Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:940/15.2BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:03/28/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:NULIDADE PROCESSUAL SECUNDÁRIA;
DECISÃO SURPRESA;
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO.
Sumário:I. A nulidade processual secundária incorporada em decisão que ponha termo ao processo pode ser invocada em sede de alegações de recurso dessa mesma decisão.
II. A falta de notificação da A. para se pronunciar sobre matéria de exceção oficiosamente conhecida pelo Tribunal a quo consubstancia nulidade processual, refletindo uma violação do princípio do contraditório, que pretende, desde logo, evitar a existência de decisões-surpresa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

C.... (doravante Recorrente) veio apresentar recurso da decisão proferida a 04.05.2016, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, na qual foi julgada procedente a exceção de caso julgado, absolvendo-se o Ministério das Finanças (doravante Recorrido ou entidade demandada) da instância.

Nas alegações apresentadas, a Recorrente concluiu nos seguintes termos:

“1. A douta sentença parte de uma imputação falsa de que na PI o mandatário da A. impugna a decisão do RH e não a decisão do SF, valendo-se de um lapso de numeração de artigos que é evidente, o que se verbera.

2. Sem antes cumprir o princípio do artigo 3º nº 3 do CPC, quanto a este aspecto em concreto se é que tinha dúvidas da clareza da PI, muito embora o assumido erro de numeração. Nulidade que se invoca.

3. Lapso de numeração que acima se corrigiu nos termos legais admissíveis para os erros evidentes nas peças processuais dos mandatários. Que aconteceu no processo, que está na mesma senhora juíza (Processo 939/15.9BELLE) porque se usam as mesmas fórmulas de processo …

4. Não se verificam os pressupostos de caso julgado uma vez que o acto recorrido é completamente diferente como resulta da própria primeira Sentença da Senhora Juíza. Aqui impugna-se a decisão do SF, na primeira acção impugnou-se a decisão do RH.

5. Reconhecendo-se que existiu um lapso que os meios informáticos justificam na repetição da numeração de artigos, diz-se sequencialmente nos artigos 13º a 19º da PI (sublinho nosso): 13. Foi interposta quanto a esta matéria a AAE nº 482/13.0BELLE que correu no TAF de Loulé, tendo sido produzida sentença-saneador de 27.11.2013 que culminou com a absolvição da instância da AT, podendo a A. no prazo de 30 dias após trânsito interpor nova AAE, o que desta feita se leva a efeito com esta PI – Documento nº 1. 14. Foi interposto recurso que culminou com a decisão do TCASul que se junta em anexo, transitada em 2.11.2015 – Documento nº 2. 15. Pelo que a sentença do TAF de Loulé transitou também na data supra e nos seus precisos termos é atribuído à A. a faculdade de entregar nova PI impugnando o acto que se considera originário. 16. Em 07-11-2012 a recorrente enviou para o Serviço de Finanças de Tavira nos termos e para os efeitos da alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99 de 14/09 e do artigo 40º nº 1 alínea e) e nº 2 alínea b) e nº 4 do EBF, um pedido de isenção de IMI quanto ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1788º, conforme Documento nº 3 que se dá por reproduzido. 17. Recebeu do SF notificação datada de 04.12.2012, em sede de audição prévia, com um projeto de indeferimento terminando desta forma: “Alínea e) do nº 1 do artigo 44ºº do EBF consagra que a isenção refere-se a prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos eus fins e não a supostas mais-valias a realizar com a alienação do prédio ou eventual arrendamento” ao que a Autora respondeu por carta de 11.12.2012 - Documento nº 4 que se dá por reproduzido. 18. Por ofícios de 17-12-2012 a Administração Fiscal (AF) notificou a recorrente do indeferimento definitivo, conforme Documento nº 5 que se dá por reproduzido. 19. Por requerimento enviado em 26.12.2012 a recorrente interpôs recurso hierárquico destes despachos, na sequência do único meio de defesa indicado, alegando um conjunto de situações e pugnando pelo deferimento do pedido – conforme Documento nº 6 que se junta e se dá por reproduzido. 16. Por ofícios de 28-03-2013, o SF notificou a recorrente da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico com fundamentação diferente da aduzida pelo SF acima indicado - Documento nº 8 que se junta em anexo e se dá por reproduzido. 17. Decisão esta com a qual a autora não se conforma por conter em si mesma contradições e resultar de uma interpretação contrária à lei e à que é usualmente seguida pela Administração Fiscal, pelo que ocorre uma errada aplicação da alínea f) do nº 1 do artigo 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. 18. Muito embora a A. considere que a decisão do Serviço de Finanças não foi meramente confirmada pela decisão do recurso hierárquico, porque os fundamentos desta serão diferentes o certo é que terá que respeitar a douta decisão transitada em julgado. 19. Pelo que, em obediência ao decidido, o acto impugnado é o que consta no artigo 17º supra que aqui se dá por reproduzido. A parte sublinhada e a azul é a parte dos articulados com números repetidos.

6. E concluiu-se: ”Termos em que, na procedência do alegado e provado, deve revogar-se/anular-se a decisão adoptada pela DGI acima indicada, substituindo-a por outra que confira a isenção de IMI quanto ao imóvel em causa, cujo efeito útil é manter o que sempre foi o entendimento e procedimento uniforme e não permitir à Administração Fiscal usar uma situação isolada para generalizar para outras situações idênticas das PCUP e das entidades do Sector Social, e por essa via retirar benefícios fiscais às entidades do Sector Social da economia, em geral, cuja amplitude está há muitos anos fixada na lei”. Esta conclusão/pedido é absolutamente neutra para o caso em discussão.

7. Assim, diz-se na PI: 18. (agora 22) Muito embora a A. considere que a decisão do Serviço de Finanças não foi meramente confirmada pela decisão do recurso hierárquico, porque os fundamentos desta serão diferentes o certo é que terá que respeitar a douta decisão transitada em julgado. (aqui se indica que é o acto primário – o do SF – a impugnar).

8. 19. (agora 23) Pelo que, em obediência ao decidido, o acto impugnado é o que consta no artigo 17º supra que aqui se dá por reproduzido. (no segundo nº 17 não há nenhum acto reproduzido!)

9. Em primeiro lugar, no artigo 18 (agora 22) refere “decisão do SF” que é a que consta em: 17. Recebeu do SF notificação datada de 04.12.2012, em sede de audição prévia, com um projeto de indeferimento terminando desta forma: “Alínea e) do nº 1 do artigo 44ºº do EBF consagra que a isenção refere-se a prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos eus fins e não a supostas mais-valias a realizar com a alienação do prédio ou eventual arrendamento” ao que a Autora respondeu por carta de 11.12.2012 - Documento nº 4 que se dá por reproduzido.

10. E só pode entender-se que é este nº 17 e não o subsequente, porque no subsequente não consta nenhum acto.

11. Em segundo lugar diz-se porquê: porque a A. tem que respeitar a decisão transitada (a do Senhor Juíz em 1ª Instância). E ao dizer-se isto, está-se a dizer que nunca a A. poderia erigir a decisão quanto ao RH como agora recorrível, mas sim o acto primário, a decisão do SF, como a senhora juíza julgou na primeira decisão.

12. Em face do exposto, verifica-se que a decisão recorrida parte de uma falsidade, imputando ao advogado da A. factos que não são verdade, ou seja, que veio agora impugnar outra vez a decisão do RH e não a decisão do SF.

13. Provado fica que a decisão transitada não tem a mesma causa de pedir que a actual, pelo que não se verifica a excepção de caso julgado.

14. Se há caso julgado que não é respeitado é a primeira sentença do Senhor Juiz que manda cumprir o artigo 37º-4 do CPPT, o que agora aqui não se pretende dar seguimento, valendo-se de lapso evidente.

15. Foram violadas, entre outras, as seguintes disposições legais: artigo 3º nº 3 do CPC, artigo 580º do CPC e artigo 37º-4 do CPC”.

O recurso foi admitido.

O Recorrido apresentou contra-alegações, onde concluiu nos seguintes termos:

“a) Não existe erro de julgamento na decisão ora recorrida.

b) Com efeito, a questão estritamente factual que se coloca cinge-se fundamentalmente à questão de saber se com a presente acção a autora atacou o acto primário/ originário do Chefe do SF de Tavira que indeferira a isenção que requerera, ou atacou a decisão do recurso hierárquico facultativo – decisão de segundo grau.

c) Atendo à presente pi.- introdução, causa de pedir e pedido-, verifica-se que a causa de pedir e o pedido se reportam à decisão do recurso hierárquico e não ao acto originário do chefe do SF de Tavira.

d) A sentença refere claramente que que compulsados os autos verifica-se que a A. veio novamente pedir a anulação do mesmo acto de indeferimento do recurso hierárquico- afirmação que tem por base probatória os artigos 17. e 19.º e pedido final da pi.

e) E acrescenta-se: “Para além disso, consta dos autos que, quer no processo n.º 482/13.0BELLE, quer no presente, foi feito o pedido de anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico

f) Assim, há identidade total entre os sujeitos, a causa de pedir e o pedido, nos termos dos artigos 580.º e 581.º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT entre a presente acção e a acção à qual coube o n.º482/13.0BELLE, já transitada em jugado.

g) Em termos legais e de prova, está, pois, correcto o julgamento de absolvição da entidade demandada da instância, por verificada a excepção dilatória de caso julgado, motivo pela qual deve ser mantida a sentença ora recorrida”.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público foi notificado nos termos do art.º 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 279.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), tendo emitido parecer no sentido do não provimento do recurso.

Com dispensa de vistos, atenta a simplicidade da questão a apreciar (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 140.º, n.º 3, do CPTA, ex vi art.º 279.º, n.º 1, do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se nulidade processual, em virtude de a Recorrente nunca ter sido ouvida sobre a exceção de caso julgado?

b) Não se verifica a exceção de caso julgado?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido não estruturou, de forma separada, a factualidade que considerou provada, não obstante a factualidade considerada se extrair do teor da decisão.

Considerando, no entanto, vantajosa a estruturação separada da matéria de facto relevante, nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, considera-se provada a seguinte matéria de facto:

1) A Recorrente apresentou, junto do TAF de Loulé, petição inicial de ação administrativa especial, na qual foi indicado como ato impugnado o despacho da Subdiretora-geral da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis, de 08 de março de 2013, que lhe indeferiu o Recurso Hierárquico que interpôs contra a decisão que indeferira o reconhecimento da isenção de IMI relativamente ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1788, da freguesia de C…. de…, concelho de….., que deu origem aos autos n.º 482/13.0BELLE (cfr. fls. 50 a 60, dos autos – numeração na plataforma SITAF, a que correspondem futuras referências sem menção de origem).

2) No âmbito dos autos mencionados em 1), foi proferida decisão final, a 27.11.2013, no TAF de Loulé, no sentido de rejeição dos autos, em virtude de o mesmo terem por objeto ato confirmativo, inimpugnável, da qual constava igualmente a indicação de que “[r]estando à Autora, se tal pretender, impugnar o acto primário no prazo de 30 contados do trânsito da presente decisão, se a tal nada obstar” (cfr. fls. 50 a 60).

3) Na sequência do mencionado em 2), a ora Recorrente apresentou recurso da mesma, o qual foi objeto de decisão no TCAS no sentido de não conhecimento do respetivo objeto (cfr. fls. 61 a 75).

4) A Recorrente apresentou, a 30.11.2015, junto do TAF de Loulé, petição inicial de ação administrativa especial, que deu origem aos presentes autos, da qual consta designadamente o seguinte:

A FORMAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA CUJA ANULAÇÃO SE PRETENDE

16. Em 07-11-2012 a recorrente enviou para o Serviço de Finanças de Tavira nos termos e para os efeitos da alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99 de 14/09 e do artigo 40º nº 1 alínea e) e nº 2 alínea b) e nº 4 do EBF, um pedido de isenção de IMI quanto ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1788º, conforme Documento nº 3 que se dá por reproduzido.

17. Recebeu do SF notificação datada de 04.12.2012, em sede de audição prévia, com um projeto de indeferimento terminando desta forma: “Alínea e) do nº 1 do artigo 44ºº do EBF consagra que a isenção refere-se a prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos eus fins e não a supostas mais-valias a realizar com a alienação do prédio ou eventual arrendamento” ao que a Autora respondeu por carta de 11.12.2012 - Documento nº 4 que se dá por reproduzido.

18. Por ofícios de 17-12-2012 a Administração Fiscal (AF) notificou a recorrente do indeferimento definitivo, conforme Documento nº 5 que se dá por reproduzido.

19. Por requerimento enviado em 26.12.2012 a recorrente interpôs recurso hierárquico destes despachos, na sequência do único meio de defesa indicado, alegando um conjunto de situações e pugnando pelo deferimento do pedido – conforme Documento nº 6 que se junta e se dá por reproduzido.

A DECISÃO FORMAL DE QUE SE RECORRE E CUJA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA EM SENTIDO CONTRÁRIO SE PRETENDE 5

16. Por ofícios de 28-03-2013, o SF notificou a recorrente da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico com fundamentação diferente da aduzida pelo SF acima indicado - Documento nº 8 que se junta em anexo e se dá por reproduzido.

17. Decisão esta com a qual a autora não se conforma por conter em si mesma contradições e resultar de uma interpretação contrária è lei e à que é usualmente seguida pela Administração Fiscal, pelo que ocorre uma errada aplicação da alínea f) do nº 1 do artigo 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

18. Muito embora a A. considere que a decisão do Serviço de Finanças não foi meramente confirmada pela decisão do recurso hierárquico, porque os fundamentos desta serão diferentes o certo é que terá que respeitar a douta decisão transitada em julgado.

19. Pelo que, em obediência ao decidido, o acto impugnado é o que consta no artigo 17º supra que aqui se dá por reproduzido.

(…)

Termos em que, na procedência do alegado e provado, deve revogar-se/anular-se a decisão adoptada pela DGI acima indicada, substituindo-a por outra que confira a isenção de IMI quanto ao imóvel em causa, cujo efeito útil é manter o que sempre foi o entendimento e procedimento uniforme e não permitir à Administração Fiscal usar uma situação isolada para generalizar para outras situações idênticas das PCUP e das entidades do Sector Social, e por essa via retirar benefícios fiscais às entidades do Sector Social da economia, em geral, cuja amplitude está há muitos anos fixada na lei.” (cfr. fls. 1 a 80).

5) A Recorrida apresentou contestação nos autos referidos em 4), na qual se defendeu, designadamente, por exceção, invocando a inimpugnabilidade do ato e a intempestividade (cfr. fls. 84 a 105).

6) Foi proferido despacho, a 01.04.2016, nos autos referidos em 4), com o seguinte teor:

“Notifique a A. para, querendo, responder às excepções invocadas na contestação – art. 87º nº 1, al. a) do CPTA (anterior) aplicável ex vi do art. 2º al. al c) do CPPT. // Prazo: 10 dias” (cfr. fls. 153 e 154).

7) Foi proferida, a 04.05.2006, decisão nos autos referidos em 4), na qual se julgou verificada a exceção dilatório de caso julgado e se absolveu a entidade demandada da instância (cfr. fls. 159 a 163).

II.B. Dos factos não provados:

Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.

II.C. Motivação da decisão quanto à matéria de facto:

A convicção do Tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da verificação de nulidade processual, por preterição do direito ao contraditório

Alega, desde logo, a Recorrente ocorrer nulidade, por violação do princípio do contraditório, contido no art.º 3.º, n.º 3, do CPC.

O Recorrido, não obstante ter contra-alegado, nada referiu quanto a esta parte.

Vejamos então.

O art.º 3.º, n.º 3, do CPC, consagra um dos princípios basilares do nosso direito processual, o do contraditório.

Prevê-se nesta disposição legal que “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Visa, desde logo, esta norma evitar a ocorrência de decisões surpresa, com as quais as partes não podiam legitimamente contar, mesmo quando se está perante questões de conhecimento oficioso.

Por outro lado, há que atentar no regime específico constante do CPTA (na redação anterior à que lhe foi dada pelo DL n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, em vigor desde dezembro de 2015, uma vez que a petição inicial deu entrada a 30.11.2015 (1) – cfr. o seu art.º 15.º, n.º 1).

Assim, nos termos do art.º 87.º, n.º 1, al. a), do CPTA, “[f]indos os articulados, o processo é concluso ao juiz ou relator, que profere despacho saneador quando deva: // a) [c]onhecer obrigatoriamente, ouvido o autor no prazo de 10 dias, de todas as questões que obstem ao conhecimento do objeto do processo”.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, resulta que o Tribunal recorrido considerou verificar-se a exceção de caso julgado, absolvendo a entidade demandada da instância nessa sequência.

A exceção de caso julgado é uma exceção dilatória (cfr. art.º 89.º, n.º 1, al. i), do CPTA, e art.ºs 577.º, al. i), 580.º e 581.º, todos do CPC), logo de conhecimento oficioso (cfr. art.º 578.º do CPC).

Considerando o regime previsto no art.º 87.º, n.º 1, al. a), do CPTA, deve ser o autor notificado para se pronunciar sobre todas as questões que obstem ao conhecimento do mérito, sejam elas suscitadas pela entidade demandada ou contrainteressados, sejam elas suscitadas oficiosamente pelo Tribunal.

In casu, sendo certo que a ora Recorrente foi notificada nos termos da mencionada al. a) do n.º 1 do art.º 87.º do CPTA, foi-o exclusivamente para efeitos de pronúncia das exceções suscitadas pela entidade demandada, ora Recorrida, sendo que entre essas exceções não consta a de caso julgado.

Assim, entendendo o Tribunal a quo que se verificava tal exceção, de conhecimento oficioso, deveria, desde logo, ter sido dada oportunidade à Recorrente para sobre ela se pronunciar, o que não ocorreu.

Ainda que se entendesse admissível ser aplicável a exceção prevista na norma constante do n.º 3 do art.º 3.º do CPC, no sentido de ser dispensado o contraditório em caso de “manifesta desnecessidade”, não só nada foi dito a esse respeito na decisão recorrida, mas também é exceção que concretamente não se verifica. Com efeito, a decisão recorrida partiu do teor de um dos art.ºs 17.º da petição inicial, quando na verdade se verifica existir uma dupla numeração na petição [que implica a duplicação dos art.ºs 16.º a 19.º - cfr. facto 4)].

Ademais não houve lugar a despacho pré-saneador que, nos termos do art.º 87.º do CPTA, permitisse dar a oportunidade à ora Recorrente de aperfeiçoar o seu articulado.

Assim, a situação dos autos configura omissão de um ato que a lei prescreve, sendo, nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do CPC, uma nulidade processual secundária, que, atento o disposto no art.º 196.º do mesmo código, tem de ser arguida, como foi o caso.

Sendo certo que, em regra, as nulidades processuais secundárias devem ser arguidas nos termos previstos no art.º 199.º do CPC, considerando ainda o prazo geral de dez dias previsto no art.º 149.º do mesmo código, in casu, uma vez que a nulidade se corporiza na decisão que pôs termo à causa, a impugnação de uma e outra é incindível, pelo que é admissível a sua arguição nas alegações de recurso (2).

Face ao exposto, assiste razão à Recorrente, implicando a anulação de todos os termos processuais ulteriores ao ato processual omitido, onde se inclui a decisão recorrida, anulação essa que implica não haver pertinência na análise das conclusões da Recorrente atinentes à verificação ou não da exceção em causa, na medida em que o objeto que decidiu no sentido da verificação dessa mesma exceção deixa de existir.

Uma vez que o Recorrido contra-alegou, é o mesmo responsável pelas custas na presente instância (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso e, em consequência, julgando verificada a nulidade invocada, anular todo o processado ulterior à decisão recorrida, inclusive, para prosseguimento dos autos expurgados da nulidade apreciada;

b) Custas pela Recorrida;

c) Registe e notifique.

Lisboa, 28 de março de 2019




(Tânia Meireles da Cunha)

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

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(1) Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 09.06.2017 (Processo: 00936/16.7BEPRT).

(2) V. o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 15.09.2011 (Processo: 0505/10). V. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.11.2015 9(Processo: 0839/15), de 12.02.2015 (Processo: 0373/14), de 29.01.2015 (Processo: 01311/13), de 29.01.2014 (Processo: 0663/13), do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28-09-2017 (Processos: 00203/14.0BEMDL e 00193/14.0BEMDL), de 12.07.2013 (Processo: 00127/07.8BEBRG) e de 30.11.2016 (Processo: 00109/14.3BEMDL) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12-05-2016 (Processo: 09475/16).