Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 275/14.8 BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 06/01/2023 |
| Relator: | CATARINA ALMEIDA E SOUSA |
| Descritores: | SIMULAÇÃO DE PREÇO ÓNUS DA PROVA |
| Sumário: | I - Compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que o preço declarado nas operações realizadas não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação.
II - A AT não tem que demonstrar a falsidade do preço declarado, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de a operação referida ser simulada, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO V ……………………………. e I ……………………………, deduziram impugnação judicial da decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa que apresentaram contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), com o n.º ………………..697, no montante de €51.792,89, relativa ao ano de 2008. O Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, por sentença de 5 de janeiro de 2023, julgou a impugnação procedente e, em consequência, anulou a liquidação sindicada. Inconformada com o assim decidido, a Fazenda Pública apelou para este Tribunal Central Administrativo Sul tendo, na sua alegação, apresentado as seguintes conclusões: «A. Vem o presente recurso reagir da douta sentença proferida em 2023-01-05, relativa ao processo n.º 275/14.8BELRS, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelos Recorridos da decisão de indeferimento apresentada da liquidação adicional de IRS n.º …………………697, referente ao ano de 2008, no valor de € 51.792,89 (cinquenta e um mil, setecentos e noventa e dois euros e oitenta e nove cêntimos), que entendeu que a liquidação controvertida padece de erro nos pressupostos de facto ou de direito, condenando a AT à anulação da mesma. B. No presente recurso, pretende-se que seja apreciada o erro de julgamento de facto da douta sentença recorrida na apreciação da prova recolhida e na subsequente conclusão de que o ónus da prova não foi cumprido pela AT. C. De acordo com a factualidade apurada pelos SIT, a contabilidade da sociedade E …………………., Lda., reflete a compra do direito de propriedade do prédio inscrito na matriz sob o artigo ……….º, fração …….., da freguesia de S …………………., “Essa operação encontra-se reflectida na contabilidade da E ………………., tendo o pagamento efectuado a V ………………., sido registado na conta POC 26.8.2.1.158, através do documento interno Banc. 015079 de Janeiro de 2008, no valor de € 345.000,00. Esta conta já tinha um saldo inicial no valor de € 90.000,00. Essa conta corrente é saldada pela contabilização da escritura, conforme extracto de conta junto a Fls. 1 a 4, do Anexo 5.”, cf. facto provado constante em J) a fls. 8 e 9 da douta sentença. D. A contabilidade da sociedade E …………………., Lda. reflete, ainda, os seguintes movimentos contabilísticos, relevados nos factos provados constantes de E) a H1), de fls. 6 e 7 da douta sentença, “E) A contabilidade da sociedade “E ………….., Lda” evidenciava a 31.12.2007 na conta 26.8.1.1.901 – Outros Devedores e Credores, titulada pelo sócio-gerente da “E …………..”, Sr. G ……………………., o lançamento a débito do montante de 309.000,00€, com data de 01.12.2007, referente ao documento Banc. 125317, com a descrição de lançamento “C ……………. Soc de Prod” (cfr. fls. 68 do PAT). F) Constava da contabilidade da sociedade “E…………., Lda”, com data de 31.12.2007, o documento nº 120317, registado na conta Bancos 1202 ………….. B…………, o valor de 309.000,00€, por contrapartida da conta 26.8.2.1.158, em nome do ora Impugnante, constando a descrição “Pagamento a V ………………” (cfr. fls. 68-verso do PAT). G) Constava da contabilidade da sociedade “E ……………., Lda”, com data de 31.12.2007, o documento interno nº 1223/07 designado por “Pedido de Compra/Reembolso”, no qual constavam os seguintes elementos: “Fornecedor Rubrica/Item no Orçamento Descritivo V.M.E. Euros T…………… Adiantamento à Sócios Adiantamento à Sócios 309.000,00€” (cfr. fls. 69 do PAT) H) Constava da contabilidade da sociedade “E ……..., Lda”, com data de 03.01.2008, o documento interno nº 1191/07 designado por “Pedido de Compra/Reembolso”, no qual constavam os seguintes elementos: “Fornecedor Rubrica/Item no Orçamento Descritivo V.M.E. Euros T………….. Adiantamento à Sócios Adiantamento à Sócios 309.000,00€” (cfr. fls. 69-verso do PAT) E. Assim, o facto provado constante em E) deve ser alterado, nos termos do n.º 1 do artigo 662.º do CPC ex vi a alínea e) do artigo 2.º do CPPT, por forma a constar “A contabilidade da sociedade “E ……….., Lda” evidenciava a 31.12.2007 na conta 26.8.1.1.901 – Outros Devedores e Credores, titulada pelo sóciogerente da “E …………..”, Sr. G ………………, o lançamento a débito do montante de 309.000,00€, com data de 01.12.2007, referente ao documento Banc. 125317, com a descrição de lançamento “C…………….. Soc de Prod”, anteriormente imputado à conta 26.8.2.1.158 …………………a (cfr. fls. 68 do PAT)”. F. Resulta da contabilidade da E……………………, Lda que a escritura de compra e venda do prédio inscrito na matriz sob o artigo ………..º, fração ……….., da freguesia de Santa …………., foi realizada pelo valor declarado de € 435.000,00 (quatrocentos e trinta e cinco mil euros), através do documento interno Banc. 015079 de Janeiro de 2008, cf. facto provado constante em D) a fls. 6 da douta sentença. G. Resulta, ainda, da contabilidade da E……………….que, em acréscimo ao valor de € 435.000,00 (quatrocentos e trinta e cinco mil euros), foram, ainda, entregues ao Recorrido marido o valor de € 309.000,00 (trezentos e nove mil euros), cf. facto provado constante em E) (na redação ora proposta) e F) a fls. 6 da douta sentença. H. O pagamento do valor de € 309.000,00 foi efetuado através da emissão de 11 (onze) cheques, 10 (dez) no valor de € 30.000,00 (trinta mil euros) cada, e um no valor de € 9.000,00 (nove mil euros), cuja cópia foi junta ao procedimento inspetivo. I. Entende a douta sentença recorrida que “Ora, todas as referidas e supra evidenciadas incongruências apenas podem levar à conclusão de que a contabilidade da sociedade “E............. ......., Lda”, no que àqueles movimentos respeita, não merecia o mínimo de credibilidade, nunca tendo a Inspeção Tributária tentado aprofundar as razões concretas para a evidenciação daqueles elementos contabilísticos, limitando-se a conferir-lhes veracidade plena.” (sublinhado nosso). J. Recordamos que, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LGT, “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os danos e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”. K. O valor de € 309.000,00 (trezentos e nove mil) euros foi contabilizado na conta 26.8.2.1.158 V ……………….., tendo por contrapartida o registo na conta de Bancos de 2007-12-31, sendo que alguns dos cheques foram levantados do banco em 2008-01-14, após a celebração da escritura pública. L. Tanto o registo contabilístico na conta bancos como a data em que os cheques foram levantados coincidem com o horizonte temporal da outorga da escritura pública. M. A razão pela qual os cheques foram aceites pelo banco é algo alheio aos SIT, aos Recorridos e à E............. ......., Lda. O que é factual é que o valor de € 309.000,00 (trezentos e nove mil euros) foi levantado da conta da E............. ......., Lda., através dos cheque emitidos. N. Nenhum destes factos atenta contra a credibilidade da contabilidade da E............. ......., Lda. O. Acresce que, os SIT procuraram entender o sucedido junto do sócio-gerente da sociedade E............. ......., Lda., constando a fls. 9 do relatório e anexo V ao relatório do procedimento inspetivo o termo de declarações, coincidindo o teor das declarações com a contabilidade da E............. ......., Lda. P. O Tribunal a quo reputa as declarações de duvidosa credibilidade, mas sem esclarecer porquê. Q. Prossegue a douta sentença recorrida, “Por outro lado, parece nunca a Inspeção Tributária ter tido qualquer interesse em averiguar por que razão os elementos contabilísticos em que se suportou se encontravam contabilizados no exercício de 2007, não obstante verificar que os cheques se encontram todos emitidos já em 08.01.2008.”, cf. fls. 19 da douta sentença. R. Considerando que a compra e venda do prédio inscrito na matriz sob o artigo ….º, fração …., da freguesia de Santa ………………, e que a permuta entre as frações … e .. do prédio inscrito na matriz sob o artigo ….º, da freguesia de Santa ……….., foram acordadas no ano de 2007, não é surpreendente que a contabilidade da E............. ......., Lda, reflita a preparação da operação no exercício de 2007. S. Acresce que, encontrando-se a escritura agendada para 2008-01-10, é normal que os cheques sejam emitidos antes desta data. T. Afigura-se à RFP que, perante os indícios e a factualidade recolhida, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto ao entender que a factualidade assente não permite concluir que os Recorridos tenham recebido o valor de € 309.000,00 (trezentos e nove mil euros), correspondentes aos onze cheques emitidos pela sociedade E............. ......., Lda, junto do banco e entregues aos Recorridos. U. Mais se afigura que a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto ao considerar que a AT não cumpriu com o ónus da prova que lhe incumbia, não devendo, assim, subsistir no ordenamento jurídico-tributário. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença recorrida, sendo substituída por acórdão que julgue os presentes autos improcedentes, como é de Direito e de Justiça.» * Não há registo de contra-alegações. * O Exmo. Procurador-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. * Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão. * II – FUNDAMENTAÇÃO - De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «A) Por escritura pública celebrada em 10.01.2002 o ora Impugnante adquiriu pelo valor de 210.243,31€ a fração autónoma designada pelas letras “……….” do prédio urbano designado por “Torre ……………..”, sito na Av. ………… e Av. D. ………….., lote 1.05.01, à data ainda omisso na matriz predial urbana da freguesia de Santa …………… (cfr. escritura a 59 a 61 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). B) Por escritura pública celebrada em 10.01.2008, os ora Impugnantes declararam vender a fração autónoma designada pelas letras “……” do prédio urbano designado por “Torre ……………..”, sito na Av. ………….. e Av. D. …….. lote 1.05.01, à data ainda omisso na matriz predial urbana da freguesia de Santa ……………., à sociedade “E............., ....... ……………., Lda”, pelo valor de 435.000,00€ (cfr. escritura a 62 a 64 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). C) Por escritura pública celebrada em 10.01.2008, os ora Impugnantes declararam permutar a fração autónoma designada pelas letras “….” do prédio urbano designado por “Torre …………….”, sito na Av. …… e Av. D. ………, lote 1.05.01, à data ainda omisso na matriz predial urbana da freguesia de Santa ……., com a sociedade “E............., ....... ……………., Lda”, recebendo desta a fração autónoma designada pelas letras “……..” do mesmo prédio, atribuindo a ambas as frações permutadas o valor de 450.000,00€ (cfr. escritura a 62 a 64 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido) D) A operação referida em B) foi refletida na contabilidade da “E............. ......., Lda”, tendo o pagamento efetuado ao ora Impugnante sido registado na conta POC. 26.8.2.1.158, através do documento interno Banc. 015079 de janeiro de 2008 no valor de 345.000€, conta que já tinha um saldo inicial no valor de 90.000€, sendo a referida conta corrente saldada pela contabilização da escritura (acordo – facto resultante do Relatório Inspetivo e não impugnado, acabando parcialmente a ser confirmado nos artigos 7º e 8º da p.i.). E) A contabilidade da sociedade “E............. ......., Lda” evidenciava a 31.12.2007 na conta 26.8.1.1.901 – Outros Devedores e Credores, titulada pelo sóciogerente da “E............. .......”, Sr. G ………………, o lançamento a débito do montante de 309.000,00€, com data de 01.12.2007, referente ao documento Banc. 125317, com a descrição de lançamento “C ……….. Soc de Prod” (cfr. fls. 68 do PAT). F) Constava da contabilidade da sociedade “E............. ......., Lda”, com data de 31.12.2007, o documento nº 120317, registado na conta Bancos 1202 ………… B………., o valor de 309.000,00€, por contrapartida da conta 26.8.2.1.158, em nome do ora Impugnante, constando a descrição “Pagamento a V ………..” (cfr. fls. 68-verso do PAT). G) Constava da contabilidade da sociedade “E............. ......., Lda”, com data de 31.12.2007, o documento interno nº 1223/07 designado por “Pedido de Compra/Reembolso”, no qual constavam os seguintes elementos: “Fornecedor Rubrica/Item no Orçamento Descritivo V.M.E. Euros T……………. Adiantamento à Sócios Adiantamento à Sócios 309.000,00€” (cfr. fls. 69 do PAT) H) Constava da contabilidade da sociedade “E............. ......., Lda”, com data de 03.01.2008, o documento interno nº 1191/07 designado por “Pedido de Compra/Reembolso”, no qual constavam os seguintes elementos: “Fornecedor Rubrica/Item no Orçamento Descritivo V.M.E. Euros T ………. Adiantamento à Sócios Adiantamento à Sócios 309.000,00€” (cfr. fls. 69-verso do PAT) H) Em 08.01.2008 o sócio gerente da sociedade “E............. ......., Lda” assinou 11 cheques, cuja validade terminava em 21.12.2007, totalizando 309.000,00€ (10 cheques de 30.000€ e um cheque de 9.000€), tendo pelo menos quatro deles sido passados à ordem de C ………………….. e outro dois levantados por uma pessoa chamada N…….. (cfr. fls. 38 a 44 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos e fls. 70 e 71 do PAT). I) Dos 11 cheques referidos na alínea antecedente, pelo menos três deles, no valor de 90.000€ foram levantados em 14.01.2008 por C…………………….(cfr. fls. . 39, 41 e 44 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos). J) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI201106003, de 28.10.2011, foi levada a cabo ação inspetiva externa aos ora Impugnantes, tendo o respetivo Relatório Final sido elaborado em 21.02.2013 com o seguinte teor: “(…) 1.2. CORREÇÕES PROPOSTAS EM SEDE DE IRS K) Em concretização das correções vertidas no Relatório transcrito na alínea antecedente, em 16.03.2013 foi emitida em nome dos Impugnantes a liquidação adicional de IRS do ano de 2008 com o nº ………….697, que gerou uma nota de compensação no montante a pagar de 51.792,89€ (cfr. docs. nºs 1 a 3 juntos com a p.i.). L) Os Impugnante apresentaram em 25.09.2013 reclamação graciosa contra a liquidação referida na alínea antecedente, a qual foi instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 6 sob o nº ………………..970 (cfr. fls. 1 a 6 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos) M) Por despacho proferido em 30.01.2014, pelo Chefe da Divisão de Justiça Administrativa de Lisboa, foi a reclamação graciosa indeferida, com base em informação dos serviços que no essencial se limita a reproduzir o teor do Relatório Inspetivo (cfr. fls. 61 a 64 do processo de reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). **** Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados. **** Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na posição factual expressa pelas partes na p.i. e contestação, na prova documental junta aos autos e no processo administrativo em apenso.» * - De Direito
A impugnação judicial dirigida ao TT de Lisboa visou aferir se a liquidação de IRS contestada era ilegal por falta de fundamentação e/ou por erro sobre os pressupostos de facto e de direito das correções efetuadas. Como se infere daquilo que antecede, em 1ª instância a impugnação judicial foi julgada procedente e, em consequência, foi anulada a liquidação adicional de IRS do ano de 2008. Com efeito, apesar de o Tribunal ter julgado improcedente o primeiro fundamento de impugnação apreciado (a falta de fundamentação da liquidação), a sentença veio a concluir “pela ilegalidade da liquidação impugnada, por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito”. Para tanto, o Mmo. Juiz a quo considerou que cabia à Administração Tributária (AT) o ónus da prova dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação, ou seja, o ónus da prova de que os Impugnantes receberam 309.000,00€ que não declararam para efeitos de IRS, ónus este que não foi cumprido. A Recorrente, Fazenda Pública, insurge-se contra o assim decidido, apontando à sentença erro de julgamento, quer de facto, quer de direito. Comecemos pelo erro de julgamento quanto à matéria de facto, evidenciado na conclusão E), na qual se lê o seguinte: “E. Assim, o facto provado constante em E) deve ser alterado, nos termos do n.º 1 do artigo 662.º do CPC ex vi a alínea e) do artigo 2.º do CPPT, por forma a constar “A contabilidade da sociedade “E............. ......., Lda” evidenciava a 31.12.2007 na conta 26.8.1.1.901 – Outros Devedores e Credores, titulada pelo sócio- gerente da “E............. .......”, Sr. G …………., o lançamento a débito do montante de 309.000,00€, com data de 01.12.2007, referente ao documento Banc. 125317, com a descrição de lançamento “C ……………….Soc de Prod”, anteriormente imputado à conta 26.8.2.1.158 V ………………….. (cfr. fls. 68 do PAT)”. Como se constata, entre a redação constante da sentença e aquela que aqui é proposta pela Recorrente, há a diferença que corresponde ao que deixámos sublinhado, ou seja, “anteriormente imputado à conta 26.8.2.1.158 V …………………”. Efetivamente, o aditamento proposto à formulação do facto pode retirar-se de fls. 68/frente e verso do PAT, pelo que a pretendida alteração é de aceitar e, nessa medida, a alínea E) dos factos provados passa a contar com a redação acima transcrita, tal como requerida pela Recorrente. Visto isto, avancemos, pois mostra-se estabilizada a matéria de facto. * Entrando no erro de julgamento de direito, importa lembrar que a AT imputava aos Impugnantes, ora Recorridos, a realização de uma operação de simulação de negócios jurídicos no que concerne ao preço de efetivação desses mesmos negócios. O Tribunal a quo, depois de expor o quadro legal aplicável e evidenciar os elementos de facto com pertinência para a solução da causa, veio a concluir que “os indícios de simulação de preço em que a AT se suportou para proceder à correção dos rendimentos dos Impugnantes não se revelam sequer credíveis, pelo que não se mostram os suficientes e necessários a suportar a sua atuação. Na realidade a AT atuou exclusivamente com base em juízos conclusivos sem suporte factual”. Consequentemente – prossegue a sentença – cabendo à AT o ónus da prova dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação, “ou seja, o ónus da prova de que os Impugnantes receberam 309.000,00€ que não declararam para efeitos de IRS, há que concluir pela ilegalidade da correção efetuada e, por conseguinte, pela ilegalidade da liquidação impugnada, por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito”. É contra este juízo que a Fazenda Pública se insurge, defendendo que foram recolhidos indícios sérios e suficientes de que os Recorridos receberam o valor de € 309.000,00, correspondentes aos 11 cheques emitidos pela sociedade E............. ......., Lda e que, portanto, a AT cumpriu com o ónus da prova que, nos termos da lei, lhe incumbia. Vejamos, então, o que se nos oferece dizer a este propósito. Comecemos por fazer referência ao ónus da prova no âmbito da correção em análise, lembrando que a AT, em sede inspetiva, imputa aos Impugnantes a realização duma operação simulada, no que concerne ao preço de efetivação dos negócios jurídicos em causa. No caso, como a sentença bem evidenciou, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT), o que significa que compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que o preço declarado nas operações realizadas não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação - vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF. Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efetue uma prova direta da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indireta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT). Ou seja, no caso, a AT não tem que demonstrar a falsidade do preço declarado, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de a operação referida ser simulada, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT. Com efeito, sobre as declarações do contribuinte existe a presunção de veracidade e de boa-fé, princípio base consagrado no artigo 75º da LGT. O afastamento da presunção ocorre quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (artigo 75º, nº 2, alínea a)) e quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária (artigo 75º, nº 2, alínea b). No que concerne à prova que compete à Administração - na repartição do ónus da prova de que demos nota supra - o que é imprescindível é que aquela a faça com base em factos suficientemente indiciadores, permitindo ao Tribunal concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (expressão de Castro Mendes citado por Saldanha Sanches), pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada nos documentos que a suportam e em que se apoiou a declaração do contribuinte. Nesta tarefa, poderá a AT lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado. Vejamos, então, não perdendo de vista o enquadramento jurídico gizado relativamente ao ónus da prova e considerando os factos apurados em sede inspetiva, com vista a dar resposta à questão de saber se resulta dos factos considerados que a AT fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que o preço de efetivação dos negócios em causa é falso e que, portanto, o valor declarado não corresponde à realidade. Em caso afirmativo, importará saber se os Impugnantes lograram demonstrar em Tribunal que, não obstante os indícios colhidos, é real e efetivo o valor dos negócios declarados quanto aos imóveis em causa. Tenhamos presente que, conforme decorre do RIT, a AT sustentava que os Impugnantes, para além dos valores declarados nas escrituras públicas de compra e venda e de permuta, receberam mais 309.000,00€ da sociedade “E............. ......., Lda” que omitiram, montante este que corresponde a rendimento tributável em sede de IRS. Como a sentença pôs em destaque, a este propósito, a conclusão dos SIT assentou exclusivamente em “declarações prestadas pelo sócio-gerente daquela sociedade, com base em 11 cheques bancários ao portador ou passados à ordem de funcionários da mesma sociedade, que os levantaram, e finalmente num lançamento contabilístico que indicia o referido pagamento”. E, se bem lermos as conclusões da alegação do recurso, esta linha de entendimento mantém-se inalterada no recurso, pois a Fazenda defende que o quadro indiciário assim recolhido é suficiente para concluir nos termos em que o fez, no sentido da simulação do preço subjacentes ao negócio de compra e venda e permuta. Neste ponto de análise, importa recuperar a sentença, na qual se teceram as seguintes considerações: “(…) No entanto, se bem atentarmos no probatório podemos verificar o seguinte: - o valor de 309.000,00€ já se encontrava em 31.12.2007, ou seja, antes das escrituras de compra e venda e de permuta e da emissão dos cheques, contabilizado numa conta de “Outros Credores e Devedores” titulada pelo próprio sócio-gerente e suportado em documento com a descrição na contabilidade “C l…………………… Soc de Prod” e registado no Diário Banco; - o mesmo valor encontrava-se inscrito em dois documentos internos da contabilidade, datados de 31.12.2007 e de 03.01.2008, indicando como “Fornecedor: T …….” e como “Descritivo: Adiantamento à Sócios”; - o documento constante da contabilidade que regista uma movimentação contabilística de 309.000,00€ para o Impugnante, tem como contrapartida a conta de Bancos – ………….. B……, e está datado de 31.12.2007, ou seja, muito antes das escrituras celebradas e muito antes da emissão e levantamento dos cheques; - os cheques supostamente emitidos para pagamento ao Impugnante, no valor de 309.000,00€ foram emitidos ao portador ou à ordem de funcionários da sociedade “E............. ......., Lda”, e foram levantados por funcionários da mesma empresa, sendo que três deles (90.000,00€) apenas o foram em 14.01.2008, dias depois da celebração das escrituras públicas; - Todos os cheques tinham como data de validade o dia 21.12.2007, desconhecendo-se as razões pelas quais os mesmos terão sido aceites pelo Banco. Ora, todas as referidas e supra evidenciadas incongruências apenas podem levar à conclusão de que a contabilidade da sociedade “E............. ......., Lda”, no que àqueles movimentos respeita, não merecia o mínimo de credibilidade, nunca tendo a Inspeção Tributária tentado aprofundar as razões concretas para a evidenciação daqueles elementos contabilísticos, limitando-se a conferir-lhes veracidade plena. Por outro lado, nunca a Inspeção tentou obter um esclarecimento cabal junto do sócio-gerente da sociedade, com uma situação plenamente ativa e pessoalmente interessada no valor de 309.000,00€, dos elementos que se encontram inscritos numa conta por si titulada, limitando-se a acreditar cegamente no teor das suas declarações que se nos afiguram de duvidosa credibilidade, não tendo inclusivamente questionado os funcionários da empresa que procederam ao levantamento dos cheques bancários por forma a saber a quem foi entregue o dinheiro ou o porquê de lhes ter sido incumbida a tarefa de proceder àqueles levantamentos. Por outro lado, parece nunca a Inspeção Tributária ter tido qualquer interesse em averiguar por que razão os elementos contabilísticos em que se suportou se encontravam contabilizados no exercício de 2007, não obstante verificar que os cheques se encontram todos emitidos já em 08.01.2008. Finalmente, é incompreensível que a Inspeção Tributária, perante a inexistência de um único elemento de facto com intervenção direta dos próprios Impugnantes, não tenha sequer tentado aceder aos elementos bancários destes, designadamente através da derrogação do sigilo bancário, por forma a poder confirmar o recebimento do valor em causa, o que lhe traria adicionais motivos de certeza em termos de atuação posterior”. A Fazenda Pública discorda destas considerações levadas a cabo pelo Tribunal a quo, defendendo, ao invés e em abono da sua tese, que: - resulta da contabilidade da E............. ....... que, em acréscimo ao valor de € 435.000,00 foram, ainda, entregues ao Recorrido marido o valor de € 309.000,00, o que resultaria do facto correspondente à alínea E), na redação alterada em recurso; - o pagamento do valor de € 309.000,00 foi efetuado através da emissão de 11 cheques, 10 no valor de € 30.000,00 cada, e um no valor de € 9.000,00. Sucede, porém, que a Fazenda Pública insiste na verificação de um facto que não está demonstrado, nem se pode dizer que existam indícios fortes de que o mesmo tenha assim sucedido, a saber: que foram entregues aos Recorridos (ou, ao menos, ao Recorrido V....... ………..), € 309.000,00, através de 11 cheques, 10 no valor de € 30.000,00 cada, e um no valor de € 9.000,00. Salvo o devido respeito pela análise crítica da prova que a Recorrente faz, entendemos que a apreciação feita pelo Tribunal a quo é intocável. Com efeito, o que se verifica é que os referidos cheques foram emitidos ao portador ou à ordem de funcionários da sociedade “E............. ......., Lda”, ou seja, não foram emitidos à ordem dos Impugnantes. Para mais, foram levantados por funcionários da própria empresa, “E............. ......., Lda”. Acresce, adensando as incongruências, que 3 dos 11 cheques apenas foram levantados em 14 de janeiro, ou seja, já depois da celebração das escrituras públicas, o que, num raciocínio de normalidade e apelando às regras da experiência, não se mostra curial. É de realçar, ainda, que apesar de os apontados cheques terem como data de validade o dia 21/12/07, a verdade é que os mesmos terão sido aceites pelo Banco depois dessa data. Diz a Fazenda Pública que a aceitação pelo Banco de tais cheques, nas condições apontadas, é algo alheio aos SIT. De facto, assim é. O que, porém, já não deve ser indiferente aos serviços inspetivos é perceber as razões dessa atuação, o que, aliás, poderia ter levado, em sede instrutória, a obter explicações junto da instituição bancária visada e assim a melhor compreender o ocorrido. É verdade, e o Tribunal não desconsidera, que os serviços inspetivos “procuraram entender o sucedido junto do sócio-gerente da sociedade “E............. ......., Lda”, através de auto de declarações. É também verdade que o Tribunal a quo reputou tais declarações de duvidosa credibilidade, o que a Fazenda Pública aponta como um juízo não fundamentado. Entendemos, contudo, que esta crítica à sentença não colhe, pois bem se percebe, perante as incongruências da contabilidade da empresa de que era sócio-gerente o declarante e o seu manifesto interesse (contrário aos dos Impugnantes) em empolar o valor de venda/ custo das operações em causa, que a credibilidade das suas declarações tenha tido reputada de duvidosa. Tenha-se, ainda presente, que o valor de 309.000,00€ já se encontrava em 31/12/07registado na contabilidade da sociedade E............. ......., ou seja, antes das escrituras de compra e venda e de permuta e da emissão dos 11 cheques, o que mal se percebe no âmbito da compra e venda/ permuta, com os contornos que a AT entende apresentarem. Difícil de entender é também, num plano em que se espera da AT uma prova exigente, traduzida em indícios sérios, fundados e credíveis, que nenhum esforço probatório tenha sido feito externamente à “E............. ......., Lda”, quer, como já dissemos, junto da instituição bancária, quer, sobretudo, junto dos Impugnantes e, quanto a estes, através dos meios legais ao dispor da AT que lhe permitiriam aceder às contas bancárias dos mesmos. A estas considerações somam-se aquelas que ficaram elencadas pelo TT de Lisboa e acima transcritas, quanto à contabilização dos apontados € 309.000,00 e aos documentos de suporte, as quais se acompanham na íntegra. Em suma, e tal como a sentença recorrida, julgamos que não tem razão a Recorrente quando sustenta que, no caso, foram recolhidos indícios sérios e consistentes que permitem concluir que os Recorridos receberam efetivamente o valor de € 309.000,00. Face ao exposto, há que julgar improcedentes as conclusões da alegação do recurso, o que vale por dizer que se mantém na íntegra a sentença recorrida. * III - DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. Registe e Notifique. Lisboa, 01/06/23 (Catarina Almeida e Sousa) (Isabel Fernandes) (Lurdes Toscano |