Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04893/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/28/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IMI. VALOR PATRIMONIAL. FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. Cabe à AT, enquanto fundamentação formal do acto de liquidação, a invocação do preenchimento dos concretos pressupostos legais de que depende o seu direito à liquidação, com elementos claros, suficientes e congruentes, de molde a permitir ao administrado ajuizar da correcção/legalidade da mesma de molde a com ela se possa conformar ou vir a impugná-la, graciosa ou judicialmente, se a entender eivada de algum vício que a afecte na sua legalidade;
2. Mesmo os chamados actos praticados em massa se encontram sujeitos a um mínimo de fundamentação em ordem a atingir aquele desiderato, a qual constitui uma garantia do administrado, até de ordem constitucional;
3. Não se encontra formalmente fundamentado o acto de liquidação de IMI em que o valor patrimonial do prédio foi aumentado no espaço de dois anos, em mais de 15 vezes, sem que nenhuma explicação concreta e coeva do acto, para tal, tenha sido invocada.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A...– A..., SA, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I. Visa o presente recurso reagir contra a Douta Sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por A...- A... SA, contra a nota de cobrança de IMI n.º 2004 120000003 do ano de 2004 no montante total de € 24.244,19, correspondente a 2 prestações de € 12.159,60 cada.
II. Considera a Douta Sentença recorrida, que se verificou vício por falta de fundamentação da liquidação do Imposto Municipal s/Imóveis referente ao ano de 2004.
III. Foram formulados pelo Impugnante dois pedidos, um principal e um subsidiário, seguindo o segundo na senda da improcedência do primeiro, ou seja, a declaração do acto de ineficácia do acto de notificação que levou ao conhecimento da impugnante a liquidação de IMI
IV. Verificamos que não foram especificados os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão de improcedência do pedido principal em desobediência do preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do Código Processo Civil.
V. A Douta Sentença concentrou-se na averiguação e decisão do pedido subsidiário, ou seja, na verificação/inverificação do vício de falta de fundamentação da nota de cobrança de IMI referente ao ano de 2004, razão pela qual exercemos o presente recurso sobre esta parte da decisão.
VI. Foi dada razão à Administração Fiscal no que concerne ao primeiro pedido considerando-se legal a liquidação controvertida, considerando-se ainda que não se verificou qualquer ilegalidade e/ou preterição de formalidades legais na sua fundamentação e, também, que não foi praticado qualquer acto em sede de 2.ª avaliação fiscal relativamente ao artigo inscrito sob o n.º 3320 da matriz predial urbana da freguesia do Estoril.
VII. Foi dado como facto provado na Douta Sentença que o valor patrimonial do referido imóvel resultou da aplicação do factor 15 em conjugação com o factor de actualização 1.30, sobre a renda anual do ano de 1988 após abatimento das despesas de conservação e encargos do ­artigo 115.º, de acordo com o preceituado nos artigos 113. ° e 115. ° do Código da Contribuição Predial, este aplicável por força do DL 442 -C/88 de 30/11 que aprovou o Código da Contribuição Autárquica, e artigo 55.º da Lei 39-B de 27/02.
VIII. O valor patrimonial foi actualizado por aplicação directa do factor 1.97 fixado pela Portaria 1337/2003 de 05/12, por força do artigo 16.º do DL 287/03 de 12/11, factor este correspondente ao último ano de entrega de declaração de rendas, 1989.
IX. A Administração Fiscal não teve qualquer intervenção no procedimento de determinação do valor patrimonial do prédio em causa, resultando este valor patrimonial exclusivamente da aplicação directa e mecânica dos preceitos legislativos, de acordo com o regime legal que operou a reforma do património.
X. Não foi efectuada qualquer avaliação do prédio em causa, porquanto, o valor patrimonial do prédio teve por base a aplicação de factores legais ao valor real do mercado de arrendamento.
XI. A Douta Sentença considerou no entanto que se verificou falta de fundamentação do documento de cobrança n.º 2004 120000003 relativo a IMI do ano de 2004, porquanto, o mesmo não evidencia nem fundamenta a forma como foi determinado o valor patrimonial que lhe serviu de base.
XII. A Douta Sentença procedeu à errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, porquanto, da nota de cobrança n.º 2004 120000003 constam todos os elementos previstos e exigidos na lei, sem excepção, designadamente nos artigos 119.º e 120.º do código do IMI, nomeadamente, discriminação dos prédios, respectivo valor patrimonial tributário e colecta imputada a cada município da localização dos prédios.
XIII. Disponibilizam as câmaras municipais e os serviços de finanças da área da situação dos prédios aos interessados e naquele mesmo período, toda a informação contendo os elementos referidos no número anterior, que podem ser ar consultados.
XIV. A ora Impugnante não consultou o serviço de finanças competente nem a respectiva câmara municipal a fim de obter a desejada informação, conforme preceituado no n.º 2 do artigo 119.º do CIMI.
XV. A lei constitui ainda os contribuintes, no caso o sujeito passivo, na obrigação caso não recebam a nota de cobrança, de solicitar em qualquer serviço de finanças uma 2.ª via daquele documento.
XVI. A nota de cobrança foi devidamente emitida e é tempestiva.
XVI. A Douta Sentença procedeu à errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, nomeadamente os artigos 119.º e 120.º do CIMI.

Termos em que, com o mui Douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a Douta Sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, dizendo aderir ao parecer pré-sentencial proferido pelo Ministério Público junto do Tribunal “a quo”, bem no acórdão deste TCAS de 1-6-2010, no recurso n.º 3953/10, proferido em decisão que reputa como paralela, tendo sido produzida fundamentação formal suficiente, de acordo com preceitos legais aplicáveis.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a sentença recorrida padece do vício formal de falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que levaram à decisão; E não padecendo, se o valor patrimonial do prédio urbano sobre que incidiu a colecta de IMI no ano de 2004, não padece do vício de falta da sua fundamentação (formal).


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Em 30/09/1993, por escritura realizada no Vigésimo Primeiro Cartório Notarial de Lisboa, a B...- B..., SA, posteriormente C..., Lda, posteriormente A...- A..., SA comprou o prédio urbano "...composto de edifício de sub-cave, cave, rés-do-chão e quatro andares, com a área coberta de quinhentos e trinta e seis metro quadrados, anexos para balneários, arrecadação e bar com área coberta de duzentos e dez metros quadrados, piscina com área de cento e quarenta e cinco metros quadrados e logradouro com a área de mil duzentos e vinte e dois vírgula setenta e um metros quadrados, sito no lugar e freguesia do Estoril, concelho de Cascais, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3 320, com o valor patrimonial de 27.575.730$00 e descrito na Conservatária do Registo Predial de Cascais, Segunda Secção, sob a ficha 02089 da referida Freguesia" - cfr. artigo 3.º da petição inicial, a fls. 2 verso;
B) A Impugnante foi notificada para efectuar o pagamento da 1.ª prestação do Imposto Municipal sobre Imóveis documento de cobrança n.º 2004 120000003, emitido em 17/03/2005, referente ao prédio: "1105 Município de Cascais, 110504 Estoril U-03320", Ano: 2004, Valor Patrimonial Tributário: 3331667,51 €; Taxa 0,80; Colecta: 24 319,19 €; valor a pagar: € 12 159,60; 1.ª Prestação. Este imposto é receita do(s) Município(s) identificado(s) neste(s) documento(s) e a taxa, bem como a majoração/minoração, aplicada a prédios urbanos foi fixada por deliberação da (s) respectiva(s) Assembleia(s) Municipal(is). Foi observado na presente liquidação, o disposto no art. 25.º do DL 287/2003, de 12/11"- cfr. fls.15;
C) Em 20/05/2005, foram apresentados os presentes autos de impugnação - cfr. carimbo, a fls. 2;
D) O Representante da Fazenda Pública, na contestação que remete para informação do Serviço de Finanças de Cascais 1, com data de 26/07/2005, sobre a petição dos presentes autos, vem dizer que não houve 2.ª avaliação mas:
"1) o referido prédio urbano estava a ser tributado indevidamente pelo valor patrimonial de € 178811,31;
2) e indevidamente porque o prédio esteve arrendado em 1988 pela renda anual de 30.545.542$00 (152.360,52 €) o que abatidas as despesas de conservação e os encargos do art. 115.º, dá um rendimento colectável de 22.603.701$00 (112. 746,79 €) de que resulta o valor Patrimonial correcto, com a aplicação do factor 15 e do factor legal de actualização de 1,30 de 2.198.562,41€, e é sobre esse valor Patrimonial que o prédio tem de ser tributado até ao ano de 2002, inclusive.
3) Entretanto, no ano de 2003, o valor patrimonial deve ser actualizado, em função do Dec-Lei n.º 287/03, de 12/11, pelo factor correspondente ao ano de 1989 que é de 1.97, pelo que o valor tributável deste imóvel para o ano de 2003 será de € 3.331.667,51 e não 2.469.154,59 € como estava indicado e sobre o qual foi tributado.
Foi assim com base neste valor efectuada a liquidação do IMI respeitante ao ano de 2004 da qual resultou uma colecta de € 24.319,19 e emitida nota de cobrança n.º 120000003 para pagamento da 1.ª prestação durante o mês de Abril/05" - cfr. fls. 82 a 84;
E) O Serviço de Finanças de Cascais I, em aditamento à informação referida em D, vem dizer:
"No ponto 2 daquela, onde se menciona que à renda anual seriam abatidas despesas de conservação e encargos, deveria constar que este facto se verificava por força do determinado no art. 113.º do Código da Contribuição Predial, sendo os encargos os referidos no art.115.º do mesmo código, aplicável por força do DL 442-C/88 de 30/11, que aprova o código da CA.
Ainda no mesmo ponto é referido o factor de actualização 1,30 que resulta da previsão do art. 55.º da Lei 39-B de 27/02.
No ponto 3 daquela informação não foi igualmente referido que o factor indicado de 1,97 havia sido fixado pela Portaria n.º 1337/2003 de 05/12.
Acresce ainda referir que foi aplicado o factor respeitante ao ano de 1989 uma vez que foi o ano em que o prédio sofreu a última alteração com base na dec. de rendas levada à matriz (cópia anexa), sendo por isso aplicado o disposto no art. 16.º do DL 287/03 de 12/11." - cfr. fls. 85.
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Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
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Considero provado o facto A por não ter sido impugnado e os restantes, atento ao teor dos documentos juntos aos autos.

A que, nos termos da alínea ) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC, se acrescenta ao probatório mais um alínea, em ordem a dele constar a ordem de grandeza do valor patrimonial do prédio em causa, em anos anteriores e próximos daquele a que se reporta a liquidação impugnada:
F) Nos documentos de cobrança relativos à contribuição autárquica incidente sobre os rendimentos do mesmo prédio urbano, artigo matricial 03320 – Estoril, dos anos de 2001 e 2002, o valor patrimonial indicado em todos eles foi o de € 178.811,31 – cfr. doc. de fls. 16 a 18 dos autos.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do tribunal “a quo”, em síntese, que o acto de liquidação não se encontra formalmente fundamentado, designadamente nas vertentes em que a ora recorrida invoca não conhecer como foram alcançados tais valores patrimoniais, sendo que as explicações entretanto fornecidas pela AT, constantes da matéria das alíneas D) e E) do probatório fixado na sentença recorrida, constituem fundamentação a posteriori e como tal, insusceptível de com base nela se alicerçarem tais liquidações.

É contra o assim decidido que a RFP vem a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal exercer um juízo de censura à sentença recorrida em ordem à sua revogação ou declaração da sua nulidade, pugnando desde logo pela falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que levaram à improcedência do pedido principal e que não houve qualquer intervenção da AT no valor patrimonial do prédio em causa tendo o mesmo resultado da aplicação da lei entretanto vigente de acordo com o valor patrimonial que já vinha de 1988 e que esses elementos constam disponíveis nas câmaras municipais e nos serviços de finanças não enfermando o acto de liquidação de tal vício formal.

Vejamos então.
Desde logo não podemos deixar de trazer a primeiro plano que a matéria contida nas conclusões I a VI, não encontra qualquer eco com o que na sentença recorrida se decidiu e nem com o que dos autos constam, desde logo da respectiva petição inicial da presente impugnação, no que aos pedidos formulados aí se encontram.

Na verdade, como de fls 11 verso se pode colher, sob a epígrafe “V. Do pedido”, o que dele se ler, é que a ora recorrida formulou dois pedidos, um principal e um pedido subsidiário, pedidos a) e b), mas não nos termos em que a ora recorrente aponta.
É que no pedido principal, a pedir a ilegalidade de tal liquidação, fá-lo por dois diferentes fundamentos: 1 - por preterição de formalidades legais por falta de notificação de procedimento de avaliação; e 2 – por falta de fundamentação, falta esta de fundamentação do acto que encontra eco na matéria dos art.ºs 19.º e segs da mesma petição, ainda que a respectiva arrumação seja algo confusa e misturada com a falta de remessa dessa mesma fundamentação aquando do acto de notificação – cfr. seus art.ºs 21.º e segs e 34.º e segs da mesma peça processual.

Logo, contrariamente ao invocado pela ora recorrente, não houve qualquer improcedência do pedido principal e bem assim não houve qualquer parte do decidido que tenha sido favorável à mesma ora recorrente, aliás, se tal pedido principal lhe tivesse favorável com a improcedência da impugnação pelo mesmo, como a mesma invoca na matéria da sua conclusão IV, então nem a mesma teria legitimidade processual para vir arguir a nulidade da sentença, nessa parte, por não ser parte vencida, mas sim vencedora – cfr. art.º 689.º, n.º1 do CPC, na redacção de então.

O que aconteceu foi que a M. Juiz do Tribunal, na sentença recorrida, julgou a impugnação judicial procedente pelo fundamento de falta de fundamentação (formal) do acto de liquidação, ou seja, no pedido formulado a título principal pela ora recorrida, na mesma petição, não tendo conhecido de mais nenhum dos fundamentos, quer do outro fundamento contido nesse mesmo pedido principal, quer do contido no pedido subsidiário, certamente por os haver considerados prejudicados, ao abrigo do disposto no art.º 660.º, n.º2 do Código de Processo Civil (CPC), ainda que, expressamente, o não tenha invocado.


Assim, a matéria de tais alíneas das conclusões das alegações do recurso, enquanto completamente desfocadas da realidade da matéria que na mesma sentença se conheceu e que antes deveriam questionar, afrontar ou impugnar, não pode deixar de levar, ao seu arrimo, ao respectivo improvimento (salvo havendo questão de conhecimento oficioso, que outra solução impusesse, que no caso se não vislumbra).


Cabe agora conhecer do (único) fundamento conhecido na sentença recorrida de falta de fundamentação formal do acto de liquidação de IMI, em que a sentença recorrida com base nessa falta julgou a impugnação judicial procedente e contra o que a ora recorrente se vem insurgir na matéria das restantes conclusões do seu recurso.

Desde logo convém frisar, que o conceito de fundamentação exigível para cada tipo de acto depende da sua natureza, sendo de conteúdo variável em função do grau de complexidade do acto em causa, é instrumental e a sua suficiência deve ser aferida pelo comprometimento ou não da possibilidade de reacção contra o mesmo, e tem de ser contemporânea, ou seja, só vale a que no acto do seu nascimento teve lugar e que lhe subjaz e não outra, posteriormente aduzida, ainda que já então tivesse existência, mas que não foi invocada(1).

(2) Que os actos tributários devam ser fundamentados não discordam, quer a recorrente, quer a M. Juiz do Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, ainda que no caso, quanto à fundamentação existente no acto de liquidação impugnado, a unanimidade já não exista, em que a sentença recorrida por um lado, defende tal fundamentação, ao passo que a recorrente, vem pugnar pela sua inexistência, pugnando que no caso outra fundamentação não seria exigível.

A exigência legal da fundamentação tem em vista colocar o administrado em condições de conhecer e compreender o "iter" cognoscitivo, valorativo e volitivo do respectivo autor e, consequentemente, de se poder determinar pela aceitação ou pela impugnação do acto.

É sabido que a administração tem o dever de fundamentar os actos administrativos em geral, de modo claro, suficiente e congruente - cfr. os artigos 268.º n.º3 da Constituição, 1.º do Dec.Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, 124.º e 125.º do Código de Procedimento Administrativo - bem como os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes, especialmente daqueles que não pertençam ao tipo de actos "em série" ou "em massa", como hoje acontece, por força daquelas normas e das dos art.ºs 19.º alínea b), 21.º e 82.º do CPT, 77.º da LGT e 60.º do CPPT.

Esta obrigação não tem por objectivo único a "protecção por essa via dos direitos e interesses dos administrados mas inclui, em primeira linha, a garantia de um procedimento decisório correcto" - José Carlos Vieira de Andrade, O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, pág. 43. Não se visa, pois, e apenas, que o particular fique ciente das razões por que a Administração decidiu de uma e não de outra maneira; quer-se, também, impor à Administração, por, esta via, uma necessária reflexão e ponderação explícitas das razões e argumentos em confronto, que a fundamentação do acto deve patentear, assim tornando transparente a actividade administrativa.
Daí que não baste dizer, em demonstração do cumprimento do dever de fundamentar, que o administrado reagiu contra o acto administrativo, revelando, com essa reacção, ter atingido o alcance e razões do acto. Por um lado, não é seguro que o administrado não tenha apenas "adivinhado" os fundamentos ocultos do acto administrativo, que dele mesmo, acto, devem transparecer. Por outro lado, o legislador quis que a administração não decidisse imponderadamente, obrigando-a a plasmar na fundamentação as razões da sua opção, de tal modo que a própria administração se aperceba, ao fundamentar, do bem ou mal fundado da sua escolha, a tempo de emendar a mão, se disso for caso, e que o acto se apresente transparente.
Isto para concluir que não é decisivo o argumento, aliás, frequente, de acordo com o qual só o facto de o acto ter sido contenciosamente recorrido, com a decorrente imputação de vícios, já demonstra que ele estava devidamente fundamentado.

A fundamentação consiste em deduzir a resolução tomada das premissas em que assenta, ou em exprimir os motivos por que se resolve de certa maneira e não de outra, in Marcello Caetano, "Manual de Direito Administrativo", Vol. I, pág. 477.

Numa fórmula abrangente será de considerar como fundamentação a exteriorização das razões de facto e de direito, que servem de suporte a uma decisão, esclarecedoras dos necessários e legais pressupostos e da motivação do agente.
Assim "o dever de fundamentação expressa apresenta-se como «um instituto» tendo como centro de referência uma declaração que reúne todas e quaisquer razões que o autor assuma como determinantes da decisão, sejam as que exprimam uma intenção de agir, demonstrando a ocorrência concreta dos pressupostos legais, sejam as que visam explicar o conteúdo escolhido a partir dessa adesão ao fim, manifestando a composição de interesses considerados para adoptar a medida adequada à satisfação do interesse público no caso", obra citada pág. 22.

Concretizando aquela noção de fundamentação diremos que a declaração em que se consubstancia há-de ser necessariamente justificante do acto que suporta, pela enunciação dos pressupostos possíveis e dos motivos coerentes e credíveis aptos à pertinência material do acto; isto é, as razões de facto e de direito invocadas hão-de traduzir-se num discurso que justifique, como possível e credível, o acto.

Nesta medida tal discurso há-de ser claro, congruente ou racional e suficiente por..."conter os elementos bastantes, capazes ou aptos a basear a decisão", ou por outras palavras, "os actos administrativos devem apresentar-se formalmente como disposições conclusivas lógicas de premissas correctamente desenvolvidas e permitir através da exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, façam a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente".

Esta, pois, a noção de fundamentação formal, imposta pelo nosso ordenamento jurídico, distinta da fundamentação substancial caracterizada pela exigência da existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo (cfr. obra citada 231)(3).

A este respeito e finalmente cabe, apenas, referir a possibilidade da fundamentação por remissão, situação em que "quaisquer invocações de factos ou de avaliações só pertencem à fundamentação se forem assumidos pelo decisor ou se este para elas remeter, por força da lei, esses fundamentos são, como as respectivas documentações, «integrados» no acto" (cfr. obra citada, 228).
...

No caso, a ora recorrida, na matéria da sua petição, no que a tal falta de fundamentação diz respeito, que houve um alteração do valor patrimonial de tal prédio para este ano de 2004 (desde 2002?), cuja razão não consegue apreender e nem lhe foi comunicado por que motivo o mesmo teve lugar – cfr. matéria dos artºs 10.º, 14.º, 15.º, 17.º e 18.º da sua petição inicial de impugnação – sendo que tal valor patrimonial de acordo com as regras legais, entretanto entradas em vigor, seria de 35.848.449$00 (valor este que, efectivamente, consta nas mesmas notas, relativas a 1999 e a 2000, como de fls 19 a 22 dos autos se pode colher), quando a liquidação foi operada com o valor patrimonial de 440.772.107$00, sem que se possa perceber como aqui se chegou, ao que a ora recorrente contrapõe, as normas e diplomas que, em abstracto, vieram ao longo dos anos, impondo actualizações de tais valores patrimoniais, não tendo em concreto vindo trazer no presente recurso ou em momento processual anterior, como tal concreto valor foi alcançado, e nem o lugar e por que forma, o mesmo foi atingido.

Como bem costa na matéria da alínea b) do probatório fixado na sentença recorrida, de acordo aliás, com o teor do documento de fls 15 dos autos, a respectiva nota de cobrança remetida à ora recorrida, apenas menciona o valor patrimonial do prédio em 2004 em € 3.331.667,51 (para além dos demais elementos nela constantes), nada referindo como tal valor, em concreto, foi obtido, nem o PA apenso nos traz qualquer luz a este respeito, com fundamentação contemporânea do mesmo, como bem se fundamenta na mesma sentença, sendo o único elemento constante neste PA um valor de renda relativa ao ano de 1988, de 28.000.080$000, relativo ao modelo previsto no art.º 116.º do CCPISA, entregue pela então Planasa-Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliário, SA, cuja cópia consta a fls 75 deste PA.

Ainda que a fundamentação dos chamados actos em massa, possa ser de menor dimensão ou menos exaustiva, como constitui jurisprudência corrente(4), tem sempre de permitir ao administrado perceber por que razão teve lugar aquela dimensão quantitativa do valor patrimonial do prédio, no caso, de molde a com tal liquidação poder conformar-se ou impugná-la, graciosa ou contenciosamente, se com ela se não conformar, designadamente por a mesma se encontrar inquinada de qualquer vício ou erro que a afecte na sua legalidade, bem podendo no caso ocorrer, mesmo até, um qualquer erro aritmético nas várias operações de actualização, legalmente previstas, a que tal valor foi sujeito ao longo dos anos, o que no caso, a singela indicação desse valor patrimonial não permite, tanto mais que ele é bem superior àquele sobre que foi liquidada a então contribuição autárquica em 2001 e 2002 (passou de € 178.811,31 naqueles dois anos para € 3.331.667,51 neste ano de 2004, ou seja, mais de 15 vezes), sem que a AT tenha trazido qualquer elemento concreto que explique e em que tivesse esteado tal liquidação, o mesmo sendo de dizer que tal liquidação carece de fundamentação bastante, contemporânea do acto, e que o ancore, pelo que não pode deixar de padecer do invocado vício consistente na sua falta, conducente à sua ilegalidade e à sua anulação, como bem se decidiu na sentença recorrida, que assim deve ser confirmada.

A invocada norma do art.º 119.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), aprovado pelo art.º 2.º do Dec-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, com entrada em vigor em 1-12-2003 – cfr. art.º 32.º do mesmo Dec-Lei – reportada ao “pagamento”, “documento de cobrança”, apenas se reporta aos elementos que este deve conter e a informação sobre os mesmos ao dispor do sujeito passivo nas câmaras municipais e nos serviços de finanças, nada dispondo sobre a fundamentação dos actos de liquidação desse imposto em si, sabido que estes avisos de cobrança(5) mais não são do que a forma por que as notificações de tais liquidações são efectuadas, ou sejam, reportam-se a actos posteriores e externos a tal liquidação, e que têm por fito levá-los ao conhecimento dos contribuintes – cfr. art.º 35.º, n.º1 do CPPT – como aliás é típico de qualquer notificação, ao contrário do invocado pela recorrente na matéria das suas conclusões XII e segs, que confunde as exigências do seu conteúdo com a fundamentação dos respectivos actos de liquidação de IMI comunicados.

Também o recurso deste TCAS invocado pela Exma RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer – acórdão de 1-6-2010, proferido no recurso n.º 3953/10 – não tem a ver especificamente com a necessidade de fundamentação do acto de liquidação de IMI mas sim com a dimensão dessa fundamentação no âmbito do regime das actuais 2.ªs avaliações dos prédios, no regime do actual CIMI, essencialmente fundado em elementos objectivos, o que não se encontra em causa no presente recurso, e constitui jurisprudência corrente designadamente deste TCAS(6).


Improcede assim, toda a matéria das conclusões das alegações do recursos sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 28/02/2012

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEDRO VERGUEIRO


1- Cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STA de 21-5-2008 e de 10-3-2011, recursos n.ºs 256/08-30 e 862/10, respectivamente.
2- Seguiu-se aqui, de perto, a doutrina do acórdão deste TCAS proferido no recurso n.º 4272/10, igualmente da lavra do Relator do presente.
3- Cfr. em sentido semelhante o acórdão do STA de 25.9.1996, recurso n.º 20 396.
4- Cfr. neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do STA de 17-6-2009, recurso n.º 246/09.
5- Não havendo assim lugar a qualquer outro acto de notificação para as liquidações que sejam efectuadas dentro do seu prazo normal – cfr. neste sentido o acórdão do STA de 20-10-2010, recurso n.º 1089/09.
6- Cfr. neste sentido o acórdão deste TCAS no recurso n.º 4547/11, que teve por Relator o do presente.