acompanhou a mesma, e relativamente à contabilidade “só conhece a contabilidade que fez e nada sabe do que foi apreendido”. Falou, ainda, sobre o cálculo da percentagem dos lucros provenientes das “máquinas de jogo” dizendo, com algumas hesitações, que a mesma variava de cliente para cliente. A final, e quando instado para o efeito, referiu que a contabilidade era efetuada com base nos documentos fornecidos pela D......., não tendo, porém, conseguido precisar as contas bancárias da Impugnante. Sublinhou, a final, que só soube das buscas por conversas com terceiros e quando diretamente inquirido sobre a eventualidade de realização de abates referiu que neste tipo de atividade inexiste, em rigor, um abate uma vez que as peças podem ser objeto de reaproveitamento.
O depoimento da testemunha C….., apenas foi relevado para efeitos da fixação da factualidade constante nas alíneas B) e K).
Referiu ser filha de J…… e S…….., sócios da empresa D......., porém quanto ao modo de funcionamento da empresa referiu, de forma expressa, que nada sabia. Limitou-se a atestar a realização de busca domiciliária à sua residência, no entanto, não conseguiu concretizar que tipo de apreensões foram, efetivamente, realizadas, relevando apenas que a própria e o seu irmão estavam presentes aquando da busca.
Quanto ao depoimento da testemunha J……., o mesmo foi valorado para efeitos de fixação da factualidade constante nas alíneas K), DD), JJ), KK), LL), MM), NN), OO) e PP).
Referiu que trabalhou na empresa Impugnante exercendo funções de motorista/distribuidor, até outubro de 2008, o que permitiu a clara contextualização da atividade. Revelou conhecimento do modus operandi da empresa, relativamente à distribuição das máquinas de jogo pelos clientes e sua recolha, ao modo como se processavam as explorações das mesmas, evidenciando uma percentagem de rendimentos para a sociedade, embora sem expressão fáctica. Abordou, sem hesitações, o imobilizado da empresa, referindo que a D....... tinha quatro viaturas e que até outubro de 2008, a manutenção das máquinas era efetuada pelos funcionários da empresa. Quanto às reparações, de forma segura e fazendo uso da expressão que “eram polivalentes”, explicou que eram os próprios que procediam à reparação das máquinas, e só quando era impossível a sua reparação as encaminhavam para uma entidade externa. Concretizou, ainda, que a sua residência também foi alvo de buscas pela polícia.
O depoimento da testemunha S……., foi igualmente relevado para efeitos de prova da factualidade assente nas alíneas K), DD), II), JJ), KK), LL), MM), NN), OO) e PP), tendo um testemunho credível, revelando razões de ciência forte sobre o modus operandi da empresa, uma vez que trabalhou para a mesma até ao ano de 2011, exercendo diversas funções, mormente, responsável pelo transporte das máquinas de jogo para os clientes. Abordou o âmbito e delimitação geográfica da Impugnante, fazendo alusão, designadamente, a clientes em Setúbal, Almada, Coimbra, Leiria e Tábua. Relativamente às reparações das máquinas referiu, sem hesitações e de forma clara, que quando as máquinas de jogo avariavam, a reparação das mesmas era feita pelo próprio ou por outro colega da empresa e que só quando as reparações se revelavam impossíveis recorriam a uma entidade externa. A final disse, ainda, que também a sua residência foi alvo de buscas.
Quanto à factualidade não provada o Tribunal entendeu que não resultada provada que a propriedade das Pen’s e os documentos apreendidos no âmbito do processo de Inquérito n.º 462/07.3TAALM, e melhor identificados em K) e L) supra, não pertenciam aos sócios da Impugnante, uma vez que a Impugnante limita-se a, genericamente e conclusivamente, pôr em causa a propriedade das mesmas e do seu conteúdo, sem, no entanto, evidenciar e concretizar facticiamente porque motivo o Tribunal deve extrair tal conclusão.
Os elementos constantes nos autos não permitem inferir o contrário, ou seja, que os documentos e as pen’s apreendidas não pertencem aos sócios da sociedade D......., note-se que os mesmos foram apreendidos em casa dos sócios/gerentes da ora Impugnante, e no interior de veículos da sua propriedade. Ou seja, estando os referidos documentos e pen’s na posse de representantes legais da Impugnante e de seus funcionários e não tendo a Impugnante logrado em juntar prova para afastar esta presunção, não procede a alegação efetuada pela mesma com vista a afastar a propriedade dos mesmos e consequentemente a imputação dos rendimentos resultantes da análise desses documentos e ficheiros.
Ademais, o Tribunal não pode descurar que do teor das diligências levadas a cabo no processo inquérito e evidenciadas na alínea K) foram feitos vários cruzamentos de dados, que permitiram credibilizar e tornar fidedigna toda a informação constante nas aludidas pen´s e bem assim nos documentos físicos apreendidos.
Acresce que a minúcia e o detalhe dos elementos apreendidos não permite concluir nos moldes pretendidos pela Impugnante.
Quanto ao facto não provado elencado no ponto 2), o Tribunal entendeu que não resulta provado quais as despesas de manutenção que a Impugnante suportava com as máquinas de jogo, desde logo, porque a Impugnante não só não as concretizou, com rigor, como não fez prova da sua existência, do seu montante e da sua cadência/frequência.
Acresce que resultou provado que a manutenção e reparação das máquinas de jogo, era efetuada pelos funcionários da Impugnante e que só em situações pontuais, de impossibilidade de reparações das máquinas de jogo pelos funcionários da Impugnante, a mesma recorria a uma entidade externa.
No concernente ao facto não provado elencado no ponto 3), o Tribunal entendeu que a Impugnante não fez prova que incorria em gastos mensais de combustíveis na ordem de €1.000,00. Note-se que é abordada a necessidade de deslocações pela parte nas suas declarações e pelas duas últimas testemunhas mas nunca é avançado, com rigor, um valor efetivo. Acresce que a prova desse tipo de despesas carece de ser feita documentalmente, devendo os documentos de suporte das despesas respeitarem os requisitos contemplados na lei. Note-se que a determinação da matéria coletável e do IVA em falta foi realizada por via da avaliação direta não permitindo extrapolar-se uma dedução percentual, sem qualquer prova documental nesse e para esse efeito.
*
2.2. De Direito
2.2.1. Impugnação da matéria de facto
Nas conclusões 1.ª e 2.ª a recorrente coloca em crise vários segmentos do probatório, expressamente impugnando os factos que neles se deram como provados.
Isto é, a recorrente impugna a matéria de facto com a extensão e o alcance que se retira dessas conclusões.
Face ao disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, e considerando que dos factos tidos como assentes e da prova produzida não emerge qualquer discordância com a decisão da matéria de facto da primeira instância, está vedada qualquer alteração da mesma, tanto mais que nem sequer foi junto qualquer documento superveniente que por si só impusesse decisão diversa.
Por outro lado, tendo em consideração a exaustiva motivação exarada na sentença, inexistem quaisquer dúvidas de que a credibilidade dos depoentes e o sentido do seu depoimento foi devidamente apreciada [cfr. al. b) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC), não havendo por isso qualquer dúvida fundada sobre a prova realizada [al. b)].
Ademais, nada indicia a existência de alguma situação de deficiência, obscuridade e contradição nos factos considerados provados [al. c)], sendo certo que, como já se disse, a motivação é exaustiva e esclarecedora [al. d)].
Constata-se, aliás, que a recorrente pretende retirar dividendos probatórios da prestação testemunhal de pessoas estreitamente a ela ligadas por laços de gerência ou colaboração, quando é certo que nestes casos os depoimentos sempre terão de ser encarados sob reserva. Não merece censura, portanto, a decisão recorrida no que concerne à matéria de facto.
E como se não bastasse, a impugnação da matéria de facto, para ser processualmente eficaz, deveria ter sido feita à luz do regime previsto no artigo 640.º, o que não sucedeu.
Em resumo, nenhum motivo se vislumbra para dar razão à impugnante no que concerne à impugnação da matéria de facto, tanto mais que não pode olvidar-se que falece a este tribunal a proximidade em relação aos depoimentos, proximidade essa que preenche o princípio da imediação, incontornável nestas situações.
Improcedem, pois, as conclusões 1.ª e 2.ª.
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2.2.2. Caducidade das liquidações
A primeira questão suscitada pela recorrente é a da caducidade das liquidações adicionais de IVA respeitantes ao ano de 2008.
A recorrente argumenta que contra si não foi deduzida qualquer acusação imputando responsabilidade penal por jogos de fortuna e azar e por exploração ilícita de jogo, pelo que “nunca poderá a sua situação Tributária se enquadrar e subsumir no âmbito do artigo 45.º, n.º 5 da LGT”.
Esta norma, aditada pelo n.º 1 do artigo 57º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, dispõe:
Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.
O legislador não distingue quanto aos tipos de crime que podem estar em jogo; refere-se, simplesmente, a factos com relevância criminal, em relação aos quais tenha sido instaurado inquérito-crime.
Assim, para que seja possível o alargamento do prazo de caducidade basta que:
i. Seja instaurado inquérito criminal;
ii. Que esse inquérito diga respeito a factos com relevância criminal e tributária, isto é, a factos que sejam, simultaneamente, passíveis de subsunção a normas de incidência tributária e a normas de tipificação criminal.
Se o direito a liquidar tributos emerge desses factos, tanto basta para que se tenha o respectivo prazo de caducidade alargado, nos termos da norma.
Ora, em relação à recorrente foi deduzida acusação por “um conjunto de crimes entre os quais associação criminosa, exploração ilícita de jogo, colocação de material de jogo ilícito, abuso de confiança fiscal e fraude fiscal”, como bem refere a sentença.
Logo, é indevida a restrição operada pela recorrente, que além de não ter qualquer apoio na lei não encontra também respaldo nos factos provados.
Está por isso acertada a fundamentação da sentença a este propósito, que se reproduz:
“De harmonia com o disposto no artigo 94.º do IVA, à data aplicável, “Só pode ser liquidado imposto nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária.”
Atenta a remissão constante no citado artigo 94.º do CIVA, cumpre analisar o que dispõem os artigos 45.º e 46.º da LGT.
Dispõe o normativo 45º, nº1, da LGT que:
“1.O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
(…)
4.O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto. (Redacção dada pela Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro)
5. Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano. (Aditado pelo n.º 1 do artigo 57º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro)
Mais estatui o artigo 46.º da LGT que:
“ 1.O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação”.
Em face da matéria de direito supra expendida, estamos em condições de concluir que:
- Regra geral, o prazo de caducidade do direito à liquidação é de quatro anos, o qual se conta, nos impostos periódicos e nos impostos de obrigação única, como no caso do IVA, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário;
- A LGT exige, como forma de obstar à caducidade do direito à liquidação, não só que a liquidação seja notificada ao contribuinte dentro do prazo de quatro anos, mas também que essa notificação seja validamente efetuada;
- O prazo de caducidade dos quatro anos, suspende-se com a notificação ao contribuinte do início da ação inspetiva externa, cessando, porém, esse efeito suspensivo caso a referida ação inspetiva ultrapasse o período de seis meses contados a partir daquela notificação.
Regressando ao caso dos autos.
No caso vertente, encontramo-nos perante IVA do ano de 2008, logo o prazo de caducidade da liquidação conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, o que que significa que, o dies a quo era o dia 1 de janeiro de 2009, logo o dies ad quem era o dia 31 de dezembro de 2012.
Importa, contudo, apurar se ocorreu alguma causa de suspensão do prazo de caducidade ou algum facto que determine o prolongamento do mesmo.
Resulta do acervo probatório que :
Na sequência de denúncias no ano de 2006, foi elaborado auto de notícia pelo Núcleo de Investigação Criminal do Destacamento Territorial de Almada da GNR.
Em consequência, foi autuada em 22 de fevereiro de 2007, a abertura de inquérito contra J……, L….., S….., a ora Impugnante, entre outros, pela prática de crime de associação criminosa, exploração ilícita de jogo, colocação de material de jogo ilícito, abuso de confiança fiscal e fraude fiscal que correu termos com o nº 463/07.3 TAALM junto dos Serviços do Ministério Público de Almada.
No âmbito do aludido processo de inquérito nº 463/07.3 dos Serviços do Ministério Público de Almada, foram realizadas diversas buscas domiciliárias e buscas a veículos automóveis, tendo em consequência, sido apreendidos materiais informáticos, designadamente, “pen drive” contendo documentos contabilísticos e extracontabilísticos de controlo geral da atividade comercial da Impugnante, que indiciavam a omissão de proveitos por parte da mesma.
Em face dos aludidos indícios, por ofício datado de 3 de junho de 2011, dos Serviços do Ministério Público de Almada, foi enviado ao Núcleo de Investigação Criminal e Fiscal de Setúbal, certidão extraída dos autos de Inquérito n.º 463/07.3TAALM, para “aferir junto do Serviço de Finanças de Almada da existência de fundada suspeita da prática do crime de fraude fiscal, p. e p., pelo art.º 103.º nº1, alíneas a) e b), do RGIT”.
Nessa sequência, a 25 de julho de 2012 a Impugnante, foi objeto de uma ação de inspeção, tendo sido emitido relatório definitivo, em 11 de março de 2013.
Sendo que, a 2 de maio de 2012, no âmbito do Processo de Inquérito n.º 463/07.3TAALM, foi declarado encerrado o inquérito e ulteriormente, deduzida acusação contra, entre outros, a ora Arguida por um conjunto de crimes entre os quais associação criminosa, exploração ilícita e jogo, colocação de material de jogo ilícito, abuso de confiança fiscal e fraude fiscal, estando pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa-Juízo de Instrução Criminal de Almada, com o nº de processo 463/07.3TAALM-instrução, o qual se encontra suspenso desde 12 de fevereiro de 2014.
Ora, em face da realidade fáctica traçada anteriormente, importa, assim, aferir se, in casu, a questão se subsume no aludido artigo 45.º, nº5, da LGT.
Com efeito, o citado artigo artº.45, nº.5, da L.G.T., introduzido pela Lei 60-A/2005, de 30/12, veio consagrar um mecanismo de alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, quando o ato tributário em causa derivar de factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, alargamento este que tem como termo final o arquivamento ou trânsito em julgado da sentença exarada em processo criminal, acrescido de um ano.
De relevar, neste particular, que a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do citado artigo 45.º, nº5 está dependente da existência de uma correspondência entre os factos objeto de investigação no processo-crime e os factos que constituíram fundamento para as correções que deram origem à liquidação adicional.
Como já devidamente evidenciado anteriormente, não sendo, de resto controvertido, os factos objeto de investigação no processo-crime, respeitam a indícios da prática de crime de associação criminosa, exploração ilícita de jogo, colocação de material de jogo ilícito, abuso de confiança fiscal, fraude fiscal logo com correspondências com os factos que fundamentam os atos tributários impugnados.
Dito de outro modo, as liquidações impugnadas e a investigação criminal reportam-se aos mesmos factos, existe, portanto, identidade dos factos investigados no âmbito do processo penal e aqueles que constituem pressuposto da liquidação subsumindo-se a questão no citado artigo 45.º, nº5 da LGT, sendo a data relevante para efeitos de aplicação desta norma a data da instauração do inquérito criminal e não aquela em que o contribuinte tomou conhecimento dessa instauração, (neste sentido vide a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vertida nos acórdãos de 1 de Outubro de 2014, proc. n.º 0178/14 e de 21 de Outubro de 2015, proc. n.º 01477/13).
De relevar, para o efeito, e como sustenta o IRFP que não assiste razão à Impugnante quando sustenta que não sendo alvo de qualquer processo-crime jamais a situação se poderá subsumir ao âmbito de aplicação dessa norma e bem assim que não é possível a imputação de responsabilidade de ilícito penal quanto à sociedade comercial.
Para o efeito, basta atentar na letra do artigo 7.º, nº1 do RGIT da qual resulta, desde logo, a responsabilização das pessoas coletivas. Acresce que, a aplicação do n.º 5 do art.º 45.º da LGT não depende da constituição de arguido em processo-crime, bastando a mera instauração do inquérito criminal.
Ademais, sempre importa ter presente que “Não resulta, nem da letra, nem da teleologia da norma, que, para efeitos do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, seja exigível, a par de uma “identidade objetiva”, entre facto tributário e facto objeto de inquérito criminal, uma identidade subjetiva, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto.” (Vide Aresto do STA proferido no processo nº 073/16, de 06 de dezembro de 2017, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Ora, aqui chegados e resultando da factualidade assente que:
ü Na origem da ação inspetiva iniciada em 25 de julho de 2012 e concluída em 06 de novembro de 2012, e consequentemente na génese da emissão das liquidações adicionais de IVA impugnadas, esteve a informação remetida pelos Serviços do Ministério Público de Almada no âmbito do Processo de Inquérito n.º 463/07.3TAALM, iniciado em 22 de fevereiro de 2007;
ü Que a 2 de maio de 2012, foi proferido despacho de encerramento do Processo de Inquérito n.º 463/07.3TAALM, e ulteriormente deduzida acusação contra, entre outros, a ora Arguida estando o aludido processo-crime suspenso desde 12 de fevereiro de 2014 (processo 463/07.3TAALM-instrução);
ü E, considerando e relevando a final, que as liquidações impugnadas foram notificadas à Impugnante, em 7 de maio de 2013”.
É patente, face a estas judiciosas e acertadas considerações, que não se verifica a caducidade do direito à liquidação relativamente ao ano de 2008.
Improcede, portanto, a questão colocada sob as conclusões 3.ª a 7.ª.
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2.2.3. DA ILEGALIDADE DA APLICACAO E DA QUANTIFICACAO EM SEDE DE IVA, DO ANO DE 2011, COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

São essencialmente três as subquestões sucitadas pela apelante com esta questão:
- Errada, por legalmente indevida, aplicação de métodos indirectos;
- Utilização de documentos que não podem ser imputados à apelante, a título de paternidade na sua elaboração ou pertença.
- Errada aplicação de factos provados ao sentido decisório da sentença.
Vejamos:
No que toca à utilização indevida de métodos indirectos, a apelante sustenta que todo o IVA e IRC do ano de 2011 foi determinado com este fundamento. O que para si é ilegal e não tem justificação factual.
A sentença rechaçou a argumentação, desde logo quanto ao IVA, por entender que o recurso a métodos indirectos foi feito pela IT apenas em relação ao IRC.
É esta a argumentação da sentença:
“Para o efeito atente-se, designadamente, nos seguintes excertos do Relatório Inspetivo que evidenciam, de forma clara, que o apuramento do IVA concretizou-se por recurso à avaliação direta e que só o IRC do exercício de 2011, foi objeto de apuramento através dos métodos indiretos.
“Assim dada a variação com que as receitas foram repartidas (regra geral em cerca de 50 % mas podendo variar em função de outras percentagens superiores), não é possível apurar o valor concreto que foi apropriado pela D....... no que respeita aos valores constantes dos mapas de receitas. Motivo pelo qual as receitas em sede de IRC vão ser apuradas com recurso a métodos indiretos, conforme exposto nos pontos "IV- Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos" e "V- Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos" “ “Em sede de IVA, conforme exposto no ponto "III.2.2 IVA da restante receita (para além da receita própria)" é de retirar o IVA por dentro à taxa de 23% (cf. art.º 49º "'apuramento da base tributável nas faturas com imposto incluído" do Código do IVA), sendo o mesmo determinável e devido nos seguintes montantes (apurado cf. anexo n.º 19, de fls. 43 a 45) (…)”.
O referido ponto “III.2.2.” do RIT diz o seguinte:
“III.2.2. IVA liquidado e não entregue
Para além das correcções propostas no ponto anterior relacionadas com a omissão de proveitos e falta de liquidação e entrega do IVA dos valores constantes das Pen e dos talões de registo/controlo, verificou-se que estes, para além da receita "Própria" (pertencente à D.......), evidenciam uma componente designada de "Cliente" que nada mais é do que a comissão entregue ao titular do estabelecimento onde a maquina se encontra (anexo n.º 15 e 10, fls. 1 a 3).
Esta comissão inclui a percentagem entregue ao proprietário do estabelecimento, bem como o IVA que caberia liquidar pela D......., sendo o mesmo devido ao Estado nos moldes já identificados na nota de rodapé n.º 9 da pag. 10.
De facto, "a exploração de máquinas electrónicas de diversão, em que o proprietário das máquinas atribui ao titular do estabelecimento comercial onde as mesmas são exploradas, a título de remuneração, uma determinada percentagem das receitas geradas pelas máquinas, reveste a natureza de uma prestação de serviços efetuada pelo titular do estabelecimento ao proprietário das máquinas.
Como tal, deve o prestador dos serviços proceder a liquidacao do IVA correspondente ao valor da remuneração que aufere, repercutindo-o ao proprietário das máquinas.
Por sua vez, o proprietário das máquinas liquidará o imposto correspondente ao valor da receita global gerada por cada máquina, podendo, porem, deduzir o imposto que lhe foi liquidado pelo titular do estabelecimento, nos termos gerais do código do IVA", cf. pontos 1, 2 e 3 do oficio-circulado n.º ….., de 97.09.11, da DSIVA.
Este entendimento tem subjacente uma relação estabelecida entre o proprietário das máquinas (D.......) e os titulares dos estabelecimentos onde as mesmas se encontram, em que, conforme resulta da leitura do proc.° 463/07.3 TAALM, o primeiro é aquele que efetivamente exerce a atividade de exploração de máquinas electrónicas de diversão (e obtém os maiores ganhos) e o segundo se limita a disponibilizar as condições para que essa exploração se concretize no seu estabelecimento.
Deste modo, tendo o IVA constante dos talões de registo/controlo já sido apurado no ponto anterior, no que respeita a receita própria da D....... (identificada como "nosso" ou "firma" nos talões), falta apurar o IVA contido na parte entregue aos proprietários dos estabelecimentos (identificados como "cliente" nos talões), completando-se assim, o apuramento do IVA sabre a receita global conforme preceitua o oficio circulado n.º …...
De forma resumida e tendo como suporte os dados constantes dos anexos 10 e 15, o IVA liquidado e não entregue, contido nas comissões pagas aos proprietários dos estabelecimentos onde as máquinas foram colocadas, foi nos seguintes montantes:
(…)
Ao contrário do que a apelante sustenta não houve recursos a métodos indirectos no apuramento da base tributável em IVA. Com efeito, é perfeitamente natural que, com base na mesma realidade contabilística, se chegue à conclusão de que o IRC deve ser determinado por meio de métodos indirectos e o IVA seja determinado por métodos directos.
Isto pela singela razão de que, enquanto o IVA incide sobre as operações onerosas tributáveis de um sujeito passivo, consistentes na entrega de bens ou na prestação de serviços, o IRC incide sobre o lucro. Ora, se em relação àquelas é possível apurar o imposto através de elementos documentais que evidenciem tais operações, já em relação ao IRC pode não suceder o mesmo, se inexistirem elementos que permitam apurar os custos que concorrem para a formação do lucro.
Dito de outro modo, se por regra os documentos que suportam o IVA cobrado em regime de substituição permitem apurar os proveitos, em regra são inidóneos para comprovar os custos. Ora, como se sabe, os lucros resultam da diferença entre os proveitos e os custos.
Daí que, ao contrário do que sustenta a impugnante, nenhum facto permite afirmar que o IVA de 2011 foi determinado com base em métodos indirectos.
E no concerne à determinação do IRC por métodos indirectos nenhuma censura merece o RIT e por arrasto a sentença recorrida que nesta parte confirmou o acerto da posição da AT.
De facto, torna-se quase ocioso repetir que os métodos indirectos apenas fazem recair sobre a AT os pressupostos da sua aplicação, cabendo ao contribuinte provar o excesso de quantificação (artigo 74.º, n.º 3, da LGT); por isso a utilização de estimativas/presunções para apuramento do lucro está perfeitamente suportada in casu no disposto nos artigos 51.º e 52.º do CIRC (na redacção vigente à data dos factos), 88.º e 90.º da LGT.
Com efeito, é patente a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável. A escrita da recorrente era praticamente inexistente (tendo em conta que a exibida à Administração apenas fornecia uma imagem deficitária da realidade), pelo que em face da falta de organização e veracidade, imposta pelos artigos 17.º n.º 3 e 98.º n.º 3, do CIRC, da escrita contabilística da recorrente, era impossível determinar com base na mesma a matéria tributável em sede de IRC.
Ora, nestes casos a IT pode basear-se em todos os elementos de que disponha, designadamente elementos de facto conhecidos que, utilizados segundo as regras da experiência e do senso comum, permitem a dedução de factos desconhecidos que sirvam de suporte ao juízo valorativo em sede de determinação a matéria tributável.
Para que assim não suceda é imperioso que aquele a quem seja oposto o método indirecto, faculte os elementos necessários e indispensáveis à decisão a tomar, de forma a que os resultados apurados se mostram efectivos, concretos e credíveis, em suma, ajustados à realidade.
Só nesta situação é que haverá exclusão do recurso aos métodos indirectos.
No caso vertente a IT utilizou os dados contidos em pens que a apelante continua a refutar que lhe pertençam, sem que esta fornecesse, contudo, outros dados que os colocassem em crise.
Porém, se é certo que a propriedade de tais artefactos não foi determinada, não é menos verdade que contêm dados referente à impugnante; por outro lado as pens estavam na posse de pessoas ligadas àquela por laços de colaboração laboral ou de gerência.
Assim, não há dúvida de que os dados que contêm pertencem à apelante, sendo certo que esta também não produziu prova do contrário, isto é, de que tais dados, que não são dados sem referências que impossibilitam a sua atribuição a uma entidade determinada, lhe não pertencem.
Neste aspecto a Administração cumpriu o ónus de prova que sobre si recaía, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT; ao invés a prova da excepção (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do CC), ou seja, de tais dados não respeitaram à recorrente, não foi feita por esta.
Acresce que a utilização de métodos indirectos não é uma faculdade ou prerrogativa discricionária da AT: esta está vinculada a utilizá-los sempre que seja impossível determinar a matéria tributável por recurso ao método directo. Por duas ordens de razões: para evitar a evasão fiscal e com isso a diminuição das receitas do Estado e para que a determinação da matéria tributável se faça com a maior justiça possível, evitando-se que um contribuinte possa sair beneficiado em relação aos demais.
No presente recurso a recorrente não coloca validamente em crise qualquer concreto ponto da matéria de facto que não tenha sido correctamente julgado – cfr. supra ponto 2.2.1. - não logrando demonstrar qualquer inexactidão dos índices apontadas no RIT, nem dos pressupostos que estiveram na base da impossibilidade de apurar e controlar de forma clara e inequívoca o lucro tributável.
Face às evidências de que a recorrente se furtou aos seus deveres tributários, não restava outro caminho à AT senão lançar mão de tais presunções ou estimativas, para calcular e apurar o imposto em falta.
Por último, quanto a esta questão a recorrente argumenta que os factos considerados provados na sentença não permitiam obter a conclusão decisória a que nesta se chegou. Apega-se ao passo do probatório em que se refere que “O rendimento gerado pela exploração de máquinas de jogo podia variar entre 30% e 50% em função, designadamente, do tipo de cliente, da localização dos mesmos, das receitas e da concorrência”.
No relatório aplicou-se uma taxa de repartição única, de 50%.
Simplesmente a apelante esquece que o que está em causa neste processo são as liquidações de IVA, como resulta desde logo da petição inicial. Ora, esta “repartição” dos proveitos obtidos pelas máquinas relevou apenas em sede de IRC. Por conseguinte não há excesso de quantificação em relação ao IVA, sendo de todo irrelevante para a solução das questões colocadas neste recurso que o rendimento se tenha situado em torno dos 40% (média entre os 30% e os 50% considerados provados na sentença).
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2.2.4. Do excesso na quantificação do valor apurado em sede de IVA, relativamente às liquidações dos anos de 2008, 2009 e 2010 (correcções técnicas), e do ano de 2011 (métodos indirectos)
Alega a recorrente a este respeito que “nunca foi apurada a efectiva propriedade, cujos respectivos manuscritos ou preenchimentos nunca foram identificados os seus titulares e que, em momento algum, se podem considerar como estando ligados juridicamente a ora Apelante ou sequer que alguém tenha atuado no interesse desta, e na prossecução dos respectivos desígnios sociais” e que “em processo penal ainda vigora entre nos - e para alem de vários outros - o chamado principio da presunção de inocência, e, por outro lado, e conforme também supra já se teve oportunidade de referir, a ora Apelante não foi acusada por qualquer crime de exploração ilícita de jogo!”
Esta argumentação da recorrente já foi rebatida com os argumentos aduzidos supra, para os quais remetemos, não estando em causa o princípio da presunção de inocência, pela singela razão de que nos movemos no universo das normas tributárias e não das normas penais.
Diz a recorrente que “é o próprio crime de "exploração ilícita de jogo" que, em si mesmo considerado, configura a obtenção de "rendimento", porquanto é a actividade de "exploração" que desencadeia toda uma série de conceitos, pressupostos e mecanismos de obtenção de "rendimento". Exploração esta que NUNCA foi levada a cabo pela ora Apelante!”
É irrelevante, para efeitos fiscais, que a recorrente tenha ou não exercido actividade de exploração ilícita de jogo.
A “exploração”, para efeitos fiscais, corresponde a toda actividade económica, lícita ou ilícita. Daí que seja indiscutível que todas as actividades económicas, quando caem debaixo de uma norma de incidência, são tributáveis, independentemente de serem subsumíveis, ou não, a um qualquer tipo penal.
Os argumentos da apelante parecem significar o inverso, equivalendo à afirmação de que só os rendimentos provenientes da exploração lícita de jogo é que são passíveis de tributação. O que não é verdade.
A propriedade das pens, como supra se referiu, não é importante para se saber se os dados nelas contidos respeitam ou não à recorrente. Ora, ao contrário do que esta alega é indubitável que tais dados lhe dizem respeito visto que:
- Respeitam à actividade da recorrente;
- Os suportes digitais onde estão contidos estavam na posse de pessoas a ela ligadas.
Por isso não seria necessário a menção expressa à recorrente em tais dados (que no entanto existe): basta extrair a ilação de que lhe dizem respeito, verificados que estavam os dois factos acima referidos. Trata-se de prova indirecta ou indiciária, que se verifica sempre que se afirma um facto desconhecido a partir de factos conhecidos.
Note-se que em tese geral o artigo 100.º do CPPT estabelece o princípio da verdade material, impedindo que a Administração liquide o imposto sem que tenha formado uma fundada convicção da “existência e conteúdo do facto tributário”, devendo abster-se de o fazer em caso de dúvida por aplicação do principio in dubio contra fiscum. Mas, já quando a falta ou inexistência ou desconhecimento, a recusa de exibição, da contabilidade ou escrita e de mais documentos legalmente exigidos, ou a sua falsificação, ocultação ou destruição, impedem a determinação da matéria colectável pelo método directo inverte-se esse princípio que, neste caso, passa a ser in dubio pro fiscum (artigo 100.º, n.º 2, do CPPT)
Recai neste caso sobre o contribuinte o ónus de demonstrar o erro ou manifesto exagero da quantificação (cfr. n.º 3 do art. 100.º do CPPT), o que manifestamente a apelante não logrou concretizar, pois não basta instilar a dúvida: é necessário, como se refere no Ac. do TCA Norte de 23-11-2017, que o contribuinte faça prova exigente e sem margem para dúvidas da materialidade das operações, subjacentes à facturação indiciada, porque persistindo a dúvida esta resolve-se contra a parte onerada com a prova, in casu, a recorrente.
Ora, como já se sublinhou, a AT demonstrou os pressupostos de aplicação dos métodos indirectos. Competia, portanto, à recorrente, fazer prova cabal do excesso de quantificação, nas bastando alegar que as pens não são propriedade sua ou que inexiste prova pericial à letra dos documentos apreendidos no processo penal.
O mesmo se diga quanto à invocação da falta de estruturas físicas, sendo certo que neste aspecto o tipo de actividade da apelante dispensa a existência de uma estrutura física muito sólida, visto que as máquinas são colocadas nos estabelecimentos detidos e explorados por terceiros, não sendo necessário grande robustez logística para a realização do negócio. Por isso não colhe o argumento de que a AT não considerou a estrutura física da recorrente “quando realizou as correcções aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011”: não considerou nem tinha de considerar mais do que aquilo que, passe a expressão, “saltava à vista”: que as declarações apresentadas pela recorrente não retractavam a verdadeira realidade económica da empresa, antes a ocultavam quase por completo.
A recorrente pretende demonstrar que os depoimentos produzidos em audiência abalam a tese contida no RIT, quer quanto às “pens”, quer quanto à ocultação de rendimentos. Esta argumentação claudica por dois motivos: por um lado apoia-se no depoimento prestado pelo legal representante da Apelante, o que desde logo instila a dúvida quanto à veracidade do depoimento; no que concerne ao depoimento do TOC da apelante, é sabido que estes profissionais (agora contabilistas certificados), apenas tratam da contabilidade tal como esta resulta da documentação que lhes é fornecida pelos sujeitos passivos. O mesmo se diga, mutatis mutandis, dos depoimentos dos colaboradores da apelante. Daí que as respectivas afirmações tenham reduzida ou nenhuma relevância probatória.
Mas acima de tudo, como já se acentuou, não compete a este tribunal proceder a uma alteração da matéria de facto, atendendo aos argumentos explanados em 2.2.1., para os quais se remete.
Em todo o caso, inexistindo qualquer erro grosseiro e manifesto na análise da prova, por parte do tribunal a quo, este tribunal só estaria em condições de proceder à sua alteração se existissem razões, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, para considerar que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impunham decisão diversa ou a matéria de facto tivesse sido impugnada nos termos do artigo 640.º do mesmo diploma.
Circunstâncias que não se verificam, quer num caso, quer no outro, como já se salientou.
No que concerne ao argumento de que os rendimentos fixados oficiosamente em caso algum são provenientes “da exploração pela ora Apelante de máquinas de "jogo", valem as considerações acima referidas quanto à distribuição do ónus de prova.
Quanto aos gastos em combustíveis, a sentença deu como não provado que a Apelante teria gastos médios de cerca de 1.000,00 mensais. Ora, não nos parece que os autos forneçam elementos para alterar este segmento do probatório, sendo certo que mais uma vez se reafirma que competia à recorrente fazer a prova correspondente.
Não se antolha o alcance da afirmação de que a IT desconsiderou os montantes pagos a título de IVA quando realizou efectuou as correcções técnicas.
Por outro lado a recorrente alega que a "tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real" (n.º 2 do art.º 104.º da CRP), afirmação que para nós merece total concordância. Daí que sendo manifesto que as declarações de rendimentos da recorrente não se retractavam esse rendimento real, está justificada a actuação da AT tendente a aproximar a tributação da realidade.
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2.2.5. Em suma, nenhum erro de julgamento se antolha na sentença que nos leve a concluir que o recurso merece provimento, visto que a sentença fez correcta subsunção dos factos provados ao direito, com uma argumentação, judiciosa, plausível e consistente, que grangeia a nossa total concordância.
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2.2.6. Resumindo:
a. Se a credibilidade dos depoentes e o sentido do seu depoimento foi devidamente apreciada, inexiste dúvida fundada sobre a prova realizada, não ocorre uma situação de deficiência, obscuridade e contradição nos factos considerados provados e a motivação é exaustiva e esclarecedora, está vedada qualquer alteração da matéria de facto fixada na primeira instância ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC.
b. A impugnação da matéria de facto, para ser processualmente eficaz, deve ser feita nos termos do regime previsto no artigo 640.º do CPC.
c. Para que ocorra a extensão do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º, n.º 5, da LGT, basta a mera instauração de inquérito criminal em relação a factos com relevância tributária.
d. A tributação das actividades económicas não depende da sua natureza lícita ou ilícita.
e. A determinação da matéria tributável em sede de IVA por recurso a métodos directos é compatível com a determinação da matéria tributável em sede de IRC por métodos indirectos se os documentos que permitem o cálculo da primeira não possibilitam apurar os custos que estão associados à segunda e há necessidade de recorrer a dados de base indiciária ou estatística, por falta, insuficiência ou inidoneidade de elementos contabilísticos.
f. A utilização de métodos indirectos não é uma faculdade ou prerrogativa discricionária da AT, pois esta está vinculada a utilizá-los sempre que seja impossível determinar a matéria tributável por recurso ao método directo, a fim de evitar a evasão fiscal e apurar a matéria tributável com a maior justiça possível.
g. Não é necessário que seja determinada a propriedade dos suportes físicos contendo dados fiscais relevantes para o apuramento da matéria tributável de um contribuinte, se tais suportes estão na posse de pessoas ligadas funcionalmente a este e os dados neles contidos lhe podem ser inequivocamente atribuídos.
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3. Dispositivo
Em face de todo o exposto nega-se provimento ao recurso, confirmando a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.
D.n.

Lisboa, 2019-01-31

(Benjamim Barbosa, relator)

(Anabela Russo)

(Ana Pinhol)

[1] Vide Ac. STA, proferido no processo nº 0178/14, com data de 1 de Outubro de 2010, disponível para consulta em www.dgsi.pt.

[2] Cfr. ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Lisboa, 1972, p. 150.

[3] Proc. 01315/105BEAVR