Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04951/09
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/03/2012
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:EMBARGO DE OBRA LICENCIADA – ARTº 103º Nº 2 RJUE
Sumário:1. O embargo configura uma medida de tutela cautelar da legalidade urbanística, traduzida na suspensão imediata dos trabalhos em curso – artº 103º nº 1 RJUE.

2. Na hipótese de obra licenciada, o embargo assume a natureza de acto administrativo de 2º grau, na medida em que os seus efeitos se repercutem sobre o anterior acto de licenciamento, se bem que a título provisório.

3. Prevenindo a contradição entre actos, o artº 103º nº 2 e 4 RJUE determina que o embargo de obra licenciada tem como consequência automática a suspensão de eficácia da respectiva licença, bem como do prazo constante do alvará para a execução das obras.

4. Decorrido o prazo de embargo de obra licenciada e não estando executados os trabalhos ordenados no caso concreto, por efeito ex lege do 105º nº 2 RJUE a obra permanece embargada “até ser proferida uma decisão que defina a sua situação jurídica com carácter definitivo” em sede de procedimento de legalização.


A Relatora,
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: O Município de ..., por requerimento de fls. 268/269 vem requerer a aclaração do acórdão proferido em 19.JAN.2012, constante de fls. 252/261 dos autos, na medida em que na alínea b) do segmento decisório identifica como “acto confirmativo da suspensão da licença urbanística” o “despacho de 12.07.2007”, o que constitui uma contradição atendendo a que o despacho objecto dos presentes autos data de 21.03.2007.
Por simples correlação de leitura do segmento da fundamentação de facto com o texto relativo à fundamentação de direito do acórdão de 19.JAN.2012 se verifica a inconsistência de datação por reporte ao despacho objecto do litígio, da responsabilidade exclusiva da Relatora, que se lamenta pelos transtornos consequentes provocados junto das Partes, assistindo, pois, toda a razão ao ora Reclamante, cumprindo decidir em conformidade.

*
O caso concreto configura uma situação de erro de escrita revelado pelo próprio contexto do acórdão (cfr. artº 249º C. Civil), nomeadamente do probatório e documentos nele especificados que lhe servem de meio de prova, de modo que, no caso, se trata do “lapso manifesto” com o alcance atribuído no artº 667º nº 1 CPC.
Efectivamente, a Recorrente A...Lda. deduziu acção administrativa especial contra o Município de ..., peticionando a anulação do “despacho proferido em 21 de Março de 2007 do Vice-Presidente da Câmara Municipal que suspendeu a eficácia da licença de obras de ampliação e alteração concedida por despacho de 5 de Abril de 2004 do Presidente da Câmara Municipal e titulada pelo alvará nº 688 de 2 de Junho de 2005”, artigo 1º do articulado inicial, matéria aceite nos artigos 6º e 48º da contestação junta pelo ora Recorrido Município de ... e levada ao probatório da sentença proferida em 1ª Instância, reproduzida no acórdão rectificando, nas alíneas H e I.
O acórdão rectificando evidencia ao longo de toda a fundamentação de direito e na alínea b) do segmento decisório a errada datação do despacho impugnado, proferido em 21.Março.2007, e referido, em sede de acórdão rectificando, duas vezes a fls. 257 pela data errada de “21.05.2007”, a fls. 258, erradamente três vezes pelas datas de “21.05.2007” e “21.07.2007”, a fls. 260 erradamente seis vezes pela data de “12.07.2007” e pela data errada de “12.07.2007” na alínea b) do segmento decisório.
Consequentemente, deferindo a requerida aclaração procede-se à rectificação por transcrição integral do acórdão proferido, na parte das menções erradas identificadas supra introduzindo-se no segmento de fundamentação de facto e da alínea b) da decisão a datação correcta de 21 de Março de 2007 relativamente ao despacho impugnado, na versão escrita de 21.03.2007.
No tocante aos direitos processuais das partes, nomeadamente para efeitos de eventual recurso, considerando-se os mesmos renovados a partir da notificação do presente acórdão rectificativo, aplicando-se analogicamente o regime do artº 691º nº 2 g) CPC.

***

Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar procedente o requerida aclaração, seguindo o acórdão proferido devidamente rectificado no tocante ao despacho impugnado de 21.03.2007, acórdão transcrito na íntegra, aplicando-se analogicamente o regime do artº 691º nº 2 g) CPC.

Sem tributação.
Lisboa, 03.MAI.2012


(Cristina dos Santos)

(António Vasconcelos)

(Paulo Carvalho)


REC. Nº 4951/09

A...Lda., inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. A Autora invoca como fundamento essencial a ilegalidade do acto impugnado por erro sobre os respectivos pressuposto de facto e pelos efeitos similares aos da revogação do acto de licenciamento que produz, violando o princípio da irrevogabílidade dos actos constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos consignado no art.º140.° do CPA aplicável às licenças e autorizações para a realização de operações urbanísticas por remissão expressa do art.° 73º nº1 do RJUE.
2. A Mma. Juiz a quo não apreciou a matéria da ilegalidade do acto impugnado em razão dos respectivos efeitos revogatórios, considerando que esta questão não se coloca no caso vertente,
abstendo-se assim liminarmente de se pronunciar sobre tal matéria com fundamento na apreciação dos factos dados por provados apesar de constituírem matéria de facto controvertida.
3. A douta sentença recorrida não se pronunciou porém sobre esta matéria, considerando que essa questão só se colocaria perante obra a efectuar de acordo com o acto de licenciamento, o que não seria o caso, conclusão que assenta na matéria factual que a Mma. Juiz a quo deu como provada, sem qualquer fundamentação, a qual constitui matéria de facto controvertida e está na base da invocada ilegalidade do acto impugnado por erro sobre os respectivos pressupostos de facto.
4. A douta sentença recorrida omitiu assim a pronúncia sobre questões que deveria apreciar - dada a sua relevância para a qualificação do acto impugnado - termos em que a sentença em crise é
nula (cfr. art° 668º/l/b/d do CPC aplicável ex vi do artº 1.° do CPTA), nulidade que se vem arguir para os devidos efeitos legais. Acresce que,
5. Dada a relevância da matéria de facto controvertida, em razão do invocado erro sobre os pressupostos de facto e, por seu turno, da relevância da apreciação desta questão relativamente apreciação da questão da invocada ilegalidade do acto impugnado por via dos efeitos
revogatórios que opera no acto de licenciamento, mais a mais considerando a posição tomada quanto a esta matéria pela Mma. Juiz a quo, impunha-se a realização de diligências probatórias destinadas a apurar a verdade, conforme disposto no art.° 90º/1do CPTA, preceito que assim se mostra violado pela sentença em crise. Sem prescindir,
6. A douta sentença recorrida julgou extinta a instância pó inutilidade superveniente da lide com fundamento a pressuposta caducidade por efeito automático da lei do acto impugnado. Porém mesmo que a suspensão de eficácia do licenciamento operada pelo acto impugnado fosse, que não é, subsumível ao conceito de medida provisória, a verdade é que tal acto não caducou
por efeito automático da lei, in casu do disposto no art.° 85.°/d) do CPA com o consequente desaparecimento da ordem jurídica do acto objecto do pedido de anulação e, por conseguinte, não se verifica a alegada impossibilidade superveniente da lide
7. O acto impugnado limitar a operar a suspensão da eficácia, a termo incerto, do acto de licenciamento que constitui a decisão final do respectivo procedimento administrativo, constituindo assim um acto isolado, que foi praticado fora do âmbito de qualquer procedimento administrativo destinado à revogação desse acto de licenciamento, devendo sublinhar-se que semelhante procedimento não só não estava em curso, como nunca foi sequer instaurado, ou seja, que não existe nem nunca existiu.
8. Por isso que, o acto impugnado, constituindo, como constitui, um acto isolado que não tem como finalidade assegurar a eficácia de uma futura decisão final a produzir num procedimento em curso (v.g, sobre a manutenção ou revogação do acto de licenciamento), não é um acto provisório, não sendo por isso subsumível ao conceito de medida provisória.
9. Com efeito, o acto impugnado é tão só e apenas um acto isolado que paralisa a eficácia do acto de licenciamento até ã verificação de um facto positivo futuro: - reposição da legalidade urbanística,
expressão que, conforme decorre da fundamentação do acto em crise/ significa o licenciamento de um novo projecto, ou seja, a pratica de um novo acto de licenciamento.
10. O acto impugnado configura assim uma medida preventiva de um futuro procedimento tendo por objecto o licenciamento da operação urbanística em causa, novo procedimento que o Município sustenta ser necessário em razão da suposta impossibilidade de execução do projecto licenciado derivada da derrocada de uma parede do edifício "Vila ..." cuja manutenção e recuperação se previa naquele projecto.
11. A natureza de medida preventiva que o acto impugnado assume resulta com meridiana clareza do fim que visa alcançar, i.e. evitar a alteração da situação de facto existente, à data da sua prolação, no prédio objecto da operação urbanística licenciada pelo acto cuja eficácia suspendeu, por forma a não inviabilizar a apreciação de um novo projecto e da sua aprovação com eventuais alterações, designadamente ao nível dos índices e parâmetros edificativas, que venham a ser aprovados num novo acto de licenciamento.
12. Em suma, o acto impugnado não é subsumível ao conceito de medida provisória, constituindo outrossim uma medida preventiva de um procedimento de licenciamento futuro, encontrando-se em vigor uma vez que o respectivo prazo (a termo incerto) ainda não decorreu.
13. Assim, urna vez que o acto impugnado não constitui uma medida provisória, não lhe é aplicável o disposto no art.° 85.° do CPA, sendo certo que, ainda que se entendesse que este preceito fosse aplicável ao acto impugnado, nunca este poderia caducar por efeito do disposto no art.° 85.°/d do CPA pois, conforme já se referiu, tal acto não se inseriu num procedimento em curso, nem tão pouco tem como finalidade assegurar a eficácia de uma qualquer decisão administrativa ainda não produzida, circunstância que afasta liminarmente a aplicabilidade das regras de caducidade previstas nas als. a), c) e d) desse preceito.
14. A douta sentença recorrida fez assim errada qualificação do acto impugnado e igualmente errada interpretação e aplicação do art.° 85º/d do CPA,
15. A douta sentença recorrida faz ainda errada apreciação dos factos e interpretação da lei ao decidir que o acto impugnado foi proferido no uso dos poderes conferidos pelo art.° 150.°/2 do CPA
posto que, da conjugação do disposto no arts. 150.°/2 e 142.° do CPA, resulta claramente que o Vice-Presidente da Câmara não possui competência para praticar o acto em crise, razão pela qual a douta sentença recorrida fez também errada interpretação e aplicação dos citados preceitos legais.
16. Em suma, não se operou a caducidade do acto impugnado e, por conseguinte, a sentença recorrida, ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide nos termos do disposto no artº 287º/e) do CPC aplicável ex vi do artº 1º do CPTA, fez igualmente
errada interpretação e aplicação deste normativo.

*
O Município de ..., ora Recorrido, contra-alegou, concluindo como segue:

1. O n.° 2 do artigo 142.° do CPA prevê expressamente a possibilidade de revogação (e suspensão, pela remissão do n.° 2 do artigo 150.°) dos actos praticados pelo subdelegante. A subdelegação de poderes (ou de competências) é uma transferência do exercício desses mesmos poderes ou competências, os quais podem ser próprios ou delegados, que são atribuídos a um outro agente. A transferência do exercício da competência significa que um agente foi revestido do exercício normal da competência dispositiva que legalmente se encontrava atribuída a outro agente ou
órgão.
2. A revogação (e a suspensão) de actos administrativos é uma das faculdades que foi transferida para o Sr. Vice-Presidente da Entidade Demandada, mediante a subdelegação de poderes nas matérias respeitantes ao RJUE.
3. O subdelegante pode revogar actos praticados anteriormente à subdelegação de poderes. De outra forma, tal como sustentam Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, a subdelegação de poderes não teria qualquer utilidade. In casu tal inutilidade revelar-se-ia em virtude de o exercício normal das competências no âmbito do RJUE pertencer actualmente ao Sr. Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....
4. O Sr. Vice-Presidente tem por isso competência para suspender actos administrativos praticados pelo Sr. Presidente nas matérias cuja competência lhe foi delegada, não podendo proceder a conclusão 15.a das alegações do recorrente.
5. O acto impugnado determinou a suspensão da eficácia de uma licença urbanística que tinha por objecto a realização de obras de alteração e ampliação. O projecto de arquitectura aprovado pelo dito acto de licenciamento, quanto à edificação preexistente no terreno, apenas contemplava a sua recuperação e manutenção, não prevendo qualquer destruição das características arquitectónicas da mesma.
6. Na condição de que fosse mantida e recuperada a edificação preexistente o Município admitiu, nos termos previstos no Regulamento do Plano Director Municipal de ..., um acréscimo de 20% nos parâmetros urbanísticos aplicáveis. Contudo, em 12 de Setembro de 2005, a fachada lateral da «Villa ...» ruiu por falta de implementação das necessárias medidas de segurança por parte do Recorrente.
7. Não obstante tal ruína, e perante a mesma, não se conteve o Recorrente de executar «trabalhos de escavação e desmonte / demolição de elementos constituintes da edificação existente, bem como à demolição de um plano de parede exterior que formava o cunhal sul/ poente», conforme se alegou e demonstrou na contestação.
8. A ruína de uma parede da «Villa ...» consiste num facto superveniente causador duma impossibilidade absoluta do objecto da licença urbanística concedida. Ou seja, em virtude da ocorrência de um facto superveniente de causas imputáveis ao particular, a construção objecto da licença urbanística em questão jamais poderá vir a ser executada nos termos inicialmente previstos.
9. A legalização da situação urbanística verificada apenas poderá ter lugar, de um lado, através de uma alteração ao projecto licenciado que o conforme com a nova realidade existente no terreno, ou de outro lado, e caso não seja possível legalizar as obras já realizadas pelo Recorrente, mediante a demolição das obras ilegalmente erigidas. A demolição, contudo, nos termos do disposto no artigo 106.° n.° 2 do RJUE, apenas poderá ser promovida caso a Entidade Requerida conclua, no âmbito de um processo de legalização, que a obra não é susceptível de ser licenciada.
10. Face à impossibilidade objectiva de execução da licença e às obras clandestinas que o Recorrente foi sucessivamente desenvolvendo, a Câmara Municipal de ... notificou o Recorrente em duas ocasiões distintas no sentido de repor a legalidade urbanística e de assegurar a adopção urgente das medidas necessárias para garantir a segurança de pessoas e bens na frente de trabalhos confinante a Norte com a Rua ..., tendo assim a Câmara Municipal, oficiosamente, dado início a um procedimento de legalização urbanística das obras efectuadas pelo Recorrente.
11. Não tendo o Recorrente dado resposta cabal a nenhuma das referidas notificações, entendeu a Entidade Recorrida, no âmbito do mencionado procedimento de legalização, determinar a adopção de uma medida provisória de suspensão da eficácia da licença anteriormente concedida. O acto impugnado integra-se, pois, num procedimento administrativo oficiosamente despoletado, e consiste numa medida provisória tal e qual estas se encontram previstas no artigo 84º CPA, assim se revelando improcedentes as conclusões 7.a a 12.a das alegações sob resposta.
12. O acto impugnado destinava-se a durar até à reposição da legalidade urbanística, conforme no texto do mesmo se lê, mas sempre (necessariamente) no âmbito dos limites temporais legalmente prescritos para as medidas provisórias, i.e. por um período máximo de seis meses.
13. Não tendo sido proferida decisão final acerca da legalização das obras levadas a efeito pelo Recorrente em desconformidade pela licença concedida, no prazo de seis meses contados desde a suspensão da eficácia da mesma, tem inteira aplicação ao caso o disposto no artigo 85.° al. d) do CPA; termos em que o acto impugnado se extinguiu por caducidade decorridos seis meses desde a sua prolação - assim se demonstrando improcedentes também as conclusões 6.a, 13.a e 14.a das alegações do Recorrente.
14. A obrigação do tribunal de solucionar todas as questões apresentadas não é irrestrita, antes consubstancia algumas excepções - cfr. artigo 660.° n.° 2 do Código de Processo Civil. Como tal, o Tribunal a quo não cometeu a nulidade que o Recorrente lhe imputa, uma vez que a questão da alegada violação do disposto nos artigos 73.° do RJUE e 140.° do CPA ficou prejudicada pela impossibilidade superveniente da lide verificada em razão da carência do objecto da acção.
15. Ainda que assim se não entenda, o que apenas por dever de patrocínio se equaciona, sempre se deverá notar que a caducidade do acto impugnado (que como bem julgou o Tribunal recorrido se verificou no caso em apreço) consiste na prova definitiva da não violação dos citados preceitos, pois que nos encontrávamos perante um acto de natureza manifestamente provisória insusceptível de ser confundido com um acto administrativo revogatório.
16. Acresce, quanto à alegada violação do artigo 90.° do CPTA, que o único facto com relevo para a decisão recorrida foi admitido nos autos por acordo de ambas as partes, e consiste no seguinte: em 12 de Setembro de 2005 uma das paredes da denominada «Villa ...» ruiu (cfr. artigo 14.° da petição inicial, e artigo 13.° da contestação).
17. Bem andando o Tribunal a quo ao referir, na página 8 do despacho recorrido, que «a questão da eventual responsabilidade ou não da Autora na ruína parcial da Villa ... é irrelevante, na medida em que a licença de construção defenda por despacho indicado em d. do probatório já não corresponde à realidade, tendo de ser apresentado novo projecta». Assim se demonstrando a improcedência das conclusões l.a a 5.a, e 16.a das alegações do Recorrente.

*
Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

A. Em 20.11.2001 deu entrada no Departamento de Urbanismo da CM de ... o pedido de licença urbanística (n° 17981), para construção, reconstrução e demolição em nome de B...- Sociedade de Construções, do imóvel sito no Vale ..., tendo para tal junto vários elementos, como Memória Descritiva e Justificativa, plantas, cortes, alçados e pormenores - cfr. fls. 124 e segs. do processo administrativo apenso (caixa 33467);
B. A fls. 184 do aludido processo consta a Planta de Levantamento Topográfico que contêm a cores diferentes as construções a recuperar, a demolir e a construção proposta, sendo que o imóvel Villa ..., consta como "construção a recuperar";
C. Na (alteração) à Memória Descritiva e Justificativa apresentada em 3 de Maio de 2003 destaca-se o seguinte: "Refere-se a presente memória à substituição de peças escritas (memória descritiva complementar, propriedade horizontal, declaração de custos) e desenhadas do processo em epígrafe, de acordo com a reunião havida entre o Técnico autor do projecto e os Técnicos da Câmara. (...) A proposta obedece aos parâmetros urbanísticos do quarteirão, não tendo sido esgotado a área prevista por reabilitação de património arquitectónico existentes (20%). A recuperação das construções existentes obedecerá às técnicas construtivas adequadas, que serão apresentadas no respectivo projecto da especialidade, bem como ao levantamento fotográfico existente." Na Adenda à mesma, alude-se o seguinte: "a) Refere-se a presente memória ao estudo do projecto de arquitectura de um edifício de habitação colectiva, desenvolvido em condomínio, que se destina ao regime de propriedade horizontal, constituído por três blocos, cujo estudo se apresenta e desenvolve em quatro, dois e três pisos acima da cota de soleira respectivamente blocos A, B e C, num total de 7 fogos, e um piso abaixo da cota de soleira, uma cave e parte do r/chão do bloco A destinados a estacionamento automóvel, com lugares devidamente identificados (...). Nesta intervenção recupera-se um edifício existente (bloco B) adaptando-o à nova função de habitabilidade. b) A propriedade insere-se segundo o PDM, na categoria de espaço urbano de média densidade, com uma construção que não está inserida no catálogo ou inventário do Património Arquitectónico, constante no anexo do regulamento do PDM, contudo foi entendimento do arquitecto autor do projecto e pelos Serviços Técnicos da Câmara, que a intervenção a realizar, deveria contemplar a moradia existente, pelas características arquitectónicas que apresenta, valendo a pena integrá-la adaptando-a à função actual de habitar. Opção que se torna dispendiosa devido à necessidade de recorrer a algumas técnicas de recuperação de edificações antigas e conciliar com as novas construções com técnicas actuais de mais rápida execução. Na intervenção propõe-se a recuperação da edificação existente, destacando-a das novas edificações através da utilização de painéis de vidro de modo a valorizar a preexistência, contribuindo para a manutenção de memórias válidas do património edificado, valorizando e integrando os espaços verdes nas edificações que se pretende erguer, pelo valor de algumas espécies arbóreas existentes - palmeiras." (s/n) - cfr. fls. 129 a 134 do p.a. apenso (caixa 33467);
D. O pedido indicado em A) foi deferido por despacho de 18.06.2003 do Presidente da CM de ..., com fundamento na Informação dos Serviços de 2003.06.05, de que o projecto se encontrava em condições de ser deferido, devendo ainda ser apresentados outros elementos, como "dossier justificativo das soluções técnicas que serão adoptadas no âmbito da recuperação e manutenção da construção existente, cujo levantamento das fachadas (cotas à esc.l:150) deverão igualmente constar dos elementos a apresentar - cfr. fls. 124 e 105 do p.a. apenso (caixa 33467);
E. Em 09.01.2004 (carimbo de entrada n° 281) foi junta nova Memória Descritiva e Justificativa referente à descrição das soluções técnicas adaptadas no âmbito da recuperação e manutenção da construção existente. (...) A intervenção na recuperação e manutenção da construção existente no exterior tratam-se apenas de substituição das caixilharias existentes, arranjo de parte do reboco degradado, substituição das telhas partidas da cobertura iguais às existentes, recuperação de algumas peças em madeira degradadas, que servem de apoio às cima/hás. Não se trata de uma intervenção que necessite de recorrer a técnicas de construção menos comuns, daí não haver necessidade de indicação de técnicas especiais, utilizando métodos comuns de construção; No interior há uma intervenção mais profunda que se trata de substituir as lajes existentes em madeira por lajes de betão armado, encastradas nas paredes existentes com introdução de alguns pilares de betão armado, conforme indicado e pormenorizado no projecto de estabilidade. Não haverá qualquer destruição das características arquitectónicas da construção existente, apenas a adaptação á função de habitar actual, recorrendo às técnicas de construção actuais aplicáveis, nomeadamente introdução de elementos que tomem a nova construção com níveis de conforto e isolamento térmico e acústico com níveis de qualidade exigidos pela actual legislação aplicável. A obra será fiscalizada por técnicos com experiência em obras de recuperação de
património edificado, obrigando a respeitar o projecto aprovado, que prevê a manutenção das características actuais do edifício. " - cfr. fls. 110 do p.a. apenso (caixa 33467);
F. Em 2 de Janeiro de 2005, foi emitido pelo Director do Departamento do Urbanismo, com competência subdelegada, o Alvará de Obras de Alterações nº 688, em nome da ora Autora, que "titula a aprovação das obras que incidem sobre o prédio sito em Vale ... "Vila ..." tipo de obra: ampliação (...) Prazo para conclusão das obras - Início 02.06.2005/Fim 18.05.2008 - cfr. fls. 39 do p.a. apenso (caixa 33467), cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
G. A fls. 49 do processo administrativo apenso consta a Participação em 13.09.2005, feito pelo Eng. Técnico Civil do DIU - Divisão de Fiscalização de Edifícios de que nesse mesmo dia, verificou que "A..., Lda, na qualidade de Proprietário e titular do Processo de Construção n° 17981/2001, com a Licença de Construção n° 688/2005, quando procedia à execução dos trabalhos de escavação e desmonte/demolição de elementos constituintes da edificação existente, bem como à demolição de um pano de parede exterior que formava o cunhal sul/poente. A propriedade localiza-se no ..., Vale de ..., .... Os trabalhos executados violam os condicionamentos do licenciamento quanto à manutenção e recuperação do edifício existente, conforme previsto na memória descritiva anexa ao processo com o registo n° 281/04. Deve ser autorizada unicamente a execução de todos os trabalhos de escoramento para estabilização do edifício existente e taludes, deverão também ser garantidas todas as condições de segurança dos utilizadores, bem como protecção do perímetro da obra com tapumes e sinalização adequada." - cfr. fls. 49 e fotografias anexas (cópias) do p.a. apenso (caixa 33467);
H. Em 21.12.2006 o Director do DUR submeteu à consideração do Vice-Presidente o seguinte: "1 - Por despacho de 05/04/2004 do Sr. Presidente da Câmara foi deferida a licença para obras de alteração e ampliação para um edifício de habitação colectiva constituído por 3 blocos, em regime condominial, sito na Rua ..., Vale .... 2 - A intervenção urbanística acima identificada e licenciada no âmbito do processo nº 17981/2001 pressupunha a manutenção da construção existente, denominada “Vila ...”, cujas características arquitectónicas se impunha preservar, facto que igualmente motivou a concessão do incentivo previsto no n.° 2 do artº 94° do Regulamento do PDM, e que se traduziu num acréscimo de 20% ao índice de construção previsto para o local. Todavia, a referida construção veio a ruir parcialmente a 12/09/2005, conforme consta do relatório de intervenção do serviço municipal de protecção civil, uma vez que no decurso da obra não foram implementadas as necessárias medidas de segurança de forma a acautelar a manutenção da pré-existência. 4 - Tal facto consubstanciava a violação das condições de licenciamento, cujo cumprimento se afiguravam ora inexequíveis, motivo pelo qual por despacho do Sr. Vice-Presidente de 16/09/2005 foi ordenado o embargo das obras em curso por um período de 6 meses, posteriormente prorrogado por mais 6 meses por despacho de 23/03/2006 do Sr. Vereador Manuel Andrade. - Em simultâneo e em consequência da derrocada ocorrida foi o titular do alvará sucessivamente notificado para promover todas as medidas necessárias a garantir todas as condições de segurança, quer da obra (manutenção e estabilização de fachadas e taludes) quer de pessoas e bens que circulam no espaço confinante com a mesma. - As referidas notificações foram deficientemente cumpridas, constatando os serviços de fiscalização que se encontravam a ser executados trabalhos que extravasam os de carácter excepcional autorizados por motivos de segurança e cuja prossecução se afigura de difícil ou impossível reparação futura; - Acresce, que em face das circunstâncias descritas o projecto de arquitectura aprovado não é mais passível de ser cumprido, pelo que os trabalhos ora em curso consubstanciam uma violação do projecto licenciado; - Face à gravidade dos factos enumerados, considerando a violação do interesse publico perante o desaparecimento de um edifício de interesse arquitectónico singular, a situação de irreversibilidade que poderá ser criada a curto prazo adveniente da prossecução da obra em causa, o decurso do prazo legal previsto para o embargo, bem como a necessidade em acautelar a segurança publica de pessoas e bens, proponho: ao abrigo do n.° 2 do artigo 150.° do Código do Procedimento Administrativo suspender a eficácia da licença administrativa para obras de alteração e ampliação titulada pelo alvará de obras de alterações nº 688, de 2 de Junho de 2005, em nome de "Duarte Dias & Simões, Lda." até que seja reposta a legalidade urbanística; que o presente projecto de despacho seja notificado ao interessado, em audiência prévia à decisão final nos termos e para os efeitos, previstos ao abrigo do art° 100° do Código do Procedimento Administrativo, podendo sobre o mesmo se pronunciar no prazo de 10 dias, a contar da notificação." - cfr. fls. 39 e 40 do dossier "Requerimentos", parte relativa ao Requerimento n.° E -Polícia Municipal 705/2006);
I. Notificada a Autora nada disse, tendo sido proferido em 21.03.2007 pelo Vice-Presidente, com sub-delegação, despacho definitivo no sentido de suspensão de eficácia da licença administrativa para obras de alteração e ampliação titulada pelo alvará de obras de alterações nº 688 (acto impugnado) - cfr. fls. 41 a 43 do dossier "Requerimentos", parte relativa ao Requerimento n.° E-Polícia Municipal 705/2006);
J. Em 12.07.2007, intentou a Autora neste Tribunal o processo cautelar de suspensão de eficácia do despacho precedente, que correu termos sob o n° 755/07.1BESNT-A, tendo sido julgado improcedente por sentença de 19.10.2007, da qual não foi interposto recurso jurisdicional - cfr. respectivo processo apenso.


DO DIREITO

a. omissão de pronúncia – artº 668º nº 1 d) CPC;

O Tribunal incorre em omissão de pronúncia, sancionada com a nulidade nos termos do artº 668º nº 1 d), 1ª parte, CPC aplicável ex vi artº 1º CPTA, quando não se pronuncia sobre questões que devesse apreciar, aqui incluída a matéria de conhecimento oficioso.
Cumpre ter presente que “(..) não existe omissão de pronúncia mas um error in judicando, se o Tribunal não aprecia um determinado pedido com o argumento de que ele não foi formulado; aquela omissão pressupõe uma abstenção não fundamentada de julgamento e não uma fundamentação errada para não conhecer de certa questão (..). (1)
Aplicando a doutrina exposta conclui-se que não assiste razão à Recorrente na medida em que a sentença sob recurso explicita a razão por que “não apreciou a matéria da ilegalidade do acto impugnado”, traduzido no despacho de 21.03.2007 de suspensão do licenciamento de 05.04.2004 da operação urbanística de obras de alteração e ampliação do prédio Villa ..., propriedade da Recorrente, titulado por alvará nº 688 de 2.06.2005, operação urbanística objecto de embargo pelo período de 6 meses, por despacho de 16/09/2005, prorrogados por mais 6 meses por despacho de 23/03/2006.
Efectivamente, a sentença analisa o acto de suspensão do licenciamento de 21.03.2007 no quadro do Código de Procedimento Administrativo, atribuindo-lhe a natureza de medida provisória sujeita a caducidade preclusiva de efeito automático decorrido o prazo de 6 meses estipulado no artº 85º d) CPA, para daqui concluir que “não pode o Tribunal anular o acto que já não produz efeitos, por carência de objecto”, fundamento da declarada extinção da instância.
De modo que omissão de pronúncia não há, antes se verifica a discordância da Recorrente quanto ao enquadramento jurídico do acto de suspensão do licenciamento e declaração da respectiva caducidade por aplicação do artº 85º d) CPA, conforme itens 6 a 16 das conclusões de recurso, invocando, assim, a ocorrência de erro de julgamento.
Para além de se tratar de questões distintas, pois uma coisa é a discordância outra, muito diferente em termos de direito adjectivo, a nulidade da decisão, cabe salientar que as falhas de pronúncia (por excesso ou omissão) e o erro de julgamento não se colocam em alternativa face à mesma base material porque se trata de tipologias de erro judiciário absolutamente distintas (2).
Pelo que vem dito, improcede a assacada nulidade de sentença no domínio do artº 668º nº 1 d) 1ª parte CPC questão suscitada nos itens itens 1 a 4 das conclusões de recurso.

b. embargo de obra licenciada: efeito automático de suspensão da eficácia da licença – artº 103º nº 2 RJUE;

A Recorrente peticiona a anulação do despacho de 21.03.2007 de suspensão do licenciamento de 05.04.2004, titulado pelo alvará nº 688 de 2.06.2005.
A situação de facto trazida a recurso, conforme alíneas C, D, F, H e I do probatório, pode esquematizar-se como segue:
o trata-se de uma obra de edificação por ampliação e alteração de edificado pré-existente (Villa ...), devidamente licenciada,
o embargada por despacho de 16.09.2005 na sequência de derrocada parcial na Villa ..., atribuída a execução de trabalhos em desconformidade com as condições do licenciamento para a segurança da manutenção do edificado pré-existente,
o pelo prazo de 6 meses prorrogado por mais 6 meses em 23.03.2006, entretanto decorrido,
o e declarada suspensa a eficácia da licença de 05.04.2004 “até que seja reposta a legalidade urbanística”, por despacho de 21.03.2007.
O litígio envolve a apreciação do regime de reposição da legalidade urbanística, na sequência de embargo de obra licenciada por ocorrência de um ilícito urbanístico, pelo que ao caso importa o disposto no artº 103º nº 2 RJUE.
O embargo configura uma medida de tutela cautelar da legalidade urbanística, traduzida na suspensão imediata dos trabalhos em curso; na hipótese de obra licenciada, como é o caso, assume a natureza de acto administrativo de 2º grau, na medida em que os seus efeitos se repercutem sobre o anterior acto de licenciamento, se bem que a título provisório.
Prevenindo a contradição entre actos, o artº 103º nº 2 e 4 RJUE determina que o embargo de obra licenciada tem como consequência automática a suspensão de eficácia da respectiva licença, bem como do prazo constante do alvará para a execução das obras.

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Este aspecto é de primordial importância na regulação do caso trazido a recurso.
Efectivamente, a suspensão de eficácia da licença urbanística por força do embargo da obra não constitui um efeito jurídico derivado do acto administrativo praticado e feito valer na esfera jurídica da ora Recorrente – seja o acto de embargo de 16.09.2005 seja o acto que ora constitui o centro do litígio, o despacho de 21.03.2007 – antes traduz um caso de manifestação automática de efeito legal decorrente da operatividade imediata do artº 103º nº 2 RJUE no domínio da previsão de facto que o mesmo normativo contém.
Dito de outro modo, no embargo de obra licenciada a suspensão de eficácia do licenciamento opera ex lege e não ex voluntate da Administração o que explica que em razão da verificação do decurso do prazo fixado ao embargo e sua prorrogação, a conduta do particular constitui o pressuposto subjectivo da declaração de caducidade do embargo configurada com a emissão do acto final pelo qual a Administração aprecia e decide da conformação do projecto apresentado pelo particular no procedimento por si instaurado em ordem à legalização da concreta situação urbanística.
Razão pela qual ao caso do despacho de 21.03.2007 não é aplicável o regime do artº 85º c) CPA, na medida em que existe regulamentação específica da matéria estatuída no artº 105º nº 2 RJUE segundo a qual a caducidade do embargo de obra licenciada tão só ocorre com a “decisão que defina a sua situação jurídica com carácter definitivo.”
A restituição da situação de facto à legalidade urbanística (cuja violação é aferida a partir dos termos do auto de embargo ou do relatório da fiscalização para que remeta) passa pelo desencadear de procedimentos de diversa ordem, nomeadamente, (i) um procedimento da iniciativa do particular de alteração da licença atribuída por deliberação de 05.04.2004 de modo a enquadrar o construído nas normas urbanísticas aplicáveis, em conformidade ou com a alteração do projecto de arquitectura inicial, no caso, aprovado em 18.06.2003, ou de (ii) um procedimento de iniciativa administrativa para realização de trabalhos de correcção ou alteração da obra, definidos e em prazo fixado para o efeito pelo presidente da câmara, permanecendo em ambos os casos a obra embargada se nada for feito pelo particular “até ser proferida uma decisão que defina a sua situação jurídica com carácter definitivo.”, vd. artºs. 103º nº 2 e 105º nº.s 2 e 4, RJUE.
A repartição de responsabilidades entre particulares e poderes públicos derivada do regime dos artºs. 102º nº 1 b), 103º nº 2 e 105º nºs. 1 e 2 RJUE, conjuga o ónus dos interessados com os poderes-deveres da Administração, cabendo aos primeiros desencadear o procedimento tendente à legalização da obra que entrou em colisão com a legalidade urbanística fixada no acto de licenciamento, e ao Município “quando for caso disso”, avançar com a ordem de trabalhos de correcção ou alteração da obra no embargo de obras licenciadas como se diz no artº 105º nº 1 RJUE mas também no artº 106º nº 2 RJUE para o caso de obras ilegais (sem título urbanístico, isto é, sem licença nem admissão de comunicação prévia) em ordem a prevenir a ordem de demolição mediante aferição da viabilidade de legalização. (3)
O que vem de ser dito significa que a regularização da situação de ilegalidade urbanística detectada não é finalidade própria do embargo, medida cautelar e, por isso, provisória “(..) que não visa fornecer a solução definitiva para a situação de irregularidade detectada, mas apenas paralisar, no todo ou em parte, uma operação urbanística que esteja em curso (..) [bem como] o assegurar da eficácia e operatividade do conteúdo da decisão final, enquadrando-se, assim, o embargo ainda que com especificidades, no âmbito da figura prevista genericamente no artigo 84º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo. (..)”, nomeadamente, na ausência de regulação específica, o recurso supletivo ao artº 85º CPA. (4)

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Voltemos agora ao caso em apreço.
De acordo com a alínea H do probatório, os serviços de fiscalização constataram que os trabalhos ordenados no sentido de garantir as condições de segurança da obra e de pessoas e bens no espaço confinante “(..) extravasam os de carácter excepcional autorizados por motivos de segurança e cuja prossecução se afigura de difícil ou impossível reparação futura; - Acresce, que em face das circunstâncias descritas o projecto de arquitectura aprovado não é mais passível de ser cumprido, pelo que os trabalhos ora em curso consubstanciam uma violação do projecto licenciado (..)”.
Tais trabalhos foram ordenados na sequência da derrocada numa das fachadas da Villa ..., considerada pelos serviços de fiscalização do Município como consequência da inobservância das condições do licenciamento de 05.04.2004, sendo esta violação o fundamento da ordem de suspensão dos trabalhos por embargo da obra licenciada, com fixação de prazo para a sua conformação com os termos do licenciamento.
Como dito acima, o artº 105º nº 2 RJUE, que mantém a redacção inicial, estabelece que decorrido o prazo sem que os trabalhos se encontrem integralmente realizados “a obra permanece embargada até ser proferida uma decisão que defina a sua situação jurídica com carácter definitivo.”, esclarecendo a doutrina que permanece “(..) embargada até que seja proferida uma decisão definitiva sobre aquela situação ilegal, abrindo-se legitimamente a porta à demolição da obra (já que o particular esgotou a possibilidade de promover a sua adequação ao quadro normativo vigente). A este propósito temos a apontar criticamente o facto de não se prever um prazo para a duração do embargo, à semelhança do que sucede no artigo 104º, o que pode potenciar situações de inércia por parte da Administração municipal na decisão do desfecho a dar à obra ilegal. (..)”. (5)
Consoante se trate de embargo de obra licenciada, como no caso vertente, ou de embargo de obra de edificação sem prévio título autorizativo, a lei define regimes distintos para o decurso do prazo fixado para o embargo, passíveis de sintetizar nos seguintes traços:
(i) na hipótese do artº 104º nº 1 RJUE o embargo caduca (ope legis) no termo do prazo fixado pela Administração, o que não significa nem a inevitabilidade da demolição nem a dispensa do particular promover a legalização, pelo que os trabalhos não podem ser retomados, vd. artº 106º RJUE.
(ii) no artº 105º nº 2 RJUE, não estando executados os trabalhos ordenados (no caso vertente, para segurança da obra e de pessoas e bens no espaço confinante), decorrido o prazo a obra permanece embargada até decisão permissiva definitiva em sede de procedimento de legalização.
Acresce que, tanto quanto decorre do probatório, há razões de interesse público que se impõem no que respeita à operação de edificação previamente licenciada para a Villa ..., qualificada pelo Município como “(..) edifício de interesse arquitectónico singular … cujas características arquitectónicas se impunha preservar, facto que igualmente motivou a concessão do incentivo previsto no nº 2 do artº 94º do Regulamento do PDM, e que se traduziu num acréscimo de 20% ao índice de construção previsto para o local. (..)”.
O que significa que a via da demolição por persistência da ilegalidade urbanística se mostra arredada no quadro actual, impondo-se, pelo contrário, a conformação da obra parcialmente executada e objecto de vicissitudes várias com as disposições legais e regulamentares aplicáveis, nomeadamente o PMOT vigente na área, em ordem à sua legalização mediante novo procedimento de licenciamento ou comunicação prévia que ao caso convenha, o que implica que seja a ora Recorrente a parte onerada com a entrada do competente procedimento.

c. despacho de 21.03.2007 - acto confirmativo;

Da parte do Município ora Recorrido, pese embora o regime de suspensão de eficácia do licenciamento de 05.04.2004 na razão directa do embargo de obra, nos termos do artº 105º nº 2 RJUE, entendeu-se emitir despacho autónomo de 21.03.2007 de suspensão dos efeitos do licenciamento, sendo óbvio que este despacho não veio introduzir quaisquer efeitos jurídicos inovatórios, nomeadamente de carácter lesivo, na esfera jurídica da Recorrente exactamente porque o quadro jurídico da suspensão dos trabalhos de execução da operação urbanística licenciada ficou definido pelo acto de embargo de 16.09.2005 e consequentes efeitos automáticos definidos pelos artºs. 105º nº 2 e 103º nºs. 2 e 4 RJUE.
Ou seja, o despacho de 21.03.2007 limita-se a confirmar os efeitos inerentes ao embargo de obra licenciada, de permanência da suspensão da licença urbanística e do prazo de execução das obras fixado no alvará, em via da já mencionada manifestação automática de efeito legal decorrente da operatividade imediata dos artºs. 105º nº 2 e 103º nºs. 2 e 4 RJUE no domínio da previsão de facto neles contida; é, assim, um acto meramente confirmativo, destituído do elemento estrutural próprio dos actos administrativos referente à definição jurídica inovatória, em razão de nada criar de novo no âmbito da situação jurídica da ora Recorrente, pré-existente e já definida pelo despacho de embargo de 16.09.2005, o que determina a irrecorribilidade contenciosa do despacho em causa. (6)
Aliás, do ponto de vista conceptual, a ausência de efeito jurídico inovatório conduz a que parte da doutrina lhe recuse a qualidade de verdadeiro e próprio acto administrativo; neste sentido, e citando, “(..) E não o é porque lhe falta a natureza inovatória. O acto confirmativo não modifica o ordenamento jurídico. Ele define uma situação jurídica, mas não em termos inovatórios. Por isso não produz de per si quaisquer efeitos de direito: os que poderia produzir já foram efectivados. Como escreve Giannini, “non è mai um provvedimento, ma una semplice dichiarazione do rappresentazione”, ou seja, não se trata de um acto administrativo – no sentido de conduta que produz efeitos de direito – mas de uma simples declaração de representação da realidade. (..)”. (7)

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Neste enquadramento, assiste razão à ora Recorrente ao recusar a natureza de medida provisória ao despacho de 21.03.2007, não lhe sendo, por isso, aplicável o regime da caducidade estatuído no artº 85º CPA, mas já não se acompanha a configuração de medida preventiva que lhe vem atribuída, dado que esta compete ao embargo ordenado por despacho de 16.09.2005, cujos efeitos ex lege de suspensão da licença urbanística o despacho de 21.03.2007 se limita a confirmar.
Razões por que não é passível de sustentar, nos termos da sentença proferida pelo Tribunal a quo, o efeito adjectivo da extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide fundada na caducidade do despacho de 21.03.2007 ao abrigo do regime das medidas provisórias do artº 85º c) CPA, antes competindo concluir pela manutenção dos efeitos de suspensão de eficácia da licença urbanística de 05.04.2004 titulada pelo alvará de obras de alterações nº 688, efeitos ex lege cometidos ao embargo ordenado por despacho de 16.09.2005 conforme artºs. 105º nº 2 e 103º nºs. 2 RJUE, sendo indiferente o facto de o prazo fixado ao embargo se mostrar esgotado, antes relevando a ausência de decisão definitiva da situação de ilegalidade urbanística a remover no domínio do procedimento de legalização.



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Termos em que acordam em conferência os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em,
a) na procedência parcial do recurso, revogar a sentença proferida que julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide e,
b) em via de substituição, julgar o despacho de 21.03.2007 inimpugnável contenciosamente dada a sua natureza de acto confirmativo da suspensão da licença urbanística, efeito ex lege do embargo de obra licenciada ordenado por despacho de 16.09.2005.

Custas na proporção do vencido, que se fixa em metade, a cargo da Recorrente em ambas as instâncias.

Lisboa, 03.MAI.2012,


(Cristina dos Santos)
(António Vasconcelos)
(Paulo Carvalho)



1- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, págs. 220 a 223.
2- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex/1997, págs. 222/223 e 408/410.
3- Dulce Lopes, Vias procedimentais em matéria de legalização e demolição: quem, como e porquê?, CJA nº 65, págs. 35/38.
4- Dulce Lopes, Medidas de tutela da legalidade urbanística, RevCEDOUA nº 14, 2/2004, págs. 61/63.
5- Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes, Fernanda Maçãs, RJUE - Comentado, Almedina, 2ª ed. pág. 562.
6- Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, CPA – Comentado, 2ª ed. Almedina71998, pág. 715; Freitas do Amaral, Direito administrativo, Vol III, Lisboa/1989, págs. 230/231.
7- Sérvulo Correia, Lições de direito administrativo, Vol. I, Editora Danúbio/1982, págs. 346/347..