Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1718/19.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/27/2020
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:ASILO;
EXTENSÃO DO ÓNUS DE ALEGAÇÃO;
ASSISTÊNCIA MÉDICA.
Sumário:I – Os Estados-Membros da U.E. não têm, sempre e oficiosamente, de analisar o que ocorre noutro Estado-membro a propósito das condições legais e ou factuais da proteção internacional, salvo casos excecionais devidamente fundamentados ou notórios como recentemente referido pelo TJUE e, depois, no respeito pelas regras processuais nacionais.
II - Um eventual erro de diagnóstico por um médico italiano, sobre uma hérnia não redutível e de alguns milímetros na barriga do autor, não serve para concluir, juridicamente, que o sistema de acolhimento de requerentes de proteção internacional revela graves e séries falhas, para o efeito aqui pretendido. Nem para despoletar qualquer atuação oficiosa de Portugal no sentido de “fiscalizar” as condições gerais ou habituais da proteção internacional num outro Estado-Membro.
III – Esta conclusão integra-se na doutrina geral emanada dos Acs. do TJUE nº C-163/17, nº C-297/17, nº 318/17, nº C-319/17 e nº C-438/17, e do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-01-2020, proc. nº 02240/18.
Votação:UNANIMIDADE com declaração de voto
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

S..............., m.i. nos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de LISBOA impugnação judicial urgente de decisão de inadmissibilidade de pedido de proteção internacional contra

MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA - SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS (SEF).

A pretensão formulada perante o tribunal a quo foi a seguinte:

- Anulação da decisão do Sr. Diretor Nacional do SEF, de 14.8.2019, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional que formulou, determinando a transferência para Itália

- E, consequentemente, a sua substituição por outro ato que permita a análise do seu pedido de proteção internacional pelo Estado Português.

Por sentença de 22-11-2019, o tribunal a quo decidiu absolver o réu dos pedidos.

*

Inconformado, o autor interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação o seguinte prolixo quadro conclusivo:

1. O recurso vem interposto da douta sentença que decidiu julgar improcedente a ação administrativa para impugnação da decisão proferida pelo Excelentíssimo Senhor Diretor Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, datada de 29.3.2018, que não admitiu o pedido de proteção internacional formulado pelo aí Autor por o considerar infundado, absolvendo assim a Entidade Demandada - Ministério da Administração Interna- do pedido.

2. No âmbito dos presentes autos foi peticionado o provimento da presente impugnação judicial e consequentemente a anulação da decisão proferida pelo Diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de transferência do pedido de proteção internacional para Itália, e consequentemente, a sua substituição por outro ato que permita a análise do pedido de proteção internacional pelo Estado Português.

3. Foi proferida Sentença que julgou “improcedente a presente ação, absolvendo-se a Entidade Demandada dos pedidos.” itálico nosso.

4. O presente recurso é interposto da referida Sentença de 22/11/2019.

5. Salvo o devido respeito, que é muito, não pode o Recorrente conformar-se com aquela decisão plasmada na Sentença sob sindicância, nomeadamente quanto à valoração da prova produzida e à aplicação do direito bem como à violação do dever de fundamentação por parte da administração, questão sobre a qual, com o todo o respeito pela opinião contrária, não foi devidamente apreciada pelo Tribunal a quo.

6. O Recorrente se bem alegou, fundamentou devidamente a situação vivida em Itália, relativamente à migração, que é sobejamente conhecida para qualquer pessoa que se compare a um homem médio, quanto mais para uma Entidade como o R., aqui Recorrido, que pelas suas competências e atribuições, não se pode alear, ou alegar desconhecer os contornos do contexto politico social de Itália em matéria de imigração.

7. O Recorrente, na sua petição inicial, bem como em requerimento remetido aos autos, o qual não foi impugnado, tendo-se dado o mesmo por aceite, transcreveu excertos de informações referentes à situação vivida em Itália, os quais aqui se dão por reproduzidos por uma questão de simplicidade.

8.Ainda assim, os textos constantes nos articulados podem ser consultados nos seguintes links: https://br.reuters.com/article/topNews/idBRKCN1J01JT-OBRTP , o artigo intitulado “Itália não será mais "campo de refugiados da Europa", diz novo governo;

https://www.wort.lu/pt/mundo/it-lia-fechacentro-para- refugiados-e-despeja-mais-de-500-pessoas-5c48b166da2cc1784e33c406 , o artigo intitulado: “Itália fecha centro para refugiados e despeja mais de 500 pessoas”;

Em 16/09/2019 o jornal italiano “The Italian Times” publicou um artigo, cuja publicação pode ser consultada em https://www.theitaliantimes.it/politica/decreto-sicurezza-bis-cos-e- cosa-prevede-novita_160919/, cujo teor do artigo são nomeadamente as alterações provocadas pelo novo Decreto de Segurança 2019 aprovado, conhecido também pelo decreto de Salvini, na migração, e não só;

Em 24/09/2019 o jornal Público publicou um artigo cujo título é: “Decreto anti-imigração de Salvini aprovado por unanimidade” Consultável em:https://www.publico.pt/2018/09/24/mundo/noticia/decreto- anti-imigração-de-salvini-aprovado-por-unanimidade-1845089

9. Tudo o acima exposto é indiciativo das condições e do que se passa atualmente em Itália, tal como referido na Petição Inicial.

10. Muita é a informação que tem vindo a público, veiculada pela comunicação social, nacional e internacional, sobre a situação de grande afluência de refugiados em Itáliaesobreascondiçõesdeacolhimentoepermanênciadosrequerentesdeproteçãointernacionaldaquele Estado-Membro.

11. Bem sabemos que cabe ao A. o ónus da prova dos factos que alega.

12. No entanto, uma entidade como a R., pelas suas competências e atribuições, não se pode alear ou alegar desconhecer os contornos do contexto político social de Itália em matéria de imigração, devendo antes pugnar pela obtenção de informação concreta antes de proferir a sua decisão.

13. Veja-se neste sentido, e a título de exemplo, o Douto acórdão proferido em 06/06/2019 pelo Douto Tribunal Central Administrativo Sul, no processo n.º 2240/18.7BELSB.

14. É certo que, muitas vezes os migrantes, os que pedem asilo, ou pessoas em geral, não falam, omitindo até situações, porque não conseguem por traumatizados das situações que passaram e vivenciaram.

15. Não é por o Recorrente, no entendimento do Tribunal a quo nada ter declarado em termos concretos, que não poderá existir um risco considerável de o mesmo regressando a Itália ficar sujeito a uma situação de privação material, que não lhe permita fazer face às suas necessidades mais básicas, como alimentar, lavar e alojar-se.

16. Vejamos a situação recente que aconteceu com o “Navio Open Arms”, como supra se vem referindo, com cerca de 100 pessoas a bordo, parado durante 19 dias, dada a recusa das entidades para o Navio atracar, denota-se a situação e a posição de Itália.

17. Não poderá ser o critério de o Recorrente nada ter declarado quanto à sua situação e condições enquanto esteve em Itália, decisivo para a não anulação a decisão da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e improcedência da Ação.

18. É referido na Douta Sentença que “(…) aceite tacitamente a responsabilidade pela apreciação do pedido de proteção internacional do aqui A. pelas Autoridades de Itália, à Entidade demandada apenas competia, como fez, proferir decisão de inadmissibilidade do pedido e, após notificação, assegurar a execução da sua transferência para esse país (…).” Itálico nosso.

19. Ora, era à Entidade Recorrida que cabia colher mais elementos de prova quanto à situação concreta do Recorrente e das condições do mesmo em Itália no período em que lá esteve, o que não foi feito.

20. A Entrevista/Transcrição e Decisão da Entidade Recorrida, viola de forma grosseira os deveres de fundamentação e boa-fé a que a Administração está vinculada.

21. Caso não se considere que não existem elementos suficientes no processo que permitam a anulação da decisão do SEF, o que por mera hipótese se admite, sem nunca conceder, deverá o processo baixar à Autoridade recorrida para que esta reabra o processo e profira decisão devidamente fundamentada, fazendo as questões pertinentes. - Em sentido próximo veja-se o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul de 02/06/2016 no qual se pode ler “impõe- se ao examinador do pedido de asilo, caso o Requerente não consiga, por falta de elementos de prova, fundamentar algumas das suas declarações, mas desde que estas sejam coerentes e plausíveis face à generalidade dos factos conhecidos;

22. E ainda, o Douto acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, de 22/11/2019, que acompanha o sentido do recurso dos presentes autos dispondo que:

“1. Não obstante o disposto no art. 19.º-A, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 27/2008, de 30.06 e art. 25.º, n.º 2 do Regulamento de Dublin, não é verdade que tendo ocorrido uma situação de admissão tácita, se impõe ao Estado Português, de uma forma vinculada e sem mais, a tomada de decisão de transferência do requerente de proteção internacional.

Não sem antes o SEF averiguar acerca do procedimento e das condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional, aferindo sobre eventuais falhas sistémicas nas condições de acolhimento, muito em particular quando o país de transferência seja algum país em relação ao qual sejam conhecidas ocorrências que podem justificar a ponderação prevista no n.º 2 do art. 3.º do Regulamento de Dublin, como é o caso de Itália.

E nem se diga que tal indagação, quanto a estes aspetos, estava dependente de alegação pelo requerente de asilo, ora Recorrente.

Desde logo, porque tais circunstâncias embora possam revelar-se em acontecimentos passados, e vividos pelo requerente no período em que tenha estado no país em causa, e onde terá pedido Asilo, também podem ser circunstâncias supervenientes, que se verifiquem no momento em que a decisão de transferência do requerente de proteção internacional esteja em vias de se efetivar, após aceitação, expressa ou tácita, do país em causa.

Importa distinguir, em particular nos procedimentos de natureza pretensiva, o que são aspetos pessoais, apenas conhecidos pelos interessados e que, por esse motivo, deverão ser trazidos ao procedimento pelos próprios, para que assim a Administração os possa ter em conta e decidir em conformidade, daqueloutros aspetos que, pela natureza e enquadramento jurídico do ato a praticar, cabe à Administração recolher e juntar ao processo, ao abrigo do princípio do inquisitório, previsto no art. 58.º CPA.

O art. 58.º do CPA, ao dispor expressamente que (..) mesmo que procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, [o responsável pela direção do procedimento e outros órgãos que participem na instrução, podem] proceder a quaisquer diligências que se revelem adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e justa (…)”, não deixa grande margem para dúvidas.

Do procedimento em apreço não consta que tenha sido feita nenhuma diligência nesse sentido pelo Recorrido, em face do que, imperioso se torna concluir pela revogação da sentença recorrida.” Itálico nosso.

23. Mas, o douto Tribunal Recorrido, ao manter e confirmar na íntegra a decisão do Diretor do SEF, devidamente impugnada, cometeu erro de julgamento violando preceitos legais com os quais se deveria conformar, nomeadamente o disposto no art.º 7.º da Lei n.º 27/2008 de 30.06, art.º 3.º, n.º 2 do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do parlamento europeu e do conselho, de 26/06 e o n.º 2 do artigo n.º 8 da Constituição da República Portuguesa.

24. E, por fim, se tal não fosse suficiente, o Recorrente mais requereu também prestar declarações de parte, já que na valoração destas assumem especial acutilância, o que se considerou também fulcral, os seguintes parâmetros: contextualização espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais; existência de corroborações periféricas; produção inestruturada; descrição de cadeias de interações; reprodução de conversações; existência de correções espontâneas; segurança/assertividade e fundamentação; vividez e espontaneidade das declarações; reação da parte perante perguntas inesperadas; autenticidade.

25. A douta sentença fez, e não podia ter feito, tábula rasa, de todo o alegado e comprovado na p.i., e mais depois tendo indeferido o requerimento probatório, corroborando tão-só o entendimento do SEF, optando por concluir que o Recorrente nada declara ou declarou que permita aferir em termos concretos o por ele alegado.

26. Na petição inicial o Autor requereu prestar declarações de parte, de forma a comprovar ponto por ponto tudo o que aí alegara, porém do Tribunal a quo indeferiu o requerimento de prova, passando pois de imediato à prolação da Sentença, quando o regime previsto nos artigos 109.º e 110.º do CPTA, e que foi o seguido na tramitação dos autos, não comporta qualquer especialidade suscetível de afastar ou diminuir as garantias processuais neste capítulo.

27. Este meio de prova é admitido pela lei processual nos termos do artigo 466.º do CPC, portanto o Código de Processo Civil permite que a parte venha ao processo propor-se para prestar declarações sobre os factos da causa de que tenha conhecimento e/ou contacto direto.

28. O regime previsto nos artigos 109.º e 110.º do CPTA, e que foi o seguido na tramitação dos autos, não comporta qualquer especialidade suscetível de afastar ou diminuir as garantias processuais neste capítulo.

29. A realização de diligência judicial para a audição do requerente de proteção internacional, mostra-se deveras desejável em prol da busca da verdade material.

30. Não se pode afirmar, como na sentença se faz, que o Autor nada declara ou declarou que permitisse aferir em termos concretos o por ele alegado, quando nem sequer lhe foi então conferida a faculdade adjetiva para o efeito.

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Cumpridos que estão neste tribunal superior os demais trâmites processuais, vem o recurso à conferência para o seu julgamento.

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Delimitação do objeto da apelação - questões a decidir

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal a quo, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso. Esta alegação apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de Direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – FACTOS PROVADOS

O tribunal a quo fixou o seguinte quadro factual:

1)S..............., ora A., é nacional da Gâmbia (cfr. teor do doc. 1 junto à p.i. e de fls. 1 do p.a.);

2)Em 15.7.2019, o ora A. formulou pedido de proteção internacional junto do Gabinete de Asilo e Refugiados (GAR) do SEF (cfr. de fls. 15 do p.a.);

3)O GAR verificou no sistema EURODAC (sistema de comparação de impressões digitais) Hit positivos, com o “Case ID ............e IT…………………” inseridos pela Itália em 9.2.2016 e 5.12.2017 (cfr. de fls. 3, 4 e 19 do p.a.);

4)Em 29.7.2019 o ora A. foi entrevistado pelo SEF no âmbito do processo de asilo nº 1079/2019, tendo autorizado a comunicação CPR das decisões que vierem a ser proferidas no processo, resultando da entrevista efetuada, designadamente, que:

saiu do seu país de origem em “(…)” no dia 04.09.2015. // Sozinho // Viajou sem documentos”;

percurso efetuado: “Sai da Gâmbia no dia 04.09.2015 e fui para o Senegal, de carro. Não fiquei ali e fui diretamente para o Mali, de autocarro. Também não fiquei ali, e fui de autocarro para o Burkina Faso e depois para Níger e depois para a Líbia. Não sei quando cheguei à Líbia, mas trabalhei ali durante cinco meses e depois fui para a Itália, de barco. Fiquei ali 3 anos, fui para a escola e vivia em centros para Refugiados. Em Itália vivi primeiro em Trapani, numa cidade chamada Castelvetrano e depois fui para a Catania e fiquei no centro em Cattagirone e depois fui para um centro em Ragusa, na cidade de Ispica. Depois vim para aqui de autocarro, passei por França, Espanha até chegar aqui. Sai da Itália porque tinha dores de barriga. Na Itália, levaram-me a um médico, mas o médico disse que não tinha qualquer problema. Também os meus olhos estão sempre a lacrimejar, também tinha esse problema na Itália, mas não me queixei ao médico quando estava em Itália.”,

formulou pedido de asilo em Itália “Estive 3 anos em Itália e tenho essas impressões digitais porque eles transferiram-me para vários locais. Estive primeiro em Trapani, depois fui para Catania e depois para Ragusa. Cheguei no dia 24.01.2016 e sai no dia 11.07.2019”;

desconhece se o pedido se encontra em análise; o seu pedido não foi recusadoEu recebi a decisão positiva em maio de 2018. Deixei o papel em Itália. Saí de Itália porque disse que estava doente e eles não ajudaram, apesar de ter ido ao médico”;

não foi afastado para o país da sua nacionalidade ou origem; não regressou voluntariamente ao país da sua nacionalidade ou origem; (…);

não está de boa saúde; motivo porque solicitou proteção internacional

“Eles aceitaram o meu pedido de asilo em Itália, mas não me ajudaram com o meu problema de saúde. Saí da Gâmbia porque tinha problemas com o meu tio. Eu estava na escola, e o meu padrasto não queria que eu fosse para a escola. Eu gosto da escola e sai da Gâmbia para ter uma vida melhor”.

E acrescentou Eu preciso de ajuda para o meu estômago e olhos porque quando não estamos bem, não podemos fazer nada”. (cfr. doc. 2 junto à p.i. e de fls. 24 a 32 do p.a.);

5)O GAR, de acordo com as declarações prestadas pelo A., elaborou Relatório, concluindo que o mesmo “Apresentou pedido de proteção noutro país da União Europeia Itália (REGULAMENTO (UE) N.º 604/2013 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 26 de junho de 2013 que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida -Artigo 18.º, n.º 1)” (idem);

6)Na sequência do qual o aqui A. declarou ainda que: Não quero voltar para Itália, porque eu preciso de ajuda e eles não me dão e por isso vim para Portugal.” // E mais não disse (...) (ibidem);

7)Em 30.7.2019 o SEF efetuou um pedido de retoma a cargo do aqui A. às autoridades da Itália (cfr. de fls. 51 a 54 do p.a.);

8)As autoridades italianas não responderam ao pedido de retoma do SEF, que antecede;

9)Em 14.8.2019, foi elaborada a Informação nº ……../GAR/2019, no processo nº 1318/19PT com a seguinte proposta “Com base na presente informação, submete-se à consideração superior que, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 19º- A e do nº 1 do artigo 20º, da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 05 de maio, o pedido de proteção seja considerado inadmissível e se proceda à transferência para a Itália do (a) cidadão (ã) acima identificado (a), nos termos do artigo 25º, Nº 2 do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho, de 26 de junho” e fundamentação “I. FUNDAMENTOS DE FACTO // 1. O requerente apresentou pedido de proteção internacional a 15-07-2019 no Gabinete de Asilo e Refugiados, que foi registado sob o número de processo 1079/19// 2. Nos termos previstos no Regulamento (EU) n.º 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho (Regulamento Eurodac), relativo à criação do sistema "Eurodac" foram recolhidas as impressões digitais de todos os dedos. // 3. Após registo e consulta à base de dados Eurodac, foram rececionados dois acertos com o "Case ID ………. e IT………", inserido pela Itália. // 4. Aos 29-07- 2019 foram tomadas as declarações do requerente, mediante realização de entrevista e relatório (cf. págs. 24 a 32) anexo aos autos e entregue na mesma data ao requerente), a que se refere o n.º 6 do artigo 5º do Regulamento Dublin. Por esta via, foi possível confirmar a situação descrita no número anterior, essencial para a determinação do Estado responsável, bem como, apurar outras situações pertinentes para a correta aplicação dos critérios enunciados no Regulamento Dublin. // 5. Aos 30-07-2019, o GAR apresentou um pedido de retoma a cargo às autoridades italianas ao abrigo do artigo 18º, Nº 1 d), do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento Dublin). // 6. Aos 14-08-2019, Portugal informou as autoridades italianas que ao abrigo do artigo 25º, Nº 1, do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho, tinha duas (2) semanas para se pronunciar sobre o nosso pedido. // 7. As autoridades italianas não se pronunciaram dentro do prazo estabelecido no art.º 25 nº 1, do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho, por isso de acordo com o artigo 25 nº 2 do mesmo Regulamento, a falta de uma decisão equivale à aceitação do pedido. // 8. Atendendo à situação de admissão tácita, deve o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras proferir uma decisão de inadmissibilidade do pedido. // II. FUNDAMENTOS DE DIREITO // 9. A Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº26/2014 de 05 de maio, que estabelece as condições e procedimentos para a análise dos pedidos de proteção internacional e concessão do estatuto de refugiado ou proteção subsidiária, prevê na alínea a), do n.º 1 do artigo 19º-A que o pedido é considerado inadmissível quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção, previsto no Capítulo IV. // Ainda nos termos do nº 2 do artigo 19-A, nos casos previstos no número anterior deste artigo, prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional. // 10. O procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional encontra-se regulado no Capítulo IV, artigo 36º e seguintes da Lei nº 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº26/2014 de 05 de maio, aplicando-se os apenas os procedimentos aqui previstos. // 11. Tendo ocorrido uma situação de admissão tácita conforme ponto 7, impõe-se ao Estado português a tomada de decisão de transferência do requerente. // (...)” (cfr. de fls. 59 a 61 do p.a.);

10)Em 14.8.2019 foi proferida decisão pelo Sra. Diretora Nacional do SEF, com o seguinte teor: “[d]e acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 19º - A e no n.º 2 do artigo 37º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 05 de maio, com base na informação n.º …… /GAR/2019 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de proteção internacional apresentado pelo cidadão que se identificou como S..............., nacional da Gâmbia, inadmissível.// Proceda-se à notificação do cidadão nos termos do artigo 37º nº 3 da Lei nº 27/08, de 30 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2014, de 5 de maio, e à sua transferência, nos termos do artigo 38º do mesmo diploma, para Itália, Estado Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional nos termos do Regulamento (EU) 604/2013 do Conselho, de 26 de Julho” (cfr. doc. 1 junto à p.i. e de fls. 62 do p.a.);

11) Em 21.8.2019 o aqui A. assinou a notificação da decisão referida no ponto que antecede (cfr. doc. 1 junto à p.i. e de fls. 69 do p.a.);

12) Em 30.8.2019 o aqui A. realizou no Centro Médico Dr. A……….. uma Ecografia às partes moles da parede abdominal, constando do relatório médico: “Identificamos na região peri-umbilical na linha mediana, hérnia da linha branca, com pequeno colo de 4mm de diâmetro. O saco herniário, mede 23x4mm, não sendo redutível (cfr. doc. 3 junto à p.i.).

*

II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Tendo presente o exposto, passemos agora à análise dos fundamentos do presente recurso.

O presente caso concreto é muito interessante, pois permite evidenciar (i) a multiplicidade de situações envolvendo as legislações sobre asilo e imigração, (ii) bem como os riscos da generalização de teses sobre os deveres de diligência oficiosos dos Estados de Direito democráticos em relação aos outros Estados de Direito democráticos vinculados ao chamado Regulamento de Dublin.

Vejamos.

a)

O regime da tomada e retoma a cargo consta do Capítulo III do Regulamento cit.

No que ao presente caso interessa, dispõe a alínea b) do nº 1 do artigo 18º que o Estado-membro responsável é obrigado a “Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23º, 24º, 25º e 29º, o requerente cujo pedido esteja a ser analisado e que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro, ou que se encontre no território de outro Estado-Membro sem possuir um título de residência.”

Nos termos do artigo 25º do referido Regulamento, a ausência de resposta, no prazo de duas semanas, a um pedido de retoma equivale à sua aceitação e “(…) tem como consequência a obrigação de retomar a pessoa em causa a cargo, incluindo a obrigação de tomar providências adequadas para a sua chegada.”

Aceite (tacitamente) a responsabilidade pela apreciação do pedido de proteção internacional do aqui A. pelas autoridades da Itália, à Entidade demandada apenas competia, como fez, proferir decisão de inadmissibilidade do pedido e, após notificação, assegurar a execução da sua transferência para esse país (cfr. o disposto nos artigos 37º, nº 2, e 38º da Lei do Asilo).

Só não seria assim se, tal como resulta do 2º parágrafo do nº 2 do artigo 3º do Regulamento nº 604/2013, existissem motivos válidos e sérios para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes no Estado-Membro, inicialmente designado responsável, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

b)

Passamos agora àquela doutrina que, no essencial, se deve aplicar à generalidade dos recursos com conclusões como as aqui apresentadas pelo recorrente. Assim, citando o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 13-02-2020, p. nº 1441/19…, afirmamos o seguinte:

«I – Consta do comunicado de imprensa n.º 33/19 do Tribunal de Justiça da União Europeia, Luxemburgo, 19 de março de 2019: “A existência de insuficiências no sistema social do Estado-Membro em causa não permite, em si mesma, concluir pela existência de um risco de tais tratos; Com os seus acórdãos de hoje, o Tribunal de Justiça recorda que, no quadro do sistema europeu comum de asilo, que repousa no princípio da confiança mútua entre os Estados-Membros, deve presumir-se que o tratamento dado por um Estado-Membro aos requerentes de proteção internacional e às pessoas a quem foi concedida proteção subsidiária está em conformidade com as exigências da Carta, da Convenção de Genebra, bem como da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Contudo, não se pode excluir que este sistema se depare, na prática, com grandes dificuldades de funcionamento num determinado Estado-Membro, de modo que existe um sério risco de os requerentes de proteção internacional serem tratados, nesse Estado, de modo incompatível com os seus direitos fundamentais e, nomeadamente, com a proibição absoluta de tratos desumanos ou degradantes. Assim, quando o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso de uma decisão de transferência ou de uma decisão que declara um novo pedido de proteção internacional inadmissível dispõe de elementos apresentados pelo requerente para demonstrar a existência do risco de um trato desumano ou degradante no outro Estado-Membro, esse órgão jurisdicional deve apreciar a existência de deficiências, sistémicas ou generalizadas, ou que afetem certos grupos de pessoas. Todavia, tais deficiências só são contrárias à proibição de tratos desumanos ou degradantes se tiverem um nível particularmente elevado de gravidade, que depende do conjunto dos dados da causa. Esse nível seria alcançado quando a indiferença das autoridades de um Estado-Membro tivesse como consequência que uma pessoa completamente dependente do apoio público se encontrasse, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema que não lhe permitisse fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentar-se, lavar-se e alojar-se, e que pusesse em risco a sua saúde física ou mental ou a colocasse num estado de degradação incompatível com a dignidade humana; O Tribunal de Justiça conclui que o Direito da União não se opõe a que um requerente de proteção internacional seja transferido para o Estado-Membro responsável ou a que um pedido de concessão do estatuto de refugiado seja declarado não admissível pelo facto de já ter sido concedida ao requerente proteção subsidiária noutro Estado-Membro, a menos que se demonstre que o requerente que se encontraria, nesse outro Estado-Membro, numa situação de privação material extrema, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais.”

«II - Decorre do artigo 5º do Código de Processo Civil (ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) que a factualidade essencial em sentido amplo (relevante para a procedência da ação) a considerar pelos tribunais administrativos é constituída necessariamente pelos (i) factos essenciais nucleares [cf. artigo 5º/1; a causa de pedir, factos essenciais em sentido restrito; os factos que permitem identificar o essencial da previsão normativa em que assenta a pretensão formulada e, assim, individualizar o pedido, sob pena de ineptidão da p.i.; vd. arts. 5º/1, 552º/1-d), 590º/6, 186º/1/2-a), 196º, 198º, 201º, 576º/2 e 577º-b) do Código de Processo Civil], que têm de constar da p.i., não podendo ser trazidos ao processo pelo juiz; e ainda, eventualmente, pelos (ii) factos essenciais complementares ou concretizadores da causa de pedir apresentada na p.i. [cf. artigos 5º/2-b) e 590º/2-b) do Código de Processo Civil], bem como pelos (iii) factos notórios [apenas “aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação”; “conhecimento que o juiz tem, colocado na posição de cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos”] e (iv) por aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

«III - No procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, de acordo com os critérios previstos no capítulo III do Regulamento de Dublin e os artigos 3º e 17º, o que resulta da letra e do espírito desta lei europeia é que cada Estado-Administração não tem, sempre e oficiosamente, de analisar o que ocorre noutro Estado-membro da U.E. a propósito das condições legais e ou factuais da proteção internacional, salvo casos excecionais devidamente fundamentados ou notórios – cf. assim os Acs. do TJUE nº C-163/17, nº C-297/17, nº 318/17, nº C-319/17 e nº C-438/17-Magamadov, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-01-2020, proc. nº 02240/18, e o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 10-12-2019 proc. nº 1383/19...; o mesmo vale para os tribunais administrativos, por força da interpretação jurídica de tal Regulamento europeu e ainda do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, em especial, do nuclear artigo 5º do Código de Processo Civil.

«IV - Ou seja, os Estados-Membros da U.E. não têm, sempre e oficiosamente, de analisar o que ocorre noutro Estado-membro a propósito das condições legais e ou factuais da proteção internacional, salvo casos excecionais devidamente fundamentados ou notórios e no respeito pelas regras processuais nacionais.

«V - Não constando dos autos qualquer alegação fáctica indiciária ou minimamente densificada de que, recentemente ou atualmente, em Itália, ocorre uma proteção internacional com um nível grave ou grosseiro de insuficiência no sentido do Regulamento, ou seja, como diz o TJUE, de que existem deficiências sistémicas ou generalizadas com um “nível particularmente elevado de gravidade” que permitam prever que o requerente correrá o risco sério de um “tratamento desumano ou degradante” no outro Estado-Membro, não podemos elencar, porque não existem, factos atuais ou recentes no sentido de Itália ter essa proteção internacional com um nível grave ou grosseiro de insuficiência.

«VI - Itália não é um Estado da U.E. em que existam deficiências sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes, que implicam o risco de ser desrespeitado o direito dos requerentes a não serem sujeitos a penas ou tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos.»

c)

O Regulamento (UE) n° 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho estabelece como princípio que só um Estado-Membro é responsável pela análise de um pedido de asilo, o que tem como objetivo evitar que os requerentes de asilo sejam enviados de um país para outro, bem como evitar o abuso do sistema através da apresentação de vários pedidos de asilo por uma única pessoa em vários Estados-Membros (cfr. o previsto no nº 1 do artigo 3º).

Para atingir tal desiderato, são definidos critérios objetivos e hierarquizados que permitem determinar, para cada pedido de asilo, o Estado-Membro responsável.

Não sendo possível, pela aplicação desses critérios, definir o Estado-Membro responsável, fica responsável pela análise do pedido aquele Estado- Membro em que o mesmo tenha sido apresentado primeiro (cfr. o nº 2 do mesmo artigo 3º).

Ainda que tenha sido determinado o Estado-Membro responsável, não é possível transferir o requerente de asilo para o mesmo se “(…) existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (…)”, caso em que o Estado que recebeu o pedido prosseguirá com a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III do Regulamento para decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja responsável (cfr. o 2º parágrafo do mesmo nº 2 do artigo 3º).

d)

Aqui, preliminarmente, sublinhemos que o próprio A. declarou ter vivido 3 anos em Itália, acolhido pelo Estado italiano, sem que tenha invocado qualquer situação minimamente concreta a que aí tenha estado sujeito que consubstancie uma violação dos seus direitos fundamentais.

Improcede, pois, a primeira questão invocada no recurso.

Por outro lado, entendemos que não ficou nenhuma factualidade por provar, (i) factualidade alegada na p.i. e relevante ou (ii) factualidade notória e relevante.

e)

E daí, também, ser correta a decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de não proceder a mais diligências de prova, designadamente as declarações de parte do autor. Nenhum facto ficou por provar.

Improcede, pois, outra questão invocada no recurso.

f)

Por outro lado, ainda, agora em matéria jurídica, resulta claramente do p.a. e da p.i. que aquilo com que o SEF foi confrontado foi apenas com a insatisfação do autor em relação aos serviços de medicina gástrica italianos. Nada mais.

Ora, entendemos que um eventual erro de diagnóstico por um médico italiano, sobre uma hérnia não redutível e de alguns milímetros na barriga do autor, não serve para concluir, juridicamente, que o sistema de acolhimento de requerentes de proteção internacional revela graves e séries falhas, para o efeito aqui pretendido. Nem para despoletar qualquer atuação oficiosa de Portugal no sentido de “fiscalizar” as condições gerais ou habituais da proteção internacional noutro Estado-Membro.

Este ponto de Direito é o essencial do recurso. E integra-se na doutrina geral emanada dos Acs. do TJUE nº C-163/17, nº C-297/17, nº 318/17, nº C-319/17 e nº C-438/17-Magamadov, e do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-01-2020, proc. nº 02240/18.

g)

Enfim, o A. nada aqui declara e nada declarou no SEF que permitisse aferir, em termos minimamente indiciários ou concretos, que, durante os 3 anos em que viveu e andou na escola em Itália, tenha sido vítima de recusas, de abusos ou maus-tratos por parte das autoridades italianas, por ser requerente de asilo ou proveniente de país terceiro ou um imigrante ilegal, em termos que pudessem ser tidos como sérios e verosímeis para determinar o Estado português a ponderar e a considerar necessário pedir informações a outras entidades sobre a situação vivida em Itália com vista a poder ou não concluir pela impossibilidade de o transferir para este país que, aliás, o já tinha acolhido; e, consequentemente, a determinar o Estado português a agir proativamente ou oficiosamente para efeitos dos artigos 3º/2/3 ou 17º do Regulamento cit.

Neste contexto, onde, sublinhamos, se inclui no essencial a cit. motivação (clínica pontual) assumida pelo autor para sair do país que lhe deu acolhimento (Itália), concluímos:

(i) que não faltam factos provados (essenciais e ou notórios), não havendo assim necessidade de produzir mais meios de prova,

(ii) que não ocorre, no ato administrativo e na sentença do Tribunal Administrativo de Círculo, qualquer desrespeito pelas disposições legais referidas nas conclusões do recurso, e

(iii) que o ato administrativo impugnado tem fundamentação (como vimos supra) e que não colidiu minimamente com a boa fé vagamente invocada no recurso.

Portanto, o SEF e o Tribunal Administrativo de Círculo aplicaram corretamente o Regulamento cit. e os artigos 19º-A e 37º/2 da Lei do Asilo, porque o pedido que o autor fez no SEF (i) não se integra nas situações especiais ou excecionais previstas no nº 2 do artigo 3º e no artigo 17º do Regulamento europeu citado e (ii) está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV da Lei do Asilo, (iii) devendo assim Portugal prescindir da análise das condições a preencher pelo interessado para beneficiar do estatuto de proteção internacional.

*

III - DECISÃO

Nestes termos e ao abrigo do artigo 202.º da Constituição e do artigo 1.º, nº 1, do EMJ (ex vi artigo 57.º do ETAF), os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em negar provimento ao recurso.

Sem custas.

Lisboa, 27-02-2020


Paulo H. Pereira Gouveia - Relator

Catarina Jarmela

Paula de Ferreirinha Loureiro

[Com declaração de voto]


___________________

Declaração de Voto

Acompanhamos o sentido da decisão final contida no dispositivo do Acórdão, mas não a totalidade da fundamentação que a estriba.
Com efeito, contrariamente ao que é pressuposto no iter do raciocínio exposto na fundamentação do Acórdão, é nosso entendimento que subsistem evidentes indícios da existência de falhas no sistema de acolhimento de refugiados do Estado Italiano, como, de resto, foi patenteado no Acórdão prolatado por este Tribunal de Apelação em 30/01/2020, no processo n.º 1322/19.2BELSB, e que subscrevemos na qualidade de Adjunto.
Em concomitância, discordamos igualmente da visão subscrita no Acórdão quanto ao ónus de alegação do Recorrente em matéria de asilo. Com efeito, a existência de sinais ou indícios de falhas sistémicas no sistema de acolhimento de refugiados por banda de um Estado-membro não carece, em nosso entendimento, de ser alegada pelo requerente de asilo, até porque não é de supor- e muito menos assumir- que o requerente tenha conhecimento das notícias veiculadas pelos órgãos de informação internacionais, ou das informações constantes dos relatórios das organizações e instituições internacionais. A nosso ver, a exigência de alegação prende-se, somente, com as circunstâncias pessoais do requerente de asilo, mormente através da invocação das suas vivências pessoais ou de circunstâncias relevantes que tenha presenciado ou de que tenha conhecimento, e que possam ser valorizadas em sede de escrutínio da previsão normativa inserta no art.º 3.º, n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 604/2013, de 26/06/2013, do Parlamento e do Conselho Europeu. Assinale-se que, em acolhimento desta visão, foram já proferidos por este mesmo Tribunal os Acórdãos nos processos n.º 1705/19.8BELSB, em 13/02/2020, n.º 1119/19.0BELSB, em 19/12/2019, n.º 1157/19.2BELSB e 1059/19.2BELSB, ambos de 21/11/2019.
Aos órgãos jurisdicionais dos Estados-membros compete, por um lado, indagar, mesmo oficiosamente, da observância e adequada aplicação do direito da União Europeia, em concretização do princípio da efetividade do direito europeu- e seus corolários, incluindo as inerentes consequências processuais-, e, por outro lado, assegurar a concretização do preceituado no art.º 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
No caso posto, o Recorrente invocou, em suma, que em Itália não lhe é dada assistência médica, o que, a nosso ver, constitui uma alegação suficientemente densificada para que se imponha uma análise mais detalhada sobre as condições de acolhimento de refugiados e requerentes de asilo no país da retoma.
Sucede, contudo, que neste mesmo caso versado o Recorrente invoca um conjunto de outros factos e circunstâncias que, em nosso entendimento, são aptas a afastar a verificação da previsão normativa inserta no art.º 3.º, n.º 2 do Regulamento n.º 604/2013 já citado.
Realmente, o Recorrente relata que permaneceu cerca de três anos em Itália, e que durante esse período temporal frequentou a escola, tendo tido acesso a cuidados médicos e medicamentosos. Do mesmo passo, o Recorrente nada mais refere quanto ao fornecimento das condições mínimas de sobrevivência, o que, também a nosso ver, é suscetível de inculcar a convicção de que o patamar mínimo de condições de acolhimento foi satisfeito no caso do Recorrente.
Por estas razões, somos conduzidos à conclusão de que, no caso do Recorrente, foi cumprido, enquanto permaneceu em Itália, o standard mínimo das condições de acolhimento, sendo certo que, tendo sido deferido o seu pedido de proteção internacional, não encontramos motivos para crer que não lhe serão disponibilizadas condições de acolhimento equivalentes àquelas de que já beneficiou.
Quer isto significar, portanto, e na esteira do afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (Grande Secção) em 19/03/2019, no processo C-163/17, que não se demonstra, no caso posto, que ocorram falhas no acolhimento com “um limiar de gravidade particularmente elevado”. Ou seja, não é possível concluir que a decisão de transferência do Recorrente para o Estado Italiano acarreta, para o Recorrente, “um sério risco de sofrer trato desumano ou degradante, na aceção desse artigo 4.º [da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia], devido às condições de vida previsíveis que encontraria enquanto beneficiário de proteção internacional no referido Estado-Membro” (Acórdão do TJUE citado).

Destarte, ante todo o exposto, impõe-se assentar que, neste caso concreto, a decisão de transferência do Recorrente para a Itália não padece do erro de julgamento que lhe é imputado, motivo pelo qual concordamos com o sentido da decisão final vertida no Acórdão a que respeita a presente declaração de voto.

Lisboa, 27 de fevereiro de 2020,
Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro