Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09627/16
Secção:CT
Data do Acordão:07/13/2016
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:PLANO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO/PRESTAÇÃO DE GARANTIA/PRESSUPOSTOS/ÓNUS DA PROVA/AUDIÇÃO PRÉVIA
Sumário:I – Independentemente de entendimento que se perfilhe quanto à natureza do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia - acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou acto predominantemente processual – é sempre de concluir que não há, nessa situação, lugar ao exercício do direito de audiência previsto no art. 60º da LGT.
II – Introduzido no ordenamento jurídico português pela Lei 16/2012, de 20 de Abril, o processo especial de revitalização constitui um processo especialíssimo em relação ao processo de insolvência, criado com a finalidade de proporcionar uma ferramenta legal expedita para a recuperação de empresa (conforme nos dá claramente conta o art. 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e resultava já da exposição de motivos da proposta de lei), constituindo, no quadro do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (diploma ainda hoje fundamentalmente orientado para a liquidação) uma excepção ao privilegiar a liquidação do património do devedor e a partilha do respectivo produto de venda como forma de satisfação dos credores e simultaneamente permitir que os devedores que se encontram em situação económica difícil ou insolvência eminente promovam e alcancem a sua recuperação mediante acordo com os seus credores sem que seja decretada a sua insolvência.
III – Todavia, porque aquelas características essenciais do novo procedimento consagrado e o primacial objectivo de recuperação e de manutenção no giro comercial da empresa em situação económica difícil não contende, nem o legislador pretendeu que contendesse, até por imposição constitucional, com a manutenção e satisfação das obrigações tributárias existentes ou futuramente a constituir pelos beneficiários dessa medida (PER), impõe-se concluir que o regime jurídico que disciplina a formação, a aceitação e os efeitos do Plano Especial de Revitalização não afasta os normativos consagrados na nossa legislação, em especial em matéria de indisponibilidade de créditos e na sua relação com eventual regularização de dívidas, impossibilitando que aquele consume uma redução dos valores em dívida ou se traduza na concessão de moratórias não legalmente previstas.
IV – O que vimos dizendo não significa, porém, que a disciplina regulamentadora do PER ou os exactos temos em que o mesmo foi aprovado e homologado sejam de todo indiferentes ou irrelevantes para efeitos de se considerarem ou não preenchidos os pressupostos de dispensa dessa garantia, uma vez que é ainda possível estabelecer uma relação entre aquelas condições legais e concretas de aprovação do PER e os pressupostos de dispensa de garantia plasmados no artigo 52.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária.
V - Na verdade, impondo a Lei como condição de deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia um conjunto de requisitos específicos – é necessário que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou que seja manifesta a sua falta de meios económicos e, em qualquer um dos casos, que haja uma situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e acrescido e que essa inexistência ou insuficiência não seja imputável ao executado – e resultando esses requisitos ou pressupostos suficientemente indiciados do PER – junto pelo requerente ao seu pedido de dispensa – impõe-se que a Administração Fiscal e o Tribunal extraiam, em qualquer sentido e para esse efeito, as devidas ilações e concluam, sendo caso disso, pela manifesta existência da falta de meios económicos para solvência imediata e integral da dívida tributaria e insuficiência de bens para prestar a garantia, bem como pela elevada probabilidade de, dessa impossibilidade de prestação de garantia resultar prejuízo irreparável para a executada, em especial ao nível do possível comprometimento da solução alcançada (PER).
VI – Porém, se a requerente/executada não alega que não teve qualquer responsabilidade pela situação económica por si vivenciada, isto é, que a insuficiência de bens para pagamento da quantia exequenda ou prestação de garantia não lhe é imputável, não pode a administração fiscal deixar de indeferir a sua pretensão com fundamento na falta de alegação e comprovação desse requisito, nem o Tribunal a quo deixar de validar a actuação do órgão de execução fiscal precisamente com fundamento no mesmo entendimento de facto e direito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – Relatório

P… S.A., inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa de improcedência da reclamação judicial por si deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças - pelo qual lhe foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado no âmbito do processo de execução fiscal contra si instaurado para cobrança coerciva de dívidas de IRS-, interpôs o presente recurso jurisdicional.


Tendo alegado, aí concluiu nos seguintes termos:


«l. O presente recurso tem como objecto a douta sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação apresentada contra o despacho de 09-11-2015 proferido pelo Sr. Chefe deste Serviço de Finanças que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado em 14-10-2015 para suspensão do processo de execução fiscal n° e apensos, no valor de €19.864,04.


II. O ato de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia é um ato administrativo em matéria tributária que, enquanto tal, segue o regime estabelecido na LGT, nomeadamente o disposto no artigo 60° da LGT (neste sentido, vide DULCE NETO em voto de vencido no acórdão do STA de 07-03-2012, proc. n°0185/12).


III. A LGT determina que previamente ao indeferimento de um pedido apresentado pelo contribuinte à Administração Fiscal - como vem a ser um pedido de dispensa de prestação de garantia - seja aquele ouvido e convidado a participar na formação da decisão final - cfr. artigo 60°, n°1, alínea b), da LGT.


IV. Nos n.°s 2 e 3 do mesmo artigo 60.° da LGT são indicadas situações em que poderá ocorrer a dispensa de audição prévia, porém neste elenco não se inclui o indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia.


V. A Recorrente devia assim ter sido notificada para exercer o direito de audição prévia, previamente à emissão do despacho reclamado.


VI. Não se venha invocar a aplicação subsidiária da possibilidade de dispensa de audiência prévia prevista no CPA para os casos em que a decisão se mostra urgente, às situações de indeferimento de pedido de dispensa de garantia, pois dessa forma está-se a revogar a citada disposição da LGT, aditando-lhe outras possibilidades de dispensa de audição prévia que o legislador fiscal manifestamente não consagrou.


VII. Ainda que se aceitasse a aplicação subsidiária da possibilidade de dispensa de audiência prévia prevista no CPA - o que por dever de patrocínio se concebe, embora sem conceder -, sempre importará notar que a urgência da decisão invocável para justificar esta dispensa de audiência prévia em procedimentos administrativos «não são razões ligadas com a necessidade de cumprimento do prazo legal de conclusão do processo ou com a necessidade de prevenir o aparecimento de atos tácitos que podem ser invocadas para justificar o preenchimento do pressuposto da urgência da decisão.» -cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, op cit.


VIII. Por outro lado, não poderá igualmente colher o entendimento de que o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando as razões que a justificam e juntando os respetivos elementos de prova documental, acabe por desempenhar a função de audição prévia do contribuinte ou por precludir a necessidade de realização da mesma, no sentido de atenuar «a hipótese de ser surpreendido ou confrontado pela AT com elementos que desconheça» - cfr. Ac. STA de 26.9.2012.


IX. Se assim fosse, em todas as situações de apresentação de uma petição devidamente fundamentados e instruídos com prova documental à Administração Tributária e Aduaneira, teria de se aplicar esta interpretação. O que significaria que sempre que os contribuintes apresentassem tais petições devidamente fundamentadas e instruídas com prova documental, não teriam a possibilidade de, previamente ao respectivo indeferimento pela Administração Tributária e Aduaneira, virem participar na formação da decisão e, assim, virem obviar a eventuais erros por parte da Administração Tributária e Aduaneira e contribuir para o cabal esclarecimento dos factos.


X. Acresce que, apesar de o pedido de dispensa de prestação de garantia dever ser instruído, nos termos legais, com a prova documental necessária (cfr. artigo 170°, n°3, do CPPT), o certo é que com esta referência a «prova documental necessária», o legislador não está a excluir outros meios de prova admitidos em Direito, o que redundaria numa restrição materialmente inconstitucional nas situações em que esses outros meios de prova se mostrassem imprescindíveis para a demonstração do direito invocado pelo contribuinte. Dê-se como exemplo situações em que os factos alegados pelo contribuinte para demonstrar, por exemplo, a falta de culpa na insuficiência de bens para prestar garantia ou o prejuízo irreparável que lhe advirá da prestação de uma garantia (n°4, do artigo 52° da LGT), não se alcançam unicamente através de meios documentais, carecendo-se, por exemplo, de prova testemunhal. Acresce que poderão surgir novos elementos sobre os quais o contribuinte nunca se pronunciou, em violação, inclusivamente, do princípio do contraditório em matéria de procedimento e processo tributário consagrado no artigo 45° do CPPT.


XI. O contribuinte tem de ter a possibilidade de, conhecendo a apreciação da Administração Tributária e Aduaneira feita sobre as provas apresentadas e/ou produzidas no procedimento de dispensa de prestação de garantia, vir juntar novos elementos e sobre as mesmas se pronunciar.


XII. Esta é a solução que se impõe no apuramento da verdade material e, bem assim, que melhor se coaduna com o preceituado no n°5 do artigo 267° da CRP e no artigo 45° do CPPT.


XIII. Refira-se ainda que o fundamento apontado, no despacho reclamado, para indeferir o pedido de dispensa de prestação de garantia em causa foi a falta de produção de prova.


XIV. Ora, em sede de audição prévia, poderia a Recorrente ter obviado, mediante a junção dos elementos de prova que a Administração reputava por necessários, a essa decisão tomada com fundamentos meramente formais, que em nada contribui para a realização, administrativa, da justiça e que se revela não adequada e não proporcional.


XV. Face ao exposto, impõe-se a anulação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia por preterição ilegal da audição prévia, por violação do disposto nos artigos 267°, n°5, da CRP, 60° da LGT e 45° do CPPT.


XVI. O PER mencionado no pedido de dispensa de prestação de garantia - que é do conhecimento da Autoridade Tributária e Aduaneira e que inclusivamente foi aprovado com o seu acordo - faz prova do preenchimento dos pressupostos previstos no n°2 do artigo 54° da LGT.


XVII. Desde logo, a existência de um PER comprova a situação económica difícil da Reclamada.


XVIII. Acresce que do balanço a fls. 8 e 9 do PER resulta evidente o seguinte: a) que a Reclamante não dispõe de imóveis susceptíveis de hipoteca, b) que a Reclamante não dispõe de ativos fixos tangíveis de valor suficiente para oferecer como garantia; c) que o passivo da Reclamante tem vindo a acrescer nos últimos quatro exercícios, sendo bastante elevado no exercício de 2014 (2.829.803,00); d) que nos últimos 4 exercícios fiscais os resultados líquidos foram bastante deficitários, tendo sido de -76.514 (negativo) em 2011, de 4.576 em 2012, de 4.733 em 2013 e de-233.794 (negativos) em 2014; e) que a Reclamante não dispõe de meios económicos suficientes que lhe permitam obter garantias junto dos bancos, os quais, conforme resulta do PER (fls. 36), são inclusivamente são credores de dívidas da Reclamante.


XIX. Desta informação é possível concluir que Reclamante não dispõe património, nem de meios económicos suficientes para prestar garantia no presente processo de execução fiscal.


XX. Acresce que no PER estão descritas as razões que conduziram à insuficiência patrimonial da Reclamante (fls. 4 a 10), donde resulta claro que essa insuficiência patrimonial não se deveu a qualquer responsabilidade da Reclamante, mas antes a uma conjuntura económica nacional e internacional que afetou os seus clientes e por conseguinte a Reclamante.


XXI. Fica, assim, claro que a Reclamante, ao remeter no pedido de dispensa de prestação de garantia para o PER donde resulta evidente a falta de meios económicos para prestar a garantia e a ausência de responsabilidade da Reclamante na insuficiência patrimonial fez prova do preenchimento dos pressupostos previsto no n°4, do artigo 52° da LGT, carecendo de fundamento o despacho reclamado.


XXII. A douta sentença recorrida, ao ter decidido em sentido diverso, padece de erro de julgamento da matéria de facto e de direito.


Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao recurso e ser revogada a sentença recorrida».

A Recorrida notificada da admissão do recurso, não apresentou contra-alegou.

Neste Tribunal Central, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, no qual se pronunciou, a final, no sentido da manutenção do decidido.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza do processo (artigos 657.º do Código de Processo Civil e 278.º, n.º 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário), cumpre apreciar e decidir, submetendo-se, agora, e para esse efeito, os autos à conferência.

II. Objecto de recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente, esse objecto, assim delimitado, pode ser, expressa ou tacitamente, restringido nas conclusões da alegação (artigo 635.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil). Nessa medida, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, são as seguintes as questões que urge resolver:

- Errou o Tribunal a quo ao julgar que o despacho objecto da presente reclamação judicial não era inválido por previamente à sua prolação não ter sido dada à reclamante a possibilidade de ser ouvida em audiência prévia (conclusões I a XV das alegações de recurso)?

- E errou ao ter concluído pela improcedência da reclamação com fundamento em que a aprovação de um Plano Especial de Revitalização só por si não reúne força bastante a que devam ser julgados como preenchidos os pressupostos referidos no artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (conclusão XVI das alegações de recurso)?

- Em caso negativo, deve a sentença recorrida ser revogada porquanto os termos concretos em que o PER foi aprovado e homologado, bem como os demais factos apurados, permitiam que a Administração Fiscal e, posteriormente o Tribunal a quo, tivessem concluído que os referidos pressupostos legais de dispensa de prestação de garantia estavam preenchidos (conclusões XVII a XXII)?

III. Fundamentação de Facto

Em 1ª instância foi fixada como assente e com relevo para a apreciação do mérito dos autos a seguinte factualidade:

A) Em 12-8-2015 foi instaurado contra a sociedade Reclamante, no Serviço de Finanças de , o PEF n°, por dívida de Coima do ano de 2015 no montante de dívida exequenda de 9.840,50€ (cfr. fls. 1 e 2 do processo instrutor).

B) Em 26-8-2015 e em 7-9-2015 foram instaurados contra a sociedade Reclamante, no Serviço de Finanças de , os PEF's n°s , por dívidas IRS e Coima do ano de 2015, no montante de dívida exequenda de 8.181,50€ e 1.312,49€, respectivamente, os quais foram apensados ao PEF identificado na alínea antecedente, passando a dívida exequenda a perfazer o montante total de 19334,49€ (cfr. PEFs apensos).

C) Por decisão proferida em 7-9-2015 pelo Tribunal de Comarca de Lisboa -Inst. Central -1ª Sec. Comércio – J1, no âmbito do processo n°/15.5T8LSB, foi homologado o Plano Especial de Revitalização (PER) da Reclamante, nos termos do previsto no artigo 17°-F, n° 3 do C.I.R.E. (cfr. fls. doc. n°3 junto com a p.i.).

D) O Plano mencionado na alínea antecedente prevê o pagamento das dívidas à Fazenda Nacional no montante reconhecido de 318.369,95€ em 150 prestações (cfr. Ficha Técnica n°1 anexa ao PER).

E) O PER mencionado em C) possui o conteúdo constante do documento n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

F) Em 1-10-2015, Representante da Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de , pedido de pagamento em 36 prestações no âmbito do PEF n° e apensos (cfr. fls. 4 do processo instrutor).

G) Em 1-10-2015, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de autorizando o pagamento da dívida referente ao PEF n° e apensos, em 24 prestações, sem dispensa de garantia (cfr. fls. 6 do processo instrutor apenso).

H) Em 14-10-2015 a Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de , requerimento com o seguinte conteúdo:

"P, S. A., NIF , na sequência da homologação do PER, Proc. Nº /15.5T8LSB, vem por este meio solicitar a dispensa de garantia, para o plano e aps nos termos conjugados dos artigos 52° nº 4 e 74° nº1 da LGT, conforme consta da ficha técnica n°1 do referido PER aprovado com voto favorável da ATA." (cfr. fls. 7 do processo instrutor apenso).

I) Por despacho de 9-11-2015, foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia com a seguinte fundamentação:

"I- Do pedido

No âmbito do processo de execução fiscal nº e aps. (), com origem em dívidas de Coimas e Encargos de Processos de Contra-Ordenação, IRS (retenções na fonte), de Julho do ano de 2015, a executada P SA, contribuinte fiscal n° veio, por requerimento apresentado neste SF de ..., em 14-10-2015, sob o n°…, solicitar a dispensa de garantia para fazer face aos autos de execução em apreço.

II - Da competência para decidir o pedido

Compete ao órgão da execução fiscal, que, no caso vertente, é este SF, apreciar o pedido da executada, nos termos conjugados das disposições normativas dos arts. 170°, nº5, e 197°, n°1, do CPPT.

III - Da apreciação sobre o mérito do pedido

Nos termos do art.52°, nº4, da LGT, a Administração Tributária pode, a requerimento do executado, dispensá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos, a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.

Quer isto dizer que o benefício da dispensa fica assim dependente de dois pressupostos alternativos: ou a existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou a falta de bens económicos para a prestar.

Porém, tal dispensa não depende apenas da verificação de um destes dois pressupostos, sendo necessário o preenchimento de um outro pressuposto cumulativo: que a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a dispensa.

Como é sabido, o executado que pretenda ser dispensado de prestar garantia deve dirigir o pedido ao órgão da execução fiscal, devidamente fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova necessária (cfr. vide art.170°, nº3, do CPPT).

Com efeito, do regime geral de repartição do ónus da prova (art.342.°, nº1, do Código Civil e artº74°, nº1, da LGT) e, bem assim, do referido art.170°, n°3, do CPPT, resulta que a prova dos pressupostos para a dispensa da prestação de garantia incumbe ao executado, uma vez que se tratam de factos constitutivos do direito que este pretende ver reconhecido.

Em suma, quer a dispensa da prestação de garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa, incluindo a prova de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.

Ora, note-se, para sustentar a sua pretensão, qual seja a dispensa de garantia, a executada alegou, no seu requerimento de 14-10-2015, ipsis verbis o seguinte:

" P, S.A., NIF …, na sequência da homologação do PER, Proc. N°…/15.5T8LSB, vem por este meio solicitar a dispensa de garantia, para o plano … e aps nos termos conjugados dos artigos 52° nº4 e 74° n°1 da LGT, conforme consta da ficha técnica nº1 do referido PER aprovado com voto favorável pela ATA".

Assinale-se que ao aludido requerimento incorporou a executada a por si intitulada "Ficha Técnica nº1 Denominação: Fazenda Pública", a qual se dá aqui, na íntegra, como reproduzida.

Sendo que a executada, saliente-se, além do supra já referido, não alegou qualquer outra factualidade nos autos nem carreou para os mesmos quaisquer outros elementos probatórios no sentido de alicerçar o seu pedido.

Efectivamente, dos autos desponta que foi formulado pedido de abertura de Processo Especial de Revitalização, o qual corre termos no âmbito do Processo nº…/15.5T8LSS, do Tribunal da Comarca de Lisboa - Instância Central – 1ª Secção do Comércio – J1, onde figura aí como devedora P…, SA, contribuinte fiscal nº …, aqui executada nos presentes autos.

Refira-se que, por causa e no decurso do aludido Processo Especial de Revitalização, foi, em 07-09-2015, proferido despacho judicial de homologação do acordo de revitalização respeitante à aludida devedora, a qual figura, relembre-se, como executada nos autos de execução em apreço.

Todavia, afigura-se-nos de que, ao contrário daquilo que a executada quer fazer crer, pelo facto de se encontrar pendente Processo Especial de Revitalização, em nome da aqui executada, daí não se pode de per si inferir pela verificação dos pressupostos da dispensa de garantia.

O que é perfeitamente compreensível, já que, por um lado, os pressupostos subjacentes quer ao pedido de abertura de Processo Especial de Revitalização, quer à homologação judicial do acordo de revitalização, ambos plasmados no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, são, como é bom de ver, nitidamente distintos dos pressupostos subjacentes à admissão do pedido de dispensa de garantia em sede de execução fiscal, os quais, como vimos, se encontram tipificados na LGT.

Como se já não bastasse, há que enfatizar de que, por outro lado, nos termos conjugados das disposições normativas dos arts. 52°, nº4, 74°, nº1, da LGT, 170°, n°3, do CPPT, e 342°, nª1, do Código Civil, cabe ao requerente, o qual, in casu, é a executada, realizar, no âmbito do processo de execução fiscal, a demonstração probatória dos pressupostos tendentes à concessão da dispensa de garantia.

O que, diga-se, não foi levado a cabo pela executada no caso dos autos em apreço.

Visto que, realce-se, a executada, à excepção da menção à homologação do apontado Processo Especial de Revitalização, olvidou de alegar outros factos concretos (factos da vida real) susceptíveis de integrar os pressupostos que estribam a dispensa de garantia.

De igual modo, aquela, à excepção da denominada "Ficha Técnica nº1 Denominação: Fazenda Pública", olvidou de carrear para os autos quaisquer outros elementos probatórios no sentido de alicerçar a sua pretensão.

Por aqui se vê, pois, que a executada não alegou e, por isso, muito menos provou de que a prestação de garantia lhe causa prejuízo irreparável, bem como não alegou e muito menos provou de que a prestação de garantia resulta da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido.

Deste modo, ponderando tudo quanto supra se expôs, afigura-se-nos de que, no caso vertente, não se encontram verificados os pressupostos de facto e de direito tendentes à concessão a favor da executada de dispensa de garantia, nos termos do n°4 do art.52° da LGT, por interpretação a contrario sensu.

IV- Das conclusões

Em face do exposto, propõe-se o seguinte:

1. Que o pedido de dispensa de garantia formulado pela executada, no âmbito dos processos de execução fiscal n°s … e aps (…), seja indeferido dado que não se consideram verificados os pressupostos exigidos no art.52°, nº4, da LGT.

2. De acordo com o exposto, notificar a executada nos termos e para os efeitos do disposto no nº8 do art.º199° do CPPT" (cfr. fls. 8 a 10 do processo instrutor apenso).


J) Através do ofício n°3854 de 10-11-2015, remetido via postal registado, foi a Reclamante notificada da decisão mencionada na alínea antecedente (cfr. fls. 11 do processo instrutor apenso).


K) A presente reclamação foi apresentada em 23-11-2015 (cfr. fls. 2 dos autos).

Mais ficou consignado, a título de «Motivação da decisão de facto» que: «A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos constantes dos autos, na posição expressa pelas partes nos respetivos articulados e no processo instrutor apenso».

IV. Fundamentação de Direito

Como resulta do relatório por nós elaborado, o que fundamentalmente importa decidir neste recurso jurisdicional é se andou bem o Tribunal a quo ao ter concluído que o despacho do órgão de execução fiscal de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pela então reclamante, ora Recorrente, é válido.

A resposta a essa questão central está, como igualmente se mostra evidenciado no ponto II deste acórdão – “Objecto do recurso” – dependente do julgamento que fizermos relativamente a duas questões concretas: relevância da não realização da audição prévia em sede de procedimento de dispensa de garantia e relevância da invocação (e prova) de existência de um PER para efeitos de preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 52.º, n.º 4, do CPPT.

Vejamos, então, começando por aferir do juízo de validade realizado sobre o despacho reclamado pelo Tribunal Tributário de Lisboa, o qual assentou, como se surpreende com facilidade, do julgado, no pressuposto de que não há lugar ao exercício do direito de audição previamente à decisão.

E assim é.

Aliás, como cedo se adiantou na decisão recorrida, a alegada preterição de formalidade legal estava votada ao fracasso, sendo hoje completamente pacífico na nossa jurisprudência, especialmente da emanada dos Tribunais Superiores, que não é obrigatório que haja audição do contribuinte ou requerente previamente à tomada de decisão pelo órgão de execução fiscal sobre pedido de dispensa de prestação de garantia, a tanto obstando, em regra, a própria natureza urgente que o legislador atribuiu ao respectivo procedimento, independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto em questão – acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou acto predominantemente processual. Tudo, conforme artigo 170°, n.º 4 do CPPT e os ensinamentos jurisprudenciais que podem colher-se dos sucessivos acórdãos que o nosso Supremo Tribunal vem proferindo desde 2012, data a partir da qual se iniciou a sedimentação da corrente jurisprudencial que posteriormente se viria a assumir como uniforme.(1)

No mesmo sentido apontou desde cedo a doutrina, avançando que a exclusão de audiência dos requerentes no âmbito deste tipo de procedimento se encontra objectivamente justificada pela «própria urgência da prolação da decisão, atendendo, desde logo, à natureza e características da execução (celeridade e simplicidade, que interessam, normalmente, ao credor que promove a execução), sendo que a premência do credor ganha aqui especial acuidade com a circunstância de o requerimento de isenção de prestação da garantia poder redundar em efeito suspensivo sobre a execução, aumentando o risco de poderem ser dissipados bens que o credor pretende executar. E cabendo ao executado carrear para o procedimento todos os elementos, incluindo provas e demais informações, necessários ao êxito da sua pretensão [incluindo os necessários à demonstração do prejuízo irreparável, concretizando-o e indicando «as razões que o levam a crer que existe uma séria probabilidade de ele poder vir a ocorrer se ele não for dispensado da prestação de garantia, ele mesmo contribui para a definição do objecto do procedimento, atenuando a hipótese de ser surpreendido ou confrontado pela AT com elementos que desconheça, o que também acentua o sentido da diminuição da relevância deste direito nestes casos de decisão sobre a dispensa de prestação de garantia"(2), e desvalorizando qualquer pretensão de alicerçar uma inconstitucionalidade dessa interpretação restritiva do direito procedimental de audição consagrado no artigo 60.º da LGT e constitucionalmente consagrado e protegido pelo artigo 267.º da nossa Lei Fundamental, por o direito à tutela jurisdicional efectiva estar assegurado pelo direito de reclamar (e controlar) a decisão do órgão de execução fiscal nos termos do artigo 276°, do CPPT.

Em suma: não constituindo o direito de audição prévia em sede de procedimento de dispensa de prestação de garantia um exercício obrigatório, não pode, com fundamento na sua inobservância, ser reconhecida invalidade ao despacho objecto de reclamação.

Improcede, pois, nesta parte, o recurso jurisdicional.

4.2. Avançando, agora, para a exigida censura ao julgado por erro de julgamento de direito, conclui-se - como deixámos indiciado nas questões enunciadas como sendo as que esgotam o objecto do recurso – que o mesmo assenta fulcralmente em duas ordens de razões:

- A aprovação do Plano Especial de Revitalização (PER) só por si permite concluir que necessariamente estão preenchidos os pressupostos referidos no artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária;

- Mesmo que assim não seja, os termos concretos em que o PER foi aprovado e homologado, permitiam que a Administração Fiscal e, posteriormente o Tribunal a quo, tivessem concluído que os referidos pressupostos legais de dispensa de prestação de garantia estavam preenchidos.

Não cremos, que lhe deva, também nesta parte, ser reconhecida razão.

Antes de explicitarmos porque assim o concluímos, importa fazer notar que, como é sabido, existe uma distinção - que o intérprete e aplicador do direito não pode olvidar - que se prende com a diferença entre o que se encontra legalmente consagrado e o que cada um, no caso a recorrente, entende que deveria estar consagrado.

Vem, o que vimos afirmando, a propósito desta primeira questão colocada pela recorrente - com a qual, de resto, este Tribunal Central vem sendo de forma cada vez mais frequente confrontado em sucessivos recursos por parte de sociedades que beneficiam de PER - nos quais difundem o entendimento de que a mera existência deste PER, só por si, deve ser entendida como condição ou factor determinante (inultrapassável) de concessão de dispensa de garantia.

Não é, porém, essa a conclusão que se retira ou extrai liminarmente do ordenamento jurídico, quer na parte que regulamenta o PER, quer na parte em que regulamenta de forma imperativa as condições para reconhecimento de dispensa de garantia em sede de processo executivo tributário, quer, por último, porque não é essa a conclusão que necessariamente deve ser extraída da conjugação de ambas as regulamentações jurídicas e da consideração dos valores e interesses prosseguidos por um e outro dos referidos institutos.

Senão, vejamos.

Introduzido no ordenamento jurídico português pela Lei 16/2012, de 20 de Abril, o processo especial de revitalização constitui um processo especialíssimo em relação ao processo de insolvência criado com a finalidade de proporcionar uma ferramenta legal expedita para a recuperação de empresa, conforme nos dá claramente conta o art. 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e resultava já da exposição de motivos da proposta de lei:

"O principal objectivo prosseguido por esta revisão passa por reorientar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.

(...) [É] criado o processo especial de revitalização (artigos 17°-A a 17º-I), lançando-se a primeira pedra deste processo logo no n°2 do artigo 1°, explicitando-se, em traços muito largos, quais os devedores que ao mesmo podem recorrer. O processo visa propiciar a revitalização do devedor em dificuldade, naturalmente que sem pôr em causa os respectivas obrigações legais, designadamente para regularização de dívidas no âmbito das relações com a administração fiscal e a segurança social.

O processo especial de revitalização pretende assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual. (...) Este processo especial permite ainda a rápida homologação de acordos conducentes à recuperação de devedores em situação económica difícil celebrados extrajudicialmente, num momento de pré-insolvência, de tal modo que os referidos acordos passem a vincular também os credores que aos mesmos não se vincularam, desde que respeitada a legislação aplicável à regularização de dívidas à administração fiscal e à segurança social e observadas determinadas condições que asseguram a salvaguarda dos interesses dos credores minoritários"(negrito de nossa autoria).

O procedimento especial de revitalização surge, pois, no quadro do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - diploma ainda hoje orientado para a liquidação – como uma excepção na medida em que privilegia a liquidação do património do devedor e a partilha do respectivo produto de venda como forma de satisfação dos credores.

É precisamente, ainda, o que resulta do artigo 1º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ainda que este na sua actual redacção - alterada por aquela mesma lei que aprovou o PER - coloque como alternativa primeira a recuperação.

Conclui-se, assim, que o processo especial de revitalização tem desde logo uma característica essencial à realização do fim a que se propõe: permite aos devedores em situação económica difícil ou insolvência eminente a sua recuperação mediante acordo com os seus credores sem que seja decretada a sua insolvência.

Todavia, essa característica essencial e a possibilidade de recuperação e de manutenção no giro comercial da empresa em situação económica difícil não contende, nem o legislador pretendeu que contendesse, até por imposição constitucional, com a manutenção e satisfação das obrigações tributárias existentes ou futuramente constituídas pelos beneficiários dessa medida (PER).

Disso mesmo cedo nos deu conta a doutrina "A recente revitalização do processo falimentar português assentou num paradigma de maior flexibilização quanto ao futuro dos insolventes, acompanhado por uma crescente responsabilização das entidades participantes nas negociações tendentes à revitalização. E pois neste sentido, e tendo em conta o novo quadro valorativo, que importa reflectir sobre a actuação da Administração Tributária (na qualidade de credora) nos processos de insolvência, não perdendo de vista os condicionalismos legais aos quais a mesma se encontra subordinada.

Uma das preocupações formulada expressamente pelo legislador na exposição de motivos da proposta de Lei nº39/XII 6 foi a de que o reforço das providências de reestruturação e revitalização dos insolventes não afectasse os créditos tributários e os interesses do Estado na sua cobrança. Portanto, apesar de o mote principal do novo regime jurídico assentar na optimização das soluções de recuperação e revitalização dos insolventes, era dado um sinal expresso de que isso não poderia sobrepor- se à natureza indisponível dos créditos tributários"(3), contextualização que, para além de ser a mais consentânea com o espírito legislativo da inovação legal realizada e com o próprio texto legislativo é, ainda, a que melhor corresponde ao entendimento, também ele legalmente expresso, de que a indisponibilidade do crédito tributário, prevalece sobre qualquer legislação especial (cfr. artigo 30°, n° 3, da LGT, aditado pela Lei n°55-A/2010, de 31.12).

No mesmo sentido conciliatório dos regimes em confronto prossegue hoje pacificamente a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo:

"... [C]omo resulta da referida exposição de motivos, o legislador não quis de modo algum que o propósito assumido de promover a recuperação dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, em ordem a possibilitar a manutenção do devedor no giro comercial, o tenha determinado a alijar a natureza indisponível dos créditos tributários,

A indisponibilidade dos créditos tributários está expressamente prevista no n°2 do art.30º da LGT, que dispõe: «O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária» (Aplicando este princípio, vide o recente acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Junho de 2012, proferido no processo n." 816/11(...)

Neste acórdão acolheu-se a tese de que «a lei fiscal determina a indisponibilidade do crédito tributário, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributárias, prevalecendo esta disposição sobre qualquer legislação especial - artigo 30.°/2 e 3 da LGT, na redacção dada pelo art. 123° da Lei n°55-A/2010, de 31 de Dezembro», motivo por que «[...] a indisponibilidade dos créditos tributários impõe-se à própria « AT e a todos os particulares e não pode ser afastada por vontade das partes ou de terceiros, sendo decorrência directa dos fundamentais princípios da legalidade e igualdade tributárias, os quais encontram guarida nos artigos 266°, 13.°, 103º e 104.°, todos da CRP».).

A indisponibilidade dos créditos tributários - que significa que AT não pode discricionariamente alterar a relação jurídica tributária e, assim, dispor livre e autonomamente dos seus créditos - decorre, em última análise, do princípio da legalidade tributária (O princípio da legalidade, consagrado no art.266°, nº2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) - «Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei [...]» - impõe aos órgãos da AT que actuem no sentido da obtenção das prestações devidas nos termos da lei fiscal, certificando-se que os cidadãos cumprem a obrigação decorrente, desde logo, do nº3 do art.103°, nº3, da CRP, de pagar os impostos que «tenham sido criados nos termos da lei e cuja liquidação e, cobrança» se façam nas formas «prescritas pela lei».), que impõe à AT que actue com vista à obtenção da prestação efectivamente devida nos termos da lei fiscal [cfr, arts. 103°, nº3, e 266°, n°2, da CRP e art.3°, nº1 («Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos».), do Código do Procedimento Administrativo (...) (CPA)], e do principio da igualdade [cfr. arts. 13º e 266°, nº2, da CRP e art. 5.°, nº1 (...), do CPA] (...). Ambos os princípios estão também consagrados no art.55º da LGT, que enumera os princípios a observar pela AT na sua actividade (...).

Por outro lado, o art.36° da LGT, no seu n°2, é inequívoco: «Os elementos essenciais da relação jurídica não podem ser alterados por vontade das partes» (...). Em sintonia com o n°3 do art.36º da LGT, o art.85°, n°3, do CPPT (...), prevê que possam ser responsabilizados subsidiariamente os que, dolosamente, concederem moratórias fora dos casos previstos na lei.

(...) [A] indisponibilidade do crédito tributário e a impossibilidade de a AT conceder moratórias não previstas na lei (Uma eventual excepção a esse princípio sempre exigiria uma inequívoca manifestação de vontade nesse sentido, concretizada em lei formal da Assembleia da República ou Decreto-Lei do Governo, na sequência de uma Lei de Autorização Legislativa emitida pelo Parlamento para esse efeito, sob pena de violação do princípio da legalidade e da tipicidade tributária) não foram de modo algum postas em causa pelo CIRE (...), mesmo após as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n°16/2012, de 20 de Abril (que veio dar prevalência à recuperação do devedor). Os princípios que enformam o nosso sistema tributário não permitem a extinção, a redução ou a moratória (Há numerosa jurisprudência no sentido da impossibilidade de suspender a execução fiscal fora das situações previstas na lei. Entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo://- de 12 de Abril de 2012, proferido no processo n°322/12 (...);//- de 25 de Setembro de 2013, proferido no processo n°1377/13 (...)) dos créditos fiscais a não ser nos casos previstos expressa e inequivocamente na lei. Assim, a alteração do conteúdo da obrigação fiscal nunca poderia ocorrer por vontade da maioria dos credores, sob pena de se violar de forma grave o princípio da legalidade e da tipicidade tributária, previsto no art.8° da LGT e no art.103° da CRP, nos termos do qual todos os elementos da relação jurídico tributária têm de estar tipificados na lei (. . .).

(...) Pese embora o disposto no art.17°-E, nº3, do CIRE (...), a AT está obrigada a instaurar e fazer prosseguir contra o devedor execução fiscal para cobrança de dívida fiscal, a menos que tenha sido deferido o pagamento da mesma em prestações ao abrigo da legislação fiscal (e a dívida exequenda e o acrescido estejam garantidos ou tenha sido efectuada penhora que os garanta ou tenha havido dispensa da prestação de garantia, tudo nos termos do disposto nos arts. 196.° e 199°, do CPPT, e do art.52° da LGT), no âmbito do plano de revitalização judicialmente homologado ou fora dele. ..".(4)

Em suma, lei, doutrina e jurisprudência confluem, podemos mesmo dizer, partilham um mesmo entendimento–base de construção de qualquer decisão que nesta matéria haja de ser tomada: o regime jurídico que disciplina a formação, a aceitação e os efeitos do Plano Especial de Revitalização não contende com a total operatividade dos normativos consagrados na nossa legislação, em especial em matéria de indisponibilidade de créditos e na sua relação com eventual regularização de dívidas, impossibilitando que aquele consume uma redução dos valores em dívida ou na concessão de moratórias não legalmente previstas.

Porém, o que vimos dizendo, não significa, pelo menos para nós, que aquela disciplina regulamentadora do PER seja de todo indiferente ou irrelevante para efeitos de se considerarem ou não preenchidos os pressupostos de dispensa dessa garantia, como parece decorrer da sentença recorrida e, porque não dizê-lo, das demais decisões que em geral temos vindo a ser confrontados em matéria de recurso, como se de duas realidades estanques se tratassem. (5)

É precisamente a relação - sem questionar todo o supra exposto – que entre uma e outra ainda é possível estabelecer, e com efeitos pertinentes a uma decisão quanto a um eventual pedido de dispensa de prestação de garantia pelo sujeito passivo, que nos determina a concluir, como se fez no julgado em sindicância, pela improcedência do recurso, mas com fundamentos parcialmente distintos dos que sustentaram aquela decisão.

Efectivamente, insiste-se, em nosso entender, não basta invocar a indisponibilidade dos créditos em questão, um (6) ónus de alegação, um ónus de prova e rejeitar uma concretização destes através de simples remissão para o PER para julgar como não comprovados os requisitos previstos no artigo 52,º, n.º 4 da Lei Geral Tributária.

Desde logo porque, como lapidarmente se sumariou em recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, a matéria da garantia a prestar «está, a nosso ver, fora do campo da indisponibilidade do direito».

Depois, e aqui se centra, em nosso entender o elemento fulcral ou o cerne da decisão, a existência do PER comporta, no mínimo de forma fortemente indiciária, a verificação parcial de tais pressupostos.

Na verdade, como claramente se deixou dito na sentença recorrida – e linearmente resulta da Lei Geral Tributária - o artigo 52.º, n.º 4 estabelece um conjunto de requisitos específicos de cuja demonstração depende o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia: é necessário que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou que seja manifesta a sua falta de meios económicos, sendo que, em qualquer um dos casos, a lei ainda impõe que haja uma situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e acrescido e que essa inexistência ou insuficiência não seja imputável ao executado.

Ora, compulsados os autos, mais concretamente, analisado criticamente o documento junto pela recorrente com o seu pedido de dispensa de prestação de garantia, PER – análise cuja apreciação se impunha que a Administração Fiscal tivesse realizado e dele extraísse as devidas ilações (em qualquer sentido) e devidamente ponderado o probatório, em que aquele mesmo documento surge vertido (alínea do ponto III supra), não nos parece existirem entraves a que se conclua pela manifesta falta de meios económicos para solvência imediata e integral da dívida tributaria e insuficiência de bens para prestar a garantia, para além de ser elevada a probabilidade de, dessa prestação (im) possível de garantia resultar prejuízo irreparável para a executada, em especial ao nível do possível comprometimento da solução alcançada (PER).

Note-se, o que é importante reter, que existem duas modalidades possíveis de PER (cuja escolha dependerá do devedor, a quem cabe a exclusiva iniciativa deste processo): o processo previsto nos arts. 17-A a 17º-G, em que o devedor abre junto do Tribunal um período de negociações que, chegadas a bom termo será objecto de homologação judicial vinculativa dos intervenientes e não intervenientes nesse acordo; e o processo previsto no art. 17º-I, em que o devedor apresenta ao tribunal, para homologação um acordo extrajudicial já alcançado, sobrevindo, em caso de homologação, as mesmas consequências.

Ora, independentemente da modalidade porque o devedor opte, o certo é que é a mesma, numa ou noutra, a finalidade que com o PER se visa alcançar: possibilitar aos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou situação de insolvência meramente iminente, mas que sejam passíveis de recuperação, de negociar com os seus credores e obter um acordo judicialmente homologado e eficaz para com todos os seus credores (artigo 17.º - A), sendo o próprio legislador que nos dá a densificação dos conceitos de situação económica difícil (artigo 17.º-B) e de insolvência meramente iminente (art. 3º nº4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), por delimitação negativa do conceito legal de insolvência.

Temos, pois, por definição legal, três conceitos que surgem em gradação e dos quais é possível extrair as seguintes noções: (i) situação de insolvência (actual), que existe quando o devedor está impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (art. 3º nº1); (ii) situação de insolvência meramente iminente, que se verifica quando o devedor está impossibilitado de cumprir as suas obrigações ainda não vencidas mas previsíveis, a curto prazo (art. 3º nº1 e nº4 e 20º nº1) e (iii) situação económica difícil, quando o devedor enfrenta dificuldades sérias no cumprimento das suas obrigações, designadamente por falta de liquidez (ou seja, mesmo quando o activo é ainda superior ao passivo mas não há liquidez disponível) ou por não conseguir obter crédito.

E se à partida (liminarmente) não cumpre ao juiz, no âmbito do PER, apreciar se a situação da devedora corresponde a qualquer das enunciadas, constituindo a atestação de que se encontra em situação difícil ou insolvência iminente e em condições de se recuperar um ónus da requerente, o certo é que subjacente à homologação tem que estar, em nosso entender necessariamente, um juízo judicial quanto à verificação da situação invocada, sob pena de se abrir uma via franca de fraude à lei, seguramente não desejada.

Mas, sendo assim, isto é, tendo que se extrair, no caso concreto, da homologação do PER a existência de uma situação económica difícil (que foi no caso concreto a circunstância invocada e reconhecida) e estando esta assente na inexistência de bens capazes de suportar o passivo acumulado e simultaneamente manter o giro comercial (vide, PER – fls.), particularmente desde o ano de 2008, com perda significativa de clientes e/ou perda significativa de investimentos de clientes regulares (e que se mantiveram), insiste-se, não se descortinam razões (que nesta sede nem foram invocadas) para afastar o já referido preenchimento daqueles pressupostos.

Afastamo-nos, pois, nesta parte, e com estes fundamentos, do julgado recorrido.

Porém, é inquestionável o discurso fundamentador da sentença na parte em que diz que não foi alegada, nem comprovada a ausência de responsabilidade da executada pela situação económica por si vivenciada, isto é, que aquela insuficiência de bens para pagamento da quantia exequenda não lhe seja imputável, sendo para nós seguro que o mero facto de no PER se ter invocado que esta situação económica difícil que suportava o pedido de homologação de PER decorreu da conjuntura económica vivida em Portugal não é, manifestamente, suficiente para que tal requisito se mostre preenchido, tanto mais que, essa alegação, se absolutamente indiferente para efeitos de consideração do PER (e daí a sua genérica alegação e fraca comprovação no âmbito do procedimento especial em causa), é essencial, como sabemos, para efeitos de dispensa de prestação de garantia.

Em suma: cabendo à Executada, no âmbito do procedimento de dispensa de prestação de garantia, o ónus de alegar e provar os pressupostos factuais tendentes à concessão da referida dispensa, designadamente, para o que no caso concreto releva, de que a situação de inexistência ou insuficiência de bens que vivencia não lhe é imputável, não pode, nem deve, na ausência total de qualquer alegação nesse sentido, a Executado obter qualquer resposta da Administração Fiscal que não seja de indeferimento por falta de alegação e prova desse requisito.

Tal como não pode a Executada legitimamente pretender que o Tribunal, chamado a sindicar essa apreciação, e comprovando a mesma realidade, conclua noutro sentido que não o de validar a actuação do órgão de execução fiscal, sem lhe impor, inclusive, qualquer actuação acrescida, por, não obstante ser certo que a Administração Tributária deve, «ao abrigo do princípio do inquisitório e do dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte, solicitar ao requerente o esclarecimento de dúvidas e solicitar elementos de prova adicionais ou complementares, o certo é que tal dever deve ser interpretado em termos hábeis, já que a investigação oficiosa pressupõe que tenham sido alegados os factos e oferecidos meios de prova pelo interessado que não ditem o indeferimento imediato do pedido.».(7)

E, nessa medida, nada tendo sido alegado nem comprovado nesta matéria, importa concluir, como o disse a Administração Tributária, posteriormente secundada pelo Tribunal, pela inexistência de fundamento para deferir o requerido ou invalidar o decidido.

É, pois, de manter, com os fundamentos expostos, a sentença recorrida.

V- Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que integram a Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, com os fundamentos expostos, manter na ordem jurídica a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique

Lisboa, 13 de Julho de 2016

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[Anabela Russo]

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[Lurdes Toscano]

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[Ana Pinhol]

(1)Cfr., Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20-6-2012 (processo n°625/12), 9 -5-2012 (processo n.°446/12), 5 -6-2013 (processo n.°899/13), 29-10-2014 (processo n.° 947/14) e 10-12-2014 (processo n.° 1314/14) e de 8-4-2015 (processo n.º 334/15), todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt

(2)Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. III, 6 edição., Áreas Editora, 2011, anotação 4 a) ao art.170°, p. 232.

(3)Suzana Tavares da Silva e Marta Costa Santos, Os créditos fiscais nos processos de insolvência: reflexões críticas e revisão da jurisprudência, integralmente disponível em http://handle.net/10316/24784,pp. 2-3.

(4) Cfr., Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25-3-2015, proferido no processo n.º 278/15, integralmente disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido - indisponibilidade do crédito ou de concessão de moratórios com a consequente impossibilidade de se recolherem ou pretenderem extrair efeitos directos entre a homologação de um PER e a regularização ou meios e modos de regularização de dívidas fiscais, também o acórdão do mesmo Supremo de 29-4-2015, proferido no processo n.º 320/15, igualmente disponível no mesmo site.

(5)Ainda que sem relevância para a questão concreta, mas elucidando-nos sobre possíveis relações entre as duas realidades em confronto, veja-se a disciplina constante do artigo 196.º n.º 3 do CPPT.

(6)Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 31-3-2016, proferido no processo n.º 182/2016, integralmente disponível em www.dgsi.pt.

(7)Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 7-1-2015, proferido no processo n.º 1489/14, integralmente disponível em www.dgsi.pt