Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10782/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/20/2014
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:CRITÉRIOS DE ADJUDICAÇÃO E DE SELECÇÃO QUALITATIVA - ARTº 75º/1CCP
Sumário:1.Não é permitido recorrer a factores subjectivos próprios do “critério de selecção qualitativa” de candidatos para densificar o “critério de adjudicação” respeitante aos atributos objectivos das propostas – cfr. artº 75º nº 1 in fine CCP.

2.Cumpre não interpretar a norma do artº 75º nº 1 in fine CCP de modo a arredar qualquer hipótese de margem de livre apreciação da entidade adjudicante, desde logo no exercício da competência atribuída ao júri pelo artº 69º nº 1 b) CCP de proceder à apreciação das propostas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:C……… P……. SA, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé dela vem recorrer, concluido como segue:

1. Entre outros documentos da proposta, o Programa de Concurso exige uma Memória Justificativa onde constem, no mínimo, os meios humanos a afetar à prestação de serviços (alínea b) do ponto 9. l).
2. Note-se que este documento da proposta, porque contém três atributos da proposta (metodologia de desenvolvimento dos trabalhos e respectivo planeamento dos serviços; meios humanos a afetar à prestação de serviços; e meios materiais e equipamentos a afetar à prestação de serviços), é absolutamente essencial para a avaliação do factor " Valia Técnica da Proposta ", conforme vem referido no Anexo IV ao Programa do Procedimento (vide último parágrafo de fls 25/31).
3. O Tribunal a quo conclui, alicerçado nos documentos da proposta da Contra-Interessada adjudicatária, que a mesma não inclui os motoristas (condutores), os trabalhadores " operacionais "da valorização e ou deposição de lamas e ainda os trabalhadores de gestão administrativa e burocrática.
4. Assim sendo, deve fazer parte da matéria de facto provada a factualidade referida na conclusão anterior.
5. Assim sendo, entende a Recorrente que, constatada a omissão dos meios humanos a afectar à prestação de serviços e atendendo ao facto de a indicação de tais meios humanos constituir um atributo da proposta, absolutamente necessário para a avaliação do factor "Valia Técnica da Proposta", esta não devia ter passado à fase da avaliação, sendo excluída, ao abrigo do estabelecido nas alíneas a), c) e f) do n° 2 do art° 70°, com remissão feita na alínea a) para a
6. alínea b) do n° l do art° 57°, ambos do CCP.
SEM PRESCINDIR,
7. Contrariamente ao referido pelo Tribunal a quo, à avaliação do factor Valia Técnica da Proposta não é indiferente e irrelevante a indicação concreta, por nomes ou quantidades, dos motoristas ou dos trabalhadores "operacionais" e "administrativos" a afectar à prestação de serviços.
8. Com efeito, o Programa do Procedimento, no seu Anexo IV (folhas 25/31) estabelece as regras para a avaliação do referido factor da Valia Técnica da Proposta, esclarecendo que:
-"Para avaliação deste fator, ter-se-á em consideração o documento a apresentar pelos concorrentes de acordo com a alínea b) do n° 9.1 deste Programa de Concurso"(último parágrafo).
-"A avaliação das propostas, em termos do fator qualitativo Valia Técnica da Proposta, será feita analisando a metodologia proposta para o modo de execução da Prestação de Serviços tendo em consideração a respectiva metodologia de desenvolvimento dos trabalhos e respectivo planeamento dos serviços, a adequação da equipa técnica e meios materiais e equipamentos propostos para os trabalhos a realizar de acordo com o especificado no Caderno de Encargos." (penúltimo parágrafo).
9. Não é possível compatibilizar o raciocínio do Tribunal a quo "À avaliação a efectuar é, pois, indiferente e irrelevante a indicação concreta, por nomes ou quantidades, dos motoristas ou dos trabalhadores operacionais "e "administrativos" a afectar à prestação de serviços...", com a exigência do Programa do Procedimento segundo a qual " a avaliação das propostas... será feita...tendo em consideração...a adequação da equipa técnica e meios materiais e equipamentos...".
10. Além disso, a pontuação do factor Valia Técnica da Proposta tem a ver com o maior ou menor detalhe dos trabalhos especificados no Caderno de Encargos, depois de verificada a adequação dos meios t humanos e materiais à metodologia e planeamento dos serviços, sendo a indicação destes meios humanos e materiais absolutamente essenciais para tal efeito.
11. Com efeito, ao não indicar especificamente os meios humanos e materiais que se propõe utilizar, não pode um concorrente ver a sua proposta comparada com as dos outros concorrentes que os indicam, pela simples razão de que o júri fica impedido de verificar a adequação de tais meios à metodologia e planeamento dos serviços propostos, elemento absolutamente essencial para a avaliação do factor Valia Técnica da Proposta.
12. Também não pode colher a versão do Tribunal a quo que refere "...Esta falta de concretização na especificação, quanto aos meios humanos em causa...foi ponderada, negativamente, pelo júri do concurso na fase da avaliação das propostas, reflectindo-se na classificação atribuída ao factor da "valia técnica da proposta. Mas ela não importava, para a proposta em apreço, a falta de apresentação de algum dos seus atributos, nos termos do disposto na alínea b) do n° l do art° 57°...".
13. Tal asserção não corresponde à verdade, porquanto a falta de indicação de tais meios humanos ou materiais não é ponderável, pois o que é ponderável são os trabalhos especificados no Caderno de Encargos (conforme decorre da própria grelha de fls 25/31 do Programa do Procedimento- Anexo IV).
14. Em suma, os concorrentes deviam, a par de indicar a metodologia (i), deviam indicar os meios humanos (ii) e materiais (iii), todos eles atributos e elementos básicos essenciais, de modo a que o júri pudesse verificar a adequação dos meios à metodologia e trabalhos especificados no Caderno de Encargos (recolha, transporte e valorização e ou deposição de lamas) e só depois o factor da Valia Técnica da Proposta podia ser avaliado, tendo em conta o maior ou menor detalhe dos trabalhos especificados para cada uma das prestações de serviços (recolha, transporte e valorização e ou deposição de lamas).
15. Existe erro de julgamento do Tribunal a quo e, por isso, a sentença deve ser anulada.
16. A decisão de adjudicação é ilegal, por violar o estabelecido na alínea b) do n° l do art° 57° do CCP, devendo a proposta da Contra-Interessada adjudicatária ser excluída ao abrigo do estabelecido nas alíneas a), c) e f) do n° 2 do art° 70° e alínea o) do n° 2 do art° 146°, todos do CCP e ainda por ofensa dos princípios administrativos da igualdade, transparência e da concorrência.
*
O Consórcio Contra-Interessado ora Recorrido contra-alegou, concluindo como segue:

1. No recurso interposto no âmbito do processo 411/13.1BELLE, vem a Recorrente arguir anulabilidade da sentença. Contudo não lhe assiste razão;
2. As recorrentes apresentaram, como documento que é parte integrante da proposta, uma memória descritiva do modo de execução dos trabalhos onde descreveram a equipa técnica a afectar à prestação de serviços, elencando as suas competências e funções.
3. O júri reconheceu, atendendo aos documentos apresentados, a conformidade das prestações oferecidas e que estas satisfaziam os requisitos de prazo, lugar e modo exigidos pela entidade adjudicante;
4. Quer isto dizer que o júri do concurso entendeu que, para além de o documento em apreço ter sido apresentado, o mesmo cumpria os requisitos do programa de concurso, conforme decidiu, sem qualquer censura, o Tribunal a quo.
5. Aponta a recorrente "erro de julgamento" pelo facto de o Tribunal a quo ter entendido que a existência de motoristas está pressuposta por evidentes razões lógicas na própria natureza da prestação de serviços de transporte
6. Existe ainda erro de julgamento, no entender da recorrente, quando o Tribunal a quo pressupõe a existência de profissionais para realizar os serviços de valorização e deposição de lamas.
7. A recorrente classifica estas duas elementares deduções - como "interpretação extensiva ou restritiva do alcance lógico dás suas normas";
8. Contudo, tal dedução não consubstancia qualquer interpretação extensiva de normas do programa de concurso. De facto,
9. O Tribunal a quo (e o júri) ao pressuporem a existência de motoristas para conduzir veículos e de operacionais para manusear lamas, não efectuaram qualquer interpretação de normas do programa de concurso, mas inferiram o que é de comum senso: há determinadas categorias de pessoal operacional que são inerentes a uma prestação de serviços.
10. Ou seja, existem funções inerentes à própria prestação de serviço (inúmeras, aliás) e pelo facto de se pressuporem não está o júri, ou o Tribunal a quo, a efectuar qualquer interpretação extensiva e, muito menos a incorrer em erros de julgamento, como pretende fazer crer a recorrente.
11. Por outro lado, a alegada omissão de indicação dos motoristas e dos operacionais das lamas também não influiu na avaliação das propostas;
12. Fazer crer que a indicação de nomes ou quantidades de pessoas para conduzir os camiões de resíduos ou dos nomes e quantidades de pessoas que manuseiam esses resíduos constituiu factor de avaliação é absurdo,
13. Aliás, a Recorrente confunde equipa técnica com equipa operacional. De facto,
14. No penúltimo parágrafo do ponto 3 do anexo IV do programa de procedimento no tocante à avaliação do factor "Valia Técnica da Proposta" lê-se que "a avaliação da propostas em termos do factor qualitativo valia técnica da proposta será feito analisado (...) a adequação da equipa técnica"
15. Contudo, nem os motoristas, nem manuseadores de resíduos e outros operacionais integram a equipa técnica pelo que a avaliação deste tipo de pessoal a afectar à prestação destes serviços não constitui factor de avaliação das propostas como erradamente sustenta a recorrente.
16. Não tem razão a recorrente quando escreve que a alegada falta "influiu na avaliação" porquanto inexiste no modelo de avaliação qualquer factor de avaliação que incida sobre a equipa operacional, facto que razoavelmente se compreende.
17. Por fim, cumpre ainda aqui aludir à questão da subcontratação, sendo certo que as recorridas declararam na sua proposta a intenção de recorrerem à subcontratação relativamente a este serviço.
18. Prevê o Código dos Contratos Públicos, mormente o artigo 168º, número 4, "caso exista subcontratação, (...), a respectiva candidatura é ainda constituída por uma declaração através da qual estes se comprometam, incondicionalmente, a realizar determinadas prestações objecto do contrato a celebrar".
19. Quer isto dizer que, nem o programa de procedimento nem o código dos contratos públicos impõem que o concorrente, em caso de subcontratação, este tenha obrigatoriedade de apresentar, para além das declarações de compromisso apresentadas nos termos do ponto 9.2 do programa de procedimento, qualquer outra documentação adicional referente à subcontratação, mormente o pessoal que irá afectar à execução do subcontrato.
20. Assim sendo também quanto a este aspecto também não se vislumbra qualquer erro de julgamento do Tribunal a quo.
21. Em face do exposto, improcedem inteiramente as aliás doutas Conclusões da Recorrente.

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Com dispensa de vistos substituídos pelas competentes cópias entregues aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a matéria de facto que se transcreve:

a) Em 21de Janeiro de 2013, foi publicitada, através de anúncio (n.° 257/2013) publicado no Diário da República, 2.a Série, n.° 14, Parte L, a abertura de um concurso público para celebração de um contrato de aquisição de serviços, a adjudicar pela Águas do ………, S.A., designado por "Prestação de Serviços de Recolha, Transporte e Valorização/Deposição em Destino Final de Lamas de Tratamento de Aguas Residuais das Zonas 2 e 3" (cf., no processo administrativo em suporte digital, anúncio do procedimento);
b) O procedimento concursal t
c) inha por objecto a celebração de um contrato de prestação de serviços de recolha, transporte e valorização/deposição em destino final de lamas de tratamento de águas residuais produzidos em instalações pertencentes à empresa Aguas do ……., S.A. (cf., no processo administrativo, programa do concurso, ponto l);
d) O programa do concurso indicava, no ponto 9, relativo aos "documentos da proposta", o seguinte:
“9. DOCUMENTOS DA PROPOSTA
9.1 A proposta é constituída pelos seguintes documentos, contendo os atributos da proposta relativos a aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos e de acordo com os quais o Concorrente se dispõe a contratar:
a) Proposta de preços unitários em conformidade com o modelo constante do ANEXO l. Os preços da proposta serão expressos em euros, e não incluirão o imposto sobre o valor acrescentado.


Omissis.


DO DIREITO


A questão trazida a recurso nos itens 5 a 16 das conclusões centra-se na fase de avaliação das propostas apresentadas no procedimanto de concurso público aberto pela empresa do sector empresarial local e ora Recorrida Águas do ………. SA, tendo por objecto a "Prestação de Serviços de Recolha, Transporte e Valorização/ Deposição em Destino Final de Lamas de Tratamento de Águas Residuais das Zonas 2 e 3", em que o critério de adjudicação fixado é o da proposta económicamente mais vantajosa – vd. itens a) e d) do probatório.
No caso concreto, o critério de adjudicação constante do ponto 18.1 do Programa de Concurso é densificado por dois factores elementares e respectivos coeficientes de ponderação - Preço global com o coeficiente atribuído de 60% e Valia técnica da proposta, de 40% -, importando à matéria controvertida o Anexo IV – ponto 3 do Programa do Concurso onde a Entidade Adjudicante desdobrou o factor ValiaTécnica da Proposta numa grelha construída segundo uma escala valorativa de graduação descendente da qualidade, como a seguir se transcreve de fls. 279/280 e 293 dos autos – matéria constante dos itens d) e e) do probatório.

“(..) 18. Critério de Adjudicação da Prestação de Serviços
18.1 O critério de adjudicação da Prestação de serviços é o da proposta económicamente mais vantajosa, densificado nos seguintes factores elementares de avaliação das propostas relativos aos aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos e respectivos coeficientes de ponderação:
1. Preço global ………………………………………………………….. 60%
2. Valia técnica da proposta ……………………………………………. 40%
18.2 Para a análise das propostas utilizar-se-á a metodologia constante do Anexo IV deste programa de Consurso.
18.3 Tendo presente o critério de adjudicação da empreitada referido no ponto 18.1 e o modelo de avaliação definido no Anexo IV, … (..)”

*
“(..) 3. Avaliação do Factor “Valia Técnica da Proposta”

A pontuação do fator Valia Técnica da Proposta será atribuída com base na seguinte metodologia:
Proposta de muito boa qualidade e com um nível excelente de detalhe dos trabalhos especificados no Caderno de Encargos, relativamente aos aspetos do fator em apreciação. 10
Proposta de boa qualidade e com um bom nível de detalhe dos trabalhos especificados no Caderno de Encargos, relativamente aos aspetos do fator em apreciação 8
Proposta de qualidade satisfatória e com um nível aceitável de detalhe dos trabalhos especificados no Caderno de Encargos, relativamente aos aspetos do fator em apreciação 6
Proposta de qualidade fraca e com um nível mediano de detalhe dos trabalhos especificados no Caderno de Encargos, relativamente aos aspetos do fator em apreciação 4
Proposta de muito fraca qualidade que não satisfaz o especificado no Caderno de Encargos, relativamente aos aspetos do fator em apreciação 2
Proposta de sem qualidade, não evidenciando qualquer garantia de.satisfazer o Caderno de Encargos, relativamente aos aspetos do fator em apreciação 0
Caso a proposta apresente uma qualidade intermédia nos descritores de valorização dos seus atributos no fator qualitativo 2 - Valia Técnica da Proposto, serão atribuídas as pontuações intermédias ímpares às apresentadas no quadro anterior.
A avaliação das propostas, em termos do fator qualitativo Valia Técnica da Proposta, será feita analisando a metodologia proposta para o modo de execução da Prestação de Serviços tendo em consideração a respetiva metodologia de desenvolvimento dos trabalhos e respetivo planeamento dos serviços, a adequação da equipa técnica e meios materiais e equipamentos propostos para os trabalhos a realizar de acordo com o especificado no Caderno de Encargos.
Para a avaliação deste fator, ter-se-á em consideração o documento a apresentar pelos concorrentes de acordo com a alínea b) do nº 9,1 deste Programa de Concurso. (..)”


1. congelamento do modelo de avaliação;

É apenas com base nos factores ou respectivo desdobramento em sub-factores elementares que densificam o critério de adjudicação, que o júri procede à operação de avaliação dos atributos das propostas apresentadas na exacta medida em que são esses factores ou sub-factores elementares que, simultâneamente, (i) explicitam por si a composição do modelo de avaliação da proposta económicamente mais vantajosa (artº 139º CCP) e (ii) constituem os aspectos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência, o mesmo é dizer, os atributos a serem propostos pelos concorrentes, regime que resulta da conjugação dos artºs. 75º nº 2 e 132º nº 1 n) CCP e donde deriva a regra da inalterabilidade dos modelos de avaliação e seus elementos, cumprindo à entidade adjudicante “(..) não só publicitar o critério de adjudicação e os seus elementos, mas publicitar antecipadamente aquilo que os concorrentes têm de fazer para ter as pontuações pretendidas. (..)”. (1)

2. proibição de avaliação de propostas com recurso a factores de aptidão dos concorrentes – artº 75º nº 1 in fine, CCP;;

Além do congelamento do modelo de avaliação o caso trazido a recurso convoca também a regra da separação entre factores de densificação do critério de adjudicação e factores de densificação do critério de selecção qualitativa dos concorrentes, constante do artº 75º nº 1 CCP.
Como nos diz a doutrina especializada, flui do disposto nos nºs. 1 e 3 do artº 75º CCP que, no tocante aos factores ou sub-factores do modelo de avaliação da proposta, não se podem misturar “(..) os que respeitam aos próprios atributos (objectivos) de que ela deve ir revestida – um bom preço, um prazo de execução curto, uma qualidade técnica elevada – [e] outros respeit[antes] aos concorrentes que as apresentam, aos seus recursos humanos, aos equipamentos de que dispõem, ao dinheiro que podem investir, em suma, à sua aptidão para executarem o contrato.
(..) constitui um elemento legalmente vinculado da avaliação das propostas – rectius, do respectivo modelo de avaliação – o facto de, quando se trata de procedimentos de formação de empreitadas ou concessões de obras públicas, de concessão de serviços, de locação ou aquisição de vens ou de aquisição de serviços, não poderem interferir na avaliação das propostas factores ou dados relativos à capacidade técnica e financeira dos concorrentes, destinados a verificar da sua aptidão ou inaptidão para a execução do contrato.
É regra que se encontra hoje consagrada – por transposição do direito comunitário – no artº 75º/1 do CCP. (..) Corresponde assim à distinção das directivas entre os factores que podem ser definidos nas peças do procedimento para densificação dos “critérios de adjudicação” (v.g. artº 53º da Directiva 2004/18) e os factores que podem ser definidos como “critérios de selecção qualitativa” (artºs. 45º e 46º ibidem). (..)
Verificação da aptidão dos proponentes (entre nós, qualificação dos candidatos) e adjudicação do contrato são nas Directivas 2004/17 e 2004/18, duas operações distintas, reguladas por diferentes regras e factores: aquela primeira é efectuada pela entidade adjudicante de acordo com os critérios de capacidade técnica e financeira, os denominados “critérios de selecção qualitativa”; a adjudicação, por sua vez, baseia-se nos critérios do preço mais baixo ou da proposta económicamente mais vantajosa. (..) esta [a adjudicação] só pode fazer-se entre os critérios que visem identificar a proposta económicamente mais vantajosa, com exclusão dos factores ligados essencialmente à apreciação da aptidão dos proponentes para executar o contrato em questão. (..)
Deve entender-se, pois, que está proibida nos contratos nominados do respectivo nº 3 do artº 75º/1 do CCP - e pelo direito comunitário - a utilização de factores que tenham por objecto considerações relativas à experiência, às habilitações académicas, aos meios e equipamentos susceptíveis de garantir uma boa execução do contrato, etc., por serem factores relativos à (maior ou menor) aptidão dos proponentes para executar o contrato. (..)
(..) Ao fim e ao cabo do que se trata aqui é de um comando [artº 75º/1 do CCP] no sentido de (..) quando, por qualquer motivo, determinado contrato – a sua complexidade, a sua tecnicidade, a sua dimensão – convir que seja executado por operadores económicos que dêem garantias acrescentadas quanto ao cumprimento pontual e de valor acrescentado do contrato, se dever então optar por um procedimento em que exista uma fase de qualificação, para limitar a apresentação de propostas àqueles que disponham de aptidões consideradas suficientes. (..)”(2)

*
O que vem de ser dito significa a improcedência das questões trazidas a recurso nos itens 5 a 14 das conclusões no sentido de que “(..) à avaliação do factor Valia Técnica da Proposta não é indiferente e irrelevante a indicação concreta, por nomes ou quantidades, dos motoristas ou dos trabalhadores " operacionais " e "administrativos " a afectar à prestação de serviços. (..)”.

E por dois motivos principais.

Em primeiro lugar, a composição do modelo de avaliação das propostas no tocante ao desdobramento do factor “Valia Técnica da Proposta” numa gelha construída segundo uma escala valorativa de graduação descendente da qualidade, constante do Anexo IV, ponto 3 do Programa do Concurso – vd. itens d) e e) do probatório - não contém nenhuma referência quantitativa de meios humanos afectos à prestação de serviços atendendo aos “trabalhos especificados no Caderno de Encargos”, sendo certo que a incorporação de factores quantitativos implica que o programa do concurso defina a expressão matemática pela qual tais factores serão avaliados, vd. artº 139º nº 3 CCP, o que, claramente, não é o caso.
Consequentemente, a adopção da tese da ora Recorrente traduzir-se-ia na modificação dos elementos do modelo de avaliação, em contrário do ditame legal de obrigatoriedade de definir a priori nas peças do procedimento, maxime no programa do concurso, os critérios que presidem à avaliação e escolha da melhor proposta - o mesmo é dizer, os critérios que presidem ao exercício da competência do júri concursal -, obrigatoriedade que tem como corolário a regra da inalterabilidade do modelo de avaliação, nos termos conjugados dos artºs. 75º. nº 2 e 132º nº 1 n) CCP, conforme já exposto.

Em segundo lugar, a inclusão da referência quantitativa de meios humanos envolvidos nos trabalhos de execução para efeitos de avaliação das propostas configuraria uma violação das regras de conformação do critério de adjudicação, dado que se trata de um procedimento de concurso público cuja tramitação não prevê, tal como no concurso limitado, uma fase de qualificação para valorar a aptidão dos candidatos.
Como já referido, a incorporação do número de profissionais envolvidos na execução do contrato nos sub-factores elementares do critério de adjudicação, como item de valoração da qualidade da proposta para boa execução do contrato, conflitua com a proibição de recorrer a factores subjectivos próprios do “critério de selecção qualitativa de candidatos para densificar o “critério de adjudicaçãorespeitante aos atributos objectivos das propostas, proibição imposta pelo artº 75º nº 1 in fine CCP.


3. legalidade da avaliação; margem de livre apreciação;

Todavia., cumpre não interpretar a norma do artº 75º nº 1 in fine CCP de modo a arredar qualquer hipótese de margem de livre apreciação da entidade adjudicante, desde logo no exercício da competência atribuída ao júri pelo artº 69º nº 1 b) CCP de proceder à apreciação das propostas.
Desde logo porque só em abstracto é possível conceber uma bitola que trace a zona de fronteira entre o que se entende por valoração de factos que reportam ao sujeito-concorrente, da valoração de factos que reportam à proposta levada ao procedimento, ou seja, à sua criação.
Como nos diz a doutrina, a separação entre avaliação do concorrente e avaliação da proposta parte “(..) de um pressuposto muitíssimo problemático, que vale a pena enunciar e cujos limites importa fixar. Esse pressuposto é o da possibilidade de uma separação estrita entre aquilo que diz respeito ao concorrente e aquilo que diz respeito à sua proposta. (..)”. (3)
De modo que aferir se o concreto procedimento incorpora no elenco de critérios de adjudicação de propostas factores ou sub-factores elementares cuja valoração apenas colhe sentido no âmbito dos critérios de selecção qualitativa por “(..) dizerem respeito, directa ou indirectamente, a situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes (..)” - vd. artº 75º nº 1 in fine CCP, passa pela sedimentação de elementos de facto retirados dos casos concretos trazidos a juízo sobre esta matéria da legalidade da avaliação a propósito do regime do artº 75º CCP, sedimentação essa que dê espessura aos conceitos abertos do citado normativo, densificando a previsão legal.

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E passa também, seguindo o enquadramento doutrinário que vimos citando, por afastar o “(..) risco de modelos de avaliação fechados antes de o concurso se iniciar … de os mesmos não permitirem à entidade adjudicante valorizar devidamente as qualidades de algumas propostas apresentadas, por estas não “caberem” dentro do modelo de avaliação (..)
Acresce que não me parece desejável que a tarefa de avaliação das propostas se aproxime de uma tarefa automática de recondução dos atributos da proposta à pontuação prevista para os mesmos no modelo de avaliação, como uma certa leitura do CCP leva a entender ser sua intenção. (..) a dificuldade estará em fazer modelos de avaliação que permitam “acomodar” as inovações e as “surpresas” constantes das propostas, e valorizá-las devidamente, o que só sucederá com recurso a expressões que concedam ao júri uma margem de livre apreciação. (..)
(..) Ampliando o campo de vinculação da Administração, quer no momento de elaboração dos modelos de avaliação quer na fase posterior da sua aplicação à avaliação das propostas apresentadas no concurso, ampliou-se, paralelamente, o âmbito do controlo jurisdicional. Os Tribunais vão ser chamados a controlar a legalidade dos modelos de avaliação patenteados nos concursos e a legalidade da avaliação das propostas ao abrigo de tais modelos de avaliação, passando a ser menos claro qual o espaço da “discricionariedade técnica da Administração”. (..) terá de haver bom senso na delimitação entre o que é verdadeiramente espaço de vinculação e o que continuará a ser, apesar de tudo, margem de livre apreciação da Administração e discricionariedade técnica (..)”. (4)

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No caso em apreço, do ponto 3. do Anexo IV do Programa do Concurso consta o desdobramento do factor elementar “Valia Técnica da Proposta” numa grelha construída segundo uma escala valorativa de graduação descendente da qualidade, a saber,
- “proposta de muito boa qualidade” “com nível excelente de detalhe dos trabalhos especificados”
- “proposta de boa qualidade” “com bom nível de detalhe dos trabalhos especificados”
- “proposta de qualidade satisfatória” “com nível aceitável de detalhe dos trabalhos especificados”
- “proposta de qualidade fraca” “com nível mediano de detalhe dos trabalhos especificados”
-“proposta sem qualidade” “não evidenciando qualquer garantia de satisfazer o caderno de encargos” – vd. item e) do probatório.

Por sua vez, o ponto 9.1 b) do Programa do Concurso contém a referência ao documento da proposta em que a entidade adjudicante, conforme previsto no artº 57º nº 1 b) CCP, determina os aspectos de execução do contrato submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos, no caso, nos pontos 32.2, 33, 34 e 36 – vd. itens f), g) e h) do probatório – a saber:
“(..) Memória justificativa e descritiva do modo de execução da prestação de serviços: o concorrente especificará os aspectos técnicos da mesma expressando inequívocamente os que considera essenciais à validade da sua proposta e cuja rejeição implica a sua ineficácia, e onde conste no mínimo:
i. Metodologia de desenvolvimento dos trabalhos e respectivo planeamento dos serviços;
ii. Meios humanos a afectar à prestação de serviços;
iii. Meios Materiais e Equipamentos a afectar à prestação de serviços; (..)”

O mencionado conteúdo das peças do procedimento adjudicatório presente nos autos, indica que a avaliação das propostas consiste numa tarefa em que o júri é chamado a formular juízos valorativos de carácter eminentemente técnico no domínio do transporte e tratamento de lamas oriundas do tratamento de águas residuais, juizos esses que há-de converter em juízos classificatórios de carácter qualitativo e numérico segundo a escala de pontuação dos factores elementares que densificam o critério de adjudicação a a expressão matemática relativa ao factor “Preço Unitário Global”e o modelo de avaliação relativo ao factor “Valia Técnica da Proposta”, juízos que recaem e configuram o mérito dos atributos que cada proposta apresenta, concluindo a final pela indicação da melhor proposta.
O caso trazido a juízo constitui um bom exemplo de risco em que incorre uma interpretação do artº 75º nº 1 in fine CCP no sentido essencialista da imparcialidade e transparência procedimentais, expresso nos modelos fechados de avaliação e da separação estrita entre avaliação da proposta e avaliação do concorrente.
Isto porque, se aplicado no caso concreto, tal levaria a negar não só o exercício da competência de avaliação técnico-qualitativa pelo júri concursal como, no exercício das respectivas funções, negar um espaço de liberdade de actuação administrativa à entidade adjudicante, na forma da margem de livre apreciação da qualidade das propostas.
Aliás, no limite, tal entendimento levaria a inviabilizar o próprio modelo de avaliação expresso no programa do procedimento.
Efectivamente, tendo em conta os factores elementares que densificam o critério de adjudicação (ponto 18.1 do Programa de Concurso) e particularmente no que respeita ao factor “Valia Técnica da Proposta” desdobrado na grelha valorativa da qualidade em graduação descendente (Anexo IV - ponto 3 do citado Programa), retira-se que o exercício da competência do júri configura uma actividade simultâneamente jurídica e de valoração técnica em área estranha à ciência do direito (transporte e tratamento de lamas de águas residuais), insusceptível de remeter a avaliação das propostas a mera recondução automática dos atributos apresentados pelos concorrentes através do documento referido no ponto 9.1 b) do Programa do Concurso à pontuação prevista para os mesmos no modelo de avaliação.

*
Pelo exposto e concluindo, improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 5 a 14 das conclusões e mostra-se prejudicada a questão relativa à ampliação da matéria de facto constante das conclusões sob os itens 1 a 4.


***


Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença proferida.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 20.MAR.2014



(Cristina dos Santos) ……………………………………………………………………

(Rui Pereira) ……………………………………………………………………………

(Sofia David) …………………………………………………………………………

(1) Miguel Assis Raimundo, A formação dos contratos públicos, aafdl/2013, pág. 833; Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos de contratação pública, Almedina/2011, págs. 963, 969/971, 974/975.
(2) Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos …, págs. 964/967.
(3) Miguel Assis Raimundo, A formação … págs. 849/851.
(4) Margarida Olazabal Cabral, O concurso público no CCP, in Estudos de Contratação Pública, CEDIPRE -I, Coimbra Editora/2008, págs. 208/209.