Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:118/17.0BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:03/18/2021
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:INTEMPESTIVIDADE;
NULIDADE;
NULABILIDADE;
DIREITO FUNDAMENTAL;
NÚCLEO ESSENCIAL;
REMUNERAÇÃO
Sumário:i) Em regra, os vícios dos actos administrativos implicam a sua mera anulabilidade, só ocorrendo nulidade quando falte qualquer elemento essencial do acto, quando a lei expressamente o determine, ou quando se verifiquem as circunstâncias referidas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, designadamente quando ocorra ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, este constituído pelas situações típicas primárias de exercício do direito.
ii) A diferenciação de vencimentos, retroactivamente considerada e num determinado hiato temporal, operada em função de uma estatuição legal, ainda que fundada numa interpretação ilegal do quadro normativo, não afecta o conteúdo essencial do direito à igualdade na retribuição.
iii) Nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º 2, al. b) do CPTA, é de três meses o prazo para impugnação do acto administrativo impugnado.
iv) A intempestividade da prática do acto processual constitui excepção dilatória (art. 89.º, n.º 4, al. k), do CPTA) e obsta ao conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (n.º 2).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

F..., intentou no TAF de Beja contra o Ministério da Administração Interna a presente acção administrativa de impugnação do despacho de 15.09.2016, do Comandante do Comando da Administração de Recursos Internos da Guarda Nacional Republicana, publicado no Diário da Republica – 2-ª série – n.º 186 de 27.09.2016, pedindo a declaração da sua nulidade, o reconhecimento do seu direito ao vencimento do posto de Sargento-Ajudante desde 23.01.2014 a 27.09.2016, e a condenação da Entidade Demandada a pagar-lhe o diferencial salarial entre a posição remuneratória n.º 19 e a posição remuneratória n.º 22, a que se refere o anexo I ao Decreto-Lei n.º 298/2009, desse dia 23.01.2014 ao dia 27.09.2016.

Por saneador de 6.04.2020 foi julgada procedente a excepção dilatória de intempestividade, prevista no art. 89.º, n.º 4, al. k), do CPTA e absolvido da instância o ora Recorrido.

Nas alegações do recurso interposto o ora Recorrente conclui do seguinte modo:

1. O Recorrente em 7 de Novembro de 2011, com o Posto de Primeiro-Sargento exercia as funções de Chefe do Núcleo de Investigação Criminal do Destacamento Territorial de Beja da GNR.

2. Nessa altura, foi alvo de uma denúncia, efectuada pelo seu subordinado, Cabo A..., onde lhe foram imputados factos susceptíveis de preencherem ilícitos de natureza criminal e disciplinar.

3. A predita denúncia correu os seus termos na Instância Local de Cuba, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, sob o processo nº. 198/11.2TACUB.

4. Por sentença, transitada em julgado no dia 8 de Junho de 2016, foi o ora Recorrente absolvido dos crimes de que vinha acusado (cfr. doc. nº 2 da P. I.).

5. O processo disciplinar com o nº 615/12CTBJ, instaurado contra o Recorrente em razão dos mesmos factos denunciados no referido processo-crime, foi objecto de despacho de arquivamento pelo Sr. Comandante-Geral da GNR, em 27 de Julho de 2016, «…em virtude dos factos dados como provados não constituírem ilícito disciplinar…» (cfr.doc. nº. 3 da P. I.).

6. Em resultado da instauração dos supra id. processos o Recorrente ficou na situação de demorado na promoção ao posto de Sargento-Ajudante, para vagas de 2013, de acordo com a alínea b), do nº 1, do artigo 138º, do Estatuto dos Militares da GNR (EMGNR), aprovado pelo Decreto-Lei (DL) nº. 297/2009, de 14 de Outubro, conforme consta na lista de intenção dos Primeiros-Sargentos a promover ao posto de Sargento-Ajudante (cfr. doc. nº. 4 da P. I.).

7. Todos os Primeiros-Sargentos, constantes da lista a que se refere o doc. nº. 4 da P. I., à excepção do Recorrente, por se encontrar na situação de demorado, foram promovidos ao posto de Sargento-Ajudante, tendo tido direito ao novo vencimento correspondente a esse posto, desde 23 de Janeiro de 2014, sendo para o efeito colocados na posição remuneratória nº 22, correspondente ao 1º nível remuneratório de Sargento-Ajudante, de acordo com o nº 1, do artigo 17º, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/2009, de 14 de Outubro e Anexo I ao citado diploma (cfr. docs. nºs 5 e 6 da P. I.).

8. Todos aqueles Primeiros-Sargentos que se encontravam imediatamente a seguir ao Recorrente, por ordem decrescente, na lista a que se refere o doc. nº 4 da P. I., eram mais modernos que este, conforme resulta das disposições dos nºs 1 e 2, do artigo 33º, do EMGNR.

9. Pela análise do E-Mail n.º 698/14/RPROM, do CARI/GNR, de 31 de Dezembro de 2014, em 5 de Dezembro de 2015, verifica-se que foram promovidos Primeiros Sargentos ao posto de Sargento-Ajudante, para vagas de 2014, contando antiguidade no novo posto desde pelo menos a referida data, vencendo aqueles militares, desde aí pela posição remuneratória nº 22, a que se refere o Anexo I ao supracitado DL nº. 298/2009 (cfr. doc. nº 7 da P. I.).

10. Em Janeiro de 2016, conforme se retira pelo teor do e-mail n.º14/16/RPROM, do CARI/GNR, de 6 de Janeiro de 2016, repetiu-se a mesma situação, tendo os Primeiros- Sargentos, promovidos ao posto de Sargento-Ajudante para vagas de 2015, sido, em resultado dessa promoção colocados na posição remuneratória nº 22, a que corresponde o 1º nível remuneratório de Sargento-Ajudante (cfr. doc. nº 8 da P. I.).

11. Da prova carreada para os autos resulta que o Recorrente deixou de auferir o vencimento que lhe competia, correspondente ao 1º nível remuneratório de Sargento-Ajudante, desde o dia 23 de Janeiro de 2014, data em que devia ter sido promovido e não foi, em razão da situação de demora em que se encontrava, em face da pendência dos preditos processos, que, como se prova nos autos foram arquivados por não haver prova da prática de quaisquer ilícitos (cfr. docs. nºs 2 e 3 da P. I.).

12. É também facto assente que, em razão da situação de “demora”, camaradas do mesmo curso do Recorrente e mais modernos na escala de antiguidade de Sargento-Ajudante, promovidos em 2014, para vagas de 2013, e os Primeiros-Sargentos promovidos nos anos subsequentes de 2015 e 2016, ao posto imediato, auferiram todos um vencimento superior ao Recorrente, que se manteve na posição remuneratória nº. 19, correspondente ao 2º nível remuneratório do posto de Primeiro-Sargento, até ao dia 27 de Setembro de 2016, data da publicação do despacho posto em crise, não obstante lhe ter sido atribuída a antiguidade de 1 de Outubro de 2013.

13. O Comandante do CARI/GNR, autor do acto impugnado sustentou a sua decisão, no nº 1, do artigo 18º, da Lei nº 7/A/2016, de 30 de Março (Lei do Orçamento de Estado).

14. Tal preceito legal explicita que:

“Artigo 18.º

Prorrogação de efeitos

1 - Durante o ano de 2016, como medida de equilíbrio orçamental, são prorrogados os efeitos dos artigos 38.º a 46.º e 73.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, cujas medidas são progressivamente eliminadas a partir de 2017”.

Dispondo por seu turno os nºs. 6, 7 e 8, do artigo 38º, da Lei 82/B/2014, que importam para o caso concreto, que:

“6 - As alterações do posicionamento remuneratório, progressões e promoções que venham a ocorrer após a vigência do presente artigo não podem produzir efeitos em data anterior.

7 - O disposto nos números anteriores não prejudica as mudanças de categoria ou de posto necessárias para o exercício de cargo ou das funções que integram o conteúdo funcional da categoria ou do posto para os quais se opera a mudança, bem como de graduações para desempenho de cargos internacionais, desde que se verifiquem os seguintes requisitos cumulativos:

a) Que se trate de cargo ou funções previstos em disposição legal ou estatutária;

b) Que haja disposição legal ou estatutária que preveja que a mudança de categoria ou de posto ou a graduação decorrem diretamente e ou constituem condição para a designação para o cargo ou para exercício das funções;

c) Que estejam reunidos os demais requisitos ou condições gerais e especiais, legal ou estatutariamente exigidos para a nomeação em causa e ou para a consequente mudança de categoria ou de posto, bem como graduação;

d) Que a designação para o cargo ou exercício de funções seja imprescindível, designadamente por não existir outra forma de assegurar o exercício das funções que lhe estão cometidas e não ser legal e objetivamente possível a continuidade do exercício pelo anterior titular.

8 - O disposto no número anterior abrange, durante o ano de 2015, situações de mudança de categoria ou de posto necessárias para o exercício de cargo ou funções, designadamente de militares das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana (GNR), de pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP), de pessoal da carreira de investigação e fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), da Polícia Judiciária (PJ), do SIRP, da Polícia Marítima e de outro pessoal militarizado e de pessoal do corpo da Guarda Prisional, justificada que esteja a sua necessidade e observadas as seguintes condições:

a) Os efeitos remuneratórios da mudança de categoria ou de posto apenas se verificam no dia seguinte ao da publicação do diploma respetivo no Diário da República, exceto quando os serviços estejam legalmente dispensados dessa publicação, valendo, para esse efeito, a data do despacho de nomeação no novo posto ou categoria;

b) Das mudanças de categoria ou posto não pode resultar aumento da despesa com pessoal nas entidades em que aquelas tenham lugar.

9 - As mudanças de categoria ou posto e as graduações realizadas ao abrigo do disposto nos n.os 7 e 8 dependem de despacho prévio favorável dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pela área em que se integra o órgão, serviço ou entidade em causa, tendo em conta a verificação dos requisitos e condições estabelecidos naquelas disposições, com exceção dos órgãos e serviços das administrações regionais e autárquicas, em que a emissão daquele despacho compete aos correspondentes órgãos de governo próprio”.

15. O órgão tutelado pela R., ao considerar no despacho impugnado que a alínea a), do nº 8, do artigo 38º da supracitada Lei 82/B/2014, por este preceito dispor que “Os efeitos remuneratórios da mudança de categoria ou de posto apenas se verificam no dia seguinte ao da publicação do diploma respetivo no Diário da República, exceto quando os serviços estejam legalmente dispensados dessa publicação, valendo, para esse efeito, a data do despacho de nomeação no novo posto ou categoria;”, se aplica à situação do ora Recorrente, quando este esteve demorado e depois foi absolvido, constitui um clamoroso erro de direito.

16. O despacho impugnado, ao não atribuir ao Recorrente o direito ao novo vencimento correspondente ao 1º nível remuneratório de Sargento-Ajudante, desde o dia 23 de Janeiro de 2014, à semelhança do que se verificou com os seus camaradas promovidos ao referido posto, para vagas de 2013 (cfr. doc. nº 6 da P. I.) e, tendo ainda por referência o facto de terem sido promovidos ao posto de Sargento-Ajudante, nos anos de 2015 e 2016, para vagas, respectivamente de 2014 e 2015, Primeiros-Sargentos mais modernos do que o Recorrente, tal traduz-se numa clara inversão hierárquico retributiva, o que viola claramente o artigo 59º, nº 1, al. a), da Constituição da República Portuguesa (CRP).

17. O Tribunal Constitucional em caso análogo, através do seu Douto Acórdão nº 215/13, de 11/04/13, proferido no âmbito do Proc.º nº 791/12, da 3ª Secção, veio a julgar inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da CRP, «a norma resultante da conjugação do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 67.º do Decreto – Lei n.º 557/99 de 17 de dezembro, quando interpretados no sentido de que deles resulta que trabalhadores com maior antiguidade em determinada categoria do G.A.T. passem a auferir remuneração inferior à de trabalhadores da mesma categoria e com inferior antiguidade na mesma categoria e carreira» (realce nosso).

18. A R. ao desconsiderar o pagamento de retroactivos do novo vencimento ao Recorrente desde 23 de Janeiro de 2014, pelo facto de este ter assumido a qualidade de arguido em processo disciplinar e criminal, quando a final veio a ser absolvido dos ilícitos que lhe eram imputados, para além de afrontar o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da CRP, viola ainda, claramente, os princípios, do Estado de Direito Democrático, da Proibição do Excesso, da Igualdade e da Presunção da Inocência, previstos, nos artigos, 2º, 13º, 18º nºs. 1 e 2, 32º, nº 2 e 266º, nºs. 1 e 2, todos da CRP.

19. O despacho impugnado, é ofensivo do conteúdo essencial de direitos fundamentais do Recorrente, em razão do princípio da igualdade ínsito no artigo 13º, da CRP, que mais não é do que um Direito Liberdade e Garantia, e uma decorrência da realização plena do Estado de Direito Democrático previsto no seu artigo 2º, por esse conteúdo ter sido violado de forma irrazoável, por via de uma distinção de tratamento, tendo por referência a universalidade dos Primeiros-Sargentos a promover ao posto de Sargento-Ajudante e constantes na lista de promoção, onde o Recorrente se incluía, que não tinha justificação e fundamento material bastante, bem como atento o facto de, a violação do artigo 59º, nº 1, alínea a), se traduzir na postergação de um direito de natureza análoga a um direito fundamental, seguindo por isso o regime do artigo 17º, da citada Lei Fundamental, sendo por essa razão o acto impugnado nulo e não anulável conforme a sentença, acompanhando a R. pretende fazer crer.

20. Assim, contrariamente ao defendido na sentença recorrida o conteúdo essencial do direito fundamental do Recorrente foi amplamente atingido, conforme aliás explicita o ponto 6.2, do supracitado Acd STA, de 06/06/2012, onde se escora a douta sentença, o qual refere, quanto à violação do princípio da Igualdade, o seguinte: «…E neste aspecto a jurisprudência e a doutrina têm afirmado que só ofende esse conteúdo essencial o acto que atinja o cerne do direito vertido nas categorias do nº2, do art. 13º da CRP, em que se colocam descriminações ilegítimas baseadas no sexo, língua, religião, convicções políticas, religiosas, etc, ou em outras categorias subjectivas traduzidas por “direitos

especiais de igualdade”».

21. Explicitando ainda o sumário do Acd. STA, de 20-05-1993, Pº. nº 031520 o seguinte:

“I - A ilegalidade do acto administrativo é em regra geradora de anulabilidade.

II - São porém nulos os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental-art133-1-d) do Código de Procedimento Administrativo.

III - Os actos que ofendam garantias dos cidadãos resultantes dos princípios constitucionais da igualdade (art. 13 da Constituição), proporcionalidade, justiça e imparcialidade art. 266-2 do mesmo diploma gerarão também nulidade desde que a ofensa seja grave ou grosseira” (realce e sublinhado nosso).

22. No caso sub judice dúvidas não restam de que estamos em presença de uma ofensa grave e grosseira ao conteúdo essencial um direito fundamental do Recorrente, por referência à universalidade dos Primeiros-Sargentos que foram promovidos ao posto de Sargento-Ajudante em 23 de Janeiro de 2014, onde se incluía o Recorrente, atentando o despacho impugnado contra a dignidade daquele, violando de forma injustificável o princípio da igualdade, bem como o princípio da proibição do excesso, considerando a desnecessidade, desadequação e desproporcionalidade que tal acto encerra e ainda por sonegar ilegalmente o direito ao salário que lhe competia e, finalmente por tal decisão constituir uma verdadeira pena aplicada a alguém que foi absolvido, razão pela qual se entende que tal acto constitui uma ofensa grave e grosseira ao conteúdo essencial de um direito fundamental do Recorrente, sendo assim tal acto administrativo nulo, de acordo com o disposto no artigo 161º, nºs 1 e 2 alínea d), do citado CPA, não sujeito a prazo de impugnação judicial e não podendo, na senda deste raciocínio, o mérito da Acção deixar de ser apreciado.

23. Ademais, o despacho impugnado ao interpretar de forma errada as normas previstas, no nº 1, do artigo 18º, da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março e nos artigos 38.º a 46.º e, 73.º, todos da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, aplicável ex vi artigo 18º, nº 1, da Lei 7/A/2016 de 30 de Março, para sonegar ao Recorrente o direito aos retroactivos referentes ao posto de Sargento-Ajudante desde 23 de Janeiro de 2014, que mais não são do que créditos laborais cuja direito só prescreve ao fim de 5 anos, de acordo com a alínea g), do artigo 310º, do Código Civil, a que este tem constitucionalmente e legalmente direito, infringe, para além das normas e princípios supra invocados, o disposto nos artigos, 3º, nº 1, 4º, 6º, 7º, nºs. 1 e 2, 8º, 9º e 10º, todos do Código do Procedimento Administrativo (CPA), o que se traduz em vício de violação de lei, cuja consequência, conforme já se afirmou à saciedade é a sua nulidade, de acordo com o disposto no artigo 161º, nºs 1 e 2 alínea d), do citado CPA.

24. À luz da Constituição e da Lei, não pode nenhum Administrado ser prejudicado no desenvolvimento da sua carreira profissional ou no recebimento dos vencimentos correspondentes, em razão de ter sido arguido em qualquer processo e depois este ter sido arquivado por não se provar a sua culpabilidade.

25. Isso a verificar-se seria no “Estado da Administração”, mas nunca no Estado de Direito Democrático.

26. A Administração quando processa vencimentos ou quantias a mais aos funcionários públicos, pode, de acordo com o nº 1, do artigo 40º, do Regime Financeiro dos Serviços e Organismos da Administração Pública, aprovado pelo DL nº 155/92, de 28 de Julho, dentro dos 5 (cinco) anos subsequentes a esse processamento pedir a devolução dessas quantias.

27. Não se pode admitir que, no caso sub judice ou noutros análogos, o trabalhador veja o direito a vencimentos ou aos seus diferenciais precludido volvidos 3 (três) meses em razão de tal acto ser anulável e por não ter intentado a correspondente Acção nesse período.

28. A promoção do Recorrente ao posto de Sargento-Ajudante estava prevista na dotação orçamental da GNR, para o ano de 2014, só não se tendo verificado em razão daquele ter ficado na situação de demorado, pelo facto de ter sido arguido num processo-crime e num processo-disciplinar dos quais veio a ser absolvido.

29. Os autos devem baixar ao TAF de Beja para apreciação do mérito da Acção, pois entende-se que o Despacho impugnado é nulo em razão de estar inquinado pelos vícios supra elencados, atentos os erros sobre os pressupostos de facto e de direito que encerra, decorrente da errónea interpretação dos artigos 38.º a 46.º e, 73.º, todos da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, aplicável ex vi artigo 18º, nº 1, da Lei 7/A/2016 de 30 de Março, o que é ofensivo do conteúdo essencial de um direito fundamental do Recorrente, por violação dos artigos, 2º, 13º, 18º nºs. 1 e 2, 59º, nº 1, alínea a), nº 2, 266º, nº 2, todos da CRP e artigos, 3º nº 1, 4º, 6º, 7º nºs. 1 e 2, 8º, 9º e 10º, estes do CPA, o que se traduz na sua nulidade nos termos do artigo 161º, nºs. 1 e 2 alínea d), do citado CPA.

30. E assim sendo, o despacho impugnado deve ser declarado nulo na parte que sonega os retroactivos ao A. desde 23 de Janeiro de 2014 até ao dia 27 de Setembro de 2016, e a douta sentença revogada, por considerar verificada a excepção da caducidade do direito de Acção, por laborar em erro sobre pressupostos de direito, o que a inquina de nulidade, de acordo com o artigo 615º, alínea b), do CPC, aplicável ex vi, artigo 1º, do CPTA.

31. Consequentemente, deve o processo baixar ao TAF de Beja tendo em vista a apreciação do mérito da Acção, como é da mais elementar Justiça e de Direito.

O Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, não se pronunciou.



Com dispensa de vistos do colectivo, importa apreciar e decidir.



I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter considerado a acção intempestiva, por a invalidade nesta discutida não se reconduzir à alegada nulidade do acto impugnado.



II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto pertinente é a constante do despacho-saneador recorrido, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.



II.2. De direito

O presente recurso vem interposto do despacho saneador do TAF de Beja que julgou procedente a excepção dilatória de intempestividade da prática do acto processual, prevista no art. 89.º, n.º 4, al. k), do CPTA, absolvendo da instância o Ministério da Administração Interna.

Sustenta o Recorrente para fundamentar a existência da nulidade do acto impugnado e assim beneficiar do disposto no art. 58.º, n.º 1, do CPTA, ao que aqui releva e em síntese, que: “O despacho impugnado, é ofensivo do conteúdo essencial de direitos fundamentais do Recorrente, em razão do princípio da igualdade ínsito no artigo 13º, da CRP, que mais não é do que um Direito Liberdade e Garantia, e uma decorrência da realização plena do Estado de Direito Democrático previsto no seu artigo 2º, por esse conteúdo ter sido violado de forma irrazoável, por via de uma distinção de tratamento, tendo por referência a universalidade dos Primeiros-Sargentos a promover ao posto de Sargento-Ajudante e constantes na lista de promoção, onde o Recorrente se incluía, que não tinha justificação e fundamento material bastante, bem como atento o facto de, a violação do artigo 59º, nº 1, alínea a), se traduzir na postergação de um direito de natureza análoga a um direito fundamental, seguindo por isso o regime do artigo 17º, da citada Lei Fundamental, sendo por essa razão o acto impugnado nulo e não anulável conforme a sentença, acompanhando a R. pretende fazer crer.

No TAF de Beja concluiu-se que a proceder qualquer um dos vícios do acto administrativo alegados, sempre a consequência jurídica seria a da anulabilidade do acto, nos termos gerais do art. 163.º, n.º 1, do CPA. Sendo que, nos termos do art. 58.º, n.º 2, al. b) do CPTA, era de três meses o prazo para impugnação do acto, por o mesmo se fundamentar na sua anulabilidade.

A decisão recorrida é de manter, pode já adiantar-se.

Nos termos do previsto no art. 161.º do CPA (como ocorria no art. 133.º do CPA revogado):

1 - São nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.

2 - São, designadamente, nulos:

a) Os atos viciados de usurpação de poder;

b) Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre;

c) Os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime;

d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;

e) Os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado;

f) Os atos praticados sob coação física ou sob coação moral;

g) Os atos que careçam em absoluto de forma legal;

h) As deliberações de órgãos colegiais tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quorum ou da maioria legalmente exigidos;

i) Os atos que ofendam os casos julgados;

j) Os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes;

k) Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei;

l) Os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido.

E de acordo como disposto no art. 163.º, n.º 1, do mesmo Código, [s]ão anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção.

Ora, as ilegalidades imputadas na p.i. ao acto em crise não são geradoras do desvalor da nulidade, porquanto não se reconduzem nem ao disposto no n.º 1 do artigo 161.º do CPA nem são suscetíveis de se integrarem no elenco previsto no n.º 2 desse mesmo artigo, pelo que, os vícios imputados ao acto impugnado são somente geradoras de anulabilidade.

Por outro lado, a violação do “conteúdo essencial de um direito fundamental”, que constitui o essencial da tese do Recorrente, só gera a nulidade do acto administrativo e, consequentemente, a possibilidade da sua impugnação a todo o tempo, quando, em consequência do acto administrativo em causa, seja afectado o mínimo sem o qual esse direito não pode subsistir enquanto tal (cfr., o ac. do TCAN de 8.01.2016, proc. n.º 1665/10; idem o ac. deste TCAS de 28.06.2018, proc. n.º 11/13.6BEBJA); o que não é o caso, desde logo, pois o procedimento administrativo de referência teve suporte factual e jurídico à data da sua prática (a situação de demora decorria do facto de o Autor ter então a qualidade de arguido no processo disciplinar n.º 615/12 CTBJA e no processo-crime com o NUIPC 198/11.2TACUB).

Como explicitado pelo tribunal a quo: “[e]mbora invoque a jurisprudência do Tribunal Constitucional que proíbe quaisquer inversões das posições remuneratórias dos trabalhadores por mera decorrência de reestruturação de carreiras, aquilo que vem alegado, em termos de facto, é que tendo o Autor permanecido na situação de demora na promoção em virtude de ter sido alvo de denúncia que deu origem a um processo crime e a outro disciplinar que entretanto vieram a ser arquivados, a limitação do direito ao vencimento do novo posto apenas a partir do dia seguinte ao da publicação do acto impugnado, e não a partir da data em que os seus camaradas foram promovidos a esse novo posto, viola o conteúdo essencial do seu direito constitucional à retribuição, uma vez que durante uma parte do período de tempo em que esteve demorado na promoção, acabou por ter camaradas seus com menor antiguidade a auferir uma retribuição superior.

Não se discute que os vícios alegados sejam susceptíveis de determinarem, em abstracto ressalve-se, a violação do direito fundamental invocado - direito à retribuição em condições de igualdade com os seus camaradas com a mesma antiguidade -, porém, a ilegalidade pretensamente cometida não se reconduz à nulidade do acto, mas sim ao regime regra da anulabilidade. Uma inconstitucionalidade de um acto administrativo não o torna necessariamente nulo (v. art. 161.º CPA), como se afirmou no ac. deste TCAS de 23.02.2012, proc. n.º 6621/00.

O conteúdo de um acto administrativo pode ser desconforme com uma norma constitucional ou, nas situações em que ele seja praticado no exercício de um poder que envolva alguma margem de discricionariedade administrativa, com um princípio constitucional. Tratando-se de um acto praticado no âmbito de um poder vinculado, o parâmetro da sua validade é a lei em que ele se fundamenta. De qualquer modo, a violação de qualquer preceito constitucional consubstancia um vício de violação de lei, de lei constitucional, que, por regra, é geradora de anulabilidade.

Como ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Vol. I, p. 247): “a nulidade constitui o regime de excepção, ao passo que a anulabilidade é o regime regra. É o que se depreende do disposto no artigo 135.º do CPA, segundo o qual são anuláveis os “actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção”.

Lida a p.i., que o saneador faz eco, verifica-se que o Autor insurge-se, tão-só, quanto à data da produção dos efeitos remuneratórios da sua promoção ao posto de sargento-ajudante, que o acto impugnado fixou no dia seguinte ao da sua publicação no Diário da República, ou seja, em 28.09.2016, e que aquele pretende que sejam reportados a 23.01.2014 (o dia seguinte ao da publicação no Diário da República dos actos de promoção de outros militares incluídos no mesmo processo promocional). E por aqui se vê, entendemos nós, que o conteúdo essencial não se mostra ofendido, pois que não é atingido o seu núcleo, de tal modo que, a consequência do acto inválido fosse o desaparecimento do mínimo sem o qual esse direito deixasse de subsistir na esfera do particular (no caso, foi declarada a cessação da situação de demora na promoção do ora Recorrente e a sua efectiva promoção ao posto imediato, com remuneração respectiva).

Relativamente à violação do princípio da igualdade alegada pelo Recorrente, repare-se que este princípio proíbe qualquer discriminação constitucionalmente ilegítima, bem como qualquer privilégio ou preferência arbitrária. Ora, como se disse já, a actuação da Administração foi enquadrada, tendo o interessado ficado demorado no processo promocional relativo à promoção ao posto de Sargento-Ajudante relativo ao ano de 2013, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 138.º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 297/2009, de 14 de Outubro.

É este o sentido que se retira do afirmado no saneador recorrido: “[m]esmo que em sede de apreciação de mérito da acção se venha a concluir que o atraso na promoção do Autor, e a circunstância de os efeitos remuneratórios dessa promoção se aplicarem apenas para o futuro, violaram algum direito subjectivo do Autor, designadamente o seu direito constitucional à retribuição, ou que ofenderam qualquer princípio constitucional, nomeadamente o da igualdade no direito à retribuição, não se poderá concluir que essa violação colocou em crise ou eliminou da esfera jurídica do Autor o direito à retribuição, nem se poderá concluir que qualquer situação de desigualdade temporária entre o valor da sua retribuição e o da retribuição de camaradas com menor tempo de serviço, constituiu uma violação arbitrária, e inadmissível à luz do Estado de Direito Democrático, do princípio da igualdade.

Quanto ao mais, apresenta-se como consequente da impugnação do acto.

Pelo que, tal como vem decidido, nos termos do art. 58.º, n.º 2, al. b) do CPTA, era de três meses o prazo para impugnação do acto objecto dos autos. Levando em consideração o provado, temos que o Autor foi notificado do acto impugnado em 15.09.2016 (cfr. b) da matéria de facto provada) e quando a acção foi proposta, em 20.03.2017 (cfr. c) da matéria de facto provada), já o prazo de três meses havia decorrido.

Assim, nesta sequência, tem que julgar-se o recurso improcedente.



III. Conclusões

i) Em regra, os vícios dos actos administrativos implicam a sua mera anulabilidade, só ocorrendo nulidade quando falte qualquer elemento essencial do acto, quando a lei expressamente o determine, ou quando se verifiquem as circunstâncias referidas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, designadamente quando ocorra ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, este constituído pelas situações típicas primárias de exercício do direito.

ii) A diferenciação de vencimentos, retroactivamente considerada e num determinado hiato temporal, operada em função de uma estatuição legal, ainda que fundada numa interpretação ilegal do quadro normativo, não afecta o conteúdo essencial do direito à igualdade na retribuição.

iii) Nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º 2, al. b) do CPTA, é de três meses o prazo para impugnação do acto administrativo impugnado.

iv) A intempestividade da prática do acto processual constitui excepção dilatória (art. 89.º, n.º 4, al. k), do CPTA) e obsta ao conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (n.º 2).




IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 18 de Março de 2021

Pedro Marchão Marques (relator).

O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento: Alda Nunes e Lina Costa.