Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 20023/16.7 BCLSB |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 01/27/2022 |
Relator: | CRISTINA FLORA |
Descritores: | OPOSIÇÃO, PRESCRIÇÃO DE JUROS |
Sumário: | I. De acordo com o disposto na alínea d) do art. 310.º do CC, os juros convencionais ou legais prescrevem no prazo de 5 anos, contados; II. O prazo de prescrição interrompe-se se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente (art. 323.º, n.º 2, do CC); III. A interrupção do prazo de prescrição inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo (art. 326.º, n.º 1, do CC), sendo que se a interrupção resultar da citação, notificação ou ato equiparado, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (327.º, n.º 1, do CC). |
Votação: | Unanimidade |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. RELATÓRIO
Por sentença do Tribunal Administrativo de Sintra a Oposição Judicial foi julgada procedente.
Inconformados com o assim decidido vieram, quer o MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, quer a Exequente, C. G. D., S.A., dela interpor recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo.
O MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, termina a sua alegação com as seguintes conclusões: «I - Recorre o Ministério Público da aliás douta sentença proferida de fls. 129 a 143 dos autos e mediante a qual foi julgada procedente a oposição apresentada por J. C. S. R. relativamente à execução fiscal a correr termos pelo Serviço de Finanças da Amadora-3, para cobrança coerciva de dividas à C. G. D., emergentes de um contrato de mutuo, inicialmente no valor total de 8.023.737$00, incluindo capital, juros de mora e despesas. II - Para tanto, na sentença em recurso, foram elencadas para apreciação e julgamento quatro questões, e saber: III - Ora sucede que tendo sido, e de resto muito acertadamente, julgadas improcedentes as questões referenciadas sob as alíneas b) e c), do número anterior, que integravam os fundamentos da oposição á execução fiscal invocados pela Oponente nos articulados da acção, não poderia era a Mma. Juiz a quo julgar procedente a oposição pois dessa forma o assim decidido está em contradição com os fundamentos da mesma. IV - Quando muito, e face á procedência do fundamento atinente á prescrição, na parte referente ao juros de mora vencidos até 11.04.1995, deveria era no segmento decisório julgar-se a oposição apenas parcialmente procedente e tão só quanto a esse item. V - Ao decidir daquela forma, tal integra o vicio de nulidade da sentença por oposição ou contradição entre os fundamentos e a decisão, atento o disposto no artigo 125°, do CPPT, e no artigo 668°, n°1, alínea c), do CPC, vício esse que, a ser julgado procedente e nos termos do disposto no artigo 731°, n°1, do CPC, poderá ser suprido na instância de recurso e bem assim como o outro fundamento do recurso na parte atinente á condenação em custas. VI - Assim, e a nosso ver, sendo julgado procedente tal vício da sentença deverá, em consequência, e pelo tribunal recorrido, ser declarado o sentido em que a decisão deverá ser alterada de forma a sanar a apontada contradição. VII - Por último, a sentença enferma ainda em erro de julgamento na questão da tributação em sede de custas. Com efeito, e neste particular, é certo que a Fazenda Pública está isenta de custas, ao abrigo da disposição do artigo 3°, n°1, alínea a), do Regulamento das Custas dos processos Tributários, aprovado pelo DL 29/98, de 11 de Fevereiro (aplicável ex vi do artigo 14°, n°1, do DL 324/2003, de 27 de Dezembro), mas sucede é que a mesma não assumiu o estatuto de parte processual, qualidade que pertence á C. G. D., a entidade credora da divida exequenda e que não beneficia de igual isenção, pela deveria em matéria de custas ser de repartir as mesmas por ambas as partes em função e na proporção do respectivo decaimento. VIII - Do que fica exposto resulta pois que a decisão tomada na sentença recorrida, de não condenar em custas por estar a Fazenda Pública isenta enferma de erro de julgamento, por afrontar as disposições do artigo 446°, n°1 e 2, e do próprio artigo 3°, nº1, alínea a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários. IX - Assim sendo, deverá pois ser revogada a sentença em recurso, e, em consequência, serem supridos os vícios que lhe vêm assacados, quer o de nulidade por contradição entre a decisão e os fundamentos, quer ainda o erro de julgamento quanto a custas, mediante a prolação de acórdão pelo tribunal ad quem nos termos legais supra referidos, e de acordo com o invocado artigo 731°, n°1, do CPC. Porém, V.Exas., Senhores Juízes Conselheiros, apreciarão e decidirão como for de Direito!»
Por sua vez, a Exequente, C. G. D., S.A., alegou e concluiu da forma seguinte:
«1.ª - A citação "é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender" ou "ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa" (art°228°, n°1 do CPC) - sendo que a citação só tem lugar uma vez relativamente a cada pessoa e cada processo pelo que, após ser realizada, o demandado é apenas notificado. 2.ª - A realidade factual e jurídica reconhecida pelo Tribunal a quo reproduzida na alínea B) da matéria provada (sic "em 25/03/1997, mediante citação com hora certa, a ora Oponente foi citada de que contra ela, corre o processo de execução") é ontologicamente incompatível com a conclusão factual e jurídica que também enunciou e se reproduz na alínea G) da matéria provada (sic "em 11/04/2000, a Oponente foi citada"), dado que a Execução e a Executada a que se reportam ambas as "citações" é um e o mesmo - o que não é modificado pela expedição de carta precatória para penhora de quotas em sociedade - dado que a "primeira" (e única efectiva) citação não enferma de qualquer vício que determine a sua nulidade. 3.ª - Não tendo a (única e efectiva) citação ocorrido nos cinco dias após ter sido requerida - através do requerimento executivo, entrado a 01.02.1993 - e não tendo sido alegado e provado que tal tenha sucedido por causa imputável à Exequente, o (único e efectivo) prazo prescricional foi interrompido, nos termos do disposto no art°323°, n°2 do CC, no quinto dia posterior àquele em que a execução foi instaurada no Serviço de Finanças de Amadora-3, ou seja, aos 06.02.1993. 4.ª - A interrupção inutiliza, para contagem do prazo de prescrição, todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, salvo quando resultar de citação, notificação ou acto equiparado, caso em que o novo prazo não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (art°326°, n°1 e art°327°, n°1 Código Civil). 5.ª - Através da venda do imóvel penhorado, a CGD recebeu a quantia de €30.629,34, a título de produto da venda, tendo resultado pagos os juros vencidos entre 08.02.1984 e 07.05.1990. 6.ª - Ao julgar prescritos os juros vencidos para além dos cinco anos contados da designada "citação" para uma carta precatória, ocorrida em 11.04.2000, ou seja, aqueles vencidos entre 08.05.1990 a 10.04.1995 - o douto aresto recorrido determinou, em violação da Lei, a perda do direito da Exequente a quatro anos e onze meses de juros, pois, nos termos supra expostos, a prescrição encontrava-se interrompida desde aos 06.02.1993, quinto dia após a única e efectiva "citação" da Executada que teve lugar nos autos. Nestes termos, Admitido o recurso jurisdicional e notificadas as partes, somente a Oponente/Executada, enquanto Recorrida, contra-alegou, pugnando pelo improvimento do recurso e pela manutenção do julgado sem, no entanto, formular conclusões.
Por decisão do Juiz Conselheiro Relator, de 25-10-2016, o Supremo Tribunal Administrativo julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, declarando competente para esse efeito este Tribunal Central Administrativo, ao qual o processo foi remetido, a pedido da recorrente CGD.
Neste Tribunal Central, a Exma. Procuradora - Geral Adjunta não se pronunciou sobre o méritos dos recursos, atento o facto de o Ministério Público ser um dos recorrentes. Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.
As questões a decidir são as seguintes:
_ recurso do Magistrado do Ministério Público:
_ recurso da C. G. D. - «A) Em Março de 1993, foi instaurado na Repartição de Finanças de Amadora 3, o processo de execução fiscal n°3611/93/101543.5, em nome de J. H. A. M. S. e Outra, para cobrança de dívidas à C. G. D., no montante de 8.023.737$00, assim apurado: B) Em 25/03/1997, mediante citação com hora certa, a ora Oponente foi citada de que contra ela, corre o processo de execução, referido em A - cfr. fls. 28 a 34; C) No âmbito do processo de execução, referido em A, em 06/05/1997, foi vendido por meio de propostas em carta fechada, pelo montante de 7.012.000$00, o prédio penhorado: Fracção «V» do prédio sito na R. J. G. F., Lote .. – R., A. - cfr. fls. 89 do processo de execução fiscal apenso; D) Em 26/10/1999, a C. G. D. requer ao Exmo. Chefe da 3ª Repartição de Finanças da Amadora, o prosseguimento da execução n°3611/93/101543.5 "...para pagamento integral da quantia exequenda ainda em dívida e constante da nota de débito actualizada que se junta, nomeando desde já à penhora o seguinte: E) Em 22/10/1999, a C. G. D. emitiu nota de débito, referida em D, da qual destaco o seguinte teor: F) Em 10/11/1999, o Exmo. Chefe da 3ª Repartição de Finanças da Amadora emite carta precatória para execução fiscal administrativa dirigida ao Exmo. Chefe da Repartição de Finanças de Vila do Conde para proceder a todas as diligências, desde a penhora da quota da Executada J. C. S. R. no sentido da dívida à C. G. D., no montante de 8.656.056$00, seja paga - cfr. fls. 45 e 46; G) Em 11/04/2000, a Oponente foi citada de que contra ela "corre pela Repartição de Finanças de Vila do Conde o Processo Executivo n°99/700/08.8 (Carta Precatória) por dívida de 8. 656.056$00 da C. G. D. - Juros-Dívida Diversos; Que foi efectuada a penhora do bem que consta do Auto de Penhora de hoje, cuja cópia lhe entreguei; H) Em 11/04/2000, foi emitido Auto de Penhora, do qual destaco o seguinte teor: "...fizemos penhora e efectiva apreensão nos bens abaixo designados, para pagamento da quantia de oito milhões seiscentos e cinquenta e seis mil e cinquenta e seis escudos proveniente da execução que a Fazenda Nacional move J. C. S. R., morador em Z. I. V., Rua .., Lote .., Á., por dívida de C. G. D. - Juros de Mora - Outras dívidas diversas. I) Em 11/05/2000, foram apresentados os presentes autos de oposição - cfr. carimbo, a fls. 2.». **** Antes de mais, cumpre apreciar o requerimento da Oponente a fls. 214 e ss dos autos, de 20/09/2012, que vem invocar a nulidade processual por apenas ter tomado conhecimento nesse momento de que o Magistrado do Ministério Público interpôs o seu recurso, e não ter sido notificada das respetivas alegações. Vejamos. Analisados os autos verifica-se que o Magistrado do Ministério Público veio a 13/12/2011 interpor recurso da sentença proferida nos presentes autos, por requerimento de fls. 149. Na sequência desse requerimento a Meritíssima Juíza do TAF de Sintra proferiu o despacho de fls. 159, pelo qual admitiu o recurso interposto quer pelo Magistrado do Ministério Público, quer pela Exequente C. G. D., e ordenou a notificação prevista no art. 282.º, n.º 2 do CPPT. Ora, ao contrário do alegado pela Oponente, esta encontra-se regularmente notificada desse despacho, uma vez que consta de fls. 161 dos autos que o seu mandatário foi notificado pelo ofício datado de 14/03/2012, sob registo n.º RM852385073PT para a morada que consta da procuração de fls. 15, também dos autos. Ou seja, o despacho que admitiu o recurso do Magistrado do Ministério Público foi devidamente notificado à Recorrida Oponente nos termos do n.º 2, do art. 282.º do CPPT, na redação vigente à data (anterior à redação da Lei n.º 118/2019, de 17/09). Assim sendo, nos termos do n.º 3, daquele preceito legal, o prazo para a Recorrida contra-alegar começa a correr a partir do termo do prazo para alegações do Recorrente, ou seja, 15 dias a contar da notificação prevista no n.º 2 daquele preceito legal, não se estabelecendo qualquer obrigação do Recorrente ou do tribunal notificar o recorrido para contra-alegar, porque o dies a quo para as contra-alegações decorre diretamente da lei. Como se sumariou no acórdão do STA de 16/01/2008, proc. n.º 0788/07 “I-O Ministério Público, não sendo mandatário judicial de nenhuma das partes, não está obrigado, enquanto recorrente, a notificar ao recorrido as suas alegações de recurso, nos termos do disposto no artigo 229º-A do Código de Processo Civil. II - A tal notificação também o tribunal fiscal não está obrigado a proceder, em recurso de sentença por si proferida, por não ser aplicável o disposto no artigo 743º nº 2 do Código de Processo Civil, mas o artigo 283º nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que não impõe tal notificação, nem a erige como dies a quo do prazo para as contra-alegações.” – em sentido idêntico, v. ainda acórdão do Pleno do STA de 20/09/2017, proc. n.º 0557/14, e jurisprudência ali citada. Pelo exposto, e sem mais considerações por manifestamente desnecessárias, não se verifica a invocada nulidade processual invocada pela Recorrida. Prosseguindo. O Magistrado do Ministério no seu recurso jurisdicional vem invocar, desde logo, a nulidade da sentença por contradição entre a decisão e os fundamentos (art. 125.º do CPPT), uma vez que a sentença ao ter entendido que não era possível conhecer o pedido da extinção da execução fiscal com fundamento na nulidade da citação, bem como a ilegalidade concreta da dívida exequenda, mais entendendo que não poderia escolher qual o pedido a prosseguir, não poderia ter julgado procedente a Oposição, mas antes deveria ter julgado parcialmente improcedente. A Meritíssima Juíza do TAF de Sintra manteve a sua decisão por despacho de fls. 196 dos autos. Apreciando. Analisando a p.i. verifica-se que o pedido formulado pela Oponente foi o seguinte: “Termos em que deve a presente oposição ser julgada procedente e, consequentemente, ser declarada extinta, por prescrição, parte da dívida exequenda, rectificando-se, de igual modo, a contagem e imputação dos juros, tudo em conformidade com os termos expostos”. Ou seja, o efeito jurídico pretendido pela Oponente é a extinção do processo de execução fiscal de “parte da dívida exequenda”, o que consubstancia um pedido próprio ao processo de execução fiscal, e assim sendo, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, não se verifica qualquer erro na forma do processo, mas tão-somente causas de pedir que não constituem fundamento de oposição, o que contende com a procedibilidade da ação. Na verdade, relativamente ao fundamento de nulidade insanável por falta de citação, a Oponente não formula qualquer pedido correspondente a esta causa de pedir. A sentença confunde causa de pedir com pedido, e por isso vem afirmar que “Na petição dos presentes autos de oposição é alegada a falta de citação da Executada (ora Oponente) e a prescrição de parte da dívida exequenda. A tais pedidos corresponde formas processuais distintas. (…) Nestas situações não pode o juiz substituir-se ao interessado e proceder à eleição de um desses direitos ou pedidos (…)”, mas não existe qualquer outro pedido formulado nos autos. Por outro lado, no ponto 3 da decisão recorrida intitulada “ilegalidade de parte do montante da quantia exequenda” a sentença recorrida entendeu que estávamos perante uma questão de ilegalidade em concreto da dívida que não poderia ser apreciada em sede de Oposição, por não constituir fundamento da mesma. Ora, a propriedade ou impropriedade do meio processual afere-se pelo pedido final formulado na p.i., ou seja, pela pretensão que o A. pretende fazer valer com a acção. O pedido formulado deve ser adequado à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual, sob pena de ocorrer erro na forma de processo (cfr. neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STA de 28/3/2012, proc n.º 1145/11, e de 29/2/2012, proc. n.º 1161/2011, de 28/05/2014, proc. 01086/13, de 18/06/2014, proc. n.º 01549/13, de 05/11/2014, proc. n.º 01015/14).
Se as concretas causas de pedir invocadas não são adequadas à forma de processo escolhida pelo A., então estamos perante questões relacionadas com a viabilidade do pedido, e não da propriedade do meio processual, pelo que não haveria erro na forma do processo, mas improcedência da acção (Nesse sentido, Ac. 18/06/2014, proc. n.º 01549/13, Ac. do STA de 17/04/2013, proc. n.º 0484/13, e Ac. do STA de 20/02/2013, proc. n.º 0114/13, de 18/06/2014, proc. n.º 01549/13). **** Custas na 1.ª instância e nesta instância de recurso pela C. G. D. e pela Oponente na proporção do decaimento, que se fixa em 50% para cada uma das partes, sendo que o Magistrado do Ministério Público se encontra isento de custas.D.n. Lisboa, 27 de janeiro de 2022. Cristina Flora (Relatora) Patrícia Manuel Pires (1.ª adjunta)
Vital Lopes (2.º adjunto)
|